• Nenhum resultado encontrado

F R A N C I S CO M O R A ES P AZ NA P O É T I CA DA H I S T O R IA A R E A L I Z A Ç RO DA U T O P IA N A C I O N AL O I T O C E N T I S TA C U R I T I BA - 1 9 95

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "F R A N C I S CO M O R A ES P AZ NA P O É T I CA DA H I S T O R IA A R E A L I Z A Ç RO DA U T O P IA N A C I O N AL O I T O C E N T I S TA C U R I T I BA - 1 9 95"

Copied!
306
0
0

Texto

(1)

F R A N C I S C O M O R A E S P A Z

N A P O É T I C A D A H I S T O R I A

A R E A L I Z A Ç R O DA U T O P I A N A C I O N A L O I T O C E N T I S T A

C U R I T I B A - 1 9 9 5

(2)

N A P O É T I C A D A H I S T O R I A

A REALIZAÇftO DA UTOPIA NACIONAL OITOCENTISTA

Tese de Doutorado es História,

Curso de Pós-Graduaçâo em História, Universidade Federal do Paraná

Orientador: Prof. Dr. Ana Maria de Oliveira Burmester

C U R I T I B A - 1 9 9 5

(3)

Comissão Examinadora

Prof.Dr. Ana Haría de Oliveira Buresster, presidente

Prof.Dr.

Prof.Dr.

Prof.Dr.

Prof.Dr.

Curitiba, .... de de

(4)

de teapos ea teapos, tal coeo nos aelhores -folhetins policiais, ou aesao fantásticos, há uta presença, uas lu? acesa já alta noite, ua braço que abre e fecha uaá porta de janela. Do fato de eu nSo ver ninguéa apesar de eu olhar (perserutar) induzo que nio sou olhado - deixando as cortinas abertas. Nas passa-se talve: o contrário: sou talveí incessante e intensaaente olhado, a pessoa esquece-se de que ela própria pode ser olhada.

Ou ainda: no verbe "olhar*, as fronteiras do ativo e do passivo sSo incertas.

(Roland Barthes, O óbvio e o obtuso, p. 256)

(5)

* S U M A R I O *

Apresentação ó

CULTURA E SOCIEDADE - O TERRITORIO DO OUTRO ...22

!. . SOBRE UM (POSSÍVEL) SISTEMA DE OLHARES 04 1 „ :l. .. Na çcío s no sentido cul tural do nacional isirnj 70

1.2. Populaç'à'oï no pressuposto político da demografía 122

1.3. Narração: ría promoção da escrita criativa 172

2. POR UMA TECNOLOGIA DE VERDADE 201 2 „ 1 . No inventário oi tocen ti s ta da história 213

2.2. No sentida científico da viagem .271

3. SOBRE A UTOPIA NACIONAL NOS TROFICOS 307 3.1. NaçSo s na busca da brasi 1 idade Jo i

3.2. F'opulaç'àos na p romo ç cío do ideal 359

3.3. Narração: no inventário da sociedade 435

NAÇftO E POPULAÇPfO - A CONVERGENCIA DOS DISCURSOS ...485

Notas 503

Referências bibliográficas 545

(6)

A P R E S E N T A Ç A O

(7)

7

A P R E S E N T A Ç Ã O

A historiadora norte-ameri cana Barbara U!.. "fuchman, em O historiador como artista, artigo publicado pelo Wew York Herald Tribune Book Meek, dá-nos uma boa notícia. A prática da escrita., afirma., está voltando, da mesma forma que o consumo

d e 1. i V r o s e s t á <:: r e s c end o.. ( .1. ) P a r t i n do d e s t a p e r s p e c: t i v a promissora., analisa os desafios inerentes a sua concl i çSo de

historiadora e o significado contemporâneo da prática h i s t o r i o g r á f :i. c a..

Primeiramente considera que, á semelhança do poeta e do

r o f lí a ri c ri. s t a,, t e m a t a r e f a d e d e s e n v o 1 v e r u m t r a b a 1 h o <:: r i a t. i v o.

Porém, ao v e -1 o definido como níTo-f .i. c çâo, reage diante da caracterização de seu trabalho por aquilo que ele nä'o ë. Tal procedimento mais se lhe parece uma estratégia mercadológica de distinção entre o texto histórico e aquele a pon tad amen te f i ccional „ ¡Estratégia que furta-se à ref lexSo sobre a natureza do produto do historiador.. Mesmo su i ei tando-•se ao risco do emprego do termo, sua busca de um t ra tarnen to mais preciso acaba por levá-la a definir o historiador como rea 1 i s ta, posto que o mesmo atenta ao campo do real.. Assim sendo., sua ref lexSo nao se encaminha para a diferenci açiSo entre o -ficciónal e o

(8)

t r ata m e n t o s do real.

ïendo presente que poetas e romancistas nîto est'áo necessariamente fora do real, conclui que, à semelhança do

realista, todos podem ser 'escri tores tí¿ realidade. De forma imaginativa esta faz-se presente em diferentes trabalhos, como que traduz indo as diversas percepções do mundo e revelando as ob;i eti vaçô'es e/ou subjieti vações do autor. A que st 3o ultrapassa portanto os limites impostos por um determinado conceito de real - dado que o mesmo n'2io é prerrogativa exclusiva de qualquer construção discursiva - e a diferenciação está na atitude criativa do escritor diante dele.. Logo., sem constrangimentos, trata os romancistas, os poetas e os h :i. s t o r i a dore s c o m o artistas.

Em segundo lugar, esse n«o é um tratamento sumário da autora diante de todo aquele que se dedica à escrita da história.. O historiador apenas se '.Lhe apresenta como artista quando dotado de uma visão extra e da capacidade de expressá- la., A visáo criativa de Alexis de Tocquevi i le sobre a América, de Edward Gibbon sobre Roma e de Karl Marx sobre o capital, por exemplo, é que produz a singularidade dos autores e de suas obras. Como artistas, armam um novo olhar sobre aquilo que investigam e sugerem um novo campo reflexivo. "Ao dizer que me sinto como uma artista," - acrescenta a autora

'1 s i g n :i. f i c a q u e m e v e j o c: o n s t a n t e m e n t. e per- c: e b e n d o u m a v e r d a d e histórica (pelo menos, o que m e parece verdade), ao explorar

tuna sugestão. Em seguida, após uma cuidadosa coleta de dados, trans m i t indo-a ao leitor, e nao fazendo uma lista de tocios o;::.

(9)

? fatos que recolhi, como fazem os doutores, mas exercendo o privilégio de seleção que tem o artista." ( )

G processo cri ativo pressupõe, além da vis'à'o extra, o desenvolvimento de uma correta estrutura e o emprego adequei d o dos meios de expressão., Neste sentido, destaca, a o p ç'Âo pela estrutura narrativa representa um sério desafio pois, antes de ser direta e simples, ela requer organização, composiç'ào e planejamento,, Selecionar fatos sem perder a linha narrativa é uma tarefa tão complexa quanto prender a atenção do leitor mesmo diante do conhecimento prévio do final. 0 segredo da boa história, ao contrário do romance policial, n ao está na surpresa do desenlace:', vem da condução sensível do leitor diante de um percurso sugestivo. Finalmente, conclui Tuchman,

"se alguém disser que isso nä'o exige uma escrita criativa, só posso lhe responder que tente escrever história."(3) Heródoto, há séculos, empregara esta estrutura, escrevendo de forma ímpar uma boa histöria. Como ninquém, d i 7. Walter Benjamin, sou be contá-la por inteiro ....

0 ousado encaminhamento dessas reflexões sobre? a prática historiográfi ca contemporânea, bem como a recuperação do tratamento et o historiador como um artista, após tanta busca do estatuto de cientista, parece temerosa.. Porém, nfi'o deveria surpreender. Basta retroceder, por exemplo, á s criativas décadas cie 1920-30, período anterior ao domínio cios grandes modelos explicativos, e recuperar o vigoroso e irreverente

clima intelectual cia época. Maque la o ca s i So, através de seu Discurso sobra a história, de certa forma Paul Valéry .já se antecipara e sugeri ra outras questões igualmente desafiadoras.

(10)

a história, a certeza é t'áo somente a filha de uma união casual entre o fato e a cronologia., Ainda, que o fato mais se lhe parece um acidente e a c:ronoloçi:i.a„ uma construç'à'o- (4)

!:: n t. r e t a n t. o, para o a u t o r , m e ci i t. a r s o b r e o pas s a d o n £'o é uma tarefa inócua. 0 principal sentido da história está na

possibilidade dela nos ensinar a ver melhor... T'ai como

H e :i. n r :i. c h F; i c ke r t, l< a r 1 M a n n h e i m o u E r n s t. G a s s i r e r , Val é r y depara-se com as questões relativas ao conhecimento humano e á

e s p e c u 1 a ç ¿Yo f i 1 o s ó f i c a , o u s a ri do u m cria t i v o v ô o i. n t e 1 e c: t. u a 1 numa conjuntura marcadamente neokantiana. Sugerindo novas

aber turas ao pensar con temporáneo, o au tor encamin ha-nos ao

e X e r c í c i o d e r e a v a 1 i a ç áo cl o p r ó p r i o est a t. u t o e p i. s t. ë?m i. c: o cl o conhecimento histórico e da sua historicidad©. Rompendo com as

certezas, abre um fértil campo de investigaçâ'o que, embora esquecido por alguns, reaparece as reflexões de Tu chinan.

Frente a tais sugestões, assuminos e antecipamos um du pi c:¡ pecado intelectual. De acordo com Barbara Tuchman,

teimamos a história como arte; em conformidade com Paul Valéry, afastamo-nos do campo das certezas históricas. Assim procedendo,, buscamos compartilhar do exercício reflexivo da atual prática historioqráfi ca face ao clima de reavaliação das estratégias e dos propósi tos gue informam o sentido da

(des)construção do olhar do homem ocidental. Exercício que igualmente denota a promoção da cultura dos grupos sociais, o recoii liée: x men to do significado simbólico dos eventos, o distanciamento d o grandes modelos analíticos e a recuperação das diferentes idéias cio passado,,

(11)

il

Ad pensai' ns poética da história, isto é , ao encaminhar 0 presente estudo sobre a realização da utopia nacional

01 tocen ti s taf julgamos necessário delimitar alguns entendimentos- A referência á poética da história pode sugerir a imed:i.ata lembrança da Poética aristotél ica. Porém, tendo presente as sugestões e inspirações apontadas, afastamo-nos cia d i stinçS'o entre o historiador e o narrador- I s to é, da diferenciação clássica entre aquele que conta o que aconteceu

•••• o historiador •••• e aquele quo? descreve o que poderia ter acontecido - o narrador. Subvertendo o conceito inicial, ousamos tratar a questão de forma a considerar tanto o que

aconteceu, quanto o que poderia ter acontecido como questões igualmente rei evamen tes ao campo discursivo da história.

Sobretudo quando pensamos numa história formada a partir das idéias. Idéias de nação. Idéias de população.

Ainda, quando elegemos <5 realização da utopia nacional oi tocentista como objeto de análise, dizemos do propósito de apreender determinadas represen tações vol tadas à produção de um real. Qual seja, partimos do princípio de que o ideal utópico inteqra o Imaginário das diversas sociedades,

t o m a n d o - s e componente básico de suas representações culturais,, Os séculos XV11I e XIX, em particular, revelam-se tempos férteis, à produç'âo das utopias, visto disporem das possibilidades redentoras da ciência e da técnica. Elas sustentam a certeza da constituição de um tempo novo e de sociedades que cumpririam seu devir histórico. Funcionam como propulsoras de uma outra ordem social, ¿ ordem burguesa. Ao

(12)

mesmo tempo, ciência e técnica transformam-se em lentes ou códigos da percepçSo do con temporáneo..

A ei e:i. çáo do pensar utópico como ponto reflexivo requer uma primeira irtcursSo conceituai. Para tanto, partimos da análise de Karl Mannheim sobre as relações entre o pensamento científico e o político,, face a d i fus cio de idéias em meio ao distanciamento das ex per :i. &n ci as. Enquanto o conceito cie ideologia informa sobre o reconhecimento do crescente conflito político e o obscurecimiento da condição real da sociedade, como forma de estabilização, o conceito de utopia traz á tona um desejo oposto, o desejo de mudança. Para Mannheim, é através do pensar utópico que podemos observar o quanto

"certos grupos oprimidos esteio intelectualmente t¿x'o firmemente interessados na destruição e na transformação de uma dada condição da sociedade que, mesmo involuntariamente, somente v@em na situaçáo os elementos que tendem a negá-la. Eles nS'o estão absolutamente preocupados com o que realmente existe;

antes, em seu pensamento buscam logo mudar a sx tuaçao existente."< b)

Tendo presente tal desejo de mudança, vol tamo-nos ao sentido das utopias oi tocen tistas. Dentre as muitas reflexões, 1 em tiramos com lvlax Horkheimer que, tal como con hecemos, a utopia data da experife;nc:::i.a human a renascentista, (ó) 0 próprio termo deve-se á obra de Thomas Morus - Utapia •••• e passa' a dizer das preocupações de alguns homens diante das

transformações desencadeadas pelo mer can tili smo e pelas manufaturas, principalmente nos centros urbanos. A miséria

testemunhada pot Morus, Campanella e Bacon, leva—os a repensar

(13)

13

o peso da transição - ao capitalismo - para as camadas sociais menos favorecidas. Trata-se de refletir sobre as condições dos novos homens livres., sobre a propr:i.edade e sobre o lucro.

Crit:i.cos das reformas econômicas e políticas, Morus e Campanei Ia defendem o ideal da cristandade unida. Como as massas, tem na memória a visao generosa de uma Igreja voltada aos pobres. Refutam a utilização política da religião, posto que a tomam como reservatório moral., e defendem a comunidade sagrada da terra e as leis de Cristo. Neste sentido, precedem os radicais ingleses do século XVII, como os leveilers, seekers, ran ters, diggers ou quaeres, que também pensam e lutam pela utopia popular do comunismo agrário.(7)

An t e c i p a n d o ~ s e a R o u s s e a u , o s u t ó p i c: o s a fir m a m q u e o homem é bom por natureza, mas estragado pela propriedade. Por

esta razão, projetam uma sociedade sein propriedade privada e deslocada no espaço. Morus pensa numa ilha oceânica;

CampanelIa, ' no interior do Ce i 1'ao. Ao buscare-ní a razão universal absoluta, defendem outros ideais sociais e políicos.

"A utopia" - segundo Horkheimer - "ultra pas. sa o tempo. Das saudades provocadas por uma determinada situaçSo da sociedade e que se alteram com cada mutaçSo da realidade, quer ela

construir, com os meios disponíveis no presente, uma sociedade perfeitas o país de son ho de uma fantasia condicionada tem por a.l. men te . " ( 8 )

Con t udo, o se n 11d o m a i or d a uto pia e s t á n a crí ti ca realizada e menos na proposta de sociedade intentada. Na Renascença, temos a busca do céu secu l a n z a d o medieval.. C) estado social perfeito parece continuar perseguindo outros

(14)

pensadores.. Mesmo distante dos primei ros utópicos, o pensamento kantiano e heqeiiano também contém o mito da s o c i e dad e h a r m on i o s a ., E„ par a o s d e f e n s o r e s d o d i r e i t o natural, o novo estado burguês é a garantia do bem comum»

A Revolução Industrial e a Revolução Francesa, cumpre destacar, colocam-nos diante' de um tempo marcado por outras dimensões utópicas- 0 'deslocamento es paço-temporal n mais é

fei to na busca de uma i lha perdida ou de um tempo passado- A utopia do século XIX situa-se na própria Europa e projeta-se num futuro de realizações. Ela pode ser definida como a busca da modernidade. Impreciso e con tracli tório, o oi tocen tos tem as marcas cie um perpétuo vir—a-ser, e seus pensadores, assim como o criticam, sS'o, entusiastas da vida moderna.. Huma nova era de transi ção, ao prognóstico otimista das conquistas técnicas soma-se a necessidade de compreender o destino humano para, assim, melhor combatê-lo ...

Em nossa segunda incursão conceituai, de acordo com Franklin Paumer, partimos cio entendimento que o conceito de

s é c u .1. cs f a 1 h a n o XIX . (9) I -I a a u s ên c i a d e u m c on c e 11 o , encon tramos características. Dentre elas, a prol iferaç'ao cie

movimentos nacionalistas, o crescimento de grupos sociais hostis e a fragmentação do conhecimento. Também, é claro, a conviven<:::¡ a com a velocidade? - temida pelo aumento da con fus'áo e pela reduçcio da reflexão. Em meio a tais características, o oi tocen tos, tempo do múltiplo, acaba por gestar diversos

estilos ou mundos de pensamento - romantismo, neo-iiuminismo ou e v oIucion i smo.

(15)

15

Comum a esses estilos de pensamento é a sobreposição do tema do devir, capaz de eclipsar o ser. Por esta razSo Baumer designa o século XIX como início do triunfo do devir, é: um século que não encoraja a poes:i.a, arte ou filosofia, pois é pensado em "termos históricos. N ã o apenas com o propósito de compreender o passado ou buscar as oriqens mas, sobretudo, pelo que a história revela do contínuo movimento, mudança e desenvolvimento do homem. De posse desta certeza, entendemos o arrivisme burgu&s., O homem oi tocentista, mesmo quando abalado ou inseguro, mantém-se convicto de sua capacidade realizadora.

Neste século europeu, o culto Velho Mundo se opõe aos povos bárbaros e primitivos. E por ser culto, civilizado e eixo irradiador de mudanças, considera se o centro da história.

Dizer das utopias oitocentistas consiste, logo, em pensar num século marcado pela utopia do devir e pelas evidências de que a constituição da ordem burguesa representa a modernidade possível e desejável. 0 século XIX transforma-se num d i vi s cm" entre as utopias que n S.'o se realizaram e aquelas g u e, a m a du r e c i d a s e m p r e s s up o s t o s c: i e n t. í fieos, vi r i a m indubitavelmente acontecer. Trata-se cie um século marcado pela

crença na t ransf ormaçáo qualitativa dos homens e das suas

f o r m a s d e o r g a n i z a ç äo. A o m e s m o t. e m p o , s e g u i n d o o e n t. e n d i m en t. o de Jean Baudrillard, estamos diante de um período em que a

Europa, foco irradiador da modernidade, faz-se o lugar da sedução, da utopia d ese„i ad a. (10) Sim, pois ao incessantemente buscar o passado ou a verdade fundadora, fez cio real a idéia..

(16)

Desta forma, somando as suqestöes de Tuchman e Valéry aos conceitos de utopia cie Mannheim e Horkheimer e de oi tocen tos d e Baumer, en camin hamos o trabalho através de um duplo arranjo. Primeiramen te, buscamos situar o processo de

c o ns t i t u i ç ¿ío hi i s t. ó r i c: a cl a s i cl é ias oit o c e n t i is t. a s, a p a r t i r d e trës questões distintas, porém :i. n ter 1 iqadas., Em Cultura e

sociedade - o territorio do outro, enfatizamos o encontro de diferentes culturas, com o propósito assinalar o s:i.qn:Lfic:ado politico do conceito de alteridade e processo de construção da idéia do outro. Trata-se, portante«, de um capítulo voltado ao entendimento das estratégias européias de fortalecimento da sua autoridade sobre o s demais povos e de d ifusão de uma lógica singular alçada è. con d i çao de pensamento un i versal .,

Em Sobre um (possívelJ sistema de olhares, percorremos três questões particularmente caras ao pensamento o i tocen t :i. s ta

•••• naç'ào, populaçao e narração. Através delas, investigarlos os e 1 e m e n t o s fori ador e s da r e f 1 e x à'o i n t e 1 e c t u a 1 d o sécul o

passado, observando elementos de natureza política, social e

u 11 u r a 1 q u e r e f 1 e t. e m a ex p e r i. ë;n e i. a h u m a n a n a m o der n i. d a d e . Através dessas questões podemos percorrer o processo de

transformação social resultante cio gradativo triunfo da sociedade burguesa. Ao mesmo tempo, podemos resgatar a historicidade de valores que igualmente informam as estratégias de ordenamento do olhar cor¡ temporáneo. E em Por

uma tecnologia de verdade, en fa t i z amos o significado da prática discursiva como recurso de produç'ào de um dado efeito de verdade. Qual seja, tomamos o discursei científico da história e o discurso narrativo das viagens como síntese das

(17)

17

mudanças intelectuais do período, notadamen te no que se refere ao crescente gosto pelo passado, á busca da genealogía das nações e á invenção de novas tradições- Tradições históricas e

culturais. Tradições científicas e intelectuais.

Feito esse primeiro inventário das linhagens de pensamento e das estruturas discursivas do período, na segunda parte do trabalho encaminhamo-nos para Brasil do século XIX.

Fm Sobre a utopia nacional nos trópicos, investigamos os discursos que apostam na construção de uma nova sociedade, regida pela lógica do trabalho e pelos ideais de uma possível m o d e r n i cl a d e, e d e í;Í. e n h a d a a p a r t. i r d a v i s So e uropéia d e civilização, sociedade e história. Tais esforços podem ser vistos como um acerto de contas com o passado colonial e escravista. A neqaçáo do colonial reflete a vontade política de forjar outro passado, associada ao deseja cie produzir a b r a s i 1 i d a d e e d e a s s equr a r a u n i d a d e t e m t o n al , e m particular após tantas:. ameaças verificadas na curta experiência regen ciai. A neqaçSo do passado escravista, mais

que a s i m p I e s n e g a ç áo d a p r e s e n ç a d o e 1 e m e n t. o n e ci r o, e x p r e s s a o entendimento da época sobre a impossi b:i. 1 idade da construção de uma civilização tropical que nao fosse sustentada pelos europeus, pelos novos imigrantes, pelo sentido positivo do trabalho livre. Nesta segunda negação, as províncias do Sul assumem a exemplariclade desejada, posto que s«í'o ditas livres da maldição negra !

A produção da nacionalidade é considera tarefa cios intelectuais que, reuni cios em torno do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, forjam o sentimento de pertencimento a

(18)

partir da invenção da literatura e da história nacional.

Ambas., conforme aqueles engenheiros pol i ti cos, devem despertar o reconhecimento da condição brasi lei ra em cada c i d a el So ...

Curiosamente., o pensamento literário e histórico insistem na importância dos relatos dos vi a i an tes europeus cio século XIX., entendidos como verdadeiro e científico inventário da sociedade., Em particular, aqueles viajantes que apostam rias possibilidades de desenvolvimento de uma sociedade produtiva, na construção de uma ei vi I i z açSío, como Auguste Saint-Hilaire, Ferdinand Denis ou Robert Sou they. Por tal r a z ' á ' o e l e g e m o s seus relatos como segundo conjunto discursivo. No entanto, antes;, de pensá-lo como um discurso obietivo e imparcial, o vemos com um discurso que evidencia as arbitragens das construções políticas e intelectuais da época. Seja na perspectiva de um estrangeiro que parte dos contrastres culturais para avaliar seu mundo de origem, seja na perspectiva d o um nacional que vale-se da autoridade do outro para confirmar o seu próprio discurso.

Este inventário do mundo privado das populações locais:., completado em Nação e população - a convergência dos discursos, busca rever a formação do entendimento público do Brasil Meridional. Tais relatos compõem parte significativa de uma representação do social que, ao invés de se distanciar do conceito do real, produz a idéia deste mesmo real. Nosso propósito, portantcj, vem a ser o estudo cl a s idéias da sociedade no século XIX, a partir' d o emprego intelectual da

literatura dos viajante:::-.. F'ara tanto, tomamos as utopias poli ti caí; daquele século voltadas à constru ç?ío cie nação e de

(19)

19

popal a ç S'a » Antes de ser uma tarefa fác:i.l, essa dupla construção informa o próprio sentido da história pela con ve r g @n cia dos discursos nacionalistas e nacional i z an tes . Informa também dos propósitos de supera c/á o de um certo constrang i men to local, dado que a e x :i. s t ên c: i a de uma história nacional aparece como indício primeiro da civilização.

A estratégia global de análise parte do reconhecimento de um possível sis tema de olhares para o oi tocen tos, vol tado à compreensão de sua tecnologia de verdade. TecnoIog i a que, ao tratar do passado, denota a falência contínua das previsões muito precisas. Contudo, retomando as sugestões de Valéry, ao meditar sobre o passado, o homem descobre as "vantagens de uma preparação geral e freqüente que, sem a pretensão de- criar ou desafiar os acontecimentos que invariavelmente sao surpresas ou desenvolvem conseqüências surpreendentes, permite que o homem se previna o quanto an tes contra o imprevisto."(11 ) Ao mesmo tempo, tendo presente que aquele que trata do passado níVo está no passado, lembramos com Tuchman, que "n'áo podemos nunca ter certeza de ter recapturado o passado tal como

realmente foi. Mas o mínimo que podemos fazer é ficar dentro d a s p r o v a s ., " ( 12 ) P r o v a s p a r c: i a i s ,. T r a n s i t ó r i a s .

Finalmente, a eleição da viagem como pretexto ele acesso ao pensar oi tocen tista, permi te- nos endendê—la como produtora de um inventário do social, como forma de in ter pretaç'ào do mundo e, simultaneamente, de difusíío de ou t ros padrões de soei abi 1 idade. Sim, pois embora a viaqem se.;ia tantas vezes apontada como uma prática científica, ela expressa a sensibilidade dos sentidos e assinala o limite tênue entre o

(20)

fato e a ficção na invenção da e s c: r 11 a. Limite q ne evidencia as múltiplas tensões do olhar e, relembrando a epígrafe de Bar t. bes, confirma o caráter incerto das fronteiras entre o ativo e o passivo« Por um lado, ao pretender dizer o que v®, o viajante diz de si mesmo. Por outro, ao eleqerem os viajantes amigos, os intelectuais brasileiros revelam seus próprios

ideais. Buscamos apenas olhar olhares para recuperar aquilo que historicamente foi fixado.. E que passou a ser o nosso próprio olhar.

* * *

Antes de passar ao texto, abrindo m«o das preterições da originalidade e dizendo do pesar por tantos momentos roubados, resta agradecer ao carinho cios amigos;, professores., colegas e alunos. Para o s primei ros, só posso prometer que esta é a ú 111 m a t. e s e ( d e d o utorado) ...

Ousando, no entanto, um último vestígio de orig inal idade, vou c>.s sugestivas Reflexões sobre meus

contemporâneos, de Charles Baudelaire,, para lembrar que- "nítío conheço sentimento mais embaraçador do que a admiraç'à'o. Pela dificuldade de se exprimir convenientemente, ela se assemelha ao amor. Onde encontrar expressões assaz fortemente coloridas, ou nuançaclas de uma maneira bastante delicada, para

(21)

21

cor responder às necessidades de um sentimento raro ? O respeito humano é um flagelo em todas as ordens de coisas, diz um livro de filosofia que se encontra por acaso sob meus olhos:; porém, nâ'o se creía que o ignóbil respeito humano seja a origem de meu embaraços essa perplexidade só tem como fonte o temor de náo falar de meu assunto de uma maneira suficientemente nobre. "(!«:>) ifi: em suas palavras que encontro a

forma de dizer do profundo respeito e g ra tid'à'o As lições de dignidade profissional recebidas de minha orientadora. Ana Ma r i a ..

Curitiba, março de 1995.

(22)

O TERRITORIO DO OUTRO

(23)

CULTURA E SOCIEDADE - O TERRITORIO DO OUTRO

América

- Rosélia: Perto Rico .../ ilha adorável .../ ilha de brisas tropicais./ ftbacasis sesore a crescer,/ Flores de cafezais sespre a desabrochar ...

- finita íroebeteira) : Porto Rico .../ Ilha sedonha .../ Ilha de doenças tropicais/ Furacões sespre a soprar/ A população sespre a crescer .../ E dinheiro a dever,/ E bebís a chorar,/

E balas a voar. Gosto é da ilha de Manhattan -/ Fique ai quieta e enfie isso na cabeça!

- Outros ísenes Rosélia): Gosto de estar na Asérica!/ Para «ia, tudo bes na Asérica! Tudc< é hvre na Asérica!/ Por pouco dinheiro na Asérica!

- Roséüa: Gosto da cidade de San Juan.

- finita: Sei de us barco que voct pode pegar ...

- Rosélia: Centenas de flores desabrochadas.

- finita: Centenas de pessoas eg cada quarto!

- Todos (senos Roséliaj: fiutoaóve! na Asérica./ Aço crosado na Asérica./ Rodas de aro na Asérica./ Us qrande negócio na Asérica!

- Rosélia: Vou dirigir u«¡ Buick por San Juan!

- Anita: Se houver rua por onde dirigir.

- Rosélia: Levarei seus prises par» passear.

- Anita: Coso vei consequir enfiar todos no carro?

- Todos (senos Rosalia): ß isigrante vai para a Asérica./

Mu i tos asigos na Asérica./ Ninguís sabe na Anérica/ Que Porto Rico fica na Asérica!

- Rosélia: Levarei usa teví para Saí Juan.

- Anita: Se houver eletricidade para ligar!

- Rosélia: Darei a eles usa séquina de iavar nova.

- finita: 0 que é que eles tfs por iá para santer lispo?

- Todos (senos Rosélia): Gosto da praias na Asérica1/ ö conforto é seu na Asérica!/ Maçanetas nas portas na Asérica./

E soalho de parede a parede na Asérica!

- Rosélia: Quando eu voltar para San -Juan ...

- finita: Guando é que vai calar a boca e ir esbora?!

- Rosélia: Todo sundo vai se receber eos usa grande aclasaçèo!

- Anita: Todo sundo lá terá sudado para cé!

(West side story, 1957)

(24)

A estréia ameri cana de West side story, em agosto de 1957, representa a conclusão de um projeto iniciado em 1949, por Leonard Bernstein (música) e Jerome Robins (coreografia), mais Arthur Laurents; (libreto) e Stephen Sondheim (letras).

Nesta moderna ver »'¿to de Romeu e Juliets, os Üapuleto e os Montecchio sao subs ti Luidos pelas- gangs novaiorquinas. De um lado, temos os jets, turma de rua tipicamente norte-americana;

de outro, os sharks, grupo de jovens portorriguenhos. Para uní-los, encontramos a paix'ao impossível de Tony e Marian para separá-los, o confronto de dois m un cl os distintos;.

West side story, ópera-síntese americana, revela-nos múltiplos; conflitos;. Entre os sharks, encontramos atitudes opositas; quanto á América. A s delícias; tropicais de Porto Rico., opfte-se a modernidade de Manhattan. A discussSo entre a saudosa Rosália e a deslumbrada Anita - em América - reflete

tais atitude?;;;. A primei ra sonha em voltar á sua terra florida, a seu paraíso tropical, carregada de presentes; e dirigindo um carro. Anita, ao contrário, lembra-se cia pobreza, das;

desgraças e das tragédias; da triste ilha que deixara para trás;. Aliás, ela (-:•:• outros por tor r iquen hos;. Tantos;, que nS'o há quem assista a volta triunfal da inqenua Rosália ...

A estréia do musicai marca o nascimento de mais; uma paix&'o norte—amer i cana, comparável talvez a Porgy and Bess, de Gershwin. Juntas;, contam parte da h 1 s t ó r i a musical

(25)

con temporánea , ao mes; m o tempo que, pela arte, revelam as tensões sociais de um país marcado pelo p roble? m a da mútua convivência entre as múltiplas etnias. Voltamos, assim, a história dos jets e sharks, expressões típicas de duas diferentes culturas. E com eles pensarnos na questáo da al ter idade, na r e p r e s e n t a d o do outro.

Ao tratar dos impasses da contemporaneidade, o f :i. 1 ósof o francês Jean Baudrillard refere-se ao presente melodrama das diferenças. A pós-modern idade desfez tantas alteridades que chegamos ao impasse da definição de nosso outro, feito para

s e r e x t e r m i n a d o, r e i e :i. t a d o o u s e d u z i d o, a g o r a é r e c: o ri h e c i d o e compreendido. Neste sentido, a alteridade dá lugar À

interação, e o sujeito na o é o outro de ninguém. Ocorro:? que a

u t o p :i. a d a d i f e r e n ç a , a 1 é m d e s e p a r a r os te r m o s , o s u n i f i c a . 0 Bem n'äo existe sem o Mal, tal como o Céu e o Inferno ou a

c i v i 1 i z a ç S'o e a barbár i e.

A cultura da diferença, permeada pela inclusão-

e x c. ]. u s â'o, p e 1 o r e c o n be c i m e n to-d i s c r i m i n a ç <?(o, é c: a r a c: t e r i s t. i c: a do moderno homem ocidental. "As outras culturas" - assegura

Baudrillard - "nunca tiveram a pretensão ao universal nem à diferença (pelo menos enguanto isso n£o lhes foi inoculado, numa espécie de guerra do ópio cultural). Elas vivem de sua singularidade, do? sua exceção, da i rreduti bi 1 idade de seus ritos, de seus valores. N&'o se embalam na 11 us'?ío mortal de reconciliar tudo isso, dessa i lus ao que as aniquila." (:l. ) 0 indígena americano, por.exemplo, nSo joca o jogo da diferença diante do conquistador espanhol. Numa alteridade radical, nfio

toma o branco como diferente. O faz deus.

(26)

O jogo da diferença, tal como é travado pelo europeu oi tocen t:i. s ta, resulta em racismo e euqenia. De todas a» formas que o racismo assume„ o anti-semitismo é a mais; conhecida. A discriminação do judeu ia está caracter i zada nos; tempos;

medievais, mas como um sistema de-? i délais revela -sie claramente na segunda metade do século XIX-(2) Da mesma forma, a eugenia aparece como um programa voltado ao aprimoramento cio homem mediante a melhoria genética da espécie humana e o extermínio dos; indesejáveis, como os pobres, estrangeiros ou colonizados.

Racismo e eugenia revelam as dimensões políticas; da api i caçSo cias ci&icias naturais aos; debates sociais. E sobretudo as dificuldades de? o homem branco europeu, com seu ideal de civilização, viver realidades contrárias da sua.

Em verdade?, esta d if i culdade se revelara desde o encontro cio europeu com o indígena americano, ciando lugar a uma série de pos; tu ras; col on i a I i s tas e an ti -col on i al i s; ta s;.

Bartolomen de? Las; Cassas;, defensor das culturas americanas;, denuncia o genocidio americano e considera equivocada a a(:;<•;o missionária » A conversão do gentío, antes de produzir novas;, almas; crist'à's, mergulha a Espanha numa dívida para com os ideais do cristianismo. Considera a açáo colonizadora como um serviço contrário aos interesses cio rei e do papa, do estado e da Igreja. Diante dos; método«» de conquista e da exploração

imposta, propõe que? os índios; sejam entregues á própria sorte,, Em suas Memórias, de 1540, refuta a legitimidade? de um regime?

imposto pela força, defende o direito à liberdade dos; índios; e questiona os; princípios; da col on i zaçSo.,

(27)

27

Con trai':i.anclo • o, o teóloqo espanhol Francisco de Vi tória defende o direito à cl ont i n a ça o, pois avalia que os índios sS'o dotados apenas de uma raz'ào parcial, sao incapazes de consta, tui r um estado, administrar urn patrimonio pessoal ou constituir uma verdadeira cultura. Tais motivos justificam o direito europeu à tutela colonial. Aerescente-se, ainda, a

q u e s t S o d a e v a n q e 1 :¡. z a. ç 'ao ••• a r e i n t e q r a ç'ào d o s f: i 1 h o s d e J a f e t e de Üaim, ou seus descendentes - base moral da conquista da

Améri ca «

Em debates dessa natureza revelam-se as divergências dos europeus sob as formas de relacionar-se com as culturas encontradas descle as grandes navegações do século XVI« 0

reconhecimento dos direitos de outros povos versus os interesses coloniais representam uma faceta da questão. Ao seu lado está a vis'ä'o européia de berço da moderna civilização e a dificuldade em conviver com culturas que revelem lógica social, econômica ou religiosa diversa. Em suma, conviver com realidades que evidenciam os limites ou os medos do homem renascentista. A ampliação das fronteiras geográficas européias, como destaca Jean De1umeau, compr ovara a ex tensáo dos domínios de Sat'á.(3) No imaginário católico, derrotado por Cristo, o demônio fora expulso do Ocidente. No Oriente, a aç'à'o

d o s m i s s i o n á r :i. o s f a z f r e n t e A sit u a ç ao. N a A m é r i c: a, e n t te t an t o, r e i n a a b s o 1 u t. o.

A idolatria e o canibalismo dos nativos comprova a maléfica influên cia.. A aç'à'o crist'á colonizadora busca, pois, a conversão e a salvação desses povos - bem como dos negros e colonos. Sim, porque se os Trópicos s S" o o último reduto do

(28)

demonio,, todos est cío sujeitos ao pecado. A I g reja conclui que a cruzada pela salvação justifica até o extermínio dos nativos. Baudrlllard contrapõe outra versão. 0 extermínio nS'o decorre do fato dos índios;, n So serem cr istSos, mas; porque s ¿To mais cristãos que os próprios; cristãos. 0 horror aos sacrifícios humanos; revela a hi pocrisia dos colonizadores que, em verdade, sen tem-se envergonhados diante da força da religiosidade dos; nativos;,. Como fanáticos;, entregam-se aos;

seus deuses, enguanto os espanhóis;- professam a religiá'o do ou r o e do comé rc i o.(4)

Lembremos; também que o pens;amen to ociden tal é marcado pelas; reflexões s;obi e o princípio cio mal e pela elaboração da totalidade problemática acerca da procedëVicia do mal. l-lá mui to perguntam-se os europeus; : Un de malum ? Em tempos ele Contra- Reforma, está na presença ou manifestação do Diabo na vida dos homens; e, «sobre tudo, das mulheres. Em tempos;, de Iluminismo, está no reconhecimento das; imperfeições; do homem, nas evidências de sua i gnoiän cia e superstição. As; implicações culturais;, e as reiteradas; manifestações do mal levam Paul Ri coeur a reconhecer que o fazer-se de uma nova ordem,

inclusive jurídica, sempre implica na separação entre os; bons;

e os maus;.. (5) A cada qual é aplicada a pena referente ao grau de culpabilidade ou é exigida a participação equivalente ao grau de responsabiI idade. Observando tais questões, pen sernos no (s;) s;en ti do ( s; ) da colonização da América.

0 debate sobre a colonização, o extermínio cio mal ou as formas pelas; quais; os europeus; relacionam-se com os povos conquistados;, g radati vamen te cl istan cia-se dos f unclamen tos;

(29)

rei iqiosos para transformar-se, no setecentos, em argumentos

•filosóficos de natureza diversa. Aqueles que ainda defendem as tese coloniais, o fazem a partir de princípios utilitários, evocando razões demográficas e -econômicas.. Entretanto, o discurso racionalista dos pensadores do Século das Luzes denuncia os abusos e os equívocos da colonização. Voltaire, Rousseau e Diderot fazem a apologia do homem selvagem, situando •o no ei: d en primitivo ou. na Idade do Ouro. Node lärmen te apresentado entre a história e a utopia, ele forma um ideal reflexivo ao europeu que, perdido diante do mal-estar da civilização, almeja ultrapassar o desen can tarnen to do mundo.

Isto é, os filósofos, antes de esclarecer a real natureza do selvagem, est'á'o preocupados com a condição do civilizado e corn sua historia. Produzem, pois, uma versão mítica do Novo Mundo como forma de rever o destino do homem.(6)

A busca do melhor cios mundos possíveis leva o sofrido Cândido, de Voltaire, a encontrar o Eldorado nas perdidas florestas cia América do Sul. Nesta terra estranha, o herói descobre o verdadeiro Paraíso; só o irresistível deseio de salvar sua amada Ü un eg un d es justifica a partida. Conhecedor de- todos os azares do mundo entre os civilizados, surpreende-se com a harmonia de um povo que desconhece leis, sacerdotes, cadeias e, principalmente, propriedade. "Que país é este" - pergunta-se o personagem - "ignorado cio resto da terra, e onde toda a Natureza é tão diferente da que nós conhecemos ? É aqui provavelmente o lugar onde tudo vai bem; porgue é absolutamente necessário que haja urn dessa espécie. " (7) Tanta generosidade o comove; tanta beleza o encanta;; tanta justiça o

(30)

surpreende. Principalmente quando recorda o quanto sofrerá' nas má'os dos padres, nobres, banqueiros ou admin istradores „ é através deste confronto de realidades que Voltaire apela para a sensibilidade do homem europeu, lembrando-o do quanto se desviara dos verdadeiros princípios da vida. Na metáfora de CSndido, um povo selvagem confunde-se com a infância do civilizado, para comprovar que o bem existe em algum lugar.

Anteriormente, os relatos de descoberta da América anunciam a existência de povos ateus. Em sua defesa, alguns missionários buscam comprovar a presença oculta de Deus entre eles. Tal confronto de idéias forma o primeiro entendimento da diversidade. Passados alguns séculos, a busca do eu leva os filósofos das Luzes a elaborarem novas reflexões. Os heróis- viajantes de Voltaire • além de Candido, temos um ex traterreno e um selvagem canadense - confirmam o carater relativo do mundo, pelo contraste de mundos. Trata-se, no entanto, de uma alteridade negociável e n'áo de um outro radical. Isto porgue o europeu está a buscar o seu próprio estrange!ro.

O problema colonial cada vez mais aflora na obra dos intelectuais do século XVIII, como destaca Mareei Merle:;. (8) Voltaire, em Ensaio sobre os costumes, mesmo admitindo a superioridade do espírito de iniciativa do europeu, reconhece que a colonização corrompe os costumes e, pela escravidão, amplia as distorções sociais. Montesquieu, em O espírito das

lei s, embora defenda o pacto colonial, explicita sua hostilidade ás colonias de povoamento e ao princípio cia dominação colonial. Rousseau, em O contrato social, considera injusta toda forma de conquista e col on i zaçcío, pois ferem os

(31)

31

direitos fundamentais dos povos» 0 patrimônio cultural e material dos europeus, segundo eles, não pode ser tomado como marca de superioridade, nem justificar a contaminação dos povos que vivem em contato direto com o meio natural.

0 debate amplia-se e gera múltiplos entendimentos sobre a natureza e o direito dos diferentes povos.. Edmund Burke, discursando no Parlamento inglês, defende as; liberdades coloniais e considera o pacto colonial válido somente quando firmado em consonância com o s direitos; políticos; e as liberdades individuais. Adam Smith, em A riqueza das nações, refete sobre a col on i z ação, preservando o ponto ele v:i.s;ta dos colonizados;-. Refuta qualquer forma de exploração e opressão.

Defensor das; 1 i berdacles; comerciais-,, ataca os monopólios; e aposta nos; benefícios; mútuos; gerados; pela descolonização. .

Entre os; revolucionários franceses do final do século XVIII, a questão colonial corvf unde-se com a questão da

represen taçS'o dos; colonos; nas; assembléias, em meio ao crescimento da tese da assimilação das colonias á metrópole.

Isto é, observados os; direitos individuais;, cabe assegurar a

u n i d a d e e n t. r e a m b a s. N a p r á t i c a , o s; r e v o 1 u c i o n á r i os r e f or ç a m a teoria da missão civi1izatória européia, preparando o

referencial intelectual o:i. tocen tista acerca do outro. Como tantos; jacobinos. Saint-Just. defende o patrimônio colonial francês;, transf or man d o-o em princípio [¿olí tico revolucionário.

Condorcet identifica as fronteiras cia 1 i b cor da de com as da cultura ocx den tal e cons; i de ra que a ampliação da primeira implica na exata ampliação da segunda.

(32)

A el :i.rní naç'Ao de alguns poucos ou tantos selvagens .justifica-se pelo dever da propagação da civilização, das

luzes. Fun d amen tam-se pois os ideais de transf ormaç'Ao do mundo a partir da ampla convers'áo dos povos aos valores europeus. A

c o n t r a f a c e d o 1 i b e r a I i s m o e c o n ö m :i. c o é o pa t. e r n a 1 i s m o c: ultur a I . liais uma vez triunfa o pr.ï.n ci pio que o restan te do mundo,

:i. n f e r i or e b á r b a r o , é d i f e r e n t. e d a E uro p a. C a b e -1 h e a responsabilidade da nova m i s s'á o evangel i zadora. Primeiro, em

direçS'o às luzes do cristianismo. Depo i sí ,, As luzes da civilização. Porém, sempre de acordo com o s princípios es ca toi6g i cos europeus.

Os homens do oi tocen tos crêem piamen te nesta nova cruzada cultural, tanto que inclusive realizam t. ransf ormações

s i g n i f :i. c a t i v a s n o s c: ó d i g o s d e :i. ri t e r p r e t a ç 9ío da s o c i e d ad e, operando um distanciamento entre a história e a etnologia.,

François Furet alerta para a constituç^o da história como campo específico de saber desde o século XVII.(?) Por força da secular i zaçâ'o do tempo, em oposiç'Ao A antiga cronologia apocalitica cristã, a decifraçao das origens leva A laicizaçSo da história. Desde então, ela passa a confundir-se com o fato nacional, com a civilização e com a nação. Em contrapartida, os povos primitivos, objeto de estudo sistemático a partir do setecentos, sao remetidos a outra escala de valores. Qual sei a, enquanto a história d:i.z respeito As nações com capacidade de produzi-la, a etnolog:i.a desenvolve-se como saber residual, oposto A condição histórica da Europa e da América do Norte. "A etnologia" - diz Furet •• "reina sobre o reverso da história, ao mesmo tempo imenso e marginal; é' o domínio

(33)

33

doravan te separado do não-es;cri to, contra o escri to, do imóvel contra a mudança, do primitivo contra o progresso."(10)

0 problema que se coloca aos europeus é fazer com que

p o v o s d i s t a n t e s s i t u e in •••• s e e ín seus es g u e m a s a n a 1 í t i c o s, in troj etando sua lógica. Pela Encyclopédie, os povos riSo civilizados d i vi dem •se em selvagens e bárbaros.. Os selvagens formam pequenas nações dispersas; os bárbaros conhecem a unidade através de um chefe militar e/ou religioso. Ü esquema trinário se 1vagem-bárbaro-civi1 izado funda um princípio interpretativo global com preterições de dar conta da evolução das diferentes sociedades e de destacar o momento que passam a fazer parte da história. Por certo que este momento confunde- se com o encontro do bárbaro com o civilizado. Mo entanto, resta sabor quem é bárbaro.

Na d i i» tan te Idade Média, encontramos a Europa católica em luta com os;, árabes, pela libertação da Terra San ta. M es; mo sem julgar ser um período de? trevas ou de? declínio da civilização o ci den tal , cumpre? reconhecer que a Europa não vivencia o m es; m o esplendor do Império Arabe?. As; artes;, ciências; e? costumes orientais revelam um brilho maior. O clespojamento dos; castelos; medievais e os rudes hábitos cios;

cavaleiros; cristãos contrastam com a riqueza dos; palácios e o requinte dos; costumes Arabes;.. A corte de Carlos; Magno será sempre uma pálida lembrança da corte de Harum al-Rachid, mais famoso califa de Bagdá. Assim, quando os; cruzados chegam ao oriente, matando e saqueando, entre os séculos; XI e XIII, s<S'o vistos como bárbaros». ( .1.1 ) A fúria dos cr i s; tão s;, combinando os;

(34)

intercosses religiosos aos econômicos, n So expressa qualquer t r a ç o d e c :¡. v i I i d a de.

Passados alguns séculos, oi contatos entre o Ocidente e o Extremo Oriente revelam entendimento semelhante. China e Jap&o demonstram pouco interesse para com a Europa. Desde o séculos XVI, inúmeros comerciantes e missionários convergem para lá, procurando abrir as portas dagueles impérios aos povos, crenças e mercadorias ocidentais. 0 sucesso é relativo.

Vendo-se como centro do mundo, a China sempre os recebe como provenientes da periferia exótica, das distantes terras bárbaras. Tal atitude é mantida até a Guerra do Opio guando, finalmente, a Inglaterra rompe o isolamento chinês para impor as maravilhas industriais. Somente entSo os chineses se interessam pelas coisas do Ocidente, pelo Extremo Ocidente.

Passam a visitá-lo, opérande} a lógica universal chinesa.( 12) A legitimação de uma autoridade sobre o Oriente ocorre a peinas no século XIX. O discurso científico da alteridade funda as bases do orientalismo, isto é. do saber ocidental sobre as coisas orientais. Marshall Sahlins, ao analisar a formação do sistema mundial, isto é, a incorporação de diversas regiões ao capitalismo, aponta o equívoco da redução do encontro :i.n ter cultural a uma teleología.( .1.3 ) A apropriação d a <:: u 11 u r a o c i d e n t. a 1, c: o ntr a r i a n d o o s prop ó s i t. o s orientalistas, faz-se de acordo com os interesses e os padrões

de diversos povos. As relações de troca obedecem lógicas culturais particulares, muitas vezes distantes do sentido fetichista que a mercadoria assume na cultura ocidental. As mercadorias européias podem confundir-se com concessões

(35)

35

míticas ou benefícios divinos.. Isto revela-se n o s conhecidos negócios da China.

Ho final do século XVIII, quando o Lord Macartney, em nome de Jorqe III, dirige-se ao Imperador da China, com

propostas de acordos comerciais, é recebido de forma diversa ao nosso entendimento. Ha perspectiva européia, temos o

e m b a i x a d o r d a p r i n c i p a I p o t ên <:: i a i n d u s t r i a I d i r i g :i. n do •••• s e a o soberano de um país periférico, por certo interessado nas

mercadorias do ocidente e temeroso da autoridade e do poder que aquele emissário representa. Do ponto de vista chinês,

temos o Imperador Celestial recebendo o represen tan te de um d x s t a ri t e e b á r h a r o p ovo, c o m p ropos tas p o u c: o a t r a t i v a s.

Afinal, salvo a prata, que interesses o Imperador pode ter diante de mercadorias tão singelas. Ademais;, tudo que ele precisa, dispõe em grande quantidade e qualidade. Desta forma, aquilo que o embaixador entrega, como presen te, é recebido pelo Imperador como tributo.

Do ponto de vista oriental, tamanha é a superioridade e universalidade cio Impe? ra d or que n So há razão para tratado ou negociação. Apenas submissão e reconhecimento de mais um

ci o v e? r n a n t. e a o S o b e r a n o S up r e m o .. L n q u a n t o p a r a o s i n g 1 e? s e s „ o acordo comercial pode? representar o início de um novo tempo

para os chineses, o Imperador mantém-se como aquele? institui o pr C)pr:i.o tempo através de calendários anualmente? distribuídos entre seus súditos. Desta temporal idade os bárbaros ingleses podem dispor, desde que? reconheçam o dom daquele que dispõe? do tempo e? do espaço humano;;; ...

(36)

Seus tributos sá'o vistos como lembranças exóticas de terras distantes a serem guardadas, em meio a tantas, num palácio que, pela abrangência de povos lá represen tados em seus objetos, revela a universalidade do Imperador. 0 que os chineses não desconfiam é que esses primeiros presentes sÃ'o apenas uma amostra das riquezas industriais do ocidente e que o aparente respeito do embaixador é uma estratégia comerciai destinada a dar frutos no futuro.

Outro exemplo de desdém para com a Europa nos é apresentado por 1*1 ir cea Eliade, ao tratar do mito dos.pioneiros norte-americanos. "A col on :i. z ação das duas Américas" - afirma -•

"iniciou-se sob um signo escatológ i co r. as pessoas acreditavam que chegara a altura de renovar o mundo cristão, e a verdadeira renovação era o regresso ao Paraíso terrestre ou, no mínimo, o retomar da história sagrada, a reiteração dos acontecimentos prodigiosos mencionados na Biblia."(14) A colonização anglo-saxon i ca, em particular, inicia com as

m a r c a s d o s c: o n f 1 i t o s e n t r e <:: a t ó 3. i c o s e p r o t e s t a n t e s .. t;; m t o r n o deste esquema binário são clefinaclas as tensões e relações

entre o bem e - o mal. 0 processo de independência das Treze Colônias transfere aquele conflito ao terreno das disputas entre colônia e metrópole. Para os colonos, a metrópole confunde-se com o mal, com o domínio do Anti cristo e, a Reforma protestante é vista como incompleta. Disto ressulta a visä'o mítica de recriação do cristianismo primitive) — puro e superior em relação à Inglaterra. Forma-se, pois, o desejo de fundar uma Nova Inglaterra ou uma Nova Iorque, símbolos do rompimento com o passado e com tudo que fosse identificado com

(37)

37

a a r i s t o c: r a c: i a i n g 1 ©sa. Pa r a s e u s f u n d a d o r e s, a Am é r- i c: a representa o ideal de construção do novo,, moralmente mais

elevado , rei ici iosamen te mais perfei to „

No século XIX, a Fronteira e os novos colonos personificam a escatoloq :i. a pioneira. 0 Far West conf unde-se com Canaa. Como a Terra F' rome t :i. cl a, é precedido de um deserto 5 após submeter os homens a provações, revela seus rios de leite e mel. As terras virgens e o mundo rural opõem-s>e aos vícios;

urbanos;» Os; colonos; expressam a virtude da simplicidade, numa crítica aos; represen tan tes; da Igreja e do es; tad o» Tudo

e m b a. 1 a d o no c: o m p lex o d e s u p e r i o r i d a d e a m e r i c a pï a . F' a r t. i n d o cl e s; t a p r e m i s s a ,, Baud r i 11 a r d d e f i n e a E u r o p a c: o m o o t. e r r i t. ó r i o da história e, a América, o da utopia. A Europa vive presa ao

passado ji a América, livre deste peso, dedica-se ao futuro. (15)

0 e u r o p e u s; e 1 tie a p r e s; e n t. a c o m o in e 1 a n c: (!) lico, pois n u n c a vive algo inteiramente novo. Tudo é possível, m a s nunca é

realizado. Sequer sua modern idade é completa» O ideal do fim da cultura cl o Velho Mundo re s; i de na América, local da utopia realizada. Ao contrário do que os europeus pensam, nem tudo é exportável. A história é um claro exemplo. N'áo sendo aclimatável, permanece no Velho Mundo, enquanto a América vive intensamente sua modernidade e sua temporal idade. Livres; do culto da origem, os; americanos; superam o passado e a verdade fundadora, realizando o Paraíso "ferrestre.

Por estas razões;, em conformidade com Eliacle, para os;

puritanos; coloca-se a possibilidade de aperfeiçoamento da Reforma e, para os imigrantes, cie fuga do Inferno. Tal messianismo desperta a pass;i bi I idade do encontro da felicidade

(38)

nesta vida e fortalece o mito da juventude e da simplicidade, portanto da superioridade americana. Para os padrões ci v:i. I .i. z aciona i s oi tocen t:L s t. a s europeus esta é mais uma questão a ser equacionada. As terras norte-americanas confundem-se com o palácio do Imperador cia China. Nele encontram-se os tributos de diferentes povos, evidente reconhecimento da superioridade do Imperador. Nas terras americanas encontra-se o valor supremo dos homens, a liberdade, compreensão clara da superioridade ameri cana.

II

A cultura cia diferença, fortemente arraigada no imaginário ocidental, vem se revelando desde os gregos. Seus historiadores percorrem terras distantes para relatar os acontecimentos dos povos exóticos. Desde então institui-se o confronto entre civilizado e bárbaro, onde este nem sempre é definido por padrões culturais. Não raramente critérios geográficos definem esta desprezível condição humana. São ditos bárbaros os povos situados fora do mundo helénico e, depois, das fronteiras romanas ou da cristandade. Convencido de sua superioridade», o homem ocidental su bmete agüele?? que?

está fora de sua cosmología, de sua alegoria cognitiva, ao signo do d iferen te,, diverso ou desigual. Qual se.;ia, i den t i f i ca e separa o nós dos outros.

Tal como RosAlia e Anita, de West side story, o .jogo da alteridade é revelador do e x a to aprisionamento do homem

(39)

39

ocidental aos seus estreitos padrões de soeiabi 1 idade. Em especial os da idade moderna, momento de elaboração das regras

d e c i v i. J. i d a d e e d e d e s e n v o 1 v i m e n t. o d o i d e a 1 c: i v i. 1 i z a c: i o n a 1 Porém, desde o alargamento das fronteiras do conhecimento

europeu. - Humanismo e Renascimento - e do desenvolvimento dos contatos comerciais com o Oriente, muitos povos passam a compôr as referencias culturais do Ocidente» Como ilhotas recérn-descober tas, in teg ram-se ao planetário cul tural europeu.

Aliás a metáfora da ilha - neste caso. Porto R i «:: o •••• faz-se sempre presente em meio a tais representações. Fila simboliza um mundo isolado que, por obra do homem branco, finalmente alcança as luzes, o progresso, a civilização., Pelo menos Rosãlia pensa assim, tanto que sonha em voltar para sua ilha tropical e dividir suas glórias com os parentes e amigos.

Esquecera-se que, conformo? entendimento anterior, os trópicos correspondem ás terras propicias ao despotismo e á escravidão, enquanto as zonas temperadas sã'o propícias à 1 :i. bourel ade „ Mais esperta, civilizada ou aclimatada à Manhattan, Anita sabe que nada mais existe em sua ilha, nem a ilha. Sim, porquo? quando integrada á civilização, deixa de ser ilha para tornar-se, embora timidamente, parto? do novo planetário cultural.

Este plane?tário não permanece indiferente ás descobertas. Uma ilha desencadeia transformações profundas no

:i. m a g i n á r i. o d o d e s c o b r i d o r , f: o r ç a n cl o - o o? g u a c i o n a r o i m p a c t. o d a descoberta. Partindo desta perspectiva, Edmundo O'Gorman

analisa os desdobramentos das viagens do? Colombo. (16) Distan ci ando-se cia idéia do? descobrimento, o autor aprofunda a tese cia invenção da América, • apresentada como um a to de

(40)

vontade e razão do agente c:i. vi i :i .2 ador. Mesmo admitindo a

a n t. e r i o r i d a d e d o s n o 1- m a n d o s , s o ni e ri t e c: o m t; o Io in b o a A m é r i c: a torna se um fato histórico para a Europa- Ao informar que

chegara ao Oriente, que descobrira um novo caminho para às índias, nä'o causa maiores transtornos às concepções do mundo.

A tese sobre a c i r cunfer ên ci a da Terra, ainda que não comprovada, iá era aceita entre os meios intelectuais e canon i cos -

A medida que suas informações sSo colocadas; em s; us; pe i ta, dando início ao debate sobre a existâicia de um quarto e novo mundo, diferente e independente cios demais, é que se colocam as; necessidades; de eq ua c i on amen to cias; terras;

descritas; pelos; navegadores; da época. Por certo nSo s;e trata de uma ilha e, cada vez mais;, confirma-se a hipótese de não ser o Oriente- Resta esclarecer, de forma definitiva, que terras são estas. Até então prevalecera a teoria da I1ha da

T e r r a, f o r m a ci a pe 1 a E u r o p a , A s; i a e Af r .i. c: a , ú n i c o 1 u g a r cl o domicílio cósmico cio homem, o orbis ter r arum. Circundado por

mares;, confirmé* a singularidade cristã do mundo. A possibilidade de existência de outra ilha, independente da Terra, conduz à pluralidade? de mundos; — o Velho e o Movo,.

A constatação empírica da ex i s;tên c:i. a de terras; não pertencentes ao orbis terrarum desfaz velhas; imagens e põe em evidência a necessidade cio reconhecimento da individualidade de um quarto mundo - a América., A polêmica que antecede tal

reconhecimento reflete a dificuldade de superação da cosmología vigente e o apego às; velhas; certezas;,, Da mesma forma, confirma a tese de O'Gorman sobre a impropriedade da

(41)

41

idéia de descobrimento da América. Antes de ser tuna súbita revelação., a América é o resultado d e longo processo de reflexdo e a t r i bu :i. çáo de sentido Ãs terras s i t u a d a s fora do imaginário da época.. 'ï'al reconhecimento implica também a valorização das potencialidades do homem, antes circunscrito ao espaço que 1 lie fora destinado por Deus. Gradati vãmente cresce a confiança na pos s i hi I idade de incorporar outros;

m u n d o s e t ransf or má •los;. Menos à imagem de Deus;. Mais; á imagem do homem.

E s t a b e 1 e c i d a a i n d i v i d u a 1 i cl a d e da A m é r i c: a , n ão c: a b e supor que as; demais; verdades; do mundo tenham sido alteradas.

Permanece a essência qualitativa da cosmolog ia. De acordo com a antiga idéia de Ilha da Terra., formada por três entidades dis; tintas;., existe um sentido transcienden te que. as individualiza moral e historicamente. Já as diferenças; cie:

natureza espiritual estabelecem uma hierarquia. A Europa é a mais importante, pois; contém o s fundamentos; da realização plena dos; valores; da cultura. "Se a Europa j á ocupava na Cul tura Cláss;:i. ca a. categoria mais; elevada entre:- as; outras; duas;

partes; do orbe," •••• diz ü Gorman - "com maior m o t i v o conservou esse privilégio no pensamento cristão. R e a l m e n t e , nS'o só foi admitido que: encarnava a civilização mais perfeita do ponto de:

vista do homem natural, mas; também era o reduto da única verdadeira civilização, aquela fundada na fé cristã e,

prin c:i. palmen te, no sentido hist.ó rico t ran s ceden tal do mistério da Redenção. A Europa, sede da cultura e reduto da Cri s; tan da de, as; sum i a a representação cio d es; tino imánente e

transcendental da humanidade, sendo a h:i. stória européia o

(42)

único devir humano dotado de autêntico significado» "( 17) Como um paradigma histórico, nele julgam-se as demais civilizações.

A existência da América, assim, dá-se a partir do momento que as antigas tradições religiosas e científicas . sS'o equacionadas, de modo a comportar a inclusão do Novo Mundo.

Como qualquer processo inventivo, fez-se á imagem de seu inventor« Isto é, ontologicamente é transformada num carpus m o ral. c a p a z d e r e a 1 i z a ç ào h i sí t ó r i c a . N o d e Id a t e s o h r e a s possibilidades d e regeneração do selvagem, não falta quem

considere intransponível sua condição primitiva, restando abandoná-lo para completar a inevitável extinção. Outros, entretanto, con'sideram a ausência de cultura como fato positivo e desta simpatia resulta a conclusão sobre1 a possível recuperação através da evangel ização. O estado de natureza do índio americano, entre os século XVI e XIX, produz múltiplos entendimentos sobre o outro. No pensamento laico ou religioso define-se a dupla humanidade dagueles indivíduos, ora pacífica e a espera da salvação, ora pervertida e resistente à cultura.

Daí o princípio de uma alteridade relativa, pois trata-se de um diferente com probabilidade de ser assimilado. A alteridade?

absoluta revela-se no caso dos africanos.

Las Casas, por exemplo, faz sua defesa dos índios americanos à custa do escravo africano. Nos séculos seguintes, tomando o desprezo exemplar de Voltaire ou de Kant, vemos a negritude sempre associada ã ausência de raciocínio ou ao estágio pueril das sociedades;. Como destaca Gilberto hlaz zolen :i ,, embora rejeitando a cultura do índio, o europeu reconhece sua natureza humana; o mesmo n«o ocorre com o negro.

(43)

sempre apresen tacto numa posição ainda mais inferior e equiparado aos animais,. ( 18) Segundo o mesmo autor, cumpre destacar a diferença entre o Homo Sapiens •••• civilizado e governado por leis •••• e o Homo Ñfer - movido pelo arbitrio e irrecuperável às leis civis. Apontado como incapaz de cultura, resta ao neçiro subordinar-se ao branco para n S'o perder sua pouca aparência de humanidade. Ho extremo oposto, encontramos quem defenda as teses abolicionistas na esperança que, sem a

pro te çao d os b r ancos, os n eg ro s d esa pa reçam„

A simples existência do negro serve para lembrar a humanidade cio índio americano. Sua cor de pele coloca-o entre o branco civilizado e o negro pseudo-homem „ E.m meio a essa alteridade absoluta, a realização de um possível futuro histórico corrfunde-se com a conquista da América. Tomando este acontecimento, Tzvetan Todorov analisa a questão do outro.(19) Para discutir a descoberta que o eu faz do outro, o autor centraliza sua análise no século que sucede a chegada de Colombo e na formação de um sentimento radical de estranheza frente ao Novo Mundo., A experiência da alteridade se lhe apresenta apoiada no egocentrismo, na identificação cios valores particulares com os valores em geral, do eu com o universal.

Movido por profunda religiosidade, Colombo distancia-se do empirismo e dos argumentos de experiência, comuns à época, para fazer prevalecer o argumento de autoridade e comprovar que chegara ao Paraíso. Atento à natureza, é pragmático nos assuntos de navegação, finalista diante dos sinais que comprovam suas crenças e intransigente quanto à beleza das

(44)

terras encontradas.. É um hermeneu ta „ Embora dotado do senso prático dos marin hei ros, distancia-se da observação científica rigorosa., Os nativos que o encantam näo são vistos como seres humanos, mas sim como integrantes da paisagem natural» SS'o belos como as árvores e generosos como o meio» Aliás, sã'o descritos ora como generosos, ora como covardes. Face a esta dupla percepção, para "íodorov, "ou ele pensa que os índios sã'o seres completamente humanos, com os mesmos direitos que ele, e aí considera-os não somente iguais, mas i d en ti cos, e esto»

comportamento desemboca no assimi lacionismo, na projeção do»

seus próprios valores sobre o s outros. Ou então parto» da diferença, que o!? imediatamente traduzida em termo s de superioridade e inferioridade."(20) D encantamento inicial cede ao sentimento de frustração face ás atitudes dos nativos.

Colombo distancia-se do assimilacionismo - princípio da igualdade - piara comungar do escravagismo - princípio da desigualdade.

0 estabelecimento da diferença, lembremos, ocorro» sem que Colombo tenha compreendido os nativos. Como um naturalista, ele contenta-se em agrupar tudo que» encontra, formando uma vitrine» de» maravilhas natural s, animais ou humanas. Cor tez, a o contrário, revela maior percepç'à'o e sensibilidade. An te» s de tomar, busca compreender r, antes do ouro,, almeja a informação. Mais que os referentes, interessa- lhe o signo. Penetrando na linguagem do outro, descobre» e explora o mito da volta de» Quetzal coa tl . Conhecendo as

rivalidades tribais, utiliza-as para conquistar a capital dos astecas. Hão sem pr:i.me»iro chegar a Montezuma e as mais altas

(45)

45

dignidades do império. A Cidade do México revela todo seu explendor ao futuro conquistador que, encantado, a compara com as principais cidades da Espanha. 0 luxo e o requinte da corte, como todo resto, causam admiração mas não impedem a destruição. Cortez conhece os índios e, numa atitude oposta a Colombo, não os reduz a ob;ieto.. Acaba por considerá-los sujeitos parciais, produtores de objetos. Exemplifica, assim, a capacidade de adaptação e de compreensão que os europeus têm do outro sem perder a superioridade natural» Passando-se por igual, revela toda sua diferença»

Em torno destas duas formulações são construídas as imagens do homem do Movo Mundo. Ao binômio igualdade- desigualdade, colocam-se as reflexões sobre identidade- diferença. 0 reconhecimento da identidade fortalece o princípio da igualdade; o reconhecimento da diferença fortalece o princípio da desigualdade. Este debate aflora claramente na Controvérsia de Valladolio quando, em 1550, Las Casas contrapõe-se aos argumentos de Gines de Sepá1veda sobre o homem amo:-? ri cano»

Las Casas, evocando razões cristãs, defende.a igualdade dos iridios» As diferenças de fato não são consideradas diferenças de natureza» Indivíduos nS'o-cr i s tão s podem tornar- se cristãos,, logo suas vidas devem ser preservadas» 0 reconhecimento da diversidade não pode se confundir com desprezo pois, além da igualdade ser o fundamento de tocia

p o 1 í t i c a h u m a ri a , a s naç õe s b A r b aras p o d em atingi r a civilização,, S e pá 1 ved a, empregando razões aristotélicas, reconhece que a hierarquia dos; homens & o estado natural da

(46)

sociedade» Tendo os europeus «separado o hem do mal, compete- lhes; conduzir os; demais; povos; ao bem, ainda que o cas; i on an d o mortes-;. As; perdas humanas; nada mais sS'o que a perda de um bem individual, ao passo que a aquisição da religião cristã representa a conquista do bem social. Razões; cristãs confundem-se sob remari ei ra com r a z de s; universal s; „

A imagem do homem do Novo Mundo vai. sendo construida a partir de cartas, relatos;, memórias ou descrições;. No conjunto, revelam as múltiplas; dimensões; do outro e a abrangência da questão da alteridade. Todorov lembra-nos que ela é elaborada no plano ax iolóq :i. co, como um julgamen to de valor; no plano praxiológico, como uma atitude de aproximação ou distanciamento; e, no plano ep:i. s temi co, como uma postura de reconhecimento ou n¿Vo da .identidade do outro. Ainda, que a alteridade realiza-se no espaço e no tempo, conservando uma incômoda atual idade..

A obra de Todorov revela o mal-estar do autor diante da sua experiência com o socialismo real % da sua condição de refugiado búlgaro em Paris. Is; to s;e traduz no esforço de compreensão do significado do outro. Tendo reafirmado a importância da reflexão sobre as; idéias; produzidas; pela conquista da América, avança nos séculos XVIII-XX, para resgatar a reflexão francesa sobre a divers;:i.dade humana. (21 ) Distanciando--se de Colombo, Cortez ou Las; Cas; a s;., recupera o

pensamento francês; sobre juízos universais e relativos;, racismo e racialismo, nações e nacionalismo, a partir de

y

intelectuais; como Rousseau, Montesquieu, Renan, Gobineau, Tocquevi I le, Michelet ou Lévi-Strauss. Desvia-se do çjênero

Referências

Documentos relacionados

PROFESSOR DE EDUCAÇÃO ESPECIAL - 2° PROFESSOR - NÃO

06/05/2021 Ano II | Edição nº207 | Certificado por Luan Gustavo Frazatto - Município de Santa Mônica - PR Diário Oficial assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2, de

Segundo o ARTIGO 4, a entidade patronal tem de informar os respectivos funcionários dos riscos existentes no local de trabalho, fornecer Equipamentos de Protecção Individual

Logo após o término do recreio, todos entraram atentos e curiosos com a minha presença, e com as figuras que pus na mesa, ficavam me perguntando o que era, sobre o que

Este estudo apresenta uma análise desses problemas críticos enfrentados por empresas de software durante o processo de Engenharia de Requisitos, sob a ótica da

na qualidade de REPARADOR e INSTALADOR de taxímetros, estando autorizado a realizar a 1.ª e 2.ª Fases da Primeira Verificação a taxímetros novos e reparados, e a colocar a

Propõe-se ainda um método para avaliar a dureza do rebolo em trabalho (durante o processo de retificação) através do monitoramento do sinal de emissão acústica captado na dressagem

PROBLEMAS CAUSAS SOLUÇÕES O aparelho não liga • falta de energia • O plugue não está inserido na tomada • o dispositivo de proteção interno interveio • espere o