UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
TATYANA CAVALCANTE DA SILVA
A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS
COMO SOLUÇÃO PARA A DINÂMICA SOCIAL FRENTE
AO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E O
SEU IMPACTO NAS RELAÇÕES LABORAIS
TATYANA CAVALCANTE DA SILVA
A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS
COMO SOLUÇÃO PARA A DINÂMICA SOCIAL FRENTE
AO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E O
SEU IMPACTO NAS RELAÇÕES LABORAIS
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Profa. Maria das Dores Cavalcanti
TATYANA CAVALCANTE DA SILVA
A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS
COMO SOLUÇÃO PARA A DINÂMICA SOCIAL FRENTE
AO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E O
SEU IMPACTO NAS RELAÇÕES LABORAIS
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Profa. Maria da Dores Cavalcanti
Aprovada em: ___ de janeiro de 2007.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Profa. Maria das Dores Cavalcanti - Dóia (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará
_________________________________________________ Prof. Abimael Carvalho Neto
Universidade Federal do Ceará e Faculdade Integrada do Ceará
_________________________________________________ Prof. Marcos José Nogueira de Souza Filho
A Deus, sustentáculo de
nossas vidas.
A meus pais, Eliana e
Rubens, pelo exemplo de
vida que são para mim e
pelo apoio incondicional
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Eliana e Rubens, por me ensinarem os valores da honestidade,
trabalho e estudos.
À minha orientadora, Profa. Dóia Cavalcanti, pela atenção e direção do trabalho.
Aos ilustres membros da banca examinadora, Abimael e Marcos Filho, pela
gentileza em aceitar o convite e pelas sugestões acrescidas à monografia.
Aos meus grandes amigos de Academia, Carlos Jeremias e Ernando, pela ajuda,
incentivo, carinho e preocupação a mim dispensados em toda a elaboração deste
trabalho e por terem dividido comigo os melhores momentos da minha vida
acadêmica.
Ao meu namorado, Helton Henrique, pelo apoio, cumplicidade e companheirismo
em todas as horas.
A todos aqueles que contribuíram de forma direta e indireta à concretização desta
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo principal compreender a Flexibilização das
Normas Trabalhistas, fenômeno polêmico que vem se firmando no cenário
trabalhista atual, analisando-a na perspectiva do ordenamento jurídico trabalhista
brasileiro. Os objetivos específicos são: o estudo da evolução do fenômeno da
flexibilização frente à globalização econômica, definição do seu conceito e
correntes doutrinárias, sua comparação com o instituto da desregulamentação, a
análise das suas limitações, o papel dos sindicatos e da negociação coletiva
diante da flexibilização, estudo das experiências flexibilistas brasileiras e os seus
impactos nas relações laborais.
Palavras-chave: Flexibilização, Globalização Econômica, Neoliberalismo,
ABSTRACT
The main objective of this monograph is comprehend the Flexibilization of
Workrules, controversial phenomenon that comes stabilizing in the current labour
scene, and analyse this figure under the perspective of the brazilian labour law.
The specific objectives are: the study of the evolution of the flexibilization
phenomenon in front of the economic globalization, the definition of its concept
and doctrine positions, a comparison between the institute of desregulamentation,
the analysis of its limitations, the role of the unions and the collective negociation
in front of the flexibilization, the study of the brazilian flexible experiences and their
impacts in the labour relations.
Key-Words: Flexibilization, Economic Globalization, Newliberalism,
SUMÁRIO
Introdução ... 10
1 Antecedentes históricos ao fenômeno da Flexibilização ... 12
1.1 O processo de Globalização Econômica e a alteração das relações de trabalho ... 12
1.2 A corrente Neoliberalista e seus reflexos na sociedade pós-moderna .. 17
1.3 Desemprego ... 19
2 A Flexibilização das Normas Trabalhistas ... 22
2.1 Conceito, origem e correntes doutrinárias ... 22
2.2 Flexibilização x Desregulamentação ... 28
2.3 Flexibilização e o Princípio Protetor ... 33
3 Flexibilização no Direito Trabalhista Brasileiro ... 36
3.1 Retrospecto histórico ... 36
3.2 Normas Flexibilizadoras no Brasil ... 38
3.2.1 Artigo 7º, inciso VI, CF/88 – Redução Salarial ... 40
3.2.2 Artigo 7º, inciso XIII, CF/88 – Compensação de horários e redução de jornada ... 43
3.2.3 Artigo 7º, inciso XIV, CF/88 – Turnos ininterruptos de revezamento ... 45
3.3 O papel dos sindicatos e da negociação coletiva diante da flexibilização ... 46
3.4 Limitações à flexibilização ... 50
3.5 Impactos da flexibilização nas relações laborais ... 58
Considerações Finais ... 62
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho tem sido alvo de constantes transformações,
resultado, no campo laboral, de uma fase de transição advinda, dentre vários
fatores, da necessidade das empresas em se adequarem a métodos eficientes de
competição econômica em um cenário de livre fluxo dos mercados. Soma-se a
isso a profunda revolução tecnológica, geradora de modificações radicais na
organização da produção, tendo de outro lado, a constante necessidade de
combate ao desemprego.
Com a globalização, os fatores conjunturais e episódicos da economia
refletem-se constantemente nas relações de trabalho e as relações laborais
tendem a se tornar cada vez mais dinâmicas e adaptáveis a cada situação
decorrente das pressões econômicas e sociais.
Diante deste quadro, a própria compreensão do Direito em toda sua
complexidade, sobretudo do Direito do Trabalho, está passando por grandes
transformações, sendo, talvez, a principal delas a própria forma como é e como
doravante deverá ser visto e tratado.
Dessa forma, a Consolidação das Leis Trabalhistas, principal diploma
laboral brasileiro, embora tendo sofrido várias alterações em seu texto original,
tem-se mostrado superada em alguns de seus pressupostos, tanto que hoje se
não se mostra suficiente para solucionar todos os conflitos coletivos de trabalho,
mostrando-se obsoleto em alguns pontos e diante das inúmeras transformações
sociais.
Em função dessa nova realidade, contraposta à rigidez da legislação
trabalhista, surgiu na Europa um movimento de idéias, que cada vez mais ganha
novos adeptos: a flexibilização. Trata-se de um processo de quebra da rigidez das
normas, tendo por objetivo, segundo seus defensores, conciliar a fonte autônoma
com a fonte heterônoma do direito do trabalho, preservando, com isso, a saúde
da empresa e a continuidade do emprego.
O estudo da flexibilização das normas trabalhistas se torna fascinante
para qualquer estudioso do Direito do Trabalho, uma vez que a tese flexibilizadora
constitui processo relacionado com a adaptação de preceitos que regulamentam
as relações laborais, em face das diversificadas transformações ditadas por
fatores diversos que afetam a nova realidade do mundo do trabalho.
Sem a pretensão de esgotar o tema, serão apresentadas algumas
propostas, não só no âmbito jurídico, mas também nos âmbitos econômico,
político e social, para adequar o processo de flexibilização na medida necessária
à efetivação dos princípios formadores da justiça social e à preservação da
1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS AO FENÔMENO DA FLEXIBILIZAÇÃO
1.1 O processo de Globalização Econômica e a alteração das relações de
trabalho
No século XIX, a Revolução Industrial, com as inovações técnicas e
tecnológicas nas indústrias e nos transportes, permitiu maior integração do mundo
– por meio da intensificação das trocas mercantis e do incremento de
investimentos no estrangeiro – além de ter ensejado a necessidade de
organização sindical, para a defesa de mínimas condições de trabalho em uma
época de degradante exploração do operariado.
Nas últimas décadas, a revolução tecnológica seria mais uma etapa
do processo em tela. Os principais ajustamentos que estão ocorrendo nas
relações internacionais apresentam a marca da competitividade e das rápidas
transformações, notadamente na área de ciência e tecnologia. De fato, verifica-se
a emergência de tecnologias que perpassam todos os setores da atividade
econômica, como a microeletrônica e a informática.
A competição internacional agora está centrada nos aspectos
econômicos e científico-tecnológicos. Com efeito, a capacitação tecnológica tem
sido apontada como elemento cada vez mais determinante na aferição do grau de
desenvolvimento de um país. Ademais, torna-se cada vez mais importante a
qualificação da mão-de-obra para lidar com novas tecnologias, sob pena de perda
Como se depreende do breve histórico acima delineado, característica
dominante do cenário internacional da atualidade está no conceito de
"globalização".
Muito se fala a propósito desse termo, mas não se procura uma
definição precisa, consensual e abrangente. Certo é que a abertura a que vêm se
submetendo as economias de praticamente todos os países anuncia o avanço da
internacionalização dos circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos.
De um modo genérico, enfim, pode-se utilizar o termo em tela para
designar a crescente e acelerada transnacionalização das relações econômicas,
financeiras, comerciais, tecnológicas, culturais e sociais que vêm ocorrendo
especialmente nas últimas duas décadas. O fato é que aquilo que se
convencionou chamar de "globalização" tornou-se fator de influência nas decisões
de governo.
De qualquer sorte, parece razoável supor, com relativa margem de
segurança e com o respaldo de diversas análises recentes, que esse processo de
globalização poderá, em tese, gerar aumento no nível geral de desemprego.
Entende-se que seria conseqüência direta do aumento da competitividade, com a
entrada no país de produtos estrangeiros de melhor qualidade e menor preço.
Ademais, a busca da competitividade implicaria a necessidade de diminuição
progressiva da força de trabalho empregada - devido à necessidade de redução
dos encargos sociais - o que também redundaria em desemprego.
A globalização atinge os instrumentos e métodos de produção,
competitividade, procura-se diminuir os custos, acarretando uma reestruturação
do mundo do trabalho, tendo como efeito principal a desvalorização do labor, uma
vez que a mão-de-obra humana é substituída pelas máquinas. Como
conseqüência dessa mudança estrutural na forma de produção, ou seja, com um
número cada vez menor de operadores humanos, verificamos que houve
aumento da riqueza para alguns e, por outro lado, diminuição do trabalho para
muitos.
A globalização intensifica a abertura de mercados e a migração de
empresas para países e localidades que sejam mais lucrativas, ou seja, onde
existe a mão-de-obra mais barata e a menor fiscalização e respeito aos direitos
internacionalmente conhecidos como fundamentais para a classe trabalhadora.
Além disso, o neoliberalismo privilegia a lógica exclusiva do mercado em
detrimento do homem, desviando o avanço tecnológico para o fator lucro, em vez
de ter como destinatário a valorização da vida humana.
No mesmo sentido, explica Amauri Mascaro do Nascimento1:
“A substituição dos empregados pelo software, diante da alta produtividade das empresas com o emprego de eficientes meios tecnológicos, fez com que se tornasse desnecessário um grande número de empregados e isso caracteriza o desemprego estrutural, comprometendo, assim, os princípios que se encontram consagrados na Constituição, como o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana.”
Desse modo, esclarece Kátia Magalhães2 que:
1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de direito do trabalho, 1981, p. 44
2 ARRUDA, Kátia Magalhães. Direito constitucional do trabalho: sua eficácia e o impacto
“Além de serem os trabalhadores substituídos por máquinas, também perdem o emprego por não possuírem condições de acompanhar essas mudanças, devido à crescente sofisticação de seus equipamentos. Isso, de certo modo, aumenta a oferta e leva-os a se submeterem à condições humilhantes, considerando seus salários e as más condições de trabalhos, para garantir a própria subsistência.”
A respeito comenta Amauri Mascaro do Nascimento3:
“A classe trabalhadora começou a lutar por bandeiras diferentes das tradicionais, dentre as quais a redução das horas de trabalho como meio de combater ao desemprego, na medida em que o tempo preenchido em horas extras com um empregado poderia servir à ocupação de outro.”
O Direito do Trabalho ainda não encontrou meios eficazes de
enfrentar o problema que caracteriza o período contemporâneo com a nova
questão social, resultante do crescimento do exército de excedentes atingidos
pela redução da necessidade de trabalho humano, substituído pela maior e mais
barata produtividade da tecnologia, fenômeno desintegrador que não poupou nem
mesmo os países de economia mais consistente.
Salienta ainda a preocupação referente à precária situação de
emprego, o que irá se agravar mediante maior implementação do progresso
técnico, ocasionando, assim, uma diminuição de empregados, bem como
supressão de postos de trabalhos e redução dos salários de trabalhadores não
qualificados.
Pode-se, assim, afirmar, de um modo geral, que os reflexos da
globalização não caracterizam o desenvolvimento do país, visto que, para isso,
seria necessária a melhoria de qualidade de vida dos homens, ou seja, deveriam
ser assegurados os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, dentre outros.
Contudo, o trabalho, apesar de ser um direito que dignifica um homem, está
sendo-lhe tirado.
Por certo que o homem, durante a história da sociedade, enfrentou
vários obstáculos, como a escravidão, as condições indignas de trabalho, dos
quais resultaram dor e mortes para conseguirem um mínimo de direitos, não
apenas no campo dos direitos civis, propriamente ditos, mas no que toca aos
direitos sociais. A história da humanidade é, dessa forma, marcada por injustiças
sociais, como também por conquistas, porém ainda se luta pela supressão de
trabalhos prestados de forma humilhante e ofensiva e pela constante busca de
dignificar o homem como um sujeito de direitos. Diante disso, compreende-se o
porquê da rigidez das leis trabalhistas, que visam impedir a exploração da força
do homem e o retorno a uma forma de tratamento como uma propriedade viva.
A globalização da economia, por meio de seus instrumentos, como a
revolução tecnológica, inferiorizou o homem à condição de mero instrumento de
trabalho, substituindo-o pela máquina e priorizando o capital sobre o valor da
dignidade humana. É claro que se deve buscar o progresso econômico do país,
no entanto, o desenvolvimento político, o econômico e o social devem estar
harmonizados com o ordenamento jurídico, para que os direitos fundamentais não
sejam ignorados na relação de trabalho.
Em todos os casos, a única questão em torno da qual parece haver
consenso se refere à tendência de que a competitividade internacional oriunda do
desemprego em praticamente todos os países, e que existe a necessidade de se
aperfeiçoar o Direito do Trabalho no Brasil, diante dos novos desafios que se nos
apresentam.
A proteção em função da automação que a Constituição Federal de
1988 dá aos trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º, inciso XXVII), ainda não
regulamentado por lei, não tem se mostrado suficiente para atingir os fins a que
se propõe, pois o que se vê é o desemprego crescente.
Assim, admitindo-se como premissa verdadeira o fato de que o
processo denominado "globalização" pode provocar aumento nas taxas de
desemprego no Brasil e no mundo, deve-se analisar o que pode ser feito no
âmbito do Direito do Trabalho para enfrentar esse problema.
Em suma, todos esses acontecimentos e fatos estão produzindo
profundo impacto nas relações de trabalho atuais e prenunciam novos desafios e
conflitos de interesses de natureza ainda imprevisível para o futuro, aos quais o
Direito do Trabalho terá que se adaptar, modernizando-se.
1.2 A corrente Neoliberalista e seus reflexos na sociedade pós-moderna
As mudanças mais significativas que ocorreram na legislação
trabalhista tiveram como origem as sucessivas crises dos anos 70, as “crises do
petróleo”, e as mais profundas transformações que vêm sofrendo a economia
mundial e os sistemas produtivos, impelidas, sobretudo, pelo surgimento de novos
de novos modos de organização e distribuição do trabalho, enfim, pela
globalização das comunicações e dos fluxos econômicos.
No início do século XX se constatava a universalização de direitos
trabalhistas e a constitucionalização de direitos sociais, hoje, porém, com a
passagem do Estado Social para o Estado Neoliberal, o que se tem visto é um
processo de desuniversalização e desconstitucionalização de direitos sociais e
trabalhistas.
Pode-se, resumidamente, esclarecer, com fundamento nos
ensinamentos de Arnaldo Süssekind4, que os neoliberais defendem o Estado
liberal, pregando a omissão do Estado, para que as condições de trabalho
possam ser ditadas pelas leis de mercado. Por sua vez, os defensores do Estado
social sustentam a intervenção do Estado nas relações de trabalho, pois
acreditam ser necessária a sua interação, tendo em vista a sua função de
assegurar os direitos sociais para, assim, promover a dignidade humana.
Os direitos trabalhistas, para o ideário neoliberal, são vistos sob uma
ótica estritamente econômica, significando que “passivo trabalhista, custo e
encargos sociais” representam um verdadeiro entrave para a maior lucratividade
da empresa.
No fordismo, o trabalhador atua numa única parte da produção, de
forma repetitiva, rápida e estressante, estando o gerenciamento e o controle de
qualidade centralizados na pessoa de um superior hierárquico.
4 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.41 -
No toyotismo, o trabalhador é polivalente e versátil, devendo estar
apto a operar várias máquinas e a desempenhar múltiplas funções
simultaneamente, e ainda mais estressantes que no fordismo em virtude da maior
responsabilidade, começando a serem implantados os círculos de controle de
qualidade, ficando os próprios grupos de empregados incumbidos da fiscalização
mútua.
Tais fatores, aliado ao desemprego estrutural, ensejaram a
desarticulação e fragmentação dos sindicatos profissionais, e, por questão
estratégica, o ideário neoliberal passou a defender a solução negociada em
detrimento da legislada.
1.3 Desemprego
Em meio ao momento histórico que vivenciamos, dentre todas as
desgraças endêmicas do mundo, talvez a mais aguda e generalizada seja a do
desemprego. Esse fato é tido, atualmente, como a maior tragédia humana de
nossos dias, porque atinge diretamente o indivíduo, não tem forma eficiente de
prevenção ou cura, leva ao desespero e induz ao crime, abalando a estabilidade
social.
Em todas as economias os estudiosos apontam para um desemprego
estrutural e não meramente conjuntural. O modelo de industrialização ou
reestruturação, baseado de implementação ativa e intensa da tecnologia, não
favorece a criação de empregos; ao contrário, o que se vê é a diminuição de
As persistentes crises contemporâneas têm tido um impacto
particularmente destrutivo sobre o emprego, gerando o desemprego em massa e
pondo em causa o modelo tradicional do Direito do Trabalho. Esse modelo de
Direito do Trabalho, assegurando um acréscimo de tutela dos trabalhadores, tem
sido acusado de constituir fator de rigidez do mercado de trabalho e da sua alta
de custo, e, nessa medida, de contribuir para o decréscimo dos níveis de
emprego e conseqüente estímulo ao desemprego.
O Brasil sofreu verdadeiras alterações no mercado de trabalho
pós-guerra e no nível de desemprego e desequilíbrio da economia, propiciando o
aparecimento do mercado informal de trabalho que, em regra, é constituído pela
força de trabalho dita excedente, em função da pequena oferta de empregos. Há
que se levar em consideração a crise econômica dos anos 80, provocada pelo
choque dos preços do petróleo que atingia uma gama de países na Europa, assim
como no Brasil, provocou o surgimento de novas formas de contratação
geradoras de relações de trabalho atípicas.
O desemprego brasileiro atual ocorre, sobretudo, em face de uma
política econômica interna recessiva de juros altos, baixos valores de
aposentadorias, as quais incentivam a permanência do aposentado no mercado
de trabalho e o início precoce do trabalho infantil, em razão de um deficiente
acesso à Escola Pública e insuficiente renda familiar.
O desemprego anula, na prática, todos os direitos trabalhistas, pois,
com a carência de postos de trabalho, ninguém se atreve a reivindicar as
É em virtude dessa realidade atuante do desemprego, em
contraposição à rigidez da legislação, que a flexibilização se semeou na Europa
como um movimento de idéias, que no dia-a-dia angariava novos pensadores,
especialistas e principalmente os operadores do Direito do Trabalho.
É a partir dessas idéias que as legislações tendem hoje para a
flexibilização, admitindo-se com mais facilidade a mobilidade geográfica e
profissional dos trabalhadores e a suspensão e a cessação dos contratos de
trabalho.
Ao se lembrar de disposições constitucionais, temos que o valor social
do trabalho é um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil,
conforme preceitua o art. 1º da Constituição Federal de 1988; o trabalho é o maior
bem do trabalhador e constitui a base da ordem social (art.193); e a busca do
pleno emprego é um dos princípios da ordem econômica (art.170,VIII).
A negação do trabalho ao ser humano constitui privação das mais
penosas e as conseqüências do desemprego na vida de uma pessoa podem
assumir contornos especialmente dramáticos. O desespero e a angústia
decorrentes do desemprego criam, muitas vezes, situações insustentáveis,
podendo culminar na dissolução familiar e, até mesmo, no aumento da
criminalidade – de que são exemplos inúmeros casos constantemente veiculados
2 A FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS
2.1 Conceito, origem e correntes doutrinárias
O Direito do Trabalho, nascido numa época de prosperidade
econômica, foi caracterizado pela intervenção do Estado como um meio de
elaborar um regulamento detalhado das condições de trabalho, a fim de forçar as
partes a buscarem a solução dos seus conflitos. Naquele momento histórico,
eram necessárias normas trabalhistas rígidas, diante da fome insaciável por
lucros dos donos dos meios de produção, o que levou os trabalhadores a
objetivarem a intervenção do Estado no domínio econômico, com regras de
proteção ao trabalho, que se constituía, na realidade, em semi-escravidão5.
No entanto, com as crises sociais decorrentes de problemas
econômicos mundiais e a adaptação das relações de trabalho à nova realidade
econômica existente nesse "admirável mundo novo" é que se fez, ou foi obrigado
a sê-lo, necessária uma nova regulamentação das leis trabalhistas de forma a
adaptá-las aos novos moldes sócio-econômicos decorrentes dessa transformação
social, isso porque, como sabemos, o Direito do Trabalho está bastante sujeito à
instabilidade das flutuações da política e da economia.
Nesse contexto, surgem então novas formas de contratos trabalhistas,
como os contratos temporários, aprendizagem, estágio, empresas terceirizadas,
dentre várias outras formas de manutenção das modalidades trabalhistas com o
intento de dirimir os conflitos resultantes das crises sociais e econômicas
5 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito do Trabalho. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2000. p.
mundiais, colocando o direito do trabalho a toda prova e conduzindo-o a revisões
de seus conceitos e paradigmas, dentre as quais se destaca a flexibilização.
O fenômeno da flexibilização do direito do trabalho, como atualmente
conhecido, nasceu ao final da década de 70, com a crise do petróleo, e tornou-se
mais acentuado a partir de 1990, com o fim da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS).
Embora nascida a flexibilização no contexto do Direito Econômico e
também na Economia, tendo reflexos no campo do Direito do Trabalho, a tese da
flexibilização ganha hoje generalizada aplicação em qualquer ramo da ordem
jurídica que necessite adaptar-se à realidade da atual sociedade.
Existem inúmeras definições para a flexibilização do direito do
trabalho, sob os mais diferentes pontos de vista. As definições envolvem aspectos
jurídicos, econômicos, sociais e políticos.
Etimologicamente, a palavra flexibilização é um neologismo. O termo
flexibilidade, do latim flexibilitate, na acepção mais encontradiça nos escritos
jurídicos, conforme enfatiza Reinaldo Pereira e Silva6:
“Diz respeito a uma qualidade constante de certo direito, atributo de adaptabilidade ao meio em que tende a incidir, e o termo flexibilização, ausente nos dicionários, apesar de mais empregado do que o antecedente, a um pressuposto de adaptação do direito, algo relativo a uma qualidade ainda a ser alcançada por ele”.
6 SILVA, Reinaldo Pereira e. O Mercado de Trabalho Humano – A globalização econômica, as
Do ponto de vista sociológico, a flexibilização é a capacidade de
renúncia a determinados costumes e de adaptação a novas situações.
No âmbito do Direito do Trabalho, "flexibilizar" é a maneira de
adaptação de normas jurídicas trabalhistas para atender às alterações verificadas
na economia, refletidas nas relações entre trabalho e capital; em outras palavras,
é a possibilidade da empresa contar com mecanismos jurídicos que lhe permitam
ajustar a produção, emprego e condições de trabalho ante as flutuações rápidas e
contínuas do sistema econômico.
Flexibilização, no entanto, é expressão difusa, que pode ser tomada
em várias acepções. Para Plá Rodrigues7:
“Flexibilização é um termo elástico, com variados graus de intensidade, e também cômodo, porque o sentido contrário seria a rigidez, a intolerância. Pode significar mera adaptação através de leis mais elásticas, ou até desregulação, com substituição da norma estatal pela convenção coletiva ou individual”.
Rosita Nasser8 assim define flexibilização:
“A flexibilização é o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social”.
7 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. “Enfoque sobre la flexibilización”. Derecho del Trabajo n. 2, fev.
1990. Buenos Aires: La Ley, p. 154.
8 NASSER, Rosita de Nazaré Sidrim. Flexibilização do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1991,
A doutrina é indiscutivelmente inquieta no que pertine aos benefícios
ou não da flexibilização. Por um lado, há a opinião que ampara a tese
intervencionista, ou seja, a que defende a idéia de proteção do trabalhador,
economicamente mais frágil, através de normas de proteção provenientes da lei
ou do contrato coletivo, limitadoras dos poderes do capital. Por outro lado,
existem opiniões que pregam maior liberdade de gestão da empresa, com
redução da intervenção ao mínimo necessário, e adoção de mecanismos
revogáveis a qualquer tempo, conforme as necessidades de produção e do
mercado, uma vez que a competitividade da empresa é reconhecida como fator
de sobrevivência.
Maria Polita Maccalóz9 define o fenômeno da flexibilização dos
direitos laborais, como:
“A faculdade no uso da lei existente, orientada pelo discernimento dos interessados ou em hipóteses previstas na própria lei. Por essa via não havia a determinação de extinguir a legislação, ela permaneceria aí como uma sugestão às partes, ou mesmo de caráter impositivo nas condições previamente estabelecidas.”
Segundo José Armando Caro Figueiroa10:
“A flexibilização seria uma técnica de neoregulação, com a modificação do sentido e intensidade das normas tutelares estatais, mas sem a destruição do modelo. Ainda afirma que a flexibilidade seria uma fórmula abreviada para designar um processo de redistribuição do poder normativo mais sensível às exigências da produção do que às preocupações sociais”.
9 MACCALÓZ, Salete Maria Polita. Globalização e flexibilização. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 10 CARO FIGUEROA, José Armando. El debate sobre la flexibilidad laboral em Europa y en
Duas correntes se formaram acerca da flexibilização do trabalho. Uma
considera nociva à própria sobrevivência do Estado nacional, em prejuízo da
classe trabalhadora. Outra defende como necessária para tornar o país
competitivo e atraente para o capital externo em um mundo globalizado.
O autor Amauri Mascaro do Nascimento11, por sua vez, distingue três
correntes que se posicionam sobre a questão da flexibilização das relações de
trabalho:
Flexibilista – para essa corrente, o direito do trabalho passa por fases
diferentes: a da conquista, a promocional e a de adaptação à realidade atual, com
as convenções coletivas de trabalho desenvolvendo cláusulas in melius e in
pejus, na tentativa de dar atendimento às condições de cada época e de cada
setor.
Para os flexibilistas é preciso distinguir precisamente as fases por que
passa o Direito do Trabalho. Em um primeiro momento devem-se assegurar os
direitos trabalhistas. Trata-se de uma conquista dos trabalhadores. Após, tem-se
o momento promocional do Direito do Trabalho. Na terceira fase, ocorre a
adaptação desses direitos à realidade dos fatos, como no que diz respeito às
crises, o que é feito por meio das convenções coletivas, que tanto pode assegurar
melhores condições de trabalho como também situações in pejus.
Assim, no momento em que a economia estiver normal, aplica-se a
lei. Na fase em que ela apresentar crises, faz-se a flexibilização das regras
trabalhistas, tanto para pior como para melhor.
É a posição, no Brasil, adotada por Robortella12, ao mostrar a
natureza cambiante da realidade econômica, com o que uma norma pode ser
socialmente aceita num período de abastança, mas absolutamente nociva numa
sociedade em crise e desemprego.
Essa corrente entende que, para tornar o Brasil mais competitivo e
atraente ao capital externo há quem defenda ser necessário “desengessar”, ou
flexibilizar as leis trabalhistas, uma vez que estas, em sua maioria, se encontram
na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, datada de 1943, portanto,
ultrapassada.
Antiflexibilista – entende essa corrente ser a proposta de flexibilização
mero pretexto para reduzir os direitos dos trabalhadores. É a posição que
vislumbra a possibilidade do agravamento das condições dos hipossuficientes,
sem qualquer contribuição para o fortalecimento das relações de trabalho.
Para essa corrente, a flexibilização do Direito do Trabalho é algo
nocivo para os trabalhadores e vem a eliminar certas conquistas que foram feitas
ao longo anos. Seria uma forma de reduzir direitos dos trabalhadores, agravando
a situação dos mesmos sem que houvesse qualquer aperfeiçoamento ou
fortalecimento das relações de trabalho.
Semiflexibilista – para essa corrente, a flexibilização deve começar
pela autonomia coletiva, por meio de negociações coletivas, para evitar riscos.
Os seguidores dessa corrente pregam a observância da autonomia
privada coletiva e também sua valorização plena. A flexibilização seria feita pela
forma coletiva, havendo uma desregulamentação do Direito Coletivo do Trabalho,
por meio das convenções ou acordos coletivos.
Sob a ótica da teoria semiflexibilista, seria possível afirmar a
existência de uma norma legal mínima, estabelecendo regras básicas, ficando o
restante para ser determinado pelas convenções ou acordos coletivos.
2.2 Flexibilização x Desregulamentação
No que pertine ao Direito do Trabalho, objeto principal da flexibilização
em estudo, importante ressaltar a diferença conceitual entre a flexibilização e a
desregulamentação.
A alternativa que vem sendo adotada pelos países tem sido a de
flexibilizar as normas trabalhistas, com a adoção de dois modelos: adaptação e
desregulamentação. Através da adaptação das normas trabalhistas às mudanças
que se fazem necessárias, sem atingir os direitos mínimos dos trabalhadores (no
Brasil, previstos no art. 7º da Constituição Federal de 1988), facilmente se
percebe sua diferença quando comparada com a desregulamentação, também
conhecida como “flexibilização radical”, que propõe excluir do ordenamento
jurídico nacional toda legislação trabalhista, resgatando o princípio liberal da
autonomia da vontade das partes, capital e trabalho.
Segundo Amauri Mascaro do Nascimento13:
“Flexibilização do direito do trabalho é a corrente de pensamento segundo a qual necessidades de natureza econômica justificam a postergação dos direitos dos trabalhadores, como a estabilidade no emprego, as limitações à jornada diária de trabalho, substituídas por um módulo anual de totalização da duração do trabalho, a imposição pelo empregador das formas de contratação do trabalho moldadas de acordo com o interesse unilateral da empresa, o afastamento sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e que ficaria ineficaz sempre que a produção econômica o exigisse, enfim, o crescimento do direito potestativo do empregador”.
Orlando Teixeira da Costa14 preleciona da seguinte forma:
“A flexibilização é o instrumento ideológico liberal e pragmático de que vem se servindo os países de economia de mercado, para que as empresas possam contar com mecanismos capazes de compatibilizar seus interesses e os dos seus trabalhadores, tendo em vista a conjuntura mundial, caracterizada pelas rápidas flutuações do sistema econômico, pelo aparecimento de novas tecnologias e outros fatores que exigem ajustes inadiáveis”.
A desregulamentação do direito do trabalho, por seu turno, seria uma
forma mais radical de flexibilização, na medida em que o Estado retiraria toda a
proteção normativa conferida ao trabalhador (inclusive as garantias mínimas),
permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regulasse as
condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego.
Note-se que a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que para
assegurar garantias mínimas ao trabalhador (ou a sociedade – uma vez tratar-se
de direitos indisponíveis), com normas gerais abaixo das quais não se poderia
conceber a vida do trabalhador com dignidade.
Assim, não há que se confundir flexibilização e desregulamentação,
sendo esta última caracterizada pela total ausência do Estado no disciplinamento
14 COSTA, Orlando Teixeira da. Direito Coletivo do Trabalho e Crise Econômica. São Paulo: LTr,
das relações de trabalho, permitindo assim um maior desenvolvimento da plena
liberdade sindical e das normatizações coletivas no âmbito privado das relações
entre capital e trabalho.
Daí porque para Nascimento15, “desregulamentação é vocábulo que
deve ser restrito ao direito coletivo do trabalho, não se aplicando ao direito
individual do trabalho para o qual existe a palavra flexibilização”. Assim,
desregulamenta-se o coletivo e flexibiliza-se o individual. Portanto,
desregulamentação seria a política legislativa de redução da interferência da lei
nas relações coletivas de trabalho, para que se desenvolvam segundo o princípio
da liberdade sindical e das representações de trabalhadores.
Conforme ensina Arnaldo Süssekind16:
“A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que autonomia privada, individual ou coletiva regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. Precisamente porque há leis em que determinados preceitos devem ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação”.
Portanto, não se deve usar as duas situações como sinônimos, de
maneira indiferente, interpretação equívoca freqüentemente cometida por alguns
autores. Enquanto a desregulamentação do Direito do Trabalho retira a proteção
social do Estado sobre o trabalhador, permitindo que a autonomia privada, seja
ela individual ou coletiva determine as condições de trabalho e os direitos e
obrigações provenientes das relações laborais, a flexibilização, por outro lado,
pressupõe a intervenção estatal por meio de normas de caráter geral, que
consubstanciam em seus preceitos valores, direitos e garantias, sem as quais o
trabalhador não poderia viver dignamente.
O que se observa, na realidade, é que o processo de flexibilização
das normas trabalhistas ocorre de forma freqüente, como uma tendência que se
avança em diversos países do mundo, inclusive no Brasil e, diminuído ou
abstraídos os seus excessos, impõe o estabelecimento de preceitos reguladores
de relações laborais aos novos tempos.
A par do que foi exposto, a desregulamentação do Direito do Trabalho
retira a proteção normativa mínima conferida ao trabalhador e a flexibilização, por
sua vez, pressupõe a intervenção básica do Estado, com o intuito de assegurar,
mediante normas protecionistas de caráter geral, não apenas uma igualdade
formal entre as partes, mas essencialmente, uma igualdade substancial e
verdadeira entre elas.
Afora a flexibilização das leis trabalhistas propostas de forma radical,
que só ensejam freqüentes abusos, os instrumentos flexibilizadores são capazes
de compatibilizar os interesses das empresas e de seus trabalhadores, de modo a
adaptar os preceitos de ordem pública às grandes alterações ditadas pelas crises
econômicas e pelo desenvolvimento tecnológico.
Ainda no tocante às distinções existentes entre os dois institutos,
temos que a desregulamentação17 está ligada à retirada da norma legal como
determinante dos estreitos limites para estabelecimento de contrato de trabalho;
17 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da língua portuguesa. 1. ed. Rio de
já a flexibilização tende a manter esses limites, sem afastar a norma legal,
embora remeta à discricionariedade das partes o estabelecimento da maioria das
regras da relação jurídica que pretendem estabelecer.
A flexibilização apresenta diferentes significados e a mais variada
amplitude, significando sempre o ajuste das normas laborais à realidade
econômica, com mudanças, mais ou menos intensas, do repertório de categorias
jurídicas, a fim de contribuir para a solução de problemas da sociedade e ensejar,
portanto, a governabilidade.
Jorge Luiz Souto Maior18 destaca que:
“Conceitualmente falando, flexibilização é idéia distinta da desregulamentação. Por flexibilização entende-se a adaptação das regras trabalhistas à nova realidade das relações de trabalho, que permite, e muitas vezes exige, um reordenamento do sistema jurídico, não necessariamente no sentido de diminuição de direitos ou de exclusão de regras positivadas, mas no sentido de regular, de modo diferente, as relações de trabalho. Por desregulamentação identifica-se a idéia de eliminação de diversas regras estatais trabalhistas, buscando uma regulamentação por ação dos próprios interessado”.
Desta forma, entende-se a flexibilização do direito do trabalho como o
instrumento de política econômica caracterizado pela adaptação constante das
normas jurídicas à realidade econômica e social, mediante intensa participação de
trabalhadores e empresários, a fim de que se obtenha a eficaz regulação do
mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico, o
progresso e o bem-estar social.
18 MAIOR, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São
Destarte, salientamos, mais uma vez, como distinção entre os
institutos, que a flexibilização tem sentido de adaptar as relações de trabalho
visando uma melhor competitividade das empresas, sem, contudo, abdicar de
direitos sociais; a desregulamentação, porém, visa aumentar a competitividade
empresarial, diminuindo o seu custo através da retirada de direitos trabalhistas.
Em suma, para finalizar, não há que se confundir flexibilização,
defendida pelos simpatizantes do Estado Social, com desregulamentação,
defendida pelos neoliberais mais radicais, pois enquanto esta última se
caracteriza pela total ausência do Estado no disciplinamento das relações de
trabalho, a flexibilização exige que haja o mínimo legal de proteção ao
trabalhador, abaixo do qual não se consegue a dignidade do ser humano, previsto
em nossa Constituição Federal.
2.3 Flexibilização e o Princípio Protetor
Nas relações trabalhistas, facilmente se identifica a desigualdade das
partes, especialmente aquela de cunho econômico e, justamente com a finalidade
de igualar os desiguais, surgiu o princípio da proteção no âmbito do Direito do
Trabalho.
O princípio da proteção se caracteriza pela interferência básica do
Estado nas relações de trabalho, por meio de normas de ordem pública, com o
fim especial de compensar a desigualdade desfavorável ao trabalhador com uma
Pode-se afirmar que este princípio reflete a igualdade substancial das
partes, preconizada no âmbito do direito material comum e direito processual,
tendo por finalidade equiparar as partes desiguais, já que dar tratamento
isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na exata medida de suas desigualdades.19
Pode-se depreender, então, que a igualdade das partes idealizada
pelo legislador não reflete a sua mera projeção no campo econômico, mas
traduz-se numa “igualdade substancial” para assegurar a paridade entre elas,
tanto no âmbito das relações de direito material quanto no âmbito do direito
processual.20
Ante o princípio da proteção, as alterações nas condições de trabalho
sofrem limitações impostas pelo art. 468 da CLT, que assim dispõe:
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
O certo é que o procedimento de flexibilização acabará culminando
na geração de um mecanismo de compensação, do sistema heterônomo pelo
autônomo, usando as entidades sindicais da autonomia privada coletiva, mas
sempre observando os padrões mínimos de proteção, trilhando, na verdade, o
caminho da transação, e não da renúncia pura e simples de direitos.
19 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, p. 43.
20 AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Limitações à Aplicação do Princípio da Proteção no Direito do
A compatibilização da flexibilidade necessária com o princípio de
caráter tutelar pode ser resolvida através da evolução da atividade interpretativa e
da ampliação das categorias jurídicas. De toda a forma, vários fatores têm atuado
em concausa, levando esse ramo especializado do Direito e, por conseqüência, a
maior e menor intervenção estatal para algumas revisões conceituais, entre as
quais se destaca a flexibilização, atingindo de forma peculiar o princípio protetor
em seu conceito clássico, daí o interesse do presente estudo.
Muito se tem discutido acerca dos reflexos dessa teoria flexibilizadora
sobre as normas que regulam as relações de trabalho e, por conseguinte, sobre o
princípio protecionista, em seus vários desdobramentos. Não há dúvidas de que o
abrandamento necessário das normas rígidas que se mostram incompatíveis com
o atual momento histórico do Direito do Trabalho, mediante o denominado
processo de flexibilização das mesmas, incidirá e afetará a essência de proteção
universalmente consagrada.
Devemos estar certos de que o Direito do Trabalho reclama por
reformas profundas, como meio de remoção dos entraves, de modo a propiciar a
sua vocação maior que é a instrumentalidade das formas, sem que se retire,
3 FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO TRABALHISTA BRASILEIRO
3.1 Retrospecto histórico
No período escravagista (1500-1588), raras foram as normas de
proteção ao trabalho livre. A Constituição de 1824 não se preocupou com o tema,
tendo apenas se limitado a abolir as corporações de ofício. A Constituição de
1891, por sua vez, notoriamente influenciada pelos Estados Unidos, trouxe
poucas inovações nesse campo, sendo a principal o reconhecimento da liberdade
de associação, que tem sido entendido como o processo inicial para um futuro
reconhecimento do direito à sindicalização.
Com a Revolução de 1930, o direito do trabalho no Brasil teve uma
real expressão, quando várias medidas de proteção foram implementadas a partir
do Decreto 19.842, dentre elas: a organização do Departamento Nacional do
Trabalho; o regulamento de sindicalização; a nacionalização do trabalho na
Marinha Mercante; a regulamentação do horário no comércio e na indústria; a
criação de comissões mistas de conciliação; a regulamentação das condições de
trabalho das mulheres na indústria e no comércio.
A Constituição de 1934, de feição social-democrática, instituiu a
Justiça do Trabalho com o advento do Decreto 1.327, de 02.02.1939, bem como
o salário mínimo, acolhendo o princípio da pluralidade sindical e autonomia dos
sindicatos. A Consolidação das Leis do Trabalho só foi implementada no
ordenamento jurídico com o Decreto-lei 5.452, de 01.05.1943.
A Constituição de 1946 trouxe significativos avanços na esfera
reconhecido, embora sujeito a regulamentação por lei ordinária; o salário noturno
superior ao diurno; o seguro contra acidentes do trabalho não estatal, com
custeio pelo empregador; a assistência aos desempregados; a participação nos
lucros da empresa; a incorporação da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário.
A Constituição de 1967, em contrapartida, em decorrência do golpe
militar, restringiu vários direitos conquistados, como o direito de greve nos
serviços públicos e atividades essenciais; o início da progressiva eliminação da
estabilidade decenal com a implantação simultânea do regime de FGTS, em
caráter opcional.
Sem dúvida, com a Carta Magna de 1988 se teve a intensificação do
reconhecimento dos direitos sociais, atribuindo-se capítulo próprio a eles (art. 6º a
11). Ela trouxe o mais relevante impulso já experimentado na evolução jurídica
brasileira, a um eventual modelo mais democrático de administração dos conflitos
sociais no país.
A Nova Carta teve flagrante intenção de colocar a sociedade
brasileira no caminho da democratização do sistema de gestão trabalhista
vigorante, pois possibilitou a criação de condições favoráveis à mais ampla
participação dos grupos sociais na geração de normas jurídicas a comporem o
universo normativo do país. Aliado a isso, pode-se dizer que a Constituição de
1988 produziu um clarão renovador na cultura jurídica brasileira, permitindo
despontar, no estuário normativo básico do país, a visão coletiva dos problemas,
em anteposição à visão individualista preponderante, oriunda do velho Direito
Ao lado de todos esses aspectos, a Constituição de 1988 emergiu
como a mais significativa Carta de Direitos já escrita na história jurídico-política
do país. Ela firmou largo espectro de direitos individuais, cotejados a uma visão e
normatização que não perdem a relevância do nível social e coletivo em que
grande parte das questões individuais deve ser proposta, ampliando garantias já
existentes na ordem jurídica.
3.2 Normas Flexibilizadoras no Brasil
A herança corporativista do nosso sistema tem encontrado inúmeras
resistências às tendências flexibilizadoras, porém, a Consolidação das Leis do
Trabalho não pode abarcar toda a gama de situações reais de conflitos laborais
no momento atual, mostrando-se em muitos casos obsoleta, em face da
constante mutação das relações de trabalho, influenciadas pelas nuances
socioeconômicas dos últimos tempos, sobretudo em razão do elevado índice de
desemprego.
Dessa forma, o Brasil, há algum tempo, de acordo com as
circunstâncias sócio-econômicas, vem flexibilizando suas normas trabalhistas.
Este processo começou com a Lei n. 4.923/65, que permite a redução geral e
transitória nos salários até 25% (vinte e cinco por cento) – por acordo sindical –
quando a empresa for afetada substancialmente, em situações excepcionais da
conjuntura econômica. Posteriormente, surgiu a Lei n. 5.107, de 13.09.1966, que
criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, concedendo ampla
1988 quebrou o princípio da irredutibilidade do salário, desde que ajustado por
convenção ou acordo coletivo (art. 7º, inciso XIII).
No entanto, é importante destacar que a flexibilização no Brasil só foi
erigida ao patamar de norma constitucional a partir da Carta Magna de 1988. Com
o advento da Constituição Federal de 1988, o FGTS generalizou-se para todos os
empregados regidos pela CLT (art. 7º, III, CF).
A Constituição Federal de 1988, desde sua promulgação, já prevê a
flexibilização do trabalho, no nível do direito coletivo. Como bem nos lembra
Reinaldo Pereira e Silva, ao se referir ao artigo 7º de nossa Carta Magna,
“conjugando o inciso IV, que realmente admite a redução remuneratória, com os
incisos XIII e XIV, que autorizam a flexibilidade da jornada de trabalho, por
intermédio da negociação coletiva, impossível alegar, do ponto de vista dos
direitos sociais tipicamente laboralistas, a existência de rigidez na Constituição
Federal. Ao contrário, em sendo possível a negociação do salário do trabalhador
e do seu tempo de trabalho à disposição do empregador, que são os principais
elementos do contrato de trabalho, qualquer relação de emprego, pelo menos em
tese, pode vir a adaptar-se às necessidades conjunturais das empresas”.21
A Constituição Federal de 1988 prestigiou a Flexibilização do Direito
do Trabalho no seu artigo 7º em três momentos, os quais trataremos,
separadamente, nos tópicos seguintes:
21 SILVA, Reinaldo Pereira e. O Mercado de Trabalho Humano – A globalização econômica, as
VI: “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”;
XIII “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”;
XIV “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”.
Depois do advento da Constituição Federal de 1988, embaladas pela
constitucionalização da flexibilização, foram surgindo novas leis que modificaram
em parte o Direito do Trabalho, como importantes normas flexibilizadoras pós
Constituição.
As tendências de flexibilização das relações do trabalho no Brasil
serão a seguir indicadas, no âmbito da lei, da doutrina e da jurisprudência, através
das quais estão construindo, sedimentando, procurando melhor adequar o Direito
do Trabalho como o ramo do Direito sintonizado com as mudanças que vêm
ocorrendo na sociedade brasileira.
3.2.1 Artigo 7º, inciso VI, CF/88 – Redução Salarial
A Constituição Federal de 1988 assim preceitua:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.
A primeira linha de proteção ao valor do salário manifesta-se pela
incorporação, pelo Direito do Trabalho, do princípio geral da inalterabilidade dos
contratos (pacta sunt servanda), oriundo do tronco civilista básico.
Contudo, a irredutibilidade sempre foi inferida não só do princípio
geral pacta sunt servanda, como também do critério normativo vedatório de
alterações prejudiciais ao empregado, insculpido no art. 468 da CLT:
Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
A Carta de 1988, finalmente, incorporou, de modo expresso, o
princípio da irredutibilidade, atenuando-o, com uma ressalva: “salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo”. A irredutibilidade salarial, no entanto, não é um
princípio absoluto.
O contrato de trabalho é um ajuste que produz efeitos continuados, ao
longo do tempo, estando sujeito, pois, a inúmeras variáveis e situações
episódicas que podem afetá-lo. Há muitas hipóteses em que o empregador,
afetado em seu empreendimento pelas mudanças e intempéries da economia, se
vê forçado a dispensar empregados, pois não consegue mais fazer frente à folha
de pagamento.
Ciente dessas peculiaridades, o legislador optou por uma
flexibilização salarial sob tutela sindical. A irredutibilidade salarial é a regra, mas,
desde que haja intervenção dos representantes dos empregados, admite-se até
uma redução no seu valor, que é chamada redução nominal (art. 468, CLT,
O art. 7º, VI, segunda parte, CF/88 é exceção à irredutibilidade do
salário, que poderia ocorrer por um período temporário devido a uma crise
econômica.
Assim, a redução do Salário Mínimo só seria possível em épocas de
crises econômicas agudas, como a Terça-feira Negra (crise que afetou toda a
economia dos Estados Unidos em 1929, por causa da quebra na Bolsa de
Valores), verbi gratia (por exemplo).
Embora este poder redutor autorizado pela Constituição não seja,
evidentemente, ilimitado, nem deva ser exercido contrariamente aos fins sociais
do Direito do Trabalho, sua presença denota a força conferida pela Carta Magna à
negociação coletiva trabalhista.
Acredita-se que, com a intervenção dos sindicatos, a hipossuficiência
típica dos trabalhadores estará minimizada, de modo que, provando ao sindicato
a necessidade da flexibilização, com a concordância deste, se celebra acordo ou
convenção coletiva, que poderão prever diminuição no nível salarial, com a
adoção de outras garantias que melhor atendam aos interesses da categoria,
como, por exemplo, a manutenção do emprego.
Aferindo entre perder o emprego, ou continuar nele com o salário
reduzido, que seja este sacrificado, sem abusos, entretanto, por parte do
3.2.2 Artigo 7º, inciso XIII, CF/88 – Compensação de horários e redução de jornada
O regime em exame traduz mecanismo flexibilizatório importante
ressalvado pela Constituição no conjunto de suas regras concernentes à duração
do trabalho:
Art. 7º (...)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
A fixação da jornada de trabalho é medida de caráter protetivo,
inspirada em motivos sociais e biológicos.
Entende-se por Jornada Parcial (art. 7º, XIII, C.F/1988) aquela cuja
duração não exceda a 25 horas semanais. O salário deve ser proporcional à
redução da jornada, tendo como base os trabalhadores que realizam as mesmas
funções em período integral (art. 58-A, CLT).
A regra é a Jornada durar oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais. Esta Jornada Parcial é a exceção, tanto que a Lei Magna só a autoriza
“mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (art. 7º, XIII).
Com relação aos direitos dos trabalhadores, a Flexibilização pode ser
por Acordo de Prorrogação de Horas, ou por Sistema de Compensação de Horas.
ser considerado uma Flexibilização in pejus, o segundo, por ser benéfico ao
trabalhador, Flexibilização in mellius.
Acordo de Prorrogação de Horas (art. 59, CLT) pode ser realizado,
diretamente, entre empregado e empregador, ou por meio de Acordo ou
Convenção Coletiva de Trabalho.
Como o próprio nome já diz, prorrogar-se-á as horas diárias - além
das já trabalhadas - em, no máximo, 2 (duas) por dia, sendo devido Horas Extras
com adicional mínimo de 50%. Além disto, a forma deve ser escrita.
Vale lembrar que o Acordo de Prorrogação de horas, não pode ser
feito com qualquer empregado. Destarte, não estão sob sua égide o trabalhador
menor (art. 413, CLT), os bancários - sendo permitida a prorrogação só em casos
esporádicos – (art. 225, CLT) e os cabineiros de elevador, Lei 3.270/57.
No Sistema de Compensação (art. 59, § 2º, CLT), o empregador não
paga a Hora Extra para o empregado, mas este é agraciado com folga futura. Só
será válido se for através de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho. Deve
ser pactuado de forma escrita (Enunciado 85 TST).
Nesse Sistema, poderão ser acumuladas 2 (duas) horas por dia,
durante um período máximo de 12 meses (ou 1 ano). Difere do Acordo de
Prorrogação de Horas, por não possuir restrição com relação ao tipo de
empregado22.
22 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 29 ed. São Paulo: LTr, 2003,
3.2.3 Artigo 7º, inciso XIV, CF/88 – Turnos ininterruptos de revezamento
O art. 7º, inciso XIV, da Constituição, trata dos Turnos Ininterruptos de
Revezamento:
Art. 7º (...)
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
A palavra Turno significa “turma de trabalho” e Ininterrupto, “contínuo,
habitual, seguido”23. Destarte, Turno Ininterrupto de Revezamento seria o modo
de organização da atividade empresarial, na qual as turmas, ou grupos, de
trabalhadores se sucedem, de forma contínua, habitual, permitindo o
funcionamento ininterrupto da empresa.
A Carta Magna, ao instituir esta figura jurídica, enfatiza o trabalho e a
figura do trabalhador, construindo-se o direito à jornada especial em face do maior
desgaste a que se submete o obreiro posicionado nessa sistemática de
organização laboral.
Para que se caracterizem os Turnos Ininterruptos de Revezamento, é
necessário que a empresa funcione 24 horas seguidas. O intervalo de quinze
minutos dentro desta jornada, não a descaracteriza (Enunciado 360 TST), muito
menos o Repouso Semanal Remunerado: período de 24 horas, onde o
empregado deixa de prestar serviços ao empregador, uma vez por semana, e
continua percebendo remuneração.
Quando o empregado trabalha para uma mesma empresa, a Jornada
de Trabalho, por Turnos Ininterruptos de Revezamento, será, em regra, de 6
(seis) horas. Porém, é permitido o prolongamento da mesma, conforme preceitua
a nossa Constituição. Isto pode ocorrer por meio do Acordo ou Convenção
Coletiva de Trabalho, aumentando as horas diárias de 6 (seis), para 8 (oito), no
máximo, e “sem qualquer pagamento de horas extras”.
Cabe ressaltar que a regra constitucional admite flexibilização
mediante negociação coletiva, conforme a Orientação Jurisprudencial nº 169 do
SDI do TST:
“Quando há na empresa o sistema de turno ininterrupto de revezamento, é válida a fixação de jornada superior a seis horas mediante a negociação coletiva.”
3.3 O papel dos sindicatos e da negociação coletiva diante da flexibilização
A Constituição de 1988 inova, de modo muito destacado, perante
todas as Cartas anteriores ao estatuir que todo o poder emana do povo, que o
exercerá por meio de seus representantes eleitos ou diretamente. Ora, à medida
que se sabe que a norma jurídica é a consumação de um processo político
bem-sucedido, pode-se concluir que pretendeu também a Constituição valorizar formas
autônomas de exercício do poder, não apenas através de instrumentos políticos
clássicos, como ainda mediante mecanismos de produção autônoma do Direito.
Mais à frente, a Constituição confirmará esta intenção, ao acentuar a importância