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DIREITOS E DEVERES DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Uma das maiores inverdades que correm por ai sobre o ECA é que ele trata apenas dos direitos das crianças, deixando de lado seus deveres. Nada mais falso. O Estatuto é uma lei que traz em si mesma as regras para sua interpretação. Trata-se do artigo 6º:
"Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento"
Este artigo é a lente através da qual todos os demais artigos deverão ser interpretados. E ele fala claramente em "direitos e deveres individuais e coletivos", além de enfatizar as exigências do bem comum e os fins sociais da legislação. O que singulariza o ECA é a menção à criança e ao adolescente como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. O que significa isso? O que nos quis dizer o legislador ao introduzir este critério de interpretação?
Do ponto de vista jurídico, isto significa que os direitos se aplicam a crianças, adolescentes e adultos de forma diferenciada. Vejamos, por exemplo, o direito ao trabalho: as crianças não podem e não devem trabalhar. Os adolescentes devem estudar e podem trabalhar dentro dos limites estabelecidos em lei, os adultos devem trabalhar e podem estudar, conforme nos ensina o jurista Oris de Oliveira, eminente autoridade nesse tema e membro do grupo de redação do ECA.
Por sua vez, Emílio Garcia Mendez, jurista argentino, aplica o mesmo critério - pessoa em condição peculiar de desenvolvimento - na análise da questão do ato infracional. Para ele, a criança é irresponsável e inimputável penalmente. O adolescente é
2 responsável, mas não é imputável penalmente. Quando o autor da quebra da lei penal for um adulto, ele deverá ser responsabilizado e imputado penalmente.
Esta é, portanto, uma lei que, além de rigorosa quanto aos direitos e deveres é também extremamente criteriosa na sua aplicação, pois eles estão transversalizados ao longo de todo o seu conteúdo. A afirmação de que o ECA enfatiza unilateralmente os direitos é inteiramente despida de fundamento, seja na letra, seja no espírito da lei.
De onde veio, então, essa afirmação equivocada? Policiais, juízes, promotores, educadores acostumados ao não-direito da doutrina da situação irregular acabaram formando um juízo distorcido acerca da condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos
exigíveis com base na lei.
O caminho para superar essa situação não é o confronto entre pessoas e instituição, ao contrário, é necessário capacitar cada vez mais as pessoas para compreenderem, aceitarem e praticarem o novo direito. Temos certeza de que, uma vez instalado corretamente na consciência social, o ECA ampliará em muito seu poder
transformador sobre a realidade.
O que isso implica em termos de política pública? Implica na necessidade de desenvolver capacidades novas em todos os segmentos sociais responsáveis pela aplicação das medidas protetivas e socioeducativas. Essa capacitação deve ter três dimensões: uma dimensão legalista, uma dimensão técnica e uma dimensão ético-política. Não dá para tirar de forma plena o Estatuto do papel sem enfatizarmos essas três dimensões.
3 Por que a formação legalista? Porque em sua natureza essencial o ECA é a lei que cria condições de exigibilidade para os direitos da criança e do adolescente que estão na Constituição da República, nas normas internacionais ratificadas pelo Brasil e em nossa legislação interna.
E, em termos de competência técnica? A competência técnica é uma forma de compromisso político. Não adianta conhecer o Estatuto, ser um ardoroso defensor no debate das suas idéias e, na hora de atuar - junto às crianças, adolescentes e jovens - não ter o saber-fazer técnico requerido pela função.
Finalmente, quando se trata de compromisso ético e vontade política, não podemos transigir. O novo direito da infância e da juventude é uma causa. Trata-se de algo pelo qual vale a pena trabalhar e lutar. Por isso, ele merece de cada um de nós o que tivermos de melhor como pessoas, cidadãos e profissionais.
Os meninos da casa 10
Um grande Salve a todos internautas do portal Pró-Menino. É com grande satisfação que venho hoje parabenizar a todos os participantes do 3º Concurso Causos do ECA e, aproveitando o tema, vou lhes contar o meu causo do ECA.
Vocês irão conhecer os meninos da casa 10.
Divulgação - 01/08/2007
Rappin Hood é rapper, autor de diversas composições e repórter do programa Metrópolis, da TV Cultura
4 No início da década de 90, o Geledés - Instituto da Mulher Negra realizava um belo projeto com os jovens da periferia chamado Projeto Rappers. Eu era um dos jovens que freqüentava as reuniões e palestras do projeto e lá fui comunicado pelos amigos Clodoaldo e Lady Cris que estava sendo montado o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do bairro do Ipiranga, a casa 10, justamente no meu bairro. Fiquei sabendo também que uma funcionária desse centro, a nossa parceira Lindalva, estava começando a desenvolver uma parceria com a Geledés no sentido de desenvolver oficinas de Hip-Hop dentro do Projeto Rappers nesse centro que se localizava na Rua Estilac, no bairro do Ipiranga, próximo ao trevo da Via Anchieta. E foi assim que eu virei um oficineiro e dois dias por semana palestrava para garotos e garotas, a maioria deles em cumprimento da medida de
liberdade assistida pela Febem.
Foram várias tardes memoráveis, NELSON TRIUNFO, THAÍDE E DJ JUM, RACIONAIS MC’S, POTENCIAL 3, FACE NEGRA, DMN, RESUMO DO JAZZ, LADY RAP, Z’AFRICA BRASIL E POSSE MENTE ZULU, entre outros, estiveram por lá levando a cultura do Hip-Hop e também esperança a esses jovens sem auto- estima. Por fim, me envolvi tanto que passei a freqüentar o centro todos os dias, acabei virando presidente do Cedeca do Ipiranga, mas essa já é outra historia, vou lhes falar mais sobre as meninas e meninos da casa 10.
Não me sinto à vontade para citar nomes, mas pude descobrir em cada um deles sonhos, aspirações e talentos que poderiam ser mais bem aproveitados pela sociedade brasileira. Fico feliz quando os encontro, as meninas e meninos da casa 10. Hoje eles são mulheres e homens, alguns são pais de família como meu mano DIMENOR, ali do bairro
5 Savério, que acaba de ser papai novamente, vive dignamente lutando com honestidade para sustentar a família. Acredito nas ações afirmativas, acredito em Deus e acredito que o Brasil pode ser melhor, o problema é que grandes latifundiários têm de lucrar e é aí que complica tudo. Espero que possamos sempre colaborar, o ECA mudou minha vida e a de muitos que eu conheço. Se nossos políticos pensarem mais no povo e investirem nas crianças brasileiras em breve seremos 1º mundo. O Brasil, essa força emergente, é um bebê gigante que não conhece seu poder e ainda tem um longo caminho a trilhar.
Que Deus nos abençoe!
*Antônio Carlos Gomes da Costa.
Autor de diversos livros e artigos em prol da promoção e defesa dos direitos do público infanto-juvenil, publicados no Brasil e no exterior, Antônio Carlos participou intensamente do grupo que redigiu o ECA e que também atuou junto ao Congresso Nacional para sua aprovação e, logo depois, sanção presidencial, feito que, segundo ele, foi sua maior realização, como cidadão e educador.