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A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL JUNTO AOS POVOS INDÍGENAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

PÂMELA NIELLY SANTANA

A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL JUNTO AOS POVOS INDÍGENAS

JOÃO PESSOA/PB 2022

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A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL JUNTO AOS POVOS INDÍGENAS

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Patrícia Barreto Cavalcanti

JOÃO PESSOA/PB 2022

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S232a Santana, Pâmela Nielly.

A atuação do assistente social junto aos povos indígenas. / Pâmela Nielly Santana. - João Pessoa, 2022.

69 f. : il.

Orientadora: Patrícia Barreto Cavalcanti.

TCC (Graduação) - Universidade Federal da Paraíba/Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2022.

1. Povos indígenas. 2. Serviço social. 3. Atuação profissional. I. Cavalcanti, Patrícia Barreto. II.

Título.

UFPB/CCHLA CDU 364 Catalogação na publicação

Seção de Catalogação e Classificação

Elaborado por KARLA MARIA DE OLIVEIRA - CRB-15/485

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A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL JUNTO AOS POVOS INDÍGENAS

Aprovada em ____/____/____

Banca Examinadora

_______________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Patrícia Barreto Cavalcanti Orientadora

________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Luciana Batista de Oliveira Cantalice Banca Examinadora

_______________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Nívia Cristiane Pereira da Silva Banca Examinadora

_______________________________________________________________

Profº Drº Rafael Nicolau Carvalho Banca Examinadora

JOÃO PESSOA - PB 2022

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais e à minha irmã, por estarem comigo, apesar das dificuldades da vida.

Dedico ao Povo Potiguara, por serem uma parte essencial da minha vida e por toda a luta travada, que permitiu que eu tivesse as oportunidades que tenho e ser parte de uma cultura tão rica e importante.

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Agradeço primeiramente à meus pais, Nelimei e Clóvis, e à minha irmã, Assucena, por terem me incentivado a me profissionalizar e ser independente, por terem me criado e formado parte de quem eu sou e das convicções que hoje tenho, tal como por me apoiar durante este tempo na universidade, dando todo suporte necessário para um início e final tranquilo de curso.

Agradeço às minhas primas, Nathália e Gabriela, por estarem me dando suporte durante o decorrer do curso, por serem amigas, companheiras de apartamento e as melhores conselheiras que eu poderia ter nesse período. Aqui estendo o agradecimento à sua família, Tio Nathan, Rosângela, Maximus e Yasmim, por, de formas diferentes, fazerem parte deste caminhar.

Aos meus amigos mais próximos, Débora e Marcus, por me acolherem no início do curso e sempre estarem dispostos a me ouvir e dar sermão quando era necessário, por me aconselharem e me darem suporte emocional quando achei que era demais. À Odaiza e Ozivan, que também foram um apoio e fizeram com que muitos momentos estressantes da vida universitária fossem mais leves.

À professora Patrícia Cavalcanti, por ter aceitado ser minha orientadora, apesar de o convite não ter chegado da melhor forma, por ter dado seu melhor durante todo o processo de construção do trabalho, por não desistir quando até eu já estava desistindo e por ser tão cuidadosa comigo e com o trabalho.

Meus agradecimentos também ao corpo docente do curso de Bacharelado em Serviço Social da UFPB, que contribuíram para construção crítica de minha visão de mundo, bem como para minha formação profissional. Em especial à professora Nívia Pereira, por ter me acolhido desde o início da graduação; e à professora Luciana Cantalice, por ter me aceitado em seu projeto de pesquisa, o qual foi deveras importante para a escolha do tema deste estudo.

Agradeço aos grupos GT Indígena, do SEAMPO- Setor de Estudos e Assessoria aos Movimentos Sociais, por ter sido o primeiro grupo à me fazer estudar teoricamente e questionar o papel imposto e desenvolvido pelos povos indígenas na universidade e na sociedade brasileira; GEPSS- Grupo de Estudo e Pesquisa em Serviço Social, por ter me introduzido à luta feminista e aos movimentos político-sociais; e ao GIPCSA- Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura,

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Sociedade e Ambiente, por neste final de curso ter me possibilitado uma maior interlocução com partes ainda não tão aprofundadas por mim do meu povo.

Agradecimento especial à Universidade Federal da Paraíba e à PRAPE- Pró-reitoria de Assistência e Promoção ao Estudantes, pelos Auxílio Moradia e Restaurante Universitário, os quais foram vitais para minha permanência no curso, assim como a Bolsa Permanência, bolsa disponibilizada pelo Ministério da Educação para os estudantes indígenas e quilombolas de instituições públicas de ensino superior.

Agradeço ainda ao meu povo, Povo Potiguara da Paraíba, por toda a luta que tiveram para que hoje possamos ter direitos garantidos em lei, os quais possibilitaram que eu, uma jovem estudante, moradora da aldeia Alto do Tambá, possa estar me formando em uma universidade pública e lutando para que outros tenham a mesma oportunidade.

Por fim, mas não menos importante, agradeço a Deus por ter permitido todas as coisas que me fizeram chegar até onde estou, todos os altos e baixos que foram importante para minha construção enquanto profissional e cidadã, por me dar certeza nas escolhas que fiz e por me dar forças para permanecer firme nas lutas diárias.

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ABEPSS- Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

APOINME- Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

AS- Assistente Social

CAPES- Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CIMI- Conselho Indigenista Missionário

CF- Constituição Federal

CFESS- Conselho Federal de Serviço Social CRAS- Centro de Referência à Assistência Social DSEI- Distrito Sanitário Especial Indígena

EPI- Equipamento de Proteção Individual FUNAI- Fundação Nacional do Índio FUNASA- Fundação Nacional de Saúde

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDBEN- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LOAS- Lei Orgânica da Assistência Social

NOB- Norma Operacional Básica

OIT- Organização Internacional do Trabalho PAIF- Proteção e Atendimento Integral à Família PNAS- Política Nacional de Assistência Social

PNASPI- Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas PSB- Proteção Social Básica

SAS- Secretaria de Assistência à Saúde

SASI- Subsistema de Atenção à Saúde Indígena

SCFV- Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos SESAI- Secretaria Especial de Saúde Indígena

TIs- Terras Indígenas/ Territórios Indígenas

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LISTA DE FIGURAS

1. População Indígena nos municípios ……….. 17 2. Cartograma- Taxa de alfabetização das pessoas indígenas de 10 anos ou mais de idade ………. 29 3. Formas de ingresso indígena nas Instituições de Ensino ……….. 31

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1. Tabela 01- Textos e documentos utilizados no Capítulo I ..………...16 2. Tabela 02- Textos e documentos utilizados no Capítulo II

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar quais os desafios postos aos Assistentes Sociais que atuam junto aos povos indígenas a partir da literatura da área do Serviço Social e enquanto objetivos específicos: caracterizar as particularidades teórico-metodológicas da atuação do Assistente Social junto aos povos indígenas e constatar os obstáculos postos a esses profissionais face à sua atuação junto aos mesmos. O mesmo tem por intuito responder a seguinte questão norteadora: quais os desafios e peculiaridades presentes na atuação do Assistente Social junto aos povos indígenas? Trata-se do produto de uma pesquisa exploratória, que utilizou a revisão bibliográfica do tipo narrativa. Os dados foram coletados no período de fevereiro a novembro de 2022 e tratados através de uma leitura seletiva e crítica. O principal achado da pesquisa sinaliza a invisibilidade e lentidão do debate da questão indígena na profissão além da incipiência da literatura em relação ao binômio Povos indígenas e Serviço Social.

Palavras-chave: Povos indígenas. Serviço Social. Atuação Profissional.

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This study aimed to analyze the challenges posed to Assistants Social services that work with indigenous peoples based on the literature in the area of Social Work and as specific objectives: to characterize the theoretical-methodological particularities of the Social Worker's performance with indigenous peoples and observe the obstacles posed to these professionals in relation to their work with them. It is intended to answer the following guiding question: what are the challenges and peculiarities present in the work of the Social Worker with indigenous peoples? It is the product of an exploratory research, which used a literature review of the narrative type. Data were collected from February to November 2022 and treated through a selective and critical reading. The main finding of the research indicates the invisibility and slowness of the debate on the indigenous issue in the profession, in addition to the incipience of literature in relation to the binomial Indigenous Peoples and Social Work.

Keywords: Indigenous Peoples. Social Work. Professional Performance.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……… 12 Capítulo I- O Brasil, os povos indígenas e as políticas sociais……….. 15

1.1- As expressões da “questão social” e os Povos Indígenas no Brasil

contemporâneo..……….. 15

1.2- Neoliberalismo, políticas sociais e as demandas dos Povos Indígenas

……… 31

Capítulo II- Interlocução entre Serviço Social e a questão indígena no Brasil

contemporâneo.……… 37

2.1- O Compromisso ético-político do Serviço Social com a “questão social”

indígena……….. 37 2.2- A Atuação Profissional do Assistente Social junto aos povos indígenas:

desafios e peculiaridades……… 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS……….. 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……… 48

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O presente Trabalho de Conclusão de Curso se configura numa exigência para conclusão do curso de graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. O mesmo finaliza um processo que se iniciou no início da graduação e tomou forma durante o período de estágio supervisionado realizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) no setor de Planejamento Familiar, localizado na área voltada para a Saúde da Mulher.

É importante destacar que o estágio supervisionado obrigatório em Serviço Social, no setor supramencionado, é realizado em consonância com as dimensões ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo, expressos no Código de Ética Profissional de 1993. Ainda, caracteriza-se como atividade fundamental para alicerçar os processos de mediação teórico-prática na integralidade da formação profissional do assistente social e objetiva o aprendizado de competências próprias da profissão, por meio da supervisão sistemática.

A experiência proporcionada pelo Estágio Curricular agregou nossa formação acadêmica e possibilitou maior compreensão da relação teórica-prática da atuação do assistente social, contribuindo para a análise crítica do tema abordado no presente Trabalho de Conclusão de Curso, o qual não discute a experiência obtida, mas um objeto que desde a nossa entrada no curso de Serviço Social emergia como desafiadora e urgente, dado nossa ligação identitária profunda com os povos indígenas.

Assim, o estudo ora apresentado, teve como objetivo geral, analisar quais os desafios postos aos Assistentes Sociais que atuam junto aos povos indígenas a partir da literatura da área do Serviço Social e como objetivos específicos, caracterizar as particularidades teórico-metodológicas da atuação do Assistente Social junto aos povos indígenas segundo a literatura da área do Serviço Social e constatar os obstáculos postos ao Assistente Social face a sua atuação junto aos povos indígenas. O mesmo tem por intuito responder a seguinte questão norteadora:

quais os desafios e peculiaridades presentes na atuação do Assistente Social junto aos povos indígenas?

Além disso, trata-se de um estudo que busca explanar as especificidades que caracterizam a aproximação do Serviço Social junto às expressões da “questão social” que circundam tais povos, bem como as particularidades presentes em tais

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expressões se em comparação à sociedade não-indígena brasileira, aqui iremos apontar, de forma específica, a realidade social dos não-indígenas historicamente privilegiados, ou seja, a população branca, cisgênero e héterosexual.

A relevância se coloca como acadêmica e social na medida em que contribui com a produção científica (em um campo que, pela escassez de debate, pode levar à baixa produção) e, em largo espectro, põe em evidência as violências vividas pelos povos indígenas no Brasil desde a invasão europeia e que se reproduzem até os dias atuais.

A opção por tal tema como mencionamos anteriormente, tem relação direta com nossa origem enquanto pertencente a um povo reconhecido nacionalmente pela luta e permanência em seu território de origem desde a colonização, o Povo Potiguara da Paraíba, o qual, apesar da história de resistência e movimento articulado, tem em seu dia-a-dia a reprodução de diversas violências, inclusive nas instituições de ensino, cuja violência se materializa no pouco debate, que pode resultar em uma ínfima produção acadêmica e intelectual por parte de numerosos profissionais e, no caso deste estudo em específico, no curso de Serviço Social.

Enquanto Potiguara, percebemos no cotidiano, através das relações de sociabilidade, a possível falta de contato dos Assistentes Sociais com o povo, visto que em muitos casos a população, por não compreender ou ter estudado sobre os diversos trabalhos empreendidos por esses profissionais nas mais diferentes áreas, só os relacionam à apenas uma ação desenvolvida: a marcação de consultas e resolução de problemas hospitalares, a qual não se constitui enquanto ação profissional a ser executada pela profissão.

Por se tratar de uma profissão que tem um viés emancipatório e político de articulação e análise socioeconômica dos mais diversos grupos minoritários presentes na sociedade capitalista, entendemos a importância de desenvolver a presente monografia como forma de compreender a realidade profissional e acadêmica dos assistentes sociais perante tal realidade social, além de se caracterizar enquanto uma posição política, visto a atual conjuntura de retrocessos nas políticas sociais do Brasil, em especial as destinadas aos povos tradicionais.

Para realização do estudo utilizamos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica do tipo narrativa.

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esgotar as fontes de informações. Não aplica estratégias de busca sofisticadas e exaustivas. (Universidade Estadual Paulista, 2015, p.02)

Desse modo, a coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a novembro de 2022 e, enquanto bibliografia a ser utilizada, considerou livros; artigos científicos;

teses de doutorado; dissertações de mestrado e Trabalhos de Conclusão de Curso que se propunham a discutir a temática em foco. O momento seguinte se constituiu na leitura crítica e reflexiva do material coletado, que compuseram as discussões apresentadas nos capítulos deste trabalho.

Outrossim, também utilizamos a análise documental, através da consulta aos bancos de dados e legislação relacionadas à questão dos povos indígenas no Brasil.

Como esclarecem Sá-Silvaet al(2009):

A pesquisa documental é um procedimento metodológico decisivo em ciências humanas e sociais porque a maior parte das fontes escritas – ou não – é quase sempre a base do trabalho de investigação. Dependendo do objeto de estudo e dos objetivos da pesquisa, pode se caracterizar como principal caminho de concretização da investigação ou se constituir como instrumento metodológico complementar. Apresenta-se como um método de escolha e de verificação de dados; visa o acesso às fontes pertinentes, e, a esse título, faz parte integrante da heurística de investigação (SÁ-SILVA et al., 2009, p.13).

O trabalho está organizado em Introdução, dois capítulos e conclusão. No primeiro capítulo, tratamos da inserção dos povos indígenas no desenvolvimento histórico brasileiro em cotejo às políticas sociais formuladas para o enfrentamento das expressões da “questão social” indígena. Para tanto, tal capítulo se desdobra em duas seções. Inicialmente discutimos a “questão social” indígena, focando na realidade do Brasil contemporâneo e em seguida problematizamos as iniciativas estatais no enfrentamento das demandas dos povos indígenas.

No segundo capítulo, fazemos um diálogo entre o Serviço Social e as expressões da “questão social” indígena, aprofundando na seção primeira, o compromisso ético-político da profissão com a “questão social” indígena. Em seguida, na segunda seção, refletimos a atuação profissional destacando os desafios e as peculiaridades postas aos Assistentes Sociais que trabalham com tal segmento.

(17)

Seguem-se ao final as considerações finais e as referências bibliográficas utilizadas.

(18)

Capítulo I – O Brasil, os povos indígenas e as políticas sociais

Desde as primeiras documentações históricas registradas, e até mesmo antes delas, o Brasil teve em seu território a presença de populações que, com a invasão portuguesa, foram chamados de índios. Muitas dessas etnias1, que antes se organizavam de forma orgânica pelo território nacional, tiveram que se adaptar ao novo contexto com a chegada dos imigrantes europeus, iniciando a partir daquele momento uma das lutas que permanecem até os dias atuais: o enfrentamento pelo direito à terra.

Na seção 1.1 deste capítulo se desenvolverá a caracterização dos povos indígenas, trazendo igualmente os dados quantitativos de suas populações no Brasil, quantas etnias são reconhecidas, a quantidade de línguas faladas e suas divisões por regiões, além de apresentar o conceito geral de “questão social” e tratar das problemáticas enfrentadas pelos povos indígenas na contemporaneidade pelas áreas de atuação, a exemplo: território, preconceito étnico-cultural, saúde, educação e previdência.

Na seção 1.2 continuaremos as reflexões, pondo em relevo as políticas sociais acionadas historicamente pelo Estado brasileiro no enfrentamento das necessidades dos povos indígenas, as quais também são chamadas de políticas indigenistas. Para além de conceituá-las e apresentar suas formulações ao longo das décadas, a partir da Carta Magna, também será abordado o impacto que tais afirmativas obtiveram nas populações indígenas.

Para compreensão de qualidade, fizemos a seguinte tabela com os textos utilizados e os documentos analisados no presente capítulo.

Tabela 01- Textos e documentos utilizados no Capítulo I.

Título do texto/documento Ano de

publicação Autor (a/es) A desumanização Presente nos

Estereótipos de Índios e Ciganos. 2016

- Marcus E. O. Lima;

- André Faro;

- Mayara R. Santos.

1De acordo com Kabengele Munanga (2004, p. 12) etnia “é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território”.

(19)

18

“Agro acima de tudo, minério acima de todos”: as ameaças do governo Bolsonaro às áreas legalmente protegidas na amazônia.

2021 - Josiane Soares Santos;

- Everton Melo da Silva.

A política de saúde indígena no Brasil e as perspectivas para atuação do Serviço Social.

2019 - Raimunda N. da Cruz Oliveira.

A questão indígena no Serviço Social: um debate necessário na profissão.

2020

- Wagner Roberto do Amaral;

- Jenifer A. Barroso Bilar.

A questão social no capitalismo. 2018 - Marilda Iamamoto.

As políticas de abate social no

Brasil contemporâneo. 2020 - Amélia Cohn.

As Políticas Indigenistas e as Lutas Sociais Indígenas:

Manifestações da Questão Social.

2019

- Rosa Maria Castilhos Fernandes;

- Mariana Martins Maciel.

A violência estrutural na América Latina na lógica do sistema da necropolítica e da colonialidade do poder.

2018 - Dennis Oliveira.

Brasil registra três queixas de intolerância religiosa por dia em 2022; total já chega a 545 no país.

2022 - Thaiza Pauluze.

Cambios en el perfil religioso de la población indígena del Brasil entre 1991 y 2010.

2017

- José E. D. Alves;

- Suzana M. Cavenaghi;

- Luiz F. W. Barros;

- Angelita A. Carvalho;

Censo demográfico: 2010:

características gerais dos indígenas: resultados do universo.

2010 - IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Cinco Notas a Propósito da

“Questão Social”. 2001 - José Paulo Netto.

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Considerações sobre povos indígenas, afrodescendentes e outros grupos étnicos durante a pandemia de COVID-19.

2020 - OPAS- Organização Pan-Americana da Saúde.

Direitos Humanos e a questão indígena acerca do direito às terras tradicionais.

2021

- Emerson R. Soares;

- Gustavo dos Santos Prado.

Estudantes indígenas em universidades brasileiras: um estudo das políticas de acesso e permanência.

2018

- Maria Aparecida Bergamaschi;

- Michele Barcelos Doebber;

- Patricia Oliveira Brito.

Governo Bolsonaro: a calamidade

triunfal. 2021 - Ricardo Musse.

Implantação do Protestantismo no Brasil: aspectos sociais e políticos: Parte I.

2017 - Wanderley P. Rosa.

Índios de Papel: Construção discursiva colonizadora sobre o indígena no Brasil.

2016 - Marcos Rodrigues Barreto.

O Papel Branco, a Infância e os

Jesuítas na Colônia. 1996 - Mary Del Priori.

Painel Nacional: Covid-19. 2020-2022

- CONASS- Conselho Nacional de Secretários de Saúde.

Política afirmativa dos povos indígenas: desafios e possibilidades na educação superior pública.

2019 - Wagner Roberto do Amaral.

Política e antipolítica nos dois

anos de governo Bolsonaro 2021 - Leonardo Avritzer.

Política de Saúde Indígena no Brasil: notas sobre as tendências atuais do processo de implantação do subsistema de atenção à saúde.

2012 - Luiza Garnelo.

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20 Política de saúde no governo

Bolsonaro: desmonte e negacionismo.

2021

- Vanessa Elias de Oliveira;

- Michelle Fernandez.

Potyrõ: Saberes e lutas coletivas. 2021

- APOINME- Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.

Povos indígenas e o direito à

terra na realidade brasileira. 2018 - Elizângela Cardoso de Araújo Silva.

Programa leva mais atendimento

à saúde dos povos indígenas. 2015 - Brasil.

Proteção Social aos povos indígenas: avanços e ameaças no Estado brasileiro.

2020

- M. Martins Maciel;

- R. M. Castilhos Fernandes;

- Angélica Domingos.

Questão indígena como expressão da questão social:

indígenas em contexto urbano na cidade do Rio de Janeiro em tempos de barbárie (2012- 2017).

2019 - William Berger.

Questão indígena, violações e resistências: os caminhos de uma investigação.

2020 - Rosa M. Castilhoset al.

Relatório: Violência contra os Povos Indígenas no Brasil- Dados 2021.

2022 - CIMI- Conselho

Indigenista Missionário Saída de cubanos tira 90% dos

profissionais do Mais Médicos em áreas indígenas.

2018 - Leonardo Fuhrmann.

Violência do Estado e expropriação das populações

indígenas no Brasil

contemporâneo: terra, território, trabalho e criminalização da Questão Social.

2020 - William Berger.

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1.1- As expressões da “questão social” e os Povos Indígenas no Brasil contemporâneo

Os povos indígenas, também chamados de povos originários2, são uma população que, apesar de ter sofrido com a invasão européia no século XVI, continua resistindo às sequelas deixadas pelo sistema colonial, bem como contra as expressões da “questão social” advindas do sistema capitalista. Não obstante toda a luta travada, eles permanecem a se organizar e têm uma forte presença no território brasileiro tendo impactos no país, visto que uma de suas principais pautas, a preservação e luta pelo território, tem ação direta em diversos espaços socioeconômicos da sociedade não-indígena (APOINME, 2021).

Importante lembrar ainda que, tal qual a sociedade brasileira, têm suas particularidades dependendo de suas regiões, há existência das especificidades nas diversas etnias, as quais possuem organizações políticas e sociais próprias, pinturas específicas, adereços tradicionais, tal como climas e vegetações distintos, além de outras diferenças fundamentais que tornam tais populações únicas e permitem uma marcante distinção visual e substancial entre as mesmas, dessemelhante do que é socialmente difundido como o ser indígena, ou seja, índios isolados que não vestem roupas, não falam português, vivem em ocas de palhas e moram na região Norte do Brasil, o qual é uma construção histórica, realizado pelas classes dominantes utilizando, dentre outras ferramentas, como acrescenta Apoinme (2021), o

Registro de imagens, que atribui aos indígenas uma primitividade; as narrativas sobre o índio colonial, em vias de se tornar um cristão e trabalhador, e sobre o índio bravo, que devia ser perseguido e escravizado;

o indígena romantizado, puro em sangue e ingenuidade, o índio tradicional e etnificado, para justificar a inexistência de grupos em terras que despertavam os interesses econômicos [...] (APOINME, 2021, p.12).

2 Durante o trabalho iremos nos referir aos povos indígenas também com as nomenclaturas: povos originários e povos tradicionais. Os denominados povos originários “são as populações que descendem dos primeiros habitantes de uma localidade” (MIRIM, s.d.) e os povos e comunidades tradicionais referem-se a grupos que são culturalmente diferenciados e que se compreendem dessa forma, os quais possuem formas próprias de organização social; ocupam e usam territórios e recursos naturais para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica; e que utilizam dos conhecimentos, inovações e práticas tradicionais (BRASIL, s.d.). Assim sendo, compreendemos que os povos indígenas se adequam à definição de tais nomenclaturas e por isso nos sentimos livres para utilizá-las no decorrer do texto.

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22 Uma das diversas formas de racismo e discriminação étnico-cultural constantemente enfrentadas pelos indígenas brasileiros, é muito bem explicitada no comportamento do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles3, quando o mesmo, em uma de suas redes sociais compartilhou fotos de indígenas em posse de smartphones, com a legenda “Recebemos a visita da tribo do iPhone”, ridicularizando e criticando o fato de indígenas utilizarem ferramentas tecnológicas, como se para serem indígenas, devessem rejeitar a evolução tecnológica (CIMI, 2022).

Tais narrativas contribuem com a desumanização desses povos, sendo reproduzidas no senso comum e fortalecendo a hostilidade de não-indígenas, os quais atribuem características como: selvagens, naturais, preguiçosos, violentos e invasores; afirmações essas que podem servir para uma deslegitimação das pautas levantadas por esse grupo (LIMAet al, 2016).

Nessa direção acrescenta-se o que coloca Barreto (2016, p. 21), quando o mesmo afirma que “O indígena é como a narrativa oral: é flutuante, fixamente mutável, impossível de ser descrito em sua totalidade, exceto por ele mesmo”. A sociedade indígena vivenciou igualmente todas as transformações sociais, o que levou a mudanças também em suas formas de conviverem entre si e com o mundo, dessa forma, fica nítido a afirmativa de que apenas um indígena consegue descrever o que caracteriza o ser indígena.

A condição dos povos indígenas na realidade brasileira foi histórica e socialmente desprezada ou tratada com muito preconceito e violência. O próprio termo “índio” não tem unidade concreta, nem semântica, expressando a marca histórica contraditória da colonização. A diversidade dos grupos étnico-linguísticos da América Latina não cabe nesse termo genérico, porém ele passa a ser assumido historicamente como uma definição estratégica de um grupo social no processo geral de organização e reivindicação política. (SILVA, 2018, p. 482)

Para compreensão quantitativa da abrangência dos povos indígenas no território brasileiro, utiliza-se os dados disponibilizados pelo IBGE, que demonstra a existência de mais de 800 mil indivíduos que se reconhecem enquanto indígenas,

3 Ricardo Salles é advogado, administrador e político brasileiro, é um nome conhecido da direita brasileira e participou do governo Bolsonaro enquanto ministro do Meio Ambiente nos anos de 2019 a 2021 (SALLES, 202-). A passagem de Salles pelo Ministério foi marcada por escândalos de investigações por envolvimento em contrabandos ilegais, além de contribuir institucionalmente com o afrouxamento de medidas de prevenção ao desmatamento (MATOSO; GOMES, 2021).

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além de suas divisões nas 305 etnias registradas e suas localizações em áreas urbanas e rurais. No censo de 2010 (o último disponível nos sites governamentais), é relatado que a região onde há maior concentração da população indígena é no Norte, com mais de 342 mil, sendo seguido pela região Nordeste (232 mil), Centro-Oeste (143 mil), Sudeste (99 mil) e Sul (78 mil)4.

Na figura que segue é possível visualizar a distribuição dos povos indígenas por município brasileiro.

Figura 01

Fonte: IBGE, 2010.

4IBGE, 2010.

(25)

24 É preciso destacar a falta de dados atualizados, uma vez que no decorrer de dez anos diversos fatores sociais, econômicos e territoriais podem sofrer modificações importantes para a compreensão de como tais nações sobrevivem em suas áreas e desenvolvem suas comunidades nos setores de educação, saúde, trabalho, além de entender onde há maior incidência de Terras Indígenas homologadas e as etnias que tiveram acesso a esse direito na última década.

Como colocado anteriormente, os povos originários enfrentam as expressões da “questão social” em diversos âmbitos. Nessa direção, Netto (2001, p. 46) relaciona a “questão social” “exclusivamente, com a sociabilidade erguida sob o comando do capital", notadamente em relação à contradição presente no sistema capitalista, em que há uma correlação direta entre aumento da pobreza da classe trabalhadora e o aumento da riqueza da classe burguesa, o que possibilita a emersão de diversas expressões da mesma.

Sabe-se que a “questão social”, objeto de intervenção do trabalho do Serviço Social e aqui explanada, advém do pauperismo, o qual, de acordo com Iamamoto (2018), é a extrema pobreza, ou seja, as pessoas que não tem riqueza objetiva, tendo exclusivamente capacidade de trabalho e sem condições necessárias para a realização de meios objetivos para sua sobrevivência.

Todavia, o pauperismo (ou pobreza) citado por Iamamoto, não diz respeito a uma falta de recursos qualquer, mas a que foi causada pelo modo de produção capitalista, a contradição que surgiu nesse modelo de produção, ou seja, ele diz respeito a todas as desigualdades sociais formadas na sociedade capitalista, inclusive, e principalmente, na contradição entre o capital e o trabalho, não se limitando ao viés econômico e assim passando a ser chamado de “questão social”.

Tais desigualdades, compreendidas no Serviço Social quanto expressões da

“questão social”, só passam a sofrer intervenções do Estado, quando, no século XIX, começa a transcorrer uma organização entre os operários e a emergir as lutas sociais voltadas aos direitos e deveres dos operários como classe trabalhadora e indivíduos sociais.

No momento atual, “a questão social passa a ser objeto de um violento processo de criminalização que atinge as classes subalternas" (IAMAMOTO, 2018, p. 17), não apenas é visto pela ótica da criminalidade, mas também está sendo naturalizado e focado exclusivamente no combate à pobreza ou à violência dos pobres. Analisa-se os problemas sociais, não mais como algo que diz respeito a toda

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sociedade, e sim como responsabilidade única e exclusiva do indivíduo, vê-se que as particularidades, sua historicidade e suas expressões específicas estão sendo desconsideradas, passando a ter uma visão única e indiferenciada da “questão social”, de acordo com a autora.

A construção da sociedade capitalista já trouxe a divisão do trabalho e das condições de vida. Quijano (apud Oliveira, 2018) explana sobre o fato dessa construção ter a divisão racial em primeiro plano, visto que as raças dominadas eram colocadas como inferiores e, portanto, descartáveis, indignos; compreendendo desta forma, o que Annibal (idem) classificou como “colonialidade do poder”, ou seja, o poder sendo construído, fortificado e justificado desde a colonização para um grupo seleto de pessoas que, para além da classe, também foi atribuída a uma raça.

No caso específico dos povos indígenas as expressões da questão social, fortalecidas e evoluídas pelo sistema capitalista, são inúmeras, contudo, a questão central é a expropriação da terra, pois dela decorrem todas as outras, afinal, como afirma Berger (2020) a contínua expulsão dos povos indígenas de seus territórios para as áreas urbanas, se desenrola a partir da criminalização e furto de direitos.

Em complemento a essa perspectiva Fernandes e Maciel (2019) afirmam que:

As situações vivenciadas pelos povos indígenas não podem ser naturalizadas, é preciso considerá-las como sendo expressões da questão social e, portanto, não como algo estático, isolado, mas sim como resultado de um processo histórico de conflitos que emergem das desigualdades sociais e dos processos de produção e reprodução do capital. A questão social se metamorfoseia de diferentes formas, assim como, por meio da violência que tem no “[...] aparato repressivo do Estado, capturado pelas finanças e colocado a serviço da propriedade e poder dos que dominam, o seu escudo de proteção e de disseminação” (IAMAMOTO, 2008, p. 145). Ou ainda, nas palavras de Wanderley, são modalidades que se expressam na forma de gestão do Estado, nas políticas sociais, e pelo “[...] chamado

‘princípio de exclusão’, que se concretiza tanto da parte dos excluídos do processo produtivo do trabalho salariado, quanto da parte dos excluídos pela origem étnica, pela identidade cultural e pelas relações de gênero”

(WANDERLEY, 2004, p.59). (FERNANDES; MACIEL, 2019, p.06)

Berger (2020, p. 911) ainda afirma que muitos massacres são “planejados e executados para ocupação de seus territórios e implantação da lógica do valor de troca sobre o valor de uso (MARX, 1985)”, retirada de suas terras e modificação de sua sociabilidade para os moldes capitalista, onde, através de múltiplas violências, o ser humano passa a vender sua força de trabalho, a troca de sua sobrevivência, através do salário.

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26 Ao longo da história as expressões da “questão social” que circundam a vida dos povos indígenas foram se modificando no Brasil, a depender da conjuntura econômica e política, e ainda como coloca Fernandes e Domingos (2020, p. 28) a

“questão social” não é algo estático ou algo natural de determinada sociedade, “mas sim como resultado de um processo histórico de conflitos, de colonização e exploração dos diferentes, que emergem das desigualdades sociais e dos processos de produção e reprodução do capital”. Contudo, o traço da exclusão sempre margeou tal processo. No país a completa ausência de efetividade das políticas de proteção social aos indígenas, tiveram pequeno avanço logo após a Constituição de 1988, quando os mesmos conquistaram direitos civis.

Entretanto, por impacto direto da conjuntura mais recente, questões como: o processo de demarcação de terras; desfinanciamento e sucateamento das políticas voltadas à educação e à saúde; ações de segurança alimentar, dentre outras secundarizadas; tiveram uma maior incidência nos povos originários.

A precarização em relação às expressões da “questão social” que afetam estes povos tem sido ainda mais agravada a partir de invasões de terras indígenas e conflitos envolvendo atividades como o garimpo. Nessa direção Berger (2019, p.43) sinaliza que: “pensar a chamada questão indígena no Brasil implica discutir a questão fundiária, ambas como parte e expressão de uma totalidade complexa que é a questão social na contemporaneidade”.

Silva (2018) infere que até o início do século XX, a denominada “questão indígena” não era encarada como social ou política, mas se diluía em meio aos conflitos advindos de interesses econômicos vinculados à posse de terras. Amaral e Bilar (2020) colocam que tais povos ainda estão submetidos à precárias condições de vida que estão ligadas diretamente à não demarcação de seus territórios e à negligência do Estado quanto à infraestrutura e políticas sociais específicas.

Muitos avanços foram feitos desde a Constituição de 1988 em relação aos povos indígenas, principalmente no referente à educação e saúde, entretanto não chegam a resolver as problemáticas pautadas pelos movimentos indígenas, dado que cerca de 40% do contingente populacional vive em extrema pobreza, o que resulta nas mais diversas expressões da “questão social”, tais como alcoolismo, suicídios, discriminação e violências das mais diversas formas (BILAR; AMARAL, 2020).

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Todo este contexto de exclusão e negligência por parte do Estado brasileiro, como vimos, é histórico e vem se intensificando nos últimos anos. Assim, antes de iniciar o debate acerca das violências mais recentes, enfrentadas pelos povos indígenas, é necessário situar o momento histórico pelo qual passa o Brasil, começando com a eleição no ano de 2018 do candidato Jair Messias Bolsonaro5, o qual se colocou desde sua candidatura como sendo contra a demarcação das Terras Indígenas- TI e a favor do aumento radical do minério e do agronegócio, inclusive ao tentar atribuir importantes decisões relacionadas aos territórios ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

A eleição de Bolsonaro parece ser, como coloca Leonardo Avritzer (2021, p.

13) derivada de “[...] relações com parcelas expressivas do eleitorado, formadas em torno de questões como combate à corrupção” tal qual os outros presidentes eleitos de forma direta que se aliavam aos partidos de direita, como Jânio Quadros e Fernando Collor de Melo.

Desde sua candidatura, Bolsonaro se coloca enquanto líder de um movimento contra os chamados comunistas, ou seja, pessoas, coletivos, organizações e/ou movimentos sociais que iam/vão de encontro ao que ele acredita ser correto de acordo com suas crenças (religiosa e política), e os quais ele atribui também a característica de corruptos.

Jair Bolsonaro usa da estratégia de antigovernabilidade e antipolítica6, as quais se materializaram na destruição de políticas públicas sob o discurso de falta de utilidade das mesmas, como forma de agregar simpatizantes, os quais podem ser classificados em “quatro grupos sociais ou culturais: os agentes da repressão, os fundamentalistas religiosos, o empresariado e a classe média tradicional” (MUSSE, 2021, p. 63), cujos interesses podem ser tanto de ordem econômica quanto psíquica/

imaginária7.

Tal tática encontrou resistência maior no ano de 2020, visto o desencadeamento da pandemia do SARS-CoV-2. O presidente resolveu seguir o caminho do negacionismo, ignorando a gravidade do vírus que, no primeiro mês de

7Compreendemos que quando o autor se refere à compensação psíquica ou imaginária sentida pelo eleitorado que segue, principalmente, a religião cristã e que, por seguir o bolsonarismo, acredita que está de acordo com os mandamentos de sua fé.

6Ambos termos usados por Leonardo Avritzer (2021, p. 15).

5Jair Messias Bolsonaro é um político brasileiro filiado à Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos (PSL/PRTB), ele foi eleito em 2018 o presidente do Brasil com discurso de defesa à redução da maioridade penal, posse de arma, voto impresso e o que ele considera valores cristãos e da família (BRASIL, 20--).

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28 decreto de pandemia, teve mais de 15 mil casos e mais de 2 mil óbitos informados (CONASS, 2020).

Mesmo após o início das ações para combate e controle do vírus, a saúde enfrentou dificuldades, como a instabilidade no Ministério da Saúde que teve quatro ministros durante o período da pandêmico devido a divergências quanto à forma de gerir a pandemia no Brasil, o que levou a fragilidade nas ações de controle da doença no sistema de saúde público (OLIVEIRA; FERNANDEZ, 2021).

Através do que foi colocado, compreende-se a falta de compromisso do governo Bolsonaro com questões de fundamental importância para o bem-viver da população brasileira. Ao que se refere à população indígena, como colocado anteriormente, desde sua campanha presidencial há discursos de explícita deslegitimação da ocupação, além do nítido apoio à mineração ao usar frases de impacto como “Agro acima de tudo. Minério acima de todos” e da aprovação de uma Licença Prévia para exploração de minério em TIs pela Potássio do Brasil (SANTOS;

SILVA, 2021).

O presidente Jair Bolsonaro tentou desde seu primeiro ano de mandato enfraquecer as instituições e regulamentações relacionadas ao meio ambiente, a exemplo ocorreu a proposta de fundir o Ministério do Meio Ambiente com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, utilizando da argumentação de que ambos lidam com a exploração e conservação da terra e dos recursos naturais, apesar de ser evidente que o ministério teria preferência no desenvolvimento agressivo em vez da defesa da proteção dos mesmos.

De acordo com o “Relatório- Violência contra os Povos Indígenas no Brasil- Dados de 2020” desenvolvido anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI)8, inúmeras violências sofridas pelos povos indígenas são institucionalizados no Brasil e reforçadas por ações, como as citadas anteriormente, do Governo Bolsonaro, além de contarem com aumentos significativos a cada ano transcorrido.

Assim, na elaboração do referido relatório as violências foram divididas em:

Violência contra o patrimônio; violência contra a pessoa; e violência por omissão do poder público; além de colocar ainda Suicídios e Mortalidade na infância, que também estão ligados à ação da União ou falta dela.

8 De acordo com Milhomens e Barroso (2019), o CIMI é um órgão católico, criado na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1972, que tem por objetivo atuar e apoiar os povos indígenas do Brasil.

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A violência de patrimônio (1.191) foi dividida em Omissão e morosidade na regularização das terras (832); Conflitos relativos a direitos territoriais (96); Invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (263). Violência contra a pessoa (304) dividiu-se em abuso de poder (14); ameaça de morte (17); ameaças várias (34); assassinatos (182); homicídio culposo (16);

lesões corporais dolorosas (8); racismo e discriminação étnico culturais (15);

tentativa de assassinato (13); e violência sexual (5).

A violência por Omissão do Poder Público (177) por sua vez foi dividida em desassistência geral (51); Desassistência na área de educação escolar indígena (23); Desassistência na área de saúde (82); Disseminação de bebida alcoólica e outras drogas (11); e Morte por desassistência à saúde (10). Mortalidade na infância teve um total de 776 casos e Suicídios um total de 110.

No referente à questão indígena, uma das expressões pautadas é o regime de tutela que os povos viveram durante anos, até a relativa mudança com a Constituição Federal de 1988, que dava à população indígena o status de cidadãos brasileiros com particularidades a serem respeitadas e protegidas. Ficou ainda a cargo do regime de tutela os povos não integrados à comunhão nacional (disposto no capítulo II da Lei nº 6.001/73), ou seja, os povos conhecidos como isolados, os quais não tiveram uma aproximação total com os não-indígenas.

Um direito demasiado debatido, visto sua importância na construção e base identitária dos povos, é o direito à terra. Os direitos territoriais são a base da construção de todas as outras lutas, uma vez que é a partir da organização dessa luta que são organizados movimentos para assegurar o direito à saúde, educação, cultura, moradia, trabalho, entre outros.

Atualmente o enfrentamento se volta contra a tese marco temporal, o qual afirma que apenas os territórios ocupados na data da promulgação da Constituição Federal- CF de 1988 seriam homologados, impedindo desta forma a extensão deles, ainda que haja documentos comprobatórios de presença indígena desde a invasão, e a demarcação de terras que não estavam sendo ocupados por seus povos originários, não levando em conta a necessidade de sobrevivência que fez com que muitas populações abandonassem suas terras, como é possível observar em uma das decisões da justiça, como descrito abaixo:

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o Tribunal Regional da 4a Região (TRF-4) acolhe a tese do marco temporal e confirma uma decisão da Justiça de Santa Catarina, concedendo ao governo estadual de lá a reintegração de posse de uma área da reserva indígena Ibirama-Laklãnõ, nessa área vivem os povos Guarani, Kaingang e Xokleng. A FUNAI recorreu da decisão e o caso está em discussão no STF.

(SOARES; PRADO, 2021, p. 12).

Tal exemplo, demonstra como a legislação ainda é frágil e deixa demasiadas brechas que são usadas a favor de latifundiários que desejam os TIs, fazendo com que inúmeros indígenas sejam afugentados, mais uma vez, ou mortos em conflitos, deixando assim os povos sem os direitos garantido por lei, ou seja, o direito à terra, à moradia e ao bem-estar social como um todo.

O relatório publicado pelo CIMI9 em 2022 afirma que, em 2021, foram registrados 305 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, os quais atingiram ao menos 226 Terras Indígenas em 22 estados brasileiros, quantidade essa três vezes maior que a registrada no ano de 2018 (109 casos), demonstrando, mais uma vez, como as fragilidades legislativas prejudicam a vida das populações indígenas em seus territórios.

Relata a invasão de garimpeiros em TIs (não apenas as que já tiveram e continuam a ter contato com não-indígenas, mas também povos livres ou isolados10), explícitas nos casos dos povos Yanomami, em Roraima e Amazonas, e Munduruku, no Pará, os quais além de sofrerem com as invasões e garimpos ilegais, enfrentaram ataques com armas de fogo, ameaças de morte e proliferação de doenças, como Covid-19 e malária, além de terem suas terras e rios devastados pelas máquinas utilizadas na extração de ouro.

Ainda sobre violência territorial, destacamos a Instrução Normativa nº 9/2020, a qual permite a certificação de imóveis privados em territórios não homologados e impede a FUNAI11 de proibir a posse de tais propriedades, mesmo que a terra em questão esteja em processo de estudo; o Projeto de Lei (PL) 191/2020 que pretende liberar a mineração em TIs; e a não demarcação de nenhum território indígena pelo

11A Fundação Nacional do Índio foi fundada em 1967, durante o período da ditadura militar no Brasil, ela era vinculada ao Ministério da Justiça e ficou no lugar do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e do Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI). A fundação tinha por dever executar as políticas indigenistas, de modo a proteger e promover os direitos dos indígenas brasileiros (MATIAS; SILVA, 2018).

10 Como muitos povos indígenas optaram por se manter afastados da sociedade brasileira, como estratégia de sobrevivência, é comum serem chamados de “isolados” ou “sem contato”. Porém alguns estudiosos preferem chamá-los de “livres” (HECK; LOEBENS; CARVALHO, 2005).

9Relatório anual das violências, 2021.

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terceiro ano consecutivo, apesar das diversas reivindicações e dos inúmeros processos de regularização.

Dando prosseguimento às violações de direitos em territórios indígenas, historicamente, reconhece-se a imposição de uma determinada religiosidade às comunidades indígenas, visto que, os povos originários eram tidos como

“sem-almas” e bárbaros, pois não tinham religião e sua espiritualidade era considerada pagã (DEL PRIORI, 1996).

As religiões cristãs são as maiores em termos de pessoas que se identificam como e de praticantes, tanto que no ano de 2010 a porcentagem de evangélicos nos municípios de Mato Grosso do Sul era superior a 75% (ALVES et al., 2017, p. 250), podemos compreender que o avanço de tal religião se dá devido a

[...] formação de líderes religiosos indígenas, que podem difundir a Bíblia traduzida em sua língua nativa, é o principal indicador de uma sociedade convertida ao “Evangelho”, quer dizer, um grupo capaz de manter a religião e difundi-la por meio de missionários indígenas, com vista a ampliar não somente a quantidade de pessoas senão também a variedade cultural e linguística, até alcançar a todos os povos, como estabelece o ideal de evangelização segundo São Marcos: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura”. (ALVESet al., 2017, tradução nossa)

Advindos de movimentos religiosos da Europa e Estados Unidos, cujo objetivo era a evangelização de todos os povos para a segunda vinda de Cristo, para religiões cristãs “a sociedade estadunidense era a expressão pura e simples de uma nação que se curvava à Palavra de Deus” (ROSA, 2017, p. 180), sendo assim enquanto é propagado o evangelho, também é incitado uma adaptação aos moldes estadunidenses, sendo modificadas as culturas que não se enquadram ao modelo proposto.

Sendo assim, a espiritualidade dos povos originários também entra como um obstáculo para a propagação de seus princípios. O Brasil registrou, no ano de 2021, 1.017 denúncias de intolerância religiosa (PAULUZE, 2022), a exemplo dessa violência contra populações indígenas, registrou-se quatro denúncias no Mato Grosso do Sul, dos povos Guarani e Kaiowá, e uma no Rio Grande do Sul, dos Guarani Mbya, onde casas de reza foram vítimas de incêndios criminosos.

Ao que se refere à saúde, é importante colocar que até os anos 1990 as ações de saúde voltadas para as comunidades indígenas eram de responsabilidade da FUNAI, apesar da já existência do SUS (Sistema Único de Saúde), o qual era

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32 administrado pelo Ministério da Saúde. Apenas no ano de 1999, com o entendimento de que tais populações contém especificidades que devem ser respeitadas, bem como que o SUS não contava com os arcabouços adequados para atendê-las, foi criado o subsistema de sistema de saúde indígena (GARNELO, 2012).

É reconhecido que as comunidades indígenas detém particularidades que devem ser respeitadas nas ações de saúde, por tal motivo existe o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS). Para além da adaptação aos costumes específicos de cada população (entrando aqui o obstáculo da comunicação devido às diversas línguas), muitos dos povos vivem em regiões remotas e muitas vezes de difícil acesso, como é o caso das aldeias do Vale do Javari, no Amazonas, em que é necessário 14 dias de transporte à barco para chegar.

Antes da instalação da pandemia do COVID-19 no Brasil, a saúde indígena começou a ter diversas baixas, a começar com o fim da atuação profissional dos cubanos (vinculados ao Projeto Mais Médicos) nos territórios em 2018, após o presidente Bolsonaro fazer declarações sobre a possível falta de qualificação desses profissionais. O impacto foi demasiado para os povos indígenas, visto que eles correspondiam, desde 2015, a metade dos profissionais da medicina atuantes nos Distritos Sanitários de Saúde Indígena (DSEI)12(BRASIL, 2015).

A evacuação desses profissionais deixou diversos povos sem atendimento, visto que 90% dos médicos que atuavam pelo programa em áreas indígenas eram cubanos (FUHRMANN, 2018), sendo preciso uma ação rápida do Estado para evitar o desamparo aos povos mais atingidos, mas sem ignorar as especificidades relacionadas a cada etnia.

Com a COVID-19, os problemas já existentes como a insegurança alimentar (que atinge cerca de 85% da população), a falta de água e saneamento, falta de acesso a serviços de saúde, comunicação e transporte, agravou ainda mais a vulnerabilidade dessas pessoas não apenas à COVID-19, mas a outras doenças

12 De acordo com o Ministério da Saúde (2021) o DSEI “é a unidade gestora descentralizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS)”, a qual organiza os serviços de saúde de acordo com os aspectos etno-culturais, geográficos, populacionais e administrativos do território pelo qual se faz responsável. Em adição, também desenvolve atividades administrativo-gerenciais para fornecer assistência junto com o Controle Social e reordena a rede de saúde e as práticas sanitárias.

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(OPAS, 2020), além de contar com as subnotificações de indígenas em contexto urbano que foram infectados.

Além disso, de acordo com Garnelo (2012) o financiamento para a saúde indígena ao tempo que tem tendência de crescimento, também enfrenta o problema de alocação dos recursos, ocorrendo uma inconstância quanto ao repasse de recursos para pagamento de contratados; para aquisição de equipamentos e insumos básicos; e para a compra de medicamentos, combustível e outros materiais de consumos regulares.

Ainda foi colocado a existência de duas fontes orçamentárias, a FUNASA e a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), as quais, combinadas, formam o orçamento da saúde indígena, porém ressalta-se que os recursos da SAS “são repassados diretamente para os sistemas municipais de saúde e que não há informações disponíveis sobre as prioridades de alocação dos mesmos” (GARNELO, 2012, p. 33), podendo tais recursos serem utilizados para outros fins, que não ações de saúde indígena.

Colocamos também que, tal como pontua Oliveira (2019), a saúde indígena lida também com a

fragilidade do controle social que, muitas vezes, não tem acesso às informações necessárias à sua atuação, como aplicação dos recursos orçamentários e financeiros investidos, dados técnicos de saúde inconsistentes, pois ainda se trabalha com sub-registros, pouco fidedignos, que em nada, ou quase pouco, representam a realidade em seu contexto real, pois ainda convivemos com um Sistema de Informação em Saúde Indígena, com baixa transparência e fidedignidade nas informações epidemiológicas.(OLIVEIRA, 2019, p. 67)

Com isso concluímos que a falta de informações que assolam os profissionais que trabalham diretamente com a população indígena, também impacta essas sociedades, visto que, se os responsáveis pela controle das ações ligadas à saúde e dos impactos das mesmas a essas comunidade, não conseguem ter acesso aos dados que direcionam suas atuações, dificilmente a população terá noção precisa da situação sanitária de seu território.

Quando falamos de acesso à informação, também levamos em conta o alcance dos mesmos aos conhecimentos acadêmicos. Para a entrada dos estudantes indígenas em universidades e faculdades eles precisam passar pelo

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34 ensino básico, que se constitui nos chamados Fundamental I e II (1º- 5º ano e 6º- 9º ano, respectivamente).

O Censo Demográfico (2010), o qual considerava “como alfabetizada a pessoa capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhece”, sem fazer distinção entre o português e as diversas línguas existentes nas comunidades, apurou que a taxa de indígenas analfabetos era de 23,3%, desses, a sua maioria sendo dos que vivem em regiões rurais (76%).

No referido Censo, é possível perceber ainda a mudança que ocorre, principalmente no que se refere às novas gerações, visto que a taxa de pessoas alfabetizadas em Terras Indígenas, com 10 anos ou mais, era de 69,7%. O número é significativo, mas ainda demonstra que há muita dificuldade para acesso à educação nos territórios demarcados, visto que a taxa de alfabetizados na mesma faixa etária, mas fora do das TIs é de 86,2%.

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Figura 02

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010

O número de analfabetos em aldeias indígenas se deve, como coloca Bergamaschi, Doebber e Brito (2018), ao fato de que escolas/estruturas destinadas ao ensino nesses povoados é uma prática antiga, advinda da época colonial, em que os jesuítas utilizavam dessa estrutura para evangelizar os originários e, por muitas vezes, como colocado anteriormente, cometer etnocídio de suas culturas.

O relatório do Cimi (2022), mostra alguns obstáculos que os povos indígenas vêm enfrentando, tais como: falta ou precariedade de estruturas físicas utilizadas para ensino; carência de professores; necessidade de formação continuada para os docentes contratados; insuficiência de materiais escolares; ausência de planos pedagógicos adequados para as comunidades; falta de transporte escolar; e, com a pandemia, surgiu a dificuldade de participação dos estudantes nas aulas, pois

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36 apesar da distribuição de materiais tecnológicos, muitas TIs são locais em que não há redes deinternet.

Para além, a luta para inserção e permanência de estudantes indígenas no ensino superior público, também não foi fácil e advém de muitas lutas das nações indígenas durante muitos anos, apesar de só haver registros oficiais da presença deles em universidades, a partir da primeira década de 2000, quando foi aprovada, no Paraná, a Lei Estadual n° 13.134, de 18 de abril de 2001, a qual garantia três vagas suplementares em todas Universidades Estaduais, entretanto destinadas apenas aos povos indígenas do estado poderiam concorrer a elas (AMARAL, 2019).

Tal avanço só foi possível, relata Amaral (2019), após diversas negociações entre algumas lideranças indígenas, representantes da FUNAI e um Deputado Estadual, que tinha sua base político-partidária localizada na região de Guarapuava/Paraná, lugar onde se encontrava/encontra alta concentração de populações indígenas do estado.

Assim sendo, fica nítido que, apesar de um importante passo para o ingresso de indígenas em instituições de ensino públicas, a forma de atingir esse feito foi incorreta, afinal não houve consulta pública para aclarar as reais opiniões dos povos indígenas sobre tal feito.

Na última década as formas de ingresso no ensino superior dessa minoria vem se desenvolvendo e as ações focadas para as instituições de ensino superior públicas se focalizam em dois segmentos: ensino de cursos adicionais específicos, como o Programa de Licenciaturas Interculturais Indígenas (Prolind); e a oferta de vagas especiais ou suplementares, a partir da Lei Federal n° 12.711/12, conhecida como Lei de Cotas (Bergamaschi; Doebber; Brito, 2018).

A figura a seguir mostra as formas de ingresso indígena nas instituições de ensino focalizadas na pesquisa realizada por Bergamaschi, Doebber e Brito (2018).

Figura 03

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Fonte: Bergamaschi, Doebber e Brito (2018).

Por fim, apesar das formas de admissão aumentarem consideravelmente as oportunidades de dos indígenas, ainda há diversas problemáticas, a exemplo os obstáculos elencados anteriormente da educação básica, visto que sem o primário não há possibilidade de aprovação em outras instâncias; racismo; carência de recursos para permanência, visto que muitas instituições de ensino públicas estão localizadas longe das terras indígenas; barreira linguística e cultural; dificuldade no acompanhamento do ritmo de estudos; dentre outros obstáculos (Bergamaschi;

Doebber; Brito, 2018).

Quanto à assistência social, Fernandes (et al., 2020, p. 35-36) aponta, baseada nas notícias analisadas a respeito dos povos indígenas brasileiros, que tais povos encontram no cadastramento do Programa Bolsa Família13 barreiras para acesso e permanência no mesmo, devido às dificuldades encontradas no acesso escolar, aqui já explanados, critério para o programa.

1.2- As Políticas de natureza social no enfrentamento das demandas dos povos indígenas

As políticas sociais historicamente apresentaram algumas características comuns, expressando como vem ocorrendo a relação entre Estado e sociedade civil

13Na data o programa ainda não havia sido modificado para o "Programa Auxílio Brasil”, programa esse aprovado no final do ano de 2021.

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38 no país. Pautadas há décadas por fragmentação institucional, centralização, excesso de burocracia, seletividade e princípios privatizantes, as políticas de natureza social brasileiras só passaram por modificações relevantes a partir de 1988 com a revisão constitucional.

Como assevera Cohn (2020);

A nova ordem ditada pela Constituição de 1988 é forjada no seio de um perfil de rede de proteção social constituída ao longo daquele século que tem como característica ser composta por um conjunto de políticas sociais fragmentadas entre si, com seus ritmos e trajetórias específicos traçados sem sincronismo, contando com fontes distintas de financiamento sem garantias constitucionais, e não configurando o acesso a serviços e benefícios sociais como direitos. (COHN, 2020, p.131)

Nesse contexto, os direitos dos povos indígenas foi sendo reconhecido e abrangendo cada vez mais áreas com o passar do tempo, desde o primeiro reconhecimento jurídico dos direitos dos indígenas à terra em 1680, no Alvará Régio de 1o de abril, o qual destinou espaços do território para que pudessem lavrar e cultivar, porém sem a possibilidade de retirada dessas terras; até a Constituição Federal de 1988, na qual as disposições acerca dos indígenas foram ampliadas, os considerando enquanto cidadãos brasileiros independentes, regulamentando e garantindo direitos a estes povos (SOARES; PRADO, 2021).

Assim, para além da exclusão histórica sofrida pelos povos indígenas desde o período colonial, foi sobretudo a partir de 1988 e como fruto da organização do movimento indígena, que foi possível constatar avanços do ponto de vista jurídico acerca de seus direitos, incluindo-se aí, os direitos sociais.

Ressaltamos que estamos tomando enquanto marco temporal a Constituição de 1988, partindo do princípio de que todas as iniciativas estatais que a antecederam pouco avançaram em relação ao tratamento tutelador e disciplinador em relação aos povos originários. Os pontos fulcrais, sem dúvidas, são a demarcação das terras indígenas e obviamente as políticas indigenistas, pois a partir desses aspectos um rol de direitos sociais podem ser vislumbrados.

As chamadas políticas indigenistas são políticas formuladas pelas distintas esferas do Estado brasileiro para as populações indígenas do país. De acordo com Maciel; Fernandes e Domingos (2020) as políticas indigenistas e o indigenismo são categorias históricas, utilizadas principalmente a partir do século XX, para criar

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preceitos e ações práticas pelos países americanos. Adicionamos ainda que o termo

“indigenista” também é utilizado pelas comunidades ao se referirem aos não-indígenas que se envolvem a favor da causa indígena.

As políticas sociais voltadas para esse público são alvo de crítica devido a forma de tratá-los enquanto “excluídos”, generalizando e não abrangendo nessa palavra os distintos contextos, histórias e estruturas dos mesmos, demonstrando um uso genérico da expressão, bem como a falta de compreensão dos diferentes impactos às diversas comunidade e povos impactados com o sistema capitalista.

É importante apontar que as políticas indigenistas advém das lutas e organizações nacionais e internacionais desses povos em conjunto com indigenistas. Estas foram formuladas a partir do viés de pagamento da dívida histórica do país para com essas populações, dado os massacres e genocídio ocorrido na formação social do que hoje entende-se por sociedade brasileira (MACIEL; FERNANDES; DOMINGOS, 2020).

Elas estão presentes no sistema de proteção social, composto por legislações da área da saúde, assistência social e previdência social. As políticas sociais têm, historicamente, um viés complexo e contraditório, o que faz com que elas possam ser usadas tanto para a reprodução e conservação do sistema capitalista, como pode ser uma ferramenta na luta contra o capital, precisando, para este último, ser formulada e implementada por pessoas que, para o caso das políticas indigenistas, não tenham como direcionamento o etnocentrismo em relação aos povos (MACIEL;

FERNANDES; DOMINGOS, 2020).

A exemplo da ação do Estado em relação aos povos originários, foi sanção em 1989 a Lei n° 7.716, que criminaliza o preconceito pela cor e raça, entretanto, como posto acima, as políticas estão repletas de contradições e esse viés se apresenta quando, apesar de criminalizar a violência, a legislação ainda entendia o indígena como alguém que precisaria ser integrado à sociedade.

A Convenção n° 169 de 1989, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), contribuiu com a propagação do respeito à diversidade de cada população nas relações de trabalho, deixando a escolha de desenvolvimento de prioridades a cada indivíduo, além de versar sobre as consultas às populações indígenas sobre apropriações de suas terras (MATIAS; SILVA, 2018).

Maciel, Fernandes e Domingos (2020) revela que o Decreto n° 7.056, de 28 de dezembro de 2009, foi de grande importância para o entendimento das políticas

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40 sociais como ações para além do assistencialismo e de tutela, proporcionando o estímulo ao respeito e conservação das particularidades presentes em cada povo, bem como à participação e protagonismo da população em espaços institucionais de elaboração das políticas públicas, como forma de afirmar e reafirmar as lutas travadas ao longo da história brasileira, os quais adquirem caráter classista.

Quando falamos sobre políticas indigenistas, o tema mais comumente abordado é o direto à terra, portanto ao que se refere às políticas de demarcação das TIs, foi instituído em 1996, o Decreto n°. 1.775 de 8 de janeiro determina os procedimentos para regularização e demarcação das terras indígenas, instituindo à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) a responsabilidade de realizar estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários ao delineamento das TIs. O decreto ainda concebe sobre a participação de coletivos indígenas e do poder público no processo demarcatório. (SOARES, PRADO, 2021).

Quando se trata de saúde indígena, Maciel (2021) ao fazer um estudo sobre as políticas indigenistas, indica como principais legislações o Decreto n° 3.156, de 27 de agosto de 1999, e o Decreto n° 7336, de 19 de outubro de 2010, os quais se referem, respectivamente, à designada Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) e à criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI)14.

Como já afirmamos anteriormente, todas as partes que constituem a vida do ser indígena tem ligação direta com seus territórios, assim sendo, entender o direito à posse de suas terras é compreender o uso da plena cidadania dessas nações, de sua autonomia, da completude dos ecossistemas e o emprego dos recursos naturais enquanto via para a conquista do bem-viver, analisando as políticas de saúde enquanto política de território também.

Previamente foi assinalado a existência do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI), Lei n° 9.836 de 23 de setembro de 1999, a qual tem por objetivo ajustar os serviços e ações sanitárias às especificidades presentes nos povos indígenas brasileiros e às suas necessidades. Essa lei faz uma importante mudança,

14De acordo com o site oficial do Ministério da Saúde (20--)“A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) é responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS)”

Referências

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