PRÓ-CRIANÇA:
POR
ENTRE
CRECHES, LIVROS
E
CANÇÕES,
A
BUSCA
DE
CONSENSOS
(SANTA
cATAR1NA
_
DÉCADA
DE
so)CENTRO
DE
CIÊNCIAS
DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA
DE Pós-GRADUAÇÃO
CURSO DE
MESTRADO
EM
EDUCAÇÃO
“PR
Ó-
CRIANÇA
.-POR
ENTRE
CRECHES, LIVRO;
E
CANÇÕES,
A
BUSCA
DE
CONSENSOS
(SANTA
CA
TARJNA
-
DECADA
DE
1980)
”
Dissertação
submetida ao
Colegiado
do
Curso
de Mestrado
em
Educação do
Centro
de
Ciências
da
Educação
em
cumprimento
parcial
para a
obtenção
do
títulode
Mestre
em
Educação.
APROVADO
PELA COMISSÃO
EXAMINADORA
em
21106/2001
Dra
Marh
Auras Onentadora/UF
SC
Dra. Ivete
Simionatto
-Examinadora
/UFSC
Õ/~
Ê'
Dr.
Emi
José
seibel -E×mmzà0zmFsc~
ADra.
Eloisa
AciresCandal
Rocha
-Suplente/UF
Q,
À,
Prof.
Dr. Lucídio
BianchettiH
Coordenador
do
PPGE/CED/UF
SC
~
Mari pa
cla °O
gues
Gostaria
de
registrar 0meu
agradecimento aalgwmas
pessoasque
estiveramdiretamente envolvidas
com
o
feitioou
com
as circunstâncias resultantes deste trabalho.À
Professora Marli Auras,não
apenas pelas ricas orientações,mas
sobretudo, porme
proporcionaruma
quebra
de
paradigmas_,um
novo
olhar sobre a realidade e a funçãoda
pesquisa.
Às
ProfessorasMaria
CéliaMarcondes
deMoraes
e Eloisa AciresCandal
Rocha
por
me
fazerem buscarcada vez mais
inteligibilidade e consistência para este trabalho,pensando
principalmentenos
futuros leitores deste.Ao
Jean,um
companheiro,
um
amigo,um
interlocutor,que
em
tantosmomentos
me
fez enxergar outras variáveis
da
pesquisa,mas
principalmente, pelo amor, afeto e incentivodedicado ao longo desses anos. _
A
todos osmeus
colegas deturma
e,em
especial, à Márcia, pelas conversassempre
tão motivadoras; à Jane, pela troca de experiências e à Aline,
amiga
ecompanheira de
orientações.
E
porfim,
mas
não
menos
importante, agradeço aosmeus
pais, Francelino eMerência, para
quem
o
mundo
acadêmico
é difícilde compreender,
mas
não
as dificuldadesRBSUHIO
... ..Abstract
... ..Lista
de
Siglas
... _.Introduçao
... _.Capítulo
I
-
Pró-Criança:
Um
Caminho
Conservador
Até
osPequenos
... ..1.1.
Sob
uma
multiplicidade de formas,em
busca de
uma
homogeneização
... ..1.2.
Os
significadosda
estratégiade
intervenção socialvia a
“opção
pelopequeno”
... ..Capítulo
II-Pró-Criança:
Em
Conformidade
Com
asPolíticas
Nacionais
de
Barateamento
e Qualificação
Desqualificadora
... ..2.1.
Apelos
à participaçãocomo
respostasà diversificação e
complexificação da
sociedade ... ..2.2.
Qual
poli-tica paraa
Infânciaestá
sendo
proposta ? ... ... ._Capítulo
HI-
Por
Entre Creches, Livros
eCanções
A
Busca
de
Consensos
... ..3.1.
Argumentos
de convencimentos
sobre a conveniênciaser evidenciados nestas estórias? ... ..
Considerações
Finais
... ..Bibliografia
... ._Fontes
Documentais
... ..A
presente dissertação éum
estudo sobreo
Projeto Pró-Criança, propostoem
SantaCatarina
nos anos
de 1980.Tem
como
objetivo fundamental, discutir alguns instrumentosutilizados pelas forças políticas,
que pretendem
tomar-sehegemônicas
poruma
viamais
consensual, para a
consecução
dos objetivosde
tal projeto.A
“opção
pelos pequenos”,aparece
como
a principal via parao convencimento
do
Projeto Pró-Criança, contudo, taisproponentes
mantêm-se ou
emergem
de
uma
íntima articulaçãocom
o regime
autoritário.E,
no
interiorde
uma
propostaque
visa a criançade
O a 6 anos, eque
se auto-intitulacomo
inovadora, sobressai-se
uma
política assistencialista,em
consonânciacom
as políticaspropostas
em
âmbito
nacional, contribuindo para a desqualificaçãoda Educação
eThe
present dissertation is a studyon
the Pro-child Project,proposed
in SantaCatarina in the 80`s. It has as
fundamental
objective, arguesome
instmments used
by
thepolitical forces,
which
intend tobecome
hegemonic by
amore
consensualway,
for the goalsof such
project tobe
achieved.The
“option for the little ones”, appears tobe
themain
way
for the conviction of the Pro-child Project,however, such proponents
maintainthemselves or
emerge
from an
intimate articulation with the authoritarian regime.And,
inside a proposal that
aims
childrenfrom O
to6
years old,and
that entitle themselves as innovative, a helping politics is excelled, inconsonance
withproposed
political in nationalscope, contributing for the disqualification of the
Education
and
the State`snon-
ABI
-
Associação
Brasileirade
Imprensa
ACAFE
-
Associação
Catarinense dasFundações
EducacionaisACARESC
-
Associação
de Crédito e Assistência RuralADESG
-
Associação dos
Diplomados
da
Escola Superiorde Guerra
ALISC
-
Associação
dos Professores Licenciadosde
Santa CatarinaANDES
-
Associação Nacional dos Docentes
ANPED
-
Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisaem
Educação
ARENA
-
AliançaRenovadora
Nacional
BESC
-
Banco do
Estado de
Santa CatarinaCBE
-
Conferência Brasileira deEducação
CODESC
-
Companhia
de
Desenvolvimento do
Estado de Santa CatarinaCPB
_
Confederação de
Professoresdo
BrasilDSP
-
Departamento de Saúde
PúblicaECA
-
Estatutoda
Criança edo
AdolescenteESG
-
Escola Superior deGuerra
FAS
-
Fundo
de
Assistência SocialFECIC -
Festivalda
Canção
para a Infância CatarinenseFUNABEM
-
Fundação Nacional do
Bem
Estardo
Menor
IBGE
-Instituto Brasileirode
Geografia e EstatísticaICM
-Imposto
sobre Circulaçãode Mercadorias
LADESC
-
Liga de
Apoio
ao
Desenvolvimento
Social CatarinenseLBA
-
Legião Brasileirade
AssistênciaLSN
-
Lei deSegurança Nacional
MDB
-
Movimento
Democrático
BrasileiroMOBRAL
-
Movimento
Brasileirode
AlfabetizaçãoIVIPAS
-
Ministérioda
Previdência e Assistência SocialOAB
- Ordem
dos
Advogados
do
BrasilPDS
-
PartidoDemocrático
SocialPMDB
-
Partidodo
Movimento
Democrático
BrasileiroPND
~
Plano Nacional de Desenvolvimento
PP ~
Partido PopularPROAPEC
-
Projetode Atendimento ao
Pré-escolar CarentePRODASEC
~
Programa
deAções
Sócio-Educativas e Culturais para as populaçõescarentes urbanas
PRONASEC
-
Programa Nacional de
Ações
Sócio-
Educativas e Culturais parao
Meio
Rural
PSECD
-
Plano
Setorialde Educação,
Cultura eDesportos
RBS
-
Rede
Brasil Sulde
Comunicações
RCNEI
-
Referencial Curricular Nacionalda
Educação
InfantilSBPC
-Sociedade
Brasileira parao
Progressoda
CiênciaSEEESC
-
Sindicatodos
Estabelecimentos Particularesde Ensino de
Santa CatarinaSTO
-
Secretariade
Transportes eObras
Em
meio
adezenas de
livros infantis, nas estantesde
Lun Sebol, haviaum
com
páginas já envelhecidas, expressão
do manuseio
de inúmeras mãos,
cujoformato
e títuloUma
F
amília
Felizcausavam-me
estranheza, curiosidade e atéuma
incerta familiaridadez,que
seacenava
com
uma
fortevontade de
sabermais
sobre aquelepequeno
livroque
exibia a siglado
Estado de Santa
Catarina eum
slogan aindamais
instigante:
“Governo do
Estado
Cumprindo
a
Cartados
Catarinenses”.3I.
__
I I i 'I' rfl 3 V ir li if i_,É(l0GÊl%*Ik^~r>2 '--Jã?'%
t _- _» _ _;_z - .¬._ ->_4 uu-e 'Livraria onde se vendem livros usados.
2 F alo de Luna “incerta familiaridade” porque estudava
em
uma
Escola Pública Estadual de Santa Catarinano
momento
em
que foram lançados e distribuídos estes livros.3
Gostaria de ressaltar que o primeiro
momento
de encontrocom
este livro a queme
refiro, ocorreuem
meados de 1998, o que instigou algumas aproximações acerca do Projeto Pró-Criança, resultando
num
Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado Pró-Criança: a instrumentalizaçäo de discursos na construção de sujeitos (Santa Catarina 1982-1986).
As
páginas desse livrode enredo
simplista, recheadaspor desenhos
aparentemente ingênuos
traziamum
norteque
saltava aos olhos já nas suas primeiras falas:“Pedro, Pedrinho e Pedroca eram três rapazes amigos e estudiosos que
moravam
naRua
Nova, bonita, de casas simples,
mas
caprichadas. Maria, Mariquinha e Maricota eramtrês menininhas amigas e trabalhadeiras,
moravam
naRua
da Figueirinha, pequenininha, de casas miúdas,mas
muito 1impinhas”f'Longe
de
representarapenas
rimas e distrações,com
um
olharmais
atento paraesta literatura infantil reconheceria algo
que
se projetade
modo bem
mais
abrangentedo
que ingenuamente
pode
parecer.Há
uma
instrumentalizaçãoda linguagem
escrita, aqual parte
de
um
lugarde produção
real, cujos destinatáriosou meio
de
circulação jáestão
previamente
definidos.O
universode
estudos acercade
livros infantis contacom
alguns títulosexpressivos, dentre eles
As
belasMentiras, de
DEIRÓ5,
o
qual analisa as ideologiassubjacentes aos textos didáticos,
o que nos
fornece subsídios para análisede
diversoselementos
comuns
nos
livros infantis.Não
se trata, portantoda
inexistênciade
estudos,mas
pode-se
ainda falarde
uma
ampliação de espaço
para a discussãode
algoque
vem
4
SASSE,
Marita Decke.Uma
Famflia
Feliz. Florianópolis:LADESC,
1986.Não
paginado.5
Os
estudos aos quais refiro-me são:DEIRO,
Maria L. C.As
belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos didáticos. São Paulo:PUC,
1978.
ECO,
Humberto,BONAZZI,
Marisa. Mentiras que parecem verdades; São Paulo: Summus, 1980.ABRAMOVICH,
Fany (org.).0
mito da Infância feliz. São Paulo: Stmimus, 1983.BELLOTTI,
Elena G.Educar
para a submissao. Petrópolis: Vozes, 1975.MICHEL,
Andrée.Não
aos Estereótipos! Vencer o sexismo nos livros para Crianças e nos manuaisescolares. São Paulo: Cons. Est. da Condição Feminina; Unesco, 1989.
GOES,Lúcia P. Introduçao à Literatura Infantil e Juvenil. 2” ed.São Paulo: Pioneira, 1991.
ZIBERMAN,
R
&
LAJOLO,
M.
Um
Brasil para Crianças- para conhecer a literatura infantil brasileira:histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1993.
FRANTZ,
Maria H. Z.O
Ensino de Literatura nas séries iniciais. 2” ed. Ijuí: ed. Unijuí, 1997.MORENO,
Montserrat.Como
se ensina a ser menina: o sexismo na escola. São Paulo: Moderna;estabelecendo posturas, valores e principalmente,
de
um
instrumento a serviçode
uma
determinada “ordem”.
Era
preciso sabermais
sobreo
universoque
se ocultavapor
detrás daquelelivrinho,
o
que
instigou a delimitaçãodo
presente estudo, cujos objetivosforam
moldados
pelo interesseem
desvelardimensões
políticas, culturais e sociaisque
subjazem
aos livros selecionados pelo entãodenominado
(epouco
conhecido, pelomenos
no meio
acadêmico)
Projeto Pró-Criança,o que
só poderiatomar-se
possívelmediante o entendimento
do
que
foio
Projetoem
questão, qualo
momento
históricoque o
viabilizou e os direcionamentospropostos
pelomesmo.
Vinda
de
um
Curso de
História,profundamente
marcado
pela perspectivafrancesa
da
História Cultural, concebia claramente a possibilidadede
fazerum
trabalhoque
se espelhasseao
que
DARNTON
fazem
seu livroO
grande massacre de
gatos,no
qual vislumbra significados inesperados
de
contos infantis,onde
tenta mostrarnão
apenas o
que
as pessoaspensavam,
mas
como
pensavam,
como
interpretavamo
mundo,
como
conferiam-lhe significado e lhe infundiamemoção, na França
do
século XVIII.6Contudo
pairavauma
inquietaçãoque
se fortaleceucom
o
ingressono
cursode
Mestrado
em
Educação. Para
isto tornou-se necessário avançarmais
na compreensão
do
que
eraou
é a realidade,posto
que
isso jánão
seria possívelno
interiorde
uma
perspectiva historiográfica,
com
dimensões
tão subjetivas eque
parecia esforçar-sepor
negar o
real,por
afirmar
que não
existeuma
verdade
esim
uma
miríade delas,por
transformar
o
realem
apenas
discursos, textos e narrativas.6
DARNTON,
Robert.
O
grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa.Minha
insegurança foiampliada
ena constemação da condição de “quebra de
paradigmas”
fui questionada sobreo que
existia paraalém
desses discursos.Então
fuiperdendo o
chão, se éque
ele existia...Assim,
em
um
contextoonde
falarde
realidade tornara-sequase
uma
heresia, fuiapresentada
ao que
hoje consideroo
pensamento mais profundo
acercada
historicidadedas relações
humanas: o de Antonio Gramsci
(1891-1937). 'A
Este
pensador,segundo
Coutinho, estabelece a suapolêmica
entreduas
frentes,isto é, contra as tendências auto-intituladas
ortodoxas
(materialismo vulgar) eprincipalmente contra as tentativas
de
destruir0
materialismoenquanto concepção
unitária
do mundo,
fragmentando-o
em
partes isoladas e desca.racterizadas.7Pareciam
preceitos básicos,mas
que ampliavam o entendimento de
História,agora compreendida
como
produto
do
trabalhohumano.
Assim,
reforçada pela leiturade
A
IdeologiaAlemã,
de
MARX
eENGELS8
começava
a perceberque
“a primeiracondição de toda
a históriahumana
é naturalmente, a existênciade
sereshumanos
vivos”9 e
que “pode-se
distinguir oshomens
dos
animais pela consciência, pela religiãoe
por tudo o que
se queira.Mas
eles próprioscomeçam
a se distinguirdos
animaislogo
que
começam
a produzir seusmeios de
existência, e essepasso
à frente é a própriaconseqüência de
sua organizaçao corporal.Ao
produzirem
seusmeios de
existência, oshomens
produzem
indiretamente sua própria vida material”.l0Ou
seja, a partirdo
processo de complexificação
das relações;do
processo de
transformaçãoda
natureza,7
COUTINHO,
C. N;
KONDER,
L. In:GRAMSCI,
A. Concepção Dialética da História. 10” cd. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. Prefácio, p. 4.8
MARX,
Karl
&
ENGELS,
F.A
Ideologia AIemã.São Paulo: Martins Fontes, 1998.9
Idem, p. 10.
1°
começou-se
a fazer história. Isto paramim
erafundamentalmente
um
deslocamento, aabertura para
uma
outracompreensão,
no
âmbito da
qual a prática apresentava-secomo
critério
de verdade da
teoria enão o
contrário.Isto
ganhava
força, principalmentequando
me
deparava
com
a seguinte realidade:o
livroUma
Famflia
Feliz, já referido eexposto
na
abertura destaIntrodução,
estampava o
nome
de
um
órgão
-LADESC
(Ligade
Apoio
ao
Desenvolvimento
Catarinense), presididopor
Ângela
Arnin,esposa
do
entãoGovernador do
Estado de
Santa Catarina (EsperidiãoAmin) no
períodode
seulançamento (1986)“.
Não
por
mera
coincidênciaÂngela
é a atual prefeita reeleitade
Florianopolis,
sendo
também
novamente
a primeiradama
do
Estado
jáque
EsperidiãoAmin
é,na
atual gestão,mais
uma
vez
govemador
de
Santa Catarina.Percebi
que a compreensão
desta realidade,que
pareciaaparentemente
tãosimples e já traçada, só poderia avançar a partir
de
um
entendimento que
trabalhassecom
a perspectivade
totalidade,não enquanto
justaposiçãoou
soma
das partes,mas
enquanto
síntesede
múltiplas relações.“Nos
termos
lukacsianos, esta totalidadeconcreta é a estrutura
na
qual se inseremcomo momentos
dialéticos, a estruturaeconômica
e as superestruturas ideológicas, isto é,não
existeuma
hierarquia a prioridos
momentos
da
realidade”.12Desse modo,
em
busca
da
compreensão
do
que
significavade
fatoo
ProjetoPró-
Criança
chegamos
adocumentos
de
suas diferentes fases,de
idealização,É
importante lembrar que o referido livro foi lançadoem
1986,mas
o Concurso que selecionou livros infantis para a Coleção Pró-Criança, foi iniciadoem
1984. ~ll
12
coUTn×1Ho,
c. N;
KONDER,
L. In;GRAMSCI,
A. concepção Dialética da História. 10a ea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. Prefácio, p. 4.implementação
eandamento.
Assim,mediante
o
intitulado“Documento
Básico”,pudemos
vislumbraro
que
equem
de
fatoeram
os alvos desse Projeto, apresentadosem
tal
documento
como
“Primeiro osPequenos”.
De
talmodo
tornava-se perceptíveluma
questão
fundamental
acercado
significado desta“opção” por
uma
massa
homogeneizada
sob afórmula pequeno:
quem
eram
esses“pequenos”?
E, portanto,que
forças políticas
eram
essasque
acenavam
parauma
políticade atendimento
a criançasde O
a6 anos de
idade,em
Santa Catarina?Além
do
Documento
Basico
do
projeto Pró-Criançativemos
acesso a outrosdocumentos,
taiscomo
Informativos,não sendo
possível definirquantos
destes existiamjá
que encontramos exemplares
do número
2 ao
7. Estes,indicavam
um
movimento
intenso
do
Projeto,agmpando
em
seu interior,todo
e qualquer evento referente à saúde,educação
e cultura,que aconteciam
no
Estado de
Santa Catarina; apontando, assimcomo
no
Documento
principaldo
Projeto, parao
principal “recurso”de
viabilização daspropostas
do
Pró-Criança, qual seja, a “Participação”.Aí despontava
uma
dasprincipais questões
que
penneavam
este Projeto, tratava-sefundamentalmente da
definição
do
papeldo
Estado
edos
indivíduos frente a “res publica”.Quando
intitulo este trabalhocomo
Pró-Criança por
entreCreches, Livros
epor
uma
interpretação dessas fontesdocumentais”, que
orientamminha
principal hipótese, qual seja, ade que
os livros, asmúsicas
infantis, as creches domiciliares eoutros
que
denominamos
de
subprojetos deste Projeto,tenham
servidode
artificio,de
instrumentos geradores
de conformismo, de
uma
políticaque
se pretenderetoricamente divorciada
da
ideologia.Na
célebre falade
GRAMSCI
“qual éo
tipohistórico
do
conformismo
edo
homem-massa
do
qualfazemos
parte?”.14Nas
palavrasde
FERNANDES
“a política,aparentemente
divorciadada
ideologia, é
pura
ideologia,uma
tentativade
transformaro
mundo
com
“boasintenções”,
sem
alterar a substância das coisas e aordem
da
sociedade”.15Nesse
sentido,tentaremos
ao longo
destas páginas desvelardimensões
destassubstâncias, desta
ordem
existente,o
que
se pretende manter, construirou
transformar apartir
do
Projeto Pró-Criança.Assim,
num
primeiromomento
(Capítulo I),ao considerarmos o
projetoPró-
Criança
no
contexto históricoque o
viabiliza,buscamos
evidenciar a multiplicidadede
formas
em
que
ele é apresentado; os seus objetivos e a prioridadeanunciada
aos“pequenos”.
Desse modo,
buscaremos fundamentalmente
discutir essa tãoanunciada
13
As
fontes às quaisme
refiro compreendem Relatórios de Encontros das Instituições ligadas ao Pró- Cn`ança, tanto da fase de idealização quanto implementação e acompanhamento do Projeto (1982-1986),tais como: Informativos, o Documento Básico, que reúne as principais ftmdamentações do Pró-Criança, os livros infantis selecionados no concurso promovido pelo Pró-Criança Cultural e as Canções
selecionadas no concurso de músicas no Festival da Canção
-
Fecic, entre outras.A
relação das fontesdisponíveis encontra-se ao final deste trabalho.
Em
relação à sua disponibilidade para a pesquisa, pudecontar
com
o apoio da Secretaria Estadual de Educação, local onde se encontram alguns destes documentos citados, e principalmente, de forma decisiva,com
o apoio do Arquivo do Núcleo deEducação Infantil da
UFSC,
onde se encontram reunidas grande parte das fontes disponíveis. Alguns doslivros selecionados pelo Pró-Criança cultural, mais precisamente 18 deles, foram obtidos através dos Sebos, os outros 13 foram obtidos mediante acervos paiticulares; o
mesmo
pode ser ditoem
relação aos discos do Festival da Canção para a Infância Catarinense.14
GRAMSCI,
Antonio. op. cit., p. 12.
15
FERNANDES,
opção
pelos“pequenos”
eo
contextode “emergência”
dessas forças políticasque
estãopropondo
o
denominado
projeto.No
segundo
capítulo intituladoPró-Criança:
em
conformidade
com
as políticasnacionais
de barateamento
e qualificação desqualificadora, tentaremosevidenciar
os
instrumentosque o Pró-Criança busca
disponibilizar para aconsecução
dos
seus objetivos.Procuramos
discutir qual política, para a infância catarinense, estásendo proposta
econcomitante
a isto, as perspectivasde atendimento
a criançasde O
a6
anos
que
permeiam
as políticasgovernamentais de âmbito
nacional.No
terceiro capítulo,problematizaremos mais
detidamenteo
subprojetode
Creches
Domiciliares,no
intefiordo
Projeto Pró-Criança, eo
subprojetoPró-Criança
Cultural,
que
compreende
um
concurso de
livros emúsicas
infantis.Cabe
ressaltar que,inicialmente, tinha
o
propósitode
analisaro conteúdo
desses livros emúsicas
selecionadas
por
tal Projeto, contudo,com
apremência
do
tempo, apresentamos apenas
uma
análise acercado
conteúdo dos
livros e,fazemos
alguns indicativos referentesao
conteúdo
das músicas.Assim,
mediante o
subprojetode Creches
Domiciliares,procuramos
discutiracerca
dos
discursosque
buscavam
convencer
sobre a conveniência e viabilidadeda
suadisseminação
em
Santa Catarina,embora,
todas as justificativasde convencimento
desse subprojeto
perpassem ao longo
do
presente trabalho, vistoque
coincidem/corroboram
afiindamentação de todo o
Projeto Pró-Criança.E
por
fim
buscamos
evidenciarmediante
o
conteúdo dos
livros infantis, abusca de
construçãode
consensos.
Porém,
faz-se necessário lembrar,que
estesnão
aparecem
apenas
nos
livros,mas
sãoconsensos que
incansavelmente são repetidos, repisados,ao longo de toda
aCapítulo
I
-
Pró-Criança:
Um
Caminho
Conservador
Até
os
Pequenos
1.1.
Sob
uma
multiplicidadede
formas.em
busca
de
uma
homogeneização
Inúmeras foram
asvezes
em
que
ouvimos
questionamentos
acercado
que
seriaesse tal projeto Pró-Criança;
não
havia enão ha
respostas consistentesque
dêem
contade
uma
breve
síntese._
Um
aspecto inibidor parecia emergirda
sua dimensãoló,corremos
mesmo
o
risco
de nos
perdermos na
sua amplitude,no
sentidode
que
estetermo Pró-Criança
vaiser
amplamente
usado enquanto
um
recurso “guarda-chuva”,no
sentidode que
neletudo
cabe.De modo
ainda preliminarquer nos
parecerum
projetoque
se caracterizapor
uma
variedadede medidas que
convergem
para as propostas acerca das necessidadesmais
elementaresdo
serhumano,
propondo-se
a atender crianças catarinensesde
todasas regiões
do
Estado, priorizando, sobretudo, as periferias urbanas e rurais, tornando-sevisível
em
um
contextoem
que
a inexistênciade
políticas públicas, voltadas parao
atendimento
de
criançasde O
a6
anos,marcava
o
cenário brasileiro e catarinense.O
referido projeto é apresentandopor
seus idealizadores sobuma
multiplicidadede formas
ou
nomenclaturas,que
aquidenominamos
subprojetos e,embora
delimitemaparentemente
territóriosgeográficos
ou
sociais, representam,ao nosso
ver,uma
16
Todos os subprojetos do projeto Pró-Criança eram representados pela figura de
um
pintinhotentativa
de
remediarproblemas
essenciais para a sobrevivêncianos
diferentes tiposde
“comunidades”.
Gostaríamos de
frisarque o termo
comunidade
não
aparece aquide
forma
tranqüila, já
que entendemos que
estepode
serum
conceitoque
tende ahomogeneizar,
aesconder
as contradiçõesda
realidade.Nesse
sentido,CHAUÍ
apresentauma
discussãosobre
o que
se entendepor
comunidade
numa
sociedadede
classes,destacando que “na
análise
de
Man;
acerca dasformas
pré-capitalistas, os três tiposde
comunidades
estudadas (primitiva, oriental,
germânica
-
feudal) são constituídospor
uma
determinação
firndamental, qual seja aforma
comunitáriada
propriedade (da terra) edos
instrumentosde
trabalho (no artesanato)”.A
autoraprossegue questionando
se“seria
por obra
do
acasoque
a idéiade
Nação
ede
Comunidade
nacionaltenham
surgido
exatamente
quando
a realidade dascomunidades desapareceu? Se
acomunidade
não
for aNação
(pois se esta encontra-se divididaem
classes),onde
estará?Na
perspectiva
da
teologiada
libertação surge a idéiada
comunidade
como
uma
comunidade
de
destino,de
sorteque o
vínculoque
une
osmembros
de
uma
comunidade
é
um
destinocomum.
Ora,dada
a divisão das classes, haveria diferença entrecomunidade
de
destino e classe social?Se
houver, qualpoderá
ser?”17A
autora continuaem
tom
incitante:“quando,
portanto, aceitamos ostermos da
lei,
segundo
a qual a escola recebe e presta serviço àcomunidade,
não estaremos
confundindo,
o
bairro, a vila, a periferia, isto é, osagnrpamentos
com
acomunidade?
Mas
o que há de
seruma
comunidade
assimdefinida?
O
que
se oculta sob ela?O
que
17
CHAUÍ,
Marilenaldeologia e Educação. Rev. Educação e Sociedade. São Paulo: Cortez/Autoresestá
sendo
silenciadoquando
se fala sobrecomunidade
numa
sociedadede
classesonde
as
condições
objetivasda
vida comunitárianão
podem
existir?”18Esta
fala é bastante significativa, principalmenteporque ao considerarmos o
projeto Pró-Criança falamos
de
um
projeto voltadoao “pequeno”, que por
sua vez, está inserido dentrode
uma
comunidade, colocada
sob os holofotescomo
“carente” ou, nasentrelinhas
dos documentos,
como
uma
categoriade
organização social à qual seatribuem as responsabilidades pelas deficiências.
Por
outro lado, tal política fortaleceo
descomprometimento
efetivodo
Estado
com
asdemandas
públicas, descaracterizando asua
função de
provedor.A
variedadede
formas, sob as quais apresenta-seo
referido projeto Pró-Criança,traz
no
seu interioruma
tendênciahomogeneizante,
marcada
por
adjetivoscomo
““desassistidos”” e “pequenos”. Estes
parecem
estarpor toda
parte,em
todos
ossubprojetos, os quais
apresentamos
sucintamenteno
iníciodo
nosso
trabalho.Assim,
temos
o Pró-Criança
Rural, cujaproposta
baseia-seno
objetivode que
“as
mães
e a família ruraltenham
mais
acesso àsinfonnações
sobre saúde, alimentaçãoe estimulação e dessa
forma
possam
decidir sobre aforma de educação dos
filhos”19,o
Pró-Criança
Saúde,tendo
suapreocupação
voltada principalmenteao
saneamento
básico,
o
que
interfere diretamenteno
seu principal alvo, isto é,o
primeiroano de
vidada
criança, jáque
seu objetivo é a“redução da
mortalidade e amorbidade causada por
um
grande
número
de
doenças”.2°Um
outro subprojeto éo Pró-Criança
Pesqueira, cujas atividadesestendem-se
também
desde
aspectos ligados à faltade saneamento
18
Idem.
19
coM1ssÃo
PRÓ-CRIANÇA.
Informaúvo. Fioúanópoiisz 1oEsc, n. 2,mvemo,
1984, p. 20.2°
COMISSÃO
PRÓ-CRIANÇA.
básico, e
por
sua vez,de
saúde, implicandodoação de roupas
e alimentos para as famílias consideradas “carentes”21.Temos
aindao
subprojeto Gaivota,que propunha
atendimento
aum
número
de
quinze criançasem
lugaresnão
previamentedeterminados, pois
o elemento que mais o
caracteriza é a ausênciade
base fisicadefinida; e
o
subprojetoCreches
Domiciliares,que
se caracterizapor
atender criançasde O
a6 anos
“atravésde
lares auxiliaresda comunidade,
durante a jornadade
trabalhode
seus responsáveis”22. E,por
fim,
o Pró-Criança
Cultural,que
compreende
um
concurso de
estórias infantis (coleção Pró-Criança),um
Festivalde
Canções
destinadasàs crianças
do
Estado de
Santa Catarina(FECIC)
e apresentações nas áreas rurais,pesqueiras e periferias urbanas,
da peça
teatralImaginascendo,
a qual insere-sena
atividade
denominada
Teatrandando
-um
jeitode
mambembar,
desenvolvido peloPró-
Criança e pela
Cooperativa
de Atores
Banco
de Praça.”
Para
efeitos desta pesquisaconsideramos
como
sendo mais
representativos ossubprojetos
Pró-Criança
Cultural, selecionandono
interior deste osconcursos de
estórias e músicas, e
o
subprojetoCreches
Domiciliares,o que não
significaque o
entendimento
destes prescindada
análise,em
muitos
momentos,
da proposta dos
outrossubprojetos, haja vista os diversos
elementos
que
possuem
em
comum,
sejaporque
propõem-se
a assistir criançasde O
a6 anos
e, essencialmente, pelaforma
como
encaminham
a efetivaçãode
suas propostas, via constante apelo a participação dascomunidades.
2* co1v11ssÃo
PRÓ-CRIANÇA.
Informativo. Florianópolis; 1oEsc, 11° 5, púmaverz, 1985,15. 17.
22
COMISSAO
PRÓ-CRIANÇA.
Creches Domiciliares. Doc: versão 3. Florianópolis:LADESC,
1984,p. 02.
23
coM1ssÃo
PRÓ-cRrANçA.
Do
ponto de
vistados
idealizadoresdo
Projeto Pró-Criança, trata-sede
um
“sistema
govemamental
- comunitário-
participativo -Pró
-
criança: conjuntode ações
realizadas
de
forma
ordenada,coordenada
e harmônica,tendo
por
fundamento
comum
a criançade O
a6
anos, consideradano
seioda
família eno
ambiente
que
a cerca”24.Temos
acima
aenunciação de
um
projetoque
se caracteriza,ao
mesmo
tempo,
governamental, comunitario e participativo.
Cabe
perguntarmos
qual éo
papeldo
Estado
dentro deste projeto, qual papeldefine-se
para acomunidade
eque atendimento
reserva-se a essas crianças.
Trata-se, inegavelmente,
de
uma
política para a infância catarinense;mas
de
qualtipo?
1.2.
Os
significadosda
estratégiade
intervenção social via a“opção
pelopequeno”
É
importante ressaltarque
esta políticade
caráter assistencialista,que
sea resenta
com
uma
“finalidadede
daratendimento
à cn'an ade maneira
inte rada 7com
ênfase para a nutrição, a saúde,
o saneamento,
a educação, a estimulação e aafetividade”25, está inserida dentro
de
um
projetomaior definido
como
a“opção
pelospequenos”, proclamado na
“Cartados
Catan`nenses”26, eque
vai deliberadamenteconstruindo a
figura de
“bom
político”do
entãogovernador
EsperidiãoAmin
ede
sua24
coM1ssAo
PRÓ-CRIANÇA. Dooumomo
Bâsioo. Florianópolis; 1oEsc, 1984.Nâo
pzgmzao.25
Idem.
26 Documento
que reúne as propostas de
govemo
de EsperidiãoAmin
e Victor Fontana, para as eleições de 1982em
Santa Catarina. Antes de sua forma definitiva, foram publicados na imprensaem
tomo
de 20 “cartas setoriais”, que apresentavam as propostas de govemo, por áreas, resultando na “Carta”, o que serviu para ocupar precioso espaço na imprensa e colocar a candidatura deAmin
em
evidência. In:AGUIAR,
Itamar.As
Eleições de 1982 para governadorem
Santa Catarina - Táticas e Estratégias dasesposa
Ângela Amin,
presidentedo
Pró
- Criança”,ou
seja, éuma
proposta
de
intervenção social e
ao
mesmo
tempo
um
instrumentode
“marketing” político,pautado
numa
escolha pelo“pequeno”
considerado principalmente(mas não
apenas) às criançasna
faixa etáriade O
a6
anos. Aqui, aparece nitidamenteum
aspecto problemático,o
conteúdo
destetenno “pequeno”.
Quem
é ele eo que
se pretendeao
propagar-seuma
“opção”
pelomesmo?
Na
Cartados
Catarinenses, essaopção
apareceenquanto
um
compromisso,
assim
assumido
publicamente:O
compromisso maior de prioridade aos pequenos não é simples jogo depalavras,
nem
mera retórica.E
isto sim, fruto da experiência dequem
tem pautadosua vida pública
em
ações voltadas fundamentalmente às comunidades maiscarentes de Santa Catarina.
Essa rneta, conforme tem destacado o candidato a governador, não é
uma
caridade.Pelo contrário. Ela é economicamente útil e socialmente inadiável.”
A
prioridadedo
governo
é atribuídacomo
sendo o atendimento
das necessidadesmais
elementaresda
partemais pobre da
sociedade,o que
é postocomo
não sendo
arroubo
populistaou
atode
caridade,porém
como
fmto
de
suas experiências.O
que
istosignifica?
Quem
estavano
govemo
até então?De
qual contextovingou/emergiu
talapregoada
“vida pública?”Por onde
andava
esteque agora
se apresentacom
tantaexperiência
no
âmbito
social?Por
que agora
os“pequenos” adquirem
esta importância?27
Uma
das estratégias para a construção dessa
imagem
pode ser percebida através da escolha do símbolo do Pró-Criança, assim descrita peloDocumento
Básico: “no dia 8/05/83, comemorando o dia das Mães,Amin
e Angela receberam mais de mil crianças no palácio da Agronômica.As
crianças escolheram osímbolo do pintinho,
como
logotipo oficial do programa Pró-Criança”.RAMIN,
Esperidião;FONTANA,
Victor. Carta dos Catarinenses: Santa Catarinaum
compromissoDe
que forma
esta postura éeconomicamente
útil?O
que
estáocorrendo
no
âmbito
social
que
a transformaem
algosocialmente
inadiável?Compreendemos
a partirde Gramsci que “na mais
simples atividade intelectualestá contida
uma
determinada concepção
do mundo,
que
está enraizadaem
cada
ato,no
comportamento,
nas atitudes diantede cada
circunstância”29,cabe
ànós
pesquisadores, a tarefade
compreendermos
historicamente,como
é constituída e utilizadadeterminada
concepção de
mundo,
com
quais objetivos, quaiselementos
possibilitaram a construçãode determinados pensamentos, o que o
impulsionou.Temos
clarezade que
as idéiasnão
surgem do
nada,simplesmente
não aparecem
ou
desaparecem
no
vazio, elastêm
raízesterrenas,
surgem
de
respostas às necessidades objetivas, são portanto, históricas, frutodo
trabalhodos
homens
e das mulheres.Daí nosso entendimento de que
a realidadepode
sermodificada,
mas
para issotemos
que
conhecê-lapara
além
das aparências,do
imediatamente
dado ou
anunciado,o que
significa dizerque
as “múltiplas relações”nãosão apreendidas
de
imediato,num
simples piscarde
olhos,mas
pelo trabalhode
reflexão,
de busca de
mediações,na acepção
clássicade que não
se percebe a mais-valiacaminhando
pelos corredoresda
fábrica.Neste
sentido,devemos
ficar
bastante atentos para as implicações daquiloque
se estáproclamando
como
a“vez dos pequenos”,
a“opção” por
eles.Diante
disto, torna-seimprescindível
percebermos o
lugarde
onde
foiproduzido
e está partindoo
projeto Pró-Criança,
o
que
implicaem
conhecermos
a trajetória políticade
quem
está sob aincumbência de propor
este direcionamento político-cultural, isto é,precisamos
29
oRAMsc1,
Antonio. coiioopçâo niaréiioo ao História. Rio do jzmoiioz civiiizooâo Brasileiro, 1978,
perceber
o
processo(em
curso)de
construçaode
uma
hegemonia,
compreendendo
que
esta “exige
ação
intencional, consciente, politicamente articulada”.3°Não
se trataobviamente de
uma
ação
individual,mas
da
expressãode
uma
relação
de
forças,31na
qual EsperidiãoAmin
surgecomo
afigura
que
reúne osrequisitos necessários a
um
dado
momento
político,onde
não apenas
acoerção
é aindaabsolutamente
necessária,porém
impõe-se
crescentemente a necessidadede
buscar aconstrução
do
consenso,de
apontarem
sua direção.Em
estudo acercado
processo eleitoralem
Santa Catarinaem
1982,AGUIAR
discute aspectos conjunturais e políticos
que
em
grande
medida
nos
inseremna trama
política
do
momento
históricoem
questão.Segundo
o
autor, as eleiçõesde
novembro
de
1982
“propiciaram a possibilidadede
rupturano
sistema político até entãodominante
em
Santa Catarina, principalmente selevarmos
em
contao
surgimentode
candidaturaindependente
das forças tradicionaisque sempre
dominaram
o
Estado, representadoneste pleito pela candidatura peemedebista.
As
elites tiveramque
seapegar
com
todasas
armas
em
tornoda
candidaturade Amin,
cuja vitóriaem
1982
é até hojequestionada”.32
3°
AURAS,
Marli.O
pensamento vivo do marxista Antonio Gramsci. Revista Plural, Florianópolis:
APUFSC,
ano 2, n. 2, jan/jun, 1992.31
Segundo Gramsci, na “relação de força”, é necessário distinguir diversos momentos ou graus, que no
fundamental são os seguintes: o primeiro,
com
base no grau de desenvolvimento das forças materiais deprodução, têm-se os agrupamentos sociais, cada
um
dos quais representauma
frmção e ocupauma
posição determinada na própria produção.
O
segundomomento
é a relação das forças políticas, ou seja, aavaliação do grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos
sociais.
O
terceiromomento
é o da relação das forças militares, imediatamente decisivoem
cadaoportunidade concreta (o desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro
momento,
com
a mediação do segundo). In:GRAMSCI,
Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2000, 3 v., p. 40-43.
32 Esse
debate acerca do questionamento dos resultados da eleição de 1982 para o governo de Santa Catarina está presente
em
estudos de vários autores, dentre eles:VIOLA,
Eduardo,FONTANA,
Remy,A
compreensão
da
importânciada
candidaturapeemedebista
pode
servislumbrada na
medida
em
que entendemos o
PMDB,
ou
antes,o
MDB33
como
o
grande
partidode oposição ao regime
militar.Segundo
AGUIAR,
este partido constituía-setambém
em
Santa Catarinaenquanto
“importante pólode
aglutinaçãoda
insatisfação popular,
não
só contrao
regime,mas
também
contra a estruturade
dominação
estadual.Assim,
podemos
verificarmesmo
antesda
reformulação partidáriade
1979,o
declínio arenista eo conseqüente
crescimento partidáriodo
entãoMDB,
alcançando importantes vitórias
no
plano eleitoralem
quase toda
adécada de
70.O
partido havia
vencido
a disputa parao senado
em
1974,
bem como
aumentado
o
número
de
prefeituras,conquistando
importantes redutosem
cidades pólosde
forte vigoreconômico,
aexemplo
de
Blumenau,
Joinville e Lages”.34Continuando
este processode
crescentes vitóriasda oposição
eampliação
do
espaço de
democratização, as eleiçõesde 1978
também
trariam alcances positivos parao
partido oposicionista,que
acabariaobtendo
êxito parao
senado, “aexemplo do
que
ocorrera
em
74,com
a vitóriade
Jaison Barreto reforçandoo
crescimentono
plano33
O
Ato Institucional número 2 (AI-2), assinado pelo general Castelo Branco,
em
17 de outubro de 1965,24 dias após as eleições para os govemos estaduais, vencidas por candidatos oposicionistas
em
MinasGerais e na Guanabara, estabelecia dentre outras coisas, a extinção dos partidos políticos existentes e,
pelo nível de exigências e restrições para a constituição de
um
partido político, fonnaram-se dois pólos,aARENA
e oMDB
. Somentecom
a lei 6.767/79, o pluripartidarismo se converterianuma
possibilidade,inclusive a curto prazo. Para além da intenção manifesta, no entanto, se escondia o interesse dos “militares, enquanto governo”,
em
dividir a frente oposicionista alojada noMDB.
O
que, de fato, veioa acontecercom
o surgimento de novos partidos po1íticos.Desse modo, a Arenanuma
evidente tentativa de disfarce virouPDS
(Partido Democrático Social) e oMDB
passou a se denominarPMDB
(Partido doMovimento Democrático Brasileiro), pois a nova legislação, visando desgastar a sigla oposicionista,
determinou a obrigatoriedade da palavra partido
em
todas as agremiações políticas. In:GERMANO,
José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 1993, p. 60; 220.34AGU1AR,
Itamar.As
Eleições de 1982 para governadorem
Santa Catarina-
Táticas e Estratégias das Elites no confrontocom
as Oposições.Dissertação de Mestrado. Florianópolis:CFH/UFSC,
1991, p.partidário.
Chegamos,
então,ao
finaldo
período revelando a possibilidadede duros
embates
naspróximas
eleições”.35Alguns
estudostêm
procurado
enfatizaro
vigordo
crescimento das forçaspopulares
em
Santa Catarina, principalmenteno
que
diz respeito à possibilidadede
formação de
uma
nova
cultura política eo revigoramento/adensamento da
vidapartidária. Estes estudos
apontam
na
direçãoda
organizaçãode
certos setoresda
classetrabalhadora
que
passam
a reivindicar e lutarpor
seus direitos, assimcomo
na
organizaçao
de
váriosmovimentos
reivindicatóriosno meio
rural e urbano.Sao
exemplos
significativos deste fato, as lutas sociaisque eclodem
no
Estado
em
meados
da década de 70
e irríciodos anos
80.36As
dificuldades sentidas na esfera econômica irão obrigar as diferentes categorias profissionais a se organizaremem
tomo
de suas principais bandeiras de luta, incluirem
sua agenda política a defesa da redemocratização do país.
Não
seria por acaso que noEstado, certos segmentos da classe trabalhadora do
campo
e da cidade, se colocassernem
82 ao lado doPMDB,
capaz naquelemomento
de canalizar a insatisfação popularcontra 0 regime militar, e igualmente contra a estrutura de dominação estadual.”
Uma
insatisfaçãoque
também
vai sergrandemente
sentidano
campo,
e explicitada sob aforma de
tensões constituídasem
virtudedo
empobrecimento
destecontingente populacional,
que
jáem
1980
se manifestava através das primeiras invasões35
rbiàem, p.45.
AGUIAR
considera ainda alguns outros aspectoscomo
sendo fundamentais para o acirramento daseleições de 82
em
Santa Catarina, taiscomo
a fusão doPP
com
oPMDB
confirmando o temor das elitesquanto ao possível malogro eleitoral do partido situacionista. Salienta
também
o aumento vertiginoso da impopularidade do regime,bem
como
dos govemos catarinenses, então nomeados pelos militares noperíodo e o processo de urbanização que se efetua na década de 70
em
Santa Catarina, que deve tercontribuído para aumentar ainda mais a insatisfação popular contra o regime militar.
“Conforme
mostram entre outros, os estudos de: Teresa Kleba Lisboa, “o movimento dos trabalhadoresrurais
sem
terra do oeste catarinense”, dissertação /Mestrado/1987, Ilse Scherer~
Warren, “MovimentosPopulares
em
Santa Catarina: notas paraum
mapeamento”, 1987 (ApudAGUIAR,
p. 46)37
de
trabalhadoressem
terra,com
aocupação por mais de
300
famíliasda
Fazenda Burro
Branco no
municípiode
Campo
Erê,também
no
Oeste
do
Estado de
Santa Catarina.”O
que não
pode
ser lidocomo
um
movimento
restritoao
campo
ou
ao Estado de
SantaCatarina, haja vista
o
conjuntode
movimentos
que
seorientam
no
mesmo
sentidoem
diferentes partesdo
Brasil.Assim
“em
1980
cercade
1 milhão e500
milcamponeses
estavam fazendo
greves, indo às ruasem
passeatasou
concentrações,barrando
estradas,reocupando
terrasque
lhesforam
tomadas ou
resistindo contra a implantaçãode
projetos anti-sociais,
manifestavam
sua insatisfaçãocom
ascondições de
vidano
campo
e
com
osrumos
da
Política Agrária eda
Política Agrícolado
Governo”.39
Pode-se depreender sumariamente que o regime
autoritário, cujosrepresentantes estaduais até então
apareciam
sob aforma de governadores
indicados4°, jánão podia
ignorar a necessidadede
buscar legitimar-se peranteo
povo
(aquientendido
enquanto
uma
massa
organizadanão homogeneamente).
`
Em
Santa Catarina, EsperidiãoAmin
adequava-se ao
perfil conservador, eraconfiável,
ao
mesmo
tempo
em
que acenava
parao “pequeno”, o que
resultariaem uma
nova
espéciede
dominação
que
“pretendia-se revigorada,mas
que não
implicasseuma
ruptura
com
o
antigo.Ao
mesmo
tempo
em
que
garantiriao
respaldo necessário àcandidatura das elites
em uma
dificil disputa eleitoral, desfrutandode
simpatia popular38
Idem.
39
CUNHA,
Luiz Antonio. Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo: Cortez. Rio de Janeiro: ed. da UFF. Brasília, DF:
FLACSO
do Brasil, 1991, p. 226-7.4°
É
importante lembrar, que
em
6/02/1966, aindaem
decorrência do resultado da eleição governamental do ano anterior, foi baixado o AI-3, que estabelecia entre outras coisas que a partir de então osgovemadores
também
seriam eleitos indiretamente pela maioria absoluta das respectivas AssembléiasLegislativas. Isso praticamente transformava os governadores
em
interventores dogovemo
federal,uma
vez que os escolhidos, haviam sido, de fato, aceitos e designados pelo Poder Executivo. Este Atotambém
determinava que os prefeitos das capitais seriam transformados
em
cargo de confiança, deixando de ser eleitos pelo voto popular, para serem nomeados pelos governadores.(GERMANO,
p. 60-61)em
várias faixas, principalmenteem
redutoscomo
da
capital catarinense,na
regiãoda
periferia,
tendo
sidoo deputado
federalmais votado
em
78,afinava-se
ideologicamentecom
estes setores dominantes”.41É
o que
podemos
entrever nas falasde
FONTANA,
acercada
diversidadede
cargos pelos quais
Amin
passou
em
importantesórgãos
públicos.Com
efeito, o Sr.Amin
tem sido basicamenteum
funcionáriobem
situado no aparelhodo Estado ao longo dos últimos 10 anos, de onde foi catapultado à posição de
mando
político. Foi, neste período, sempre
um
homem
do aparelho administrativo de Estado,onde ocupou posições relevantes
em
cargos, via- de - regra de confiança. Sua carreira,que o monopólio dos meios de difusão rotula de brilhante, transcorreu, ou melhor, coincidiu
com
o auge do regime burocrático-autoritário”.Segundo
o
autor,um
ponto que deve
causar intrigaao observador
é aextrema
diversidade
dos
cargosdesempenhados
por
EsperidiãoAmin,
num
tão breve periodo,cargos para os quais dispensava-lhe
concurso
público e habilidades específicas, assim:Poderíamos imaginar os funcionários de carreira, do quadro permanente do serviço público, indagarem-se por que este frenético saltitar de
um
ponto a outro operado por taladministrador. Seria o
mesmo
dotado de habilidades tão diversificadas quantoespecializadas
como
educação (Sec. Interino de Educaçäo), telefonia (Diretor da Telesc), finanças e investimentos (Diretor do Badesc), administração municipal (Prefeito indicado da Capital), para finalmente desembocar na atividade política legislativa (dep. federal), e dessa condição retomar a administraçãocomo
Secretário deObras,
como
plataforma antecipada de sua candidatura ao govemo.”41
AGUIAR,
op. cn., p. 49.42
FONTANA,
Remy.
Govemo
Amin-
Um
voto de desconfiança. Revista de CiênciasHumanas.
Florianópolis: Editora da
UFSC,
v. 2, n° 3, dez. 1982, p. 22.43