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O ÍNDIO E A PROPRIEDADE PRIVADA

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Academic year: 2021

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REVISTA DO LABORATÓRIO DE ARQUEOLOGIA E PALEONTOLOGIA DA UEPB ISSN 2179 - 8168

O ÍNDIO E A PROPRIEDADE PRIVADA

Diego Ewerton Silva Sousa

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB Graduando em História

diego.ewerton123@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Juvandi de Souza Santos juvandi@terra.com.br

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O ÍNDIO E A PROPRIEDADE PRIVADA

THE INDIAN AND THE PRIVATE PROPERTY

Diego Ewerton Silva Sousa Universidade Estadual da Paraíba – UEPB

Graduando em História diego.ewerton123@gmail.com

Orientador: Prof. Dr. Juvandi de Souza Santos juvandi@terra.com.br

RESUMO

A reconquista espanhola da península ibérica e a consequente expulsão muçulmana, levou a sociedade espano/lusitana à uma profunda crise econômica. O novo mundo e o século VX-XVI surgiam como a esperança de um recomeço. Mas quem habitava o novo mundo? Do que vivia esse homem? De prata, ouro? O que comercializava? É com a literatura de cronistas, autoridades da historiografia indígena, e o auxílio da praxiologia econômica, que trazemos neste trabalho, a defesa do índio inserido num sistema de propriedade privada, assim como numa prática de produção excedente e comércio. Entendemos ser de profunda importância, trazer um novo olhar sobre a historiografia indígena, muitas vezes utilizadas como um argumento político materialista, que protagoniza o índio como um sujeito passivo e incapaz de agir afim de seus próprios interesses.

PALAVRAS-CHAVE: Índio, Propriedade Privada, Ação Humana.

ABSTRACT

The reconquest of the iberian penisula and the consequent muslim expulsion led spano/lusitanian society to a profound economic crisis. The new century VX-XVI emerged as the hope os a restart. But, who inhabited the new word? What did this man live for? Of silver, gold? What did you trade? It is with the literature of choniclers indigenuous histotiography authorities, and the aid of economic paraxiology, that we bring in this report, the defense of the indian inserted in the system of private property, as well in a practice of excesso production and trade. We understand that is of profound importance to bring a new view at indigenous historiography, often used as a materialistic political argument, wich stars in the indian as a passive subject unable to act in your own interests.

Keywords: Indian, Private Property, Human Action.

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Durante mais de setecentos anos a península Ibérica foi fortemente dominada pelos árabes, que por sua vez, exerceram uma forte influência econômica e cultural na maneira de viver dos cristãos ocidentais. Tamanho fenômeno social e econômico trouxe para o homem, principalmente o espanhol, características singulares na maneira de se relacionar economicamente dentro de um mercado. Dentre essas características, destacamos uma nova língua; o Mozárabe, novas rotas de comércio, novos produtos, territórios e principalmente o enfraquecimento da igreja católica, que por muito tempo foi incisivamente responsável pela visão cristã sobre o que seria correto ou não em tratando-se de ampliar ou dividir riquezas.

É possível afirmar que durante os VII séculos de domínio mouro na península a economia árabe se desenvolveu fortemente, enquanto os cristãos que ao norte resistiam e uniam-se econômico e belicamente na tentativa de reverter, de uma vez por todas, a influência moura na península.

A reconquista espanhola com a tomada de Granada, a última cidade de domínio árabe, entrou para os anais da história como o recomeço da hegemonia cristã no ocidente. Más tamanho feito não seria possível sem que a Espanha pagasse um alto preço pela barganha.

A união de um exército cristão capaz de expulsar os quase indestrutíveis mouros, custou altíssimos preços à coroa espanhola de Fernando e Isabel, que passou por uma profunda crise econômica ao lado da igreja e de milhares de espanhóis. Sobre a reconquista, afirma Flamarion Laba da Costa em seu livro Da Península Ibérica para a Ecumênica do mundo (2009), que:

Ocorre que um grupo de nobres, alguns homens da Igreja com os seus servos e outras pessoas não aceitaram ficar sob o domínio árabe e retiraram-se para a região montanhosa do norte peninsular conhecida como Astúrias. A partir desta região iniciaram um movimento de resistência aos invasores muçulmanos, movimento este que ficou conhecido como Reconquista. Esse grupo que se deslocou para o norte peninsular tinha como líder um nobre da corte de D. Rodrigo, chamado D. Pelayo, também citado como Pelagio. Essa população estava assentada na região norte, que os visigodos não dominaram e com a qual não mantinham contato regular. (Pg. 47).

O fato é que dentre os muitos problemas sociais e econômicos, havia no coração ibérico ainda uma esperança responsável por alimentar a crença num futuro. “O novo mundo”, como se estereotipou na Europa a possibilidade de se encontrar um novo continente, ou quem sabe um novo reino cristão, rico e promissor, como descrito na Bíblia, que deu ao homem espanhol o folego necessário para acreditar veementemente no futuro escatológico cristão. Mas o que havia no novo mundo? Como era o homem do novo mundo? O que fazia este homem? O que comercializava? Riquezas, ouro, prata? Enfim, perguntas como essas só foram respondidas

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quando o homem lançou-se ao mar e aqui encontrou homens com os quais nunca podia imaginar encontrar-se.

O mundo religioso estava em guerra e católicos e reformados peleavam em busca da legitimidade do evangelho de Cristo. O fato é que os recém reformados estavam sob constantes ameaças e muitos como Jean de Léry, cronista francês (1536-1613), buscavam refúgio no continente americano. O tempo que passara Léry e outros cronistas em contato com os índios americanos, levaram os mesmos a descreverem minuciosos relatos que hoje nos servem como importantes objetos de pesquisa. Em Hans Staden (1525-1576), temos argumentos científicos suficientes para comprovar que os nativos do Brasil estavam inseridos em uma agricultura de produção excedente, caracterizando assim uma produção para além da subsistência e uma busca por um capital positivo, oriundo das trocas comercias com colonizadores. Mas tudo não seria possível se o índio não participasse do que defendemos como determinante nosso trabalho: a Propriedade Privada. Enfim, o século XV revelava um novo mundo, marcado pelo encontro das Culturas, do comércio, das línguas, dos costumes e infinitas diferenças engendradas no primeiro contato entre europeus e nativos que nas terras americanas habitavam.

E eis o objetivo geral de nosso trabalho; analisar de maneira aguda, a história dos cronistas e com auxilio economia, apresentar como se desenvolveram as relações entre colonizador e índio no Brasil do século XV-XVI, a partir da perspectiva da introdução do índio na relação econômica de: comércio e propriedade privada, que dentro de uma análise praxiológica da economia austríaca, faz parte da teoria positiva do capital. Entendemos pois, que o que aqui será analisado, contribuirá de forma singular para o entendimento das relações econômicas e sociais presentes na américa colônia, visto que a maioria hegemônica dos trabalhos nessa área de pesquisa realizados, concentram o foco na escravidão negra e quando tratam de alguma maneira da “questão indígena”, oferecem repetidamente uma visão marxista de classes, que enquadra o índio e o europeu dentro de uma bolha antagônica, pré-definida por uma relação: explorador e explorado, na qual caracterizou o índio ao longo dos séculos, como um “eterno perdedor”, bem como dentro de uma visão equivocada, na qual seria impossível haver qualquer relação de troca ou benefício mútuo entre ambos.

É preciso reforçar que não buscamos em nossa pesquisa definir as subjetividades materialistas das complexas relações entre colonizador e índio. Não pretendemos com nossa pesquisa, definir historicamente ou economicamente a dialética aparente entre vencedor e vencido, mas sim dar limites a nossa busca na proposta de se analisar os aspectos essenciais de determinado fato ocorrido em determinado tempo sob o olhar da história e da economia.

Temos também como objetivos, analisar a relação entre colonizador e nativo, partindo da lógica do índio como sujeito ativo de uma produção que historiograficamente configurou-

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se como escrava e passiva, mas que pode ser revisada em sua complexidade, a partir de uma nova perspectiva histórica na qual nos empenhamos por analisar. Acreditamos com isso, contribuir com o próprio processo de historicidade do índio como sujeito capaz de realizar as próprias ações no devir histórico.

As bases lógicas de nossa investigação cientifica foram pautadas inicialmente no método Fenomenológico, pois acreditamos ser um método seguro e livre de certezas que permeiam a própria consciência lógica. Como dito anteriormente, não é nosso objetivo materializar a compreensão da história das relações econômicas entre índio e colonizador, no processo de elaboração do conhecimento historiográfico. Defendemos o método fenomenológico, pois, o mesmo não se direciona para o algo desconhecido que se encontre atrás do fenômeno e sim se movimenta em direção ao dado, a fonte. De maneira singular, levantamos a hipótese de uma relação para além da exploração, Nossos métodos de pesquisa estão na metodologia Histórica Bibliográfica, com uma análise minuciosa de narrativas clássicas de grandes cronistas como Hans Staden, como também nos apoiaremos na historiografia do Doutor Juvandi de Souza Santos, uma das maiores autoridades intelectuais nos estudos de história indígena no Brasil. Por fim, adotamos o método de pesquisa Econômico Praxiológico, que nos ajudará filosoficamente na compreensão da ação humana dentro de determinados fenômenos históricos.

HISTÓRIA INDÍGENA E ECONOMIA

“Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não pode haver deles mais fala, por causa do mar”. (Pero Vaz de Caminha).

O grandioso texto que redigiu caminha à corte portuguesa, ao se deparar com a terra distante do Brasil, marcou não só um dos mais belos discursos históricos, como nos apresenta uma fato que, apurado sob uma ótica distinta das comumente apresentadas nos meios acadêmicos, nos revela um dos primeiros documentos históricos que confirmam

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a propriedade privada e as trocas entre nativos e colonizadores. O fato é que durante séculos, as fontes históricas desses primeiros contatos entre nativos e desbravadores dos oceanos foram hegemonicamente utilizadas para construir a imagem do índio como um ser passivo, selvagem, desprovido de história e interesses. Tal movimento sempre fez parte das materialistas desconstrutivistas que, no amago de suas concepções de classes, direcionam qualquer fato histórico para o campo dos interesses políticos e revolucionários. A figura do índio sempre esteve associada ao lado dos passivos, ou “explorados”, como diria Marx.

A compreensão de fatos históricos como as relações de comércio e troca entre nativos e colonizadores é de importância crucial para o entendimento dos estereótipos criados na figura do índio e do colonizador em suas relações. Compartilhamos o pensamento de Flamarion Laba da Costa (2009. Pg.08) quando afirma que “A miscigenação, que começou muito antes, na própria formação social da Europa, é aqui revelada nas terras do Novo Mundo, principalmente no Brasil, através da amálgama de culturas e etnias que irão formar um cenário maravilhoso”, que segundo Jorge Ben Jor, “abençoado Por Deus e bonito por natureza”.

É obvio que a grandeza do argumento de Caminha ou de qualquer outro cronista do recorte histórico XV-XVI, como Hans Staden em seu magnifico livro Duas viagens ao Brasil (1557) jamais devem ser jogadas à inquisição da desconstrução pela desconstrução, mas o fato é que muitos desses homens, preocupados em descrever o que viram, sempre nos revelaram uma infinidade de fatos dos quais nos possibilitam uma infinidade ainda maior de construções e reconstruções. Séculos mais tarde, Eugen Von Bawerk, um do principais representantes da escola austríaca de economia escreveu sua célebre obra Teoria positiva do capital (1889).

Nessa obra Bawerk não descrevia o que via com a mesma intenção de cronistas de séculos anteriores, mas deduzia por meio de análises praxiológicas, que a condição humana tinha um constante movimento de transição de condições inferiores, para condições elevadas das necessidades humanas. Talvez o leitor se pergunte: qual a relação entre cronistas, economistas austríacos, índios e europeus? Pois bem, a resposta pretendemos e esperamos desenvolver em seguida.

ÍNDIO, PROPRIEDADE PRIVADA E O COMÉRCIO

Um dos percussores da escola austríaca de economia, o político e economista Eugen Bohm Bawerk (1851-1914), foi um dos primeiros a desenvolver uma teoria positiva sobre o capital. Sua tese está fundamentada em não desprezar as ciências naturais e as forças da natureza no trato econômico. A práxis (ação do homem) está estritamente ligada às forças da natureza, assim como o homem que nela vive e dela tira seu sustento e suas aspirações.

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O primeiro ponto para compreender Bawerk e ter como princípio, que os homens, por natureza, buscam a felicidade como um bem final da existência humana. Segundo Bawerk (1986) “Os homens aspiram à felicidade. Esta é a expressão mais geral, se bem que também a mais vaga, para um grande número de esforços, todos eles orientados no sentido de produzir acontecimentos e situações que sejam o mais possível agradáveis a nós, e, em contrapartida, no sentido de afastar os que são desagradáveis”. (Pg.30).

Para que se atinja esse estado de bem estar, o homem necessita de determinados bens, que lhe proporcionem condições diferentes do mundo em que vive. Entendemos pois, que o índio, humano, até que se prove o contrário, possuía tais bens que lhe garantiam produzir acontecimentos que lhe guiavam na busca pelo conforto. Um machado de pedra, uma tora de madeira, um pedaço de couro animal que lhe servia como tecido, ou mesmo uma pedra angular, configuravam bens privados, dos quais o homem se apropriava no intuito de beneficiar-se numa ordem natural do convívio social. Neste sentido, entendemos que o índio, desde os primórdios, se enquadravam numa organização na qual havia a propriedade privada.

Em seu livro Costumes Indígenas no Brasil do Pós-Contato. O grupo étnico/cultural Tarairiú dos sertões da Paraíba (2012), Juvandi de Souza Santos desconstrói brilhantemente a ideia de inexistência de uma propriedade privada entre os índios Tarairiús, bem como a afirmação de alguns historiadores sobra a sociedade indígena pertencer a uma espécie de Republica Comunista. No capitulo primeiro do seu livro, Santos não só demostra por meio de argumentos sólidos, a existência de propriedades e produções agrícolas em excedentes, caracterizando assim a propriedade privada. Segundo Santos:

Martius ao analisar essa característica entre eles, afirma que os indígenas possuíam propriedades, sendo muitas delas demarcadas por árvores, marcos de pedras e rios.

Cada grupo tribal obedecia seus limites territoriais sob pena de provocar uma guerra intertribal. Este pedaço de terra que extrapolava os limites da tribo, enquanto sitio geográfico, e os limites das roas, servia como local de coleta vegetal, mel lenha, pesca e caça, essenciais no processo de complementação alimentar do grupo tribal.

(Pág.23).

Com isso, vemos que a propriedade privada e a própria produção excessiva estavam relacionadas diretamente com a maneira de se organizar cultural e socialmente dos índios.

Ainda sobre a propriedade privada como parte social da vida indígena, podemos nos amparar nos argumentos de Friederich Hayek, outro grande economista austríaco que escreveu em seu livro Os erros fatais do Socialismo, (2017) que:

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Com relação a certos objetos, a ideia de propriedade privada deve ter aparecido bem cedo, e as primeiras ferramentas artesanais talvez sejam um exemplo adequado. O apego a uma ferramenta ou arma única e altamente útil por parte de quem a construiu pode, no entanto, ser tão forte que a transferência se torna, psicologicamente, difícil a ponto de o instrumento dever acompanha-lo até o tumulo – como nos tholos ou tumba em forma de colmeia do período micênico. (Pg.44).

A primeiro momento, compreendemos que bens e propriedade privada configuraram o mundo indígena do Brasil do século XV-XVI, desconstruindo grande parte da narrativa materialista sobre os espaços, sejam eles aldeias missioneiras culturalmente influenciadas por colonizadores ou aldeias puramente indígenas, pertencerem a uma espécie de república comunista. Sobre um possível comportamento socioeconômico comunista na historiografia indígena, afirma Santos em sua tese de doutorado (2014) que:

No entanto, não concordamos com o exposto por Lugon (1968) quando este afirmou que as missões, especialmente as Jesuíticas, configuraram-se numa República Comunista, que ao mesmo tempo era cristã. Na Paraíba no período colonial, tal característica não foi observada na documentação de época analisada. (Pg.117).

Neste sentido, concordamos com Santos e defendemos sua autoridade intelectual e profissional na análise de fontes documentais e arqueológicas que demonstram cientificamente a não presença de um modelo socialista/comunista nas aldeias missioneiras ou não, da região da Paraíba, no nordeste brasileiro.

Seguindo com a argumentação de Bawerk, da qual se configuram os bens e a posse da propriedade privada na busca por uma felicidade natural, chegamos ao ponto no qual o emprego da força e dos conhecimentos adquiridos por tradições e experiências, sobre os bens e sobre a própria natureza, resulta na atividade da produção. Com isso, trazemos a questão de que: seria possível existir entre os nativos da América e Brasil do século XV-XVI, alguma espécie de produção em excedente com objetivos direcionados ao lucro na troca com colonizadores? Essa resposta podemos encontrar em diversas passagens de documentos bibliográficos, como no livro de Staden, capítulo 24 no qual relatou o cronista alemão, enquanto permanecia cativo, a existência de trocas e comércio entre a tribo Tupinambá e europeus como franceses e portugueses. Sobre o comércio e as trocas, afirma Staden:

“Sou amigo e parente dos franceses, e a terra da qual eu venho chama-se Alemanha.” Eles retrucaram que eu devia estar mentindo, pois o que estaria eu

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fazendo no meio dos portugueses em sendo eu amigo e parente dos franceses! Eles sabiam muito bem que os franceses eram tão inimigos dos portugueses quanto eles próprios, pois os franceses vinham todo ano de navio e traziam-lhes facas, machados, espelhos, pentes e tesouras. Em troca, davam-lhes pau-brasil, algodão e outras mercadorias, como penas e pimenta. Por isso eram bons amigos. Com os portugueses era diferente. Pois estes tinham vindo – assim continuaram a contar – anos antes e selaram amizade com os Tupiniquins, seus inimigos, no lugar onde até hoje moram. Depois os portugueses vieram ao encontro deles para comerciar. Eles, os Tupinambás, foram em toda confiança aos navios e subiram a bordo, como ainda fazem hoje nos navios franceses. (Pg.72)

Relatos como o de Hans Staden revelam não só a existência de um comércio entre índios e europeus, como também a construção de uma relação social, de certo modo pacífica e movida por interesses, muito distinta da narrativa dominante nos meios acadêmicos, se levarmos em consideração uma “possível e exagerada violência”, construída pela historiografia materialista, diante às relações sociais entre colonizadores e índios na América do século XV-XVI.

Ainda tomando como fonte para nossa proposta, o livro de Staden, encontramos outro trecho no qual simboliza a troca comercial entre portugueses e Tupinambás, naturalmente inimigos, más que por meio comércio e o dos interesses próprios, relacionavam-se comumente.

Afirma Staden:

Em meu quinto mês entre os selvagens, apareceu novamente um navio vindo da ilha de São Vicente. Era comum os portugueses irem também para as terras de seus inimigos, embora viajassem bem armados, para fazer comércio com eles. Eles dão aos selvagens facas e foices em troca de farinha de mandioca, que os selvagens têm em abundância em algumas regiões. Os portugueses precisam da farinha para alimentar os numerosos escravos que mantêm em suas plantações de cana- de-açúcar. Quando os navios dos portugueses chegam, um ou dois selvagens se aproximam num barco e lhes entregam as mercadorias tão rapidamente quanto possível. Então pedem o que quiserem em troca, e os portugueses dão. Enquanto os dois estão no navio, alguns barcos cheios de selvagens observam à distância.

Quando a troca é concluída, muitas vezes os selvagens remam até o navio e se envolvem em escaramuças e atiram flechas contra os portugueses. Depois voltam.

(Pg. 96).

Atentemos ao trecho em específico “em troca de farinha de mandioca, que os selvagens têm em abundância em algumas regiões”, no qual confirma nossa proposta sobre a existência de uma produção para além da subsistência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Propriedade privada e comércio configuravam o então universo do novo mundo, no qual intercruzavam-se culturas tão distintas e ao mesmo tempo direcionadas naturalmente sob um movimento de busca por bem-estar. De alguma maneira essas fontes das quais nos debruçamos para discorrer sobre determinado fato histórico, sempre estiveram presentes nas narrativas históricas, ainda que embaçadas ou despercebidas pelo olhar do historiador.

Mas há sempre o tempo de se construir e se reparar algumas lacunas no ‘fazer história’. Com esse trabalho e com a interdisciplinaridade entre a relação história e economia, pretendemos expandir a visão sob determinado fato histórico, e no ato, desconstruir a visão pejorativa criada para com a imagem estereotipada de uma colono sanguinário e explorador, bem como a do índio como bobo e explorado. Entendemos com um ato também de resistência, aquele que levou o índio a adaptar-se a conjunturas tão desconhecidas como o comércio e a produção pelo lucro. E porque não a defesa de suas propriedades privadas?

E aqui cabe mais uma vez a crítica à narrativa materialista, quando não uma provocação para que se pratiquem o exercício lúcido de enxergar a história por fora da “casinha dialética de classes”, na qual insere fenômenos e sujeitos históricos à luz de uma constante guerra entre sabidos e ingênuos, fortes e fracos, vencedores e perdedores. Durante muito tempo o índio foi visto como um mero figurante, ingênuo e manipulado pelos interesses mais sórdidos de uma espécie de homem do capital. O fato é que a narrativa do “coitadinho”, não cabe mais ao indígena. É preciso antes de tudo respeitá-lo e colocá-lo dentro de uma narrativa histórica que lhe dê a possibilidade de olhar para o passado e se entender como um sujeito histórico capaz de mover-se pelos próprios interesses.

REFERÊNCIAS

BOHM-BAVJERK. Eugen von. 1851-1914. Teoria positiva do capital / Eugen von VJerk; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural. 1986.

COSTA, Flamarion da. Da península ibérica para a ecúmena do mundo. Guarapuava: Ed. Da Unicentro, 2009.

HAYEK. Friedrich A. Os Erros Fatais do Socialismo. Porque a Teoria não Funciona na Prática. Faro Editorial:

Edição padrão, 2017.

SANTOS, Juvandi. Costumes indígenas no Brasil do pós-contato: o grupo étnico/cultural Tarairiú dos Sertões da Paraíba. Campina Grande: Cópias e papéis, 2012.

SANTOS, Juvandi. Missões religiosas ibéricas na capitania da Paraíba: atividades historiográficas e arqueológicas por identificação estrutural e obras missionárias no processo civilizador do indígena. Tese Pós- Dr. 345 p. Porto Alegre: PUC – RS, 2014

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