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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Gustavo Portela Barata de Almeida

A inaplicabilidade da Lei de Execução Penal e seus reflexos

nos reclusos e egressos do cárcere em Sorocaba.

DOUTORADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Gustavo Portela Barata de Almeida

A inaplicabilidade da Lei de Execução Penal e seus reflexos nos reclusos e egressos do cárcere em Sorocaba.

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Processual Penal Pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a orientação do Professor Catedrático Hermínio Alberto Marques Porto.

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Primeiro à Deus pela vida.

À minha esposa Roberta e minha filha Nathália que representam a paz e amor da minha vida. Desculpas pelos momentos de ausência durante a elaboração da Tese.

Ao meu Orientador o Professor Hermínio Alberto Marques Porto pelo apoio e auxilio durante a elaboração do presente trabalho e, acima de tudo pela lição de vida e pelos ensinamentos de Processo Penal proferido no desenvolver de suas aulas.

À Professora Marleine Paula por estar sempre presente quando mais preciso.

Ao Professor Daniel Pontes por sua amizade e lealdade de sempre.

À José Eduardo Marcondes Machado, grande amigo e juiz da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Sorocaba pela autorização para realização da pesquisa e sobretudo pelos ensinamentos durante as viagens para a PUC-SP quando juntos, fizemos alguns créditos.

Ao gerente da FUNAP de Sorocaba, Sr. Adão, pelo apoio na realização da pesquisa.

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RESUMO

O presente estudo originou-se com objetivo de se verificar a aplicabilidade ou não das regras contidas na Lei de Execução Penal e os reflexos desta inaplicabilidade - ou aplicabilidade parcial - na vida do recluso e egresso do cárcere. O trabalho foi alicerçado em pesquisa de campo realizado junto ao Juízo das Execuções Criminais de Sorocaba, diretores de presídios locais, reclusos e egressos destes mesmos estabelecimentos prisionais. No primeiro capítulo traçamos a evolução da pena e sua finalidade. Posteriormente no segundo capítulo analisamos as principais regras contidas na LEP acerca da assistência de direitos assegurados aos presos, bem como analisamos as atribuições destinadas aos órgãos da execução. No capitulo terceiro apresentamos a efetiva pesquisa e, por fim no ultimo capitulo traçamos um paralelo entre o estabelecido pela Lei e a realidade vivenciada no cotidiano dos estabelecimentos prisionais. São aqui trazidos à colação diferentes meios de confrontamento e prova donde podemos concluir haver uma diminuição da finalidade e alcance das normas preceituadas na Lei de Execuções Penais, posto a sua não-aplicabilidade por meio dos órgãos governamentais, de modo a ter-se tornado “letra morta” dentro do ordenamento jurídico vigente.

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ABSTRACT

The present research has been originated with the objective of verifying the applicability or not of the rules contained in the Law of Penal Execution and the reflexes of this inapplicability – or partial applicability – in the life of the cloistered and the prison egress. The work was based on field researches done at Sorocaba’s Criminal Execution’s Trial Court and with the local prison directors and the cloistered and egresses of these prisons. In the first chapter we have outlined the evolution of the penalty and its finality. In the second chapter we have analyzed the main rules contained at the LEP (Law of Penal Execution) regarding the assistance of the rights assured to the imprisoned, as well as analyzed the attributions destined to the execution organs. On chapter three we presented the actual research and in the last chapter we have outlined a parallel between what is established by law and the reality experienced in prison quotidian. Different means of confrontation and prove are brought to quote where we can conclude to be a reduction of the finality and reach the norms asserted in the Law of Penal Execution, despite its non applicability by means of the governmental organs in a way to become a “dead letter” inside the current legal injunction.

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RESUMEN

El presente estudio se originó con objetivo de se verificar a aplicabilidad o no de las reglas contenidas en Ley de Ejecución Penal y los reflejos de esta inaplicabilidad - o aplicabilidad parcial - en la vida del recluso y egreso de la cárcel. El trabajo fue fundamentado en una investigación de campo realizado junto al Juicio de las Ejecuciones Criminales de Sorocaba, directores de presidios locales, reclusos y egresos de estos mismos establecimientos de presidiarios. En el primer capítulo trazamos la evolución de la pena y su finalidad. Posteriormente en el segundo capítulo analizamos las principales reglas contenidas en la LEP acerca de la asistencia de derechos asegurados a los presos, bien como analizamos las atribuciones destinadas a los órganos de la ejecución. En el capitulo tercero presentamos a efectiva investigación y, por fin en el ultimo capitulo trazamos un paralelo entre establecido por la Ley y la realidad vivenciada en el cotidiano de los establecimientos de presidiarios. Son aquí traídos à colación diferentes medios de confrontación y prueba donde podemos concluir haber una disminución de la finalidad y alcance de las normas preceptuadas en la Ley de Ejecuciones Penales, puesto a su no-aplicabilidad por medio de los órganos gubernamentales, de modo a tornado “letra muerta” dentro de ordenamiento jurídico vigente.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. A FUNÇÃO DA PENA...14

1.1.1 Escola Clássica...14

1.1. 2 Escola Positivista Naturalista...20

1.1.3 Escola Normativa – Jurídica...24

1.1.4. O Finalismo...28

1.1.5 Pós-Finalismo...31

1.2 Sistemas Penais...37

1.2.1 Pensilvânico ou celular ...37

1.2.2 Auburniano...37

1.2.3 Progressivo ...38

1.3. A Evolução das Sanções Penais ...38

1.3.1 A idade antiga...39

1.3.2 Idade media ...40

1.3.3 As Penas no Direito Brasileiro...41

2. A TEORIA ESTABELECIDA PELA EXECUÇÃO PENAL ...42

2.1.Introdução...42

2.2. Disposição Legal...43

2.3. Histórico da Legislação de Execução Penal...45

2.4. A Lei 7210/84 ...46

2.4.1 Objetivo...47

2.5. A Função das Prisões...49

2.6. Estabelecimentos Penais...50

2.7. Direitos Estabelecidos na Lei de Execução Penal...52

2.7.1 Assistência...53

2.7.2 A Assistência Material...53

2.7.3 Assistência Médica...54

2.7.4 Assistência Jurídica...55

2.7.5 Assistência Educacional...56

2.7,6 Assistência Social...57

2.8. Órgãos de Controle do Sistema Prisional...57

2.8.1 Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária...57

2.8.2 Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária...59

2.8.3 Juízo da Execução...60

2.8.4 Ministério Público...61

2.8.5. Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo...62

2.8.6. Departamento Penitenciário Nacional...63

2.8.7. Patronato...64

2.8.8 Conselho da Comunidade...64

2.9. Comissão Técnica de Classificação...69

2.10. Servidores do Sistema Penitenciário ...65

2.10.1 Diretor ...65

2.10.2 Agente Penitenciário...65

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3.1 Perguntas aos Detentos...70

3.2 Perguntas aos Egresso...100

3.3 Perguntas aos Diretores...112

3.4 Perguntas ao Juiz da Execução...120

4. A INAPLICABILIDADE DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL E SEUS REFLEXOS NOS RECLUSOS E EGRESSOS DO CÁRCERE EM SOROCABA...122

4.1. A realidade...122

4.1.1 Realidade do sistema paulista...123

4.2. A Função das Prisões...126

4.3. Estabelecimentos Penitenciários: características básicas...127

4.4. O fracasso na Progressão das Penas...130

4.5. Assistência...131

4.5.1 Assistência Material...131

4.5.2 Assistência Médica...132

4.5.3 Assistência Jurídica...134

4.5.4 Assistência Educacional...135

4.5.5 Assistência Social...135

4.6. Ausência de Classificação...136

4.7. Abusos...139

4.8. Órgãos de Controle do Sistema Prisional...139

4.8.1. Juízo da Execução...140

4.8.2. Ministério Público...141

4.8.3. Patronato...142

4.8.4. Conselho da Comunidade...142

4.8.5. Comissão Técnica de Classificação...144

4.9. Servidores do Sistema Penitenciário...144

4.9.1. Diretor...144

4.9.2. Agente Penitenciário...146

4.10. Condições de vida e o impacto da superlotação...149

4.11. As Organizações Criminosas...150

4.12. Conseqüências da inaplicabilidade Lei de Execução Penal...154

CONCLUSÃO...161

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...167

ANEXO I– Estatuto do terceiro comando da capital (TCC) ...178

ANEXO II - Estatuto do primeiro comando da capital (PCC) ...181

(11)

INTRODUÇÃO

Vivenciamos hodiernamente a crise da Execução Penal, de um lado os presos do sistema penitenciário que à cada dia se rebelam, seja por melhores condições no cumprimento da pena, seja em represália às atitudes dos agentes penitenciários ou pela luta à implementação dos direitos estabelecidos pela Lei de Execução Penal que é omitido pelo Estado e, de outro lado temos a sociedade que, vítima do alto índice de criminalidade crescente no Brasil, luta por maior segurança, razão pela qual, o Estado, cedendo ao clamor popular e, sem responsabilidade alguma para com os detentos objetivando tão somente solucionar o problema de modo célere e desprovido de maiores comprometimentos com os princípios ínsitos na Lei de Execuções Penais, como solução ao problema determina a continuidade de prisões nos mesmos moldes dos presídios já existentes.

A polêmica assim suscitada em torno desta questão teve seu nascedouro nas críticas dos estudiosos da Execução Penal, no sentido de que, a almejada ressocialização do preso, pelo cárcere, jamais ocorrerá.

Por conseqüência, imprescindível é a realização de um estudo das normas estabelecidas pela Lei de e Execução Penal e a verificação de seu cumprimento chegando assim a conclusões acerca de meios e formas que vise à solução, ou ainda que visem aclarar esta situação que ainda é vivenciada de modo tão dramático nos dias atuais.

Para tentar alcançar tais soluções, necessário se faz que iniciemos nosso estudo com a evolução dogmática da pena, partindo da Escola Clássica até chegarmos ao pós-finalismo. Ainda nesta direção, analisaremos também a evolução da pena no direito brasileiro.

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principais o objetivo da nova lei.

Ainda em análise, serão examinados os principais direitos estabelecidos na Lei de Execução como forma de atingir a ressocialização do preso e por conseqüência seu retorno à sociedade. Estudaremos também os estabelecimentos penais e a que se destinam, bem como, os órgãos de controle da execução penal e os funcionários do sistema penitenciário.

Partindo-se desta premissa, iniciamos uma pesquisa de campo onde foram ouvidos reclusos, egressos, diretores do sistema penitenciário e por fim, o juiz da execução penal que, em seis pontos apresenta, a nosso ver, os principais problemas atinentes à Execução da Pena. No capitulo em comento são entrevistados em média 15% dos detentos dos presídios vinculados à Vara de Execução Criminal de Sorocaba onde, nos termos das normas garantidas na lei de execução se constatará acerca a possibilidade da ressocialização do detento por meio do cárcere. Para tanto, os presos e diretores responderam, em média, trinta perguntas.

Neste momento descortinou-se para nós os principais problemas enfrentados pelos detentos e egressos, bem como, sua vida dentro do sistema penal. Analisamos a questão da super lotação e a individualização preconizada pelos artigos sexto e oitavo da LEP. Contamos por quais unidades prisionais passaram os detentos recolhidos nas unidades prisionais de Sorocaba e, por fim o impacto que a prisão gera na sociedade.

(13)

Oportunamente analisaremos a efetiva participação dos órgãos da execução penal no processo de execução da pena.

(14)

1. A FUNÇÃO DA PENA

1.1.1. Escola Clássica

A escola clássica teve como seus maiores percussores Carrara e

Beccaria1, e originou-se da filosofia grega antiga, do jusnaturalismo e do contratualismo, tendo em sua característica elementar o racionalismo iluminista antropocêntrico. Na realidade, não se tratou de um movimento organizado - a denominação “Clássica” foi dada posteriormente pelos positivistas naturalistas - mas foi a primeira tentativa de sistematização do direito penal.

Por conta destas características, o crime foi definido por Carrara2 como um ente jurídico, uma contradição entre o fato humano e a lei, cometido racionalmente, dentro do pressuposto do livre arbítrio humano – dentro do pensamento iluminista, que encarava o homem como um ser livre e dotado de inteligência, a liberdade de praticar o bem ou o mal funcionava como um axioma fundamental.

Além disso, o delito era simplesmente uma modificação externa da natureza, produzida por uma ação antijurídica e culpável, sendo o dolo e a culpa componentes desta culpabilidade. Não havia qualquer necessidade de comprovação da intenção do agente, o resultado era suficiente para a determinação do dolo, a vontade humana de modificar a natureza. Assim, por exemplo, quando uma pessoa subtrai algo pertencente a outra, não há espaço para nenhuma discussão: trata-se de crime de furto, já que, pela lógica iluminista, é evidente que o agente optou - dentro de seu livre arbítrio – por desrespeitar a norma, caso contrário não teria subtraído. Tudo era analisado a partir da relação de causa e efeito: se houve uma conduta humana, traduzida em um movimento muscular, que produziu um resultado típico, houve o cometimento de um crime.

1 CARRARA Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal – Parte Geral

. Vol. I. Campinas: LZN,

2002 e BECCARIA Cesare. Dos delitos e das penas. 2ª edição. São Paulo: RT, 1997.

2

(15)

Essa conceituação, muito embora bem simples e de fácil aplicação prática, não é a mais adequada. Isso porque desrespeita senso comum, desprezando totalmente a intenção do agente, concentrando toda a atenção no resultado naturalístico, que não obstante a sua importância, certamente não é o único aspecto a ser considerado. Também não podemos nos esquecer que tais princípios são muito mais adequados às ciências exatas do que às humanas, uma vez que obstam qualquer análise mais detida do caso concreto, transformando o juiz em um mero aplicador das leis, trabalho que poderia ser facilmente realizado por um computador3.

No que diz respeito à função da pena, considerando que para esta escola as normas eram tidas como absolutas e eternas tendo, total ingerência sobre as leis positivas e o autor do ilícito sabia haver praticado voluntariamente e conscientemente uma conduta tida como criminosa, parece natural encarar a pena como uma forma de se restabelecer a ordem quebrada na sociedade

Por esta razão, em um primeiro momento, a pena era encarada como meramente retributiva, como maneira de retribuição para o autor do ilícito. tal teoria tinha como principal objetivo restabelecer a ordem jurídica violada, sendo assim, despida de qualquer efeito social4. Portanto, neste sistema, a pena não teria finalidade, além da justa retribuição do mal causado. É por esta razão que esta teoria também recebe a denominação de absoluta, palavra derivada do latim absolutus, que significa desvinculado, ou seja: a pena seria desvinculada do seu efeito social5.

Nos dizeres de Roxin6, estaríamos, segundo este sistema, aplicando a regra de Talião: “olho por olho, dente por dente”. Em outras palavras dever-se-ia, quando da fixação da sanção, estabelecer uma relação entre esta e a gravidade do

3PONTES Daniel Pacheco. Direito Penal, Sanções Penais e Política Criminal na Sociedade

Contemporânea. Tese de doutorado defendida na faculdade de direito da USP em maio de 2007, p. 14.

4 Claus Roxin.

Strafrecht Allgemeiner Teil. 3ª ed., Munique: C. H. Beck, 1997, p. 41.

5

idem, p. 41.

6

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delito, desta maneira, quanto mais grave o ilícito, maior a sanção. Tal entendimento fica mais fácil, se lembrarmos da origem histórica das penas privativas de liberdade, surgidas a partir da punição dos clérigos7, de onde vieram as idéias de retribuição e proporcionalidade da pena ao mal praticado, pois eram essas as características da penitência dos religiosos: quanto maior o pecado praticado, maior deveria ser a penitência, maior o tempo de permanência na cela para expiar os pecados. Por isso que a teoria retributiva também é conhecida na língua alemã como Sühnetheorie8, o que pode significar tanto teoria da reparação quanto da expiação.

Tal teoria foi por demais criticada. Nos dizeres de Pontes, a pena não tem aproveitamento “nem para o apenado, nem para a sociedade, perdendo, conseqüentemente, todo o seu sentido9”, justifica o autor, no dizeres de Bustos

Ramirez10 entendendo que não parece racional nem apropriado à natureza humana que a pena seja apenas um mal, ausente quaisquer outras finalidades. Em outras palavras, não se pode conceber que a pena tenha apenas por finalidade a retribuição sem, em nenhum momento, preocupar-se em trazer o delinqüente de volta à sociedade11. Se optarmos pela mera retribuição, a pena teria com fim apenas fazer justiça e não efetivamente realizá-la12. Roxin13 também concorda com tais críticas acrescentando que o grande inconveniente desta teoria é que ela não só não se preocupa em reinserir o condenado à sociedade, como também não é um modo de se lutar contra a criminalidade, pois a pena seria um fim em si mesma, não há qualquer vinculação desta com a missão do direito penal14.

Tendo todas essas críticas em vista, podemos fazer o seguinte questionamento: Para que punir então? Não parece ser deste modo a pena proveitosa nem para o apenado, nem para a sociedade, perdendo,

7 LUZ, Orandyr Teixeira. Aplicação de Penas Alternativas

. Goiânia: AB, 2000, p. 1.

8 POMTES.

Direito Penal.... p. 15.

9

Idem, p. 15.

10 RAMIREZ, Juan Bustos. Introducción al Derecho Penal

. Bogotá: Editorial Temis, 1986, p. 74.

11 Claus Roxin.

Strafrecht..., cit., p. 44.

12 .BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 99; 13 Claus Roxin.

Strafrecht..., cit., p. 44.

14 Por esta razão, a teoria retributiva também é conhecida como teoria absoluta, uma derivação do termo

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conseqüentemente, todo o seu sentido.

Por conta destas críticas, ainda dentro do pensamento clássico, foi desenvolvida por Feuerbach uma nova teoria que preconiza a advertência, a primeira teoria preventiva. Segundo este pensamento, a pena teria por objetivo advertir a todos de uma sociedade por meio do mal por ela causado. Seu objetivo encontra-se pautado na prevenção geral, preocupando-se com a influência que a pena gera na sociedade, desta maneira a pena imposta ao autor do ilícito teria conseqüência em toda a sociedade. Assim, tal teoria não pode ser considerada uma teoria absoluta, mas sim relativa, uma vez que sua finalidade refere-se à prevenção de delitos e “relativo” é derivado do latim referre, que significa “referir-se a”15. Ao analisarmos essa ideologia, é possível notar o fundamento iluminista, pois é pressuposto fundamental para que ela funcione que o homem tenha liberdade de escolher entre o bem e o mal, para que a punição de outrem sirva de estímulo para que ele escolha o bem.

Tais idéias exerceram bastante influência durante muito tempo, pois parece fazer sentido do ponto de vista psicológico. O próprio Freud16 entende que, quando o indivíduo consegue satisfazer um desejo reprimido - que aqui seria a prática delitiva - deve ser privado do fruto do seu atrevimento, uma vez que possivelmente tal desejo é sentido por outros membros da sociedade, de modo que a punição manteria a tentação apaziguada.

Além disso, há um certo fundamento prático, facilmente observável no trânsito17: quando há fiscalização e punição, os motoristas tendem a respeitar mais as normas. Assim, por exemplo, caso haja uma norma que prescreva a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança e ocorra uma forte fiscalização nesse sentido, a tendência é que todos passem a utilizá-lo, como realmente aconteceu na cidade de São Paulo a partir de 1995.

15 ROXIN Claus. Strafrecht

..., cit., p. 47.

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No entanto, não podemos ser seduzidos por essa idéia. Primeiro porque tal teoria, assim como a retributiva, por conta de ter sido influenciada pelo iluminismo, olvida uma questão essencial, a do livre arbítrio. Segundo tal pensamento este estaria presente em todos aqueles convivem em uma sociedade o que sabemos não acontecer pois, nesta verificamos a presença de doentes mentais e criança que, como é sabido, não o possuem18. Além disso, se analisarmos a questão de uma maneira mais ampla, notaremos que mesmo as pessoas absolutamente normais do ponto de vista psíquico, nem sempre tem o livre arbítrio na acepção clássica. Muitas vezes, fatores solicitantes muito poderosos acabam fazendo com que uma pessoa até então sem qualquer envolvimento com o crime pratique alguma conduta delitiva19.

Outra questão, também objeto de critica desta teoria, é que ela vê no direito penal uma maneira de controle da criminalidade. O direito penal funcionaria como forma de controle da sociedade o que, certamente não ocorre, mormente porque esta deve ser utilizado em ultima razão e não, em momento algum como regra sustentáculo de uma sociedade20. Há meios muito mais eficazes e adequados do que o direito penal para o controle da criminalidade, como, por exemplo, os sugeridos pela Criminologia21.

Além disso, a impressão de que o direito penal serviria como meio muito eficaz para o controle da criminalidade não é verdadeira. Na realidade, um direito penal mais contundente, com penas mais altas e rigorosas não é mais eficaz para o controle da criminalidade, pois o pressuposto fundamental de tal função preventiva é a fiscalização eficaz e não o rigor da punição. Em outras palavras: mais importante do que a duração da pena é a certeza da punição. Desta maneira, o pensamento preventivo geral pode fundamentar um aumento da contundência do

18 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Pena... p. 16. 19 MARANHÃO, Odon Ramos. Psicologia do crime

. 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 19, p. 28 e seguintes.

20 NAUCKE Wolfgang e outros. Principales Problemas de la prevención general

. Buenos Aires: B de f,

2004.

21 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia

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direito penal - ou até mesmo um certo terror estatal22 – que dificilmente se traduzirá em um efetivo decréscimo da criminalidade, como, por sinal, vem ocorrendo atualmente com o direito penal brasileiro. Também vale lembrar que não parece ser condizente com a realidade que as pessoas que praticam crimes realizem um cálculo tão preciso a ponto de fundamentar esta idéia da intimidação.

Apesar de todas essas críticas, vale lembrar que a escola clássica também trouxe contribuições ao estudo da pena, uma vez que fundamenta a proporcionalidade entre a gravidade do delito cometido e a pena aplicada – pressuposto fundamental tanto da teoria retributiva quanto da teoria da prevenção geral. Tal proporção é importante não apenas por constituir uma medida de justiça, mas também pela sua importância prática: em sistemas jurídicos anteriores, não havia tal proporcionalidade, muitas vezes, a única pena prevista era a de morte23, o que trazia uma grave conseqüência prática: os criminosos tornavam-se ainda mais violentos, simplesmente porque não tinham nada a perder, uma vez que sabiam que, se fossem pegos, seriam mortos. Assim, neste contexto, é mais vantajoso para o estuprador matar a sua vítima do que deixá-la viva, pois a sua morte dificultará a dilação probatória e a pena do agente, em caso de condenação, será sempre a de morte, independentemente da quantidade de delitos cometidos24.

Além desta contribuição específica à teoria da pena, a escola clássica também auxiliou na construção da atual teoria do delito, pois pela primeira vez sistematizou do direito penal, o que não existia até então. Não nos esqueçamos de que foi neste contexto que, pela primeira vez, o fato delituoso foi dividido em partes (ação antijurídica e culpável), técnica que é utilizada até hoje, apesar de a divisão não ser exatamente a mesma.

Também foi esta escola que ajudou a construir o conceito de

22 ROXIN, Claus.

Strafrecht..., cit., p. 53.

23 SHECAIRA, Sérgio Salomão e Alceu Corrêa Júnior. Teoria da Pena: finalidades direito positivo,

jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: RT, 2002, p. 23 e seguintes.

24 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal

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imputabilidade que utilizamos atualmente, pois ao definir o homem como livre para escolher entre o bem e o mal, em outras palavras está definindo o que hoje chamamos de imputável25, a pessoa que tem consciência da ilicitude, e tem condições de se comportar de acordo com esse entendimento. Evidentemente, é necessário lembrar que esta teoria partia do falso axioma de que todos são imputáveis.

1.1.2 Escola Positivista Naturalista

Teoria baseada fundamentalmente no empirismo do final do século XIX26, sustentando ser método experimental o único modo de se adquirir conhecimento27. Von Lizst definiu como o direito pode servir-se do empirismo, dizendo que várias ciências podem influenciar o direito penal, e que a realidade pode ser verificada e mensurada de modo empírico, de sorte determinar o delito naturalisticamente, do geral para o particular28.

Em um primeiro momento, tal teoria teve um forte viés antropológico, fase em que teve como seu maior expoente César Lombroso29, que baseou todo o seu pensamento em pesquisas empíricas realizadas junto a criminosos, das quais observou que o homem delinqüente sempre teria certas características físicas (assimetria craniana, barba rala, cabelos abundantes...), o que o levou a concluir que é a natureza que determina se uma pessoa vai tornar-se um delinqüente ou não.

É interessante notar que a teoria de Lombroso refuta o axioma básico do pensamento clássico, pois nega a liberdade do homem, entende que ele é determinado por forças inatas e que o crime seria um determinismo biológico, e não um ente jurídico. É justamente neste ponto que reside uma das maiores contribuições de Lombroso, uma vez que, ao negar a liberdade de escolha do

25 Tal conceito vem expresso, a contrário senso, no código penal em seu artigo 26. 26 LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal

. tomo II 4ª Ed. Madrid: Réus, 1999, p. 5 e seguintes.

27 RAMIREZ, Juan Bustos. Introducción al Derecho Penal

. Bogotá: Editorial Temis, 1986, p. 135.

28 LISZT, Franz Von. Tratado, p. 5 e seguintes. 29 LOMBROSO, César. O homem delinqüente

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homem entre o bem e o mal, abriu a discussão acerca da validade da tese, até então absoluta, do total livre arbítrio, fazendo surgir o conceito de periculosidade, a admissão da existência de indivíduos que são perigosos, por não conseguirem controlar seus instintos.

Ainda hoje, há estudos30 sobre o papel da genética na determinação do comportamento criminoso. Todavia, é fundamental lembrar que tais estudos não podem ser encarados sob a perspectiva de Lombroso, uma vez que não há como falarmos em uma predisposição genética para o cometimento de crimes, simplesmente porque o crime é uma construção lingüística: o que é considerado crime em um determinado grupo social pode não ser considerado em outro, além de que as leis penais são criadas e revogadas diariamente. Nesse sentido, a teoria criminológica do labelling approach31 defende que nenhuma conduta teria uma essência criminosa, o sistema apenas escolheria quais comportamentos receberiam o rótulo de “crime”. Por essas razões, é mais correto afirmar que tais estudos referem-se a como a genética poderia influenciar os comportamentos humanos, referem-sem entrar no mérito destes serem ou não definidos como crime.

Como o determinismo puramente biológico mostrou-se insatisfatório, foi natural o desenvolvimento de outras teorias. Nesta fase, Enrico Ferri32 desenvolveu outros estudos empíricos, e concluiu que Lombroso não estava errado, apenas incompleto, pois não o indivíduo não se tornaria criminoso apenas por fatores biológicos, haveria outros fatores determinantes, como o meio social em que ele vive. O livre arbítrio - assim como foi feito por Lombroso - foi negado, mas de forma diferente: o homem era visto como um ser irresponsável, influenciável, não só pela natureza, mas também pela sociedade.

30 SOUZA, Paulo Vinicius Sporle de. A Criminalidade Genética

. São Paulo: RT, 2003.

31 Conferir para uma visão mais voltada para o direito penal: HASSEMER Winfried. Fundamentos Del

Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1984, p. 81. Para uma visão mais próxima da criminologia: Sérgio

SHECAIRA Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004, e MOLINA, Antonio García-Pablos de e

GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. São Paulo: RT, 2000, p. 307, 319 e seguintes.

32 FERRI, Enrico. Princípio de Direito Criminal

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Seguindo essa linha, Ferri33 classificou os criminosos em natos, loucos, ocasionais, habituais e passionais. Isto foi feito através de sua “lei da saturação criminal”, uma teoria quase matemática, que afirmava que, em dadas condições sociais, sempre ocorre um número determinado de crimes.

Tudo isso repercutiu na questão da finalidade da pena, pois, além de todas as críticas que já haviam sido feitas à teoria retributiva, surgiu um outro ponto: de que adianta apenar um indivíduo que não tem livre arbítrio, capacidade de escolher entre o bem e o mal? Foi por isso que Von Liszt34 desenvolveu a idéia originária da Grécia antiga35 de que a pena teria uma outra função: a de prevenção especial. Isso ocorreu, em primeiro lugar, a partir da negação da teoria retributiva, por entender que é um equívoco qualificar o homem como livre por natureza, o que seria falso, uma vez que ele seria determinado por fatores biológicos e sociais, sendo, portanto, ilógico retribuir o mal. Além disso, também é refutada a teoria da

prevenção geral, porque foi entendido que impor o medo é totalmente ineficaz para o delinqüente que tem a sua conduta criminosa determinada por fatores biológicos e sociais.

Deste modo, segundo esta teoria e, contrariamente às anteriores, a pena teria uma prevenção especial, qual seja, a reabilitação do criminoso, pois, o que se pretende não é pura e simplesmente a punição ao autor do fato criminoso e sim a defesa da sociedade36, de maneira que o melhor seriam medidas, e não penas, pois o objetivo não é um castigo para culpa moral, e sim a defesa social frente a delinqüentes, através da reabilitação.

Do ponto de vista teórico, tal teoria executa muito bem a missão do direito penal, já que ajuda o agente, de modo não expulsá-lo ou marcá-lo, visando integrá-lo à sociedade. Todavia, na prática, pelo menos até o momento, não obteve

33 FERRI, Enrico. Princípio...

, p. 243 e seguintes.

34 LISZT, Franz von. Tratado

..., cit.,. p. 10.

35 ROXIN, Claus. Strafrecht

..., cit.,p. 45.

36 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal

(23)

qualquer êxito. É importante observar que esse fracasso prático não guarda qualquer relação com as dificuldades econômicas brasileiras, já que isso ocorreu no mundo inteiro, inclusive em paises abastados, como é o caso da Alemanha37.

Além disso, tal teoria foi por demais criticada porque equipara a pena à medida de segurança, uma vez que atribuía a mesma função para as duas, e deixou sem resposta algumas indagações, como: o que fazer nos casos em que é impossível a ressocialização? Como ressocializar uma pessoa paradoxalmente afastando-a da sociedade38? Zaffaroni39 coloca muito bem essa questão afirmando que querer ensinar alguém a viver em sociedade segregando-o desta é o mesmo que querer ensinar alguém a jogar futebol dentro de um elevador.

Também são possíveis críticas do ponto de vista ético, pois tratar o indivíduo do modo proposto seria coisificá-lo, fazê-lo perder a sua dignidade, que por sinal é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, pois, de onde vem o direito de reeducar que é imposto por essa teoria? Na realidade, seria mais adequado entender que o estado teria o dever de oferecer ao condenado todas as condições para que este possa se tratar, mas nunca que haveria um direito de imposição de qualquer tratamento, uma vez que isso iria de encontro com os fundamentos do Estado Democrático de Direito40.

De qualquer forma, vale lembrar que tal escola trouxe várias contribuições, que vão além da prevenção especial, como: o nascimento da Criminologia, a individualização das penas – ambas fundamentais para o direito penal e principalmente para a execução penal - e a admissão de um sistema jurídico penal que pode ser auxiliado por outros ramos do conhecimento, apesar de ainda não podermos falar em um sistema aberto na acepção atual.

37 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal

...., p. 22.

38 ROXIN, Claus. Problemas atuais da política criminal

in Revista Ibero-Americana de Ciências Penais.

Porto Alegre, ano 2, número 4, p. 13.

39 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La filosofia Del sistema penitenciário em el mundo contemporáneo.

in Cuadernos de la Cárcel, edição especial de No hay Derecho. Buenos Aires, 1991, p. 65.

40 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal

(24)

1.1.3 Escola Normativa – Jurídica

Contrariamente às regras do empirirsmo esta teoria defende a não utilização das demais ciências pelo direito penal41, que deveria ser uma ciência “pura”42, não podendo servir-se destes métodos, reconhecidamente profícuos no ramo das ciências exatas, porque, além de ser uma ciência cultural, o “dever-ser” não derivaria do “ser”. Os principais representantes desta corrente foram: Gustav

Radbruch,Max Ernest Mayer e Edmund Mezger43.

Ao tentar separar a ciência jurídica das demais, também houve o entendimento de que o direito penal seria um sistema fechado, isto é: não seria possível a utilização de outras ciências para auxiliar na sua interpretação e aplicação44. Isso acabou sendo muito prejudicial à ciência penal, uma vez que a tendência atual e no sentido da interdisciplinaridade, o que não seria possível dentro desta visão exageradamente positivista.

Para que a solução prévia de caráter geral dada pela lei se aproximasse da realidade, seria utilizada a jurisprudência. Entretanto, tal idéia carece de eficácia prática, pois a jurisprudência é incapaz de criar uma fórmula geral eficaz em todos os casos concretos. Pontes45 dá um exemplo utilizando a revogada lei 6.368/76, mas ainda cabível se utilizarmos a legislação atual: suponhamos que a jurisprudência entenda que a pessoa que portar até dez gramas de cocaína seja um usuário e não um traficante, estando, portanto, sujeito às penas previstas para as hipóteses de porte

41RAMIREZ, Juan Bustos. Introducción al Derecho Penal

. Bogotá: Temis, 1986, p. 162.

42 CAMARGO, Antonio Luís Chaves Camargo. Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro

. São

Paulo: Cultural Paulista, 2001,p. 123.

43 RADBRUCH Gustav. Introducción a la filisofia del derecho

. México: Fondo de Cultura Econômica,

1955, p. 120 e seguintes; RAMIREZJuan Bustos. Introducción..., p. 162 e CAMARGO, Antonio Luís.. Imputação Objetiva ...., p. 26.

44 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação

..., cit., p. 123. Talvez um dos maiores defensores do

sistema fechado seja Hans Kelsen, para quem o Direito seria uma ciência “pura”, de modo que a validade das normas deveria ser analisada apenas sob a óptica dos fundamentos jurídicos, isto é: se a norma fosse produzida de acordo com a norma fundamental, ela valeria, independentemente do seu conteúdo. Em outras

palavras: o Direito deveria ser analisado independentemente de qualquer aspecto valorativo. Conferir: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 5ª Ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1996.

45 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal

(25)

de drogas, e que quem portar quantidade maior do que esta ficaria sujeito às penas previstas para o crime de tráfico. Na prática, o que impede que um usuário carregue doze gramas no caso concreto? Ou, o que impediria um traficante de portar apenas nove gramas de cada vez? Podemos até concordar que normalmente o usuário não carrega mais do que dez gramas e o traficante uma quantidade maior, mas nada impede que ocorra o contrário, e nesses casos a solução jurisprudencial mostra-se totalmente falha.

Pontes46 também lembra que a forma de interpretação sugerida pelos positivistas defensores do sistema fechado reduz o trabalho do aplicado do direito a uma tarefa que poderia ser realizada por um computador, pois, ao simplesmente ignorar a existência de outros ramos do conhecimento capazes de auxiliar na aplicação do direito penal, a aplicação da norma jurídica ao caso concreto passa a ser nada mais do que um mero exercício matemático de lógica formal.

Aliás, dentro do contexto atual, em que muito se discute a questão do controle da criminalidade, é oportuno lembrar o pensamento de Carlos Alberto de

Salles, que ressalta que a presença de tipos penais fechados é um dos fatores que deixam o direito penal brasileiro ineficaz diante da realidade criminal47.

Essa era uma teoria causalista, uma vez que definia a ação como uma causa voluntária ou impeditiva que modifica o mundo, tendo conteúdo valorativo. Em outras palavras, deve ser analisado o que causou o resultado para concluir qual é o delito cuja prática deve ser imputada ao agente: o injusto foi tido como um encadeamento causal externo48. Se seguirmos esse raciocínio, por exemplo, se uma pessoa recolhe para si uma caneta de outrem, facilmente concluiríamos que tal indivíduo cometeu o delito de furto, sem preocupar-se com a razão que fez com que a pessoa recolhesse tal caneta - ela poderia estar agindo em erro, por exemplo - pois

46

idem , p. 27.

47 SALLES, Carlos Alberto de.

Reforma Penal e Nova Criminalidade in Revista Brasileira de Ciências Criminais, número 12, p. 105.

48 MEZGER, Edmund. Modernas orientaciones de la Dogmática jurídico-penal

. Valencia: Tirant lo

(26)

a conduta praticada é exatamente a tipificada pelo artigo 155 do Código Penal: “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Não havia preocupação com a finalidade buscada pelo agente, bastava haver a conduta voluntária, o resultado típico e o nexo de causalidade para configurar o delito.

O grande problema que ocorre aqui é referente aos delitos que não apresentam resultado naturalístico: caso apliquemos este entendimento, não haverá como responsabilizar o agente, uma vez que ele pressupõe esse tipo de resultado. Assim, seguindo essa linha de raciocínio, teríamos sérios problemas para responsabilizar o agente que comete o crime de desacato, por exemplo, uma vez que neste inexiste resultado naturalístico, havendo apenas resultado jurídico49.

No tocante à teoria do delito, a tipicidade era tida como possuidora de uma linguagem própria, fazendo, no que interessar ao direito penal, a valoração da realidade, através dos valores constitucionais contidos no tipo e a antijuridicidade como um comportamento socialmente danoso. Já a culpabilidade, por sua vez, continuou tendo o dolo e a culpa como partes integrantes, e era tida como sendo o conjunto dos elementos subjetivos (anímicos). No entanto, houve um desenvolvimento muito importante: esta passou a ser encarada como reprovabilidade, surgindo assim a possibilidade da inexigibilidade de conduta diversa para excluí-la. Entretanto, é importante notar que, ao analisar a culpabilidade, os positivistas serviam-se do conceito de homem médio, o que é muito vago, e pode dar margem a arbitrariedades50.

Já que no que diz respeito à função da pena, a escola normativa – juridica valeu-se de uma síntese das escolas anteriores51. A primeira teoria desenvolvida a esse respeito pretendia unir os pensamentos da teoria retributiva com os da prevenção especial, propondo a retribuição do mal e a medida de segurança para o

49 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal

....,, p. 24.

50 Sobre a idéia de

homem médio, conferir:CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação..., cit., p. 28.

51 Conferir sobre estas teorias: RAMIREZ, Juan Bustos. Introducción al Derecho Penal

. Bogotá: Editorial

(27)

tratamento. Foi uma teoria que causou grande reflexo nas legislações, uma vez que atualmente quase todos os códigos trazem, além das penas, as medidas de segurança52. Contudo, há uma enorme contradição na base desta teoria, pois é muito difícil conciliar estas duas idéias. Como seria possível tratar e castigar ao mesmo tempo? A antiga parte geral do código penal pátrio, ao instituir o sistema duplo-binário53, tentou conciliar essas idéias, prevendo que, em alguns casos, o agente deveria cumprir pena, depois de ser submetido à medida de segurança. Justamente por causa das críticas aqui apresentadas, essa regulamentação foi revogada em 1984 pela nova parte geral com a instituição do sistema vicariante, que prevê a aplicação de pena ou de medida de segurança, nunca das duas simultaneamente.

Por conta de tal contradição, foi desenvolvida por Merkel a segunda teoria mista, a que pretendia unir os preceitos da teoria retributiva com os da prevenção geral. Assim, entendeu-se que a pena é um mal que tem por objetivo fortalecer os preceitos e as obrigações violados. Apesar de menos contraditória, tal teoria ainda podia ser alvo tanto das críticas feitas à teoria retributiva, quanto das feitas à da prevenção geral.

Por derradeiro trouxe-se a união da prevenção geral com a especial que tendo-se por objetivo a proteção do bem jurídico e a reinserção do delinqüente sem entretanto, fazer qualquer distinção entre medidas de segurança e pena54.

A melhor conclusão a ser tirada de todas estas teorias é a de Roxin, no sentido de que ao unir as teorias, os defeitos de uma não compensam os da outra e sim os multiplicam55, afinal, assim como ocorre em qualquer ciência, um erro nunca compensa o outro, estes são sempre somados.

52 Este também é o caso do nosso código penal, de acordo com os artigos 32 e seguintes e 96 a 99. 53 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal

. vol. 1, tomo II. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958,

p. 192, 438 e 468; e outros manuais editados antes de 1984 quando ocorreu a mudança legislativa.

54PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal

....,.

55 ROXIN, Claus. Sinn und Grenzen staatlicher Strafe

. in Problemas fundamentais de Direito Penal.

(28)

É muito importante lembrar que a parte especial do código penal em vigor foi elaborada sob a égide do positivismo jurídico, adotando o tecnicismo jurídico de Rocco56 como sua base, e a atual parte geral foi elaborada posteriormente, mas ainda, infelizmente, com muitos resquícios do causalismo, como é, por exemplo, o caso da impossibilidade de punição do crime impossível57 .

1.1.4. O Finalismo

Hans Welzel revolucionou o direito penal moderno ao propor a sua teoria finalista da ação. Tal teoria partia de uma premissa muito simples, que na realidade era uma crítica ao positivismo: ele entendia que não seria função do direito penal proibir meros processos causais - como era defendido pelos positivistas - mas sim ações finalisticamente orientadas – de onde vem o nome finalismo - com o objetivo de realizar a proteção subsidiária de bens jurídicos58, que seria, como se entende até hoje, a função primordial do direito penal.

Para Welzel59, toda ação humana corresponde ao exercício de uma atividade final, ou seja: sempre que qualquer pessoa empreende qualquer ação há uma finalidade, uma vez que o homem, com base no seu conhecimento causal – o que afasta a idéia de homem médio defendida pelos positivistas60 - pode prever quais serão aproximadamente as conseqüências dos seus atos. Por essa razão, devem ser deixados de lado os acontecimentos provenientes do mero acaso ou de forças da natureza. Nesse sentido, não seria missão do direito penal proibir as mulheres de terem abortos, uma vez que muitas vezes os mesmos ocorrem de forma espontânea, mas sim apenas impedi-las de provocá-los intencionalmente61. Desta maneira, podemos dizer que para o finalismo, a ação seria humana, voluntária e

56 CAMARGO, Antonio Luís Chaves. Imputação..., cit., p. 117 e seguintes; e ROCCO, Arturo. Cinco

Estudos sobre Derecho Penal. Buenos Aires: B de f, 2003.

57 artigo 17 do Código Penal.

58 WELSEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo: RT, 2001, p. 14; e Hans Welzel.

Derecho Penal Aleman. 4ª Ed. Santiago: Jurídica de Chile, 1997, p. 44.

59

idem, p. 39 e seguintes.

60 PONTES, Daniel Pacheco. Direito Pena, p. 31. 61WELSEL, Hans. O novo

(29)

conscientemente dirigida a um fim.

Assim, diferentemente do causalismo, o finalismo encara o direito penal como uma ciência prática62, com grande valorização do ontologismo. Para Welzel, haveria aspectos do mundo do ser que forçosamente deveriam ser considerados pelos operadores do direito. Por exemplo: não há como punir alguém por um aborto praticado durante o 11º mês de gestação, uma vez que o mundo do ser nos traz que a gravidez humana dura nove meses apenas.

Em harmonia com o conceito finalista de ação, Welzel entendeu que o dolo e a culpa fariam parte da ação, e não mais na culpabilidade, como ocorria até então. Tal deslocamento do dolo o despe de qualquer conteúdo valorativo. Em outras palavras: dentro da doutrina finalista, o dolo é apenas a vontade do agente, sem qualquer juízo de valor. Isso significa que não é tecnicamente correto dizer, por exemplo, que o agente foi movido por “dolo intenso”, uma vez que não cabe dizer se a vontade é intensa ou não, pois este não é o momento indicado para juízos valorativos.

No que diz respeito à antijuridicidade, o finalismo a defendia como sendo um juízo negativo de valor feito pelo ordenamento jurídico63, ou seja, a antijuridicidade seria integrada pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado. Do ponto de vista prático, isso significa que a tipicidade funciona como um indício de antijuridicidade, isto é, se uma ação é típica, provavelmente - ou pelo menos em princípio - também é antijurídica, salvo quando incidir alguma excludente de antijuridicidade.

Muito embora o dolo e a culpa tenham sido retirados da culpabilidade por Welzel, ela não foi esvaziada - na realidade, este elemento do delito vem tendo cada vez mais importância na dogmática jurídico-penal. Não houve uma perda da

62 WELSEL, Hans. Derecho.

.., cit., p. 1.

63 É importante ressaltar que esse juízo negativo é realizado pelo ordenamento e não pela pessoa do juiz.

(30)

importância de tal instituto, uma vez que continuou trazendo consigo a questão da

reprovabilidade64, da reprovação do processo volitivo, significando a possibilidade de responsabilização por ações antijurídicas. Aqui, a culpabilidade era composta pela imputabilidade, pelo potencial conhecimento da ilicitude e pela exigibilidade de conduta diversa, de modo que, poderia ser sucintamente definida como sendo a “reprovação pessoal contra o autor que poderia não ter agido antijuridicamente”65.

No tocante às penas, Welzel66 critica as teorias absolutas, por apenas discutirem o sentido destas, não dando maior importância para a sua realidade, pois, ao simplesmente impor um mal ao condenado, está se dificultando ainda mais a sua ressocialização e regeneração, afinal a sua maldade é aumentada. No entanto, ressalva que a sua grande contribuição foi trazer um princípio para a sua medida, uma vez que graduava a pena de acordo com a gravidade do delito cometido.

É por esta razão que Welzel defende que o máximo e o mínimo de pena aplicáveis sejam determinados com base na gravidade do delito, deixando que a dosimetria entre estes dois limites seja efetuada de acordo com a culpabilidade do agente, pois não fazê-lo, seria eliminar todas as diferenças existentes entre a pena e a medida de segurança.

Além disso, também foi ele que começou a questionar a função da pena, dizendo, por exemplo, que quando não há perigo de reincidência, a pena aplicada deve ser mínima, pois a sua única função será a prevenção geral, afinal não há necessidade de nenhum tratamento ressocializador para o agente67.

A parte geral em vigor de nosso código penal foi elaborada em 1984 já sob a égide do finalismo, tendo adotado o princípio da culpabilidade em toda sua extensão, o que certamente significou um grande avanço68.

64

idem, 1997, p. 160.

65

idem, p. 160.

66 WELSEL, Hans. Derecho

... cit., p. 283 e seguintes.

67

Idem, p. 332.

(31)

1.1.5 Pós-Finalismo

Pós-finalismo é um nome genérico dado a todos os movimentos penais situados cronologicamente depois da teoria finalista da ação. Aqui, analisaremos apenas – e de maneira bastante breve - o funcionalismo alemão. Muito embora todas as teorias funcionalistas tenham alguns elementos em comum, como defenderem a necessidade de superação do positivismo jurídico e de sua dogmática fechada, e todas partirem do finalismo, não é possível generalizá-las, uma vez que vários foram os autores que se destacaram defendendo teorias bastante distintas69. Como nosso objetivo aqui não é o de discutir todas essas teorias, optamos por trazer à colação apenas o posicionamento de Claus Roxin. Roxin embasa sua teoria na política criminal, fazendo uma proposta de adequação da dogmática

penal à realidade70, ressaltando a importância fundamental da política criminal no

momento da aplicação da pena. O ponto de partida de sua crítica é a célebre frase de

Von Liszt: “O direito penal é a barreira intransponível da política criminal”71, que ilustra um pensamento típico do positivismo jurídico, uma vez que defende um sistema totalmente fechado, no qual, apesar de a política criminal ter a sua existência reconhecida, fica sempre irremediavelmente limitada pelo direito penal, que, dentro desta concepção, não pode ser auxiliado por outras ciências.

Desta forma, no sistema proposto por Von Liszt, de um lado ficaria o direito penal como ciência jurídica, utilizando-se apenas de métodos jurídicos, e de outro, a política criminal como ciência social, utilizando-se do empirismo, sem a ocorrência de qualquer interação entre as duas ciências, de forma proteger o delinqüente de quaisquer arbitrariedades. Esta relação de tensão ainda está muito

69

Segundo PONTES Pos-finalismo é conhecido por uma fase de estudiosos do direito penal que se originou após Welsel. Ver também Luigi Ferrajoli. Direito e razão – teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002;

Günther Jakobs. Estudios de Derecho Penal. Madri: Civitas, 1997. .

70 Conferir a respeito dos diversos conceitos de política criminal: D’URSO, Luiz Flávio Borges. Proposta de

uma nova política criminal para o Brasil inRevista do Instituto de pesquisas e estudos. Bauru, edição

especial, p. 281.

71 ROXIN Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico Penal

(32)

viva atualmente, uma vez que tal entendimento é compartilhado por Welzel72 e

Jescheck, que entendem que não fazê-lo, seria deixar o sistema inseguro e subordinado ao sentimento73.

Todavia, Roxin entende que tal concepção estaria ultrapassada, questionando a utilidade de se solucionar um problema de forma juridicamente perfeita, mas errada do ponto de vista da política criminal. Para solucionar esta questão, ele propõe uma síntese: a adoção de um sistema aberto sem abrir mão da proteção ao delinqüente. Neste sentido, o próprio Jescheck74 entende ser mais importante solucionar o problema, e não atender às exigências sistemáticas que em nada contribuem à prática.

Vale lembrar que, dentro do pensamento de Roxin, com o objetivo de garantir a necessária segurança jurídica, a teoria do delito continua sendo de suma importância, uma vez que a sua proposta não pretende criticar a sistematização, mas sim algumas premissas equivocadas que seriam herança do positivismo jurídico.

Na prática, isto significa que o único caminho seria deixar que as decisões valorativas político-criminais sejam introduzidas no sistema, mas sempre com a devida fundamentação legal, clareza e previsibilidade. Isto deixa bem claro que, em momento algum, é defendida a adoção dos métodos do direito alternativo, que constituem, na realidade, uma verdadeira anarquia jurídica, que deixa o réu totalmente dependente do bom senso do juiz, sendo eliminada toda a segurança jurídica. Assim, em suma, a sua proposta é no sentido da construção de uma teoria normativa do delito – refutando o ontologismo exacerbado de Welzel, mas sem adotar o funcionalismo radical de Jakobs – com a participação fundamental da política criminal.

72 WELSEL, Hans, Derecho penal aleman

..., cit., p. 1.

73 JESCHECK Hans Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general.4ª edição. Granada : Comares,

1993, p. 136.

74

(33)

Seguindo este raciocínio,entende que um sistema só pode ser frutífero se tiver ordem e clareza conceitual, for próximo da realidade e tiver fins político criminais. Neste sentido, ele entende ser um importante ponto de partida a concepção da idéia de reprovabilidade no âmbito da culpabilidade pelos causalistas e elogia o finalismo, apesar de ainda entendê-lo insuficiente, uma vez que não conseguiu superar a tensão gerada pelo referido pensamento de Von Liszt.

Por isso, fazuma proposta de reconstrução da teoria do delito, analisando cada uma de suas categorias (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) à luz da política criminal. A tipicidade75, como todos os conceitos básicos do direito penal, possui mais de um significado. Assim, a tipicidade teria não só mais de um significado, como também mais de uma tarefa, dentre elas: a função sistemática a função político-criminal.

Do ponto de vista sistemático, o tipo traz os elementos que permitem a identificação do delito em questão, isto é, a descrição da conduta tipificada, como, por exemplo: “matar alguém”, “subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel”.

Até aqui, não há nenhuma novidade, pois apenas foi reafirmado o princípio da legalidade. Porém, para Roxin, além deste, haveria um significado político-criminal, a sua função garantidora, imprescindível em qualquer Estado Democrático de Direito. Isso ocorre porque nesse tipo de estado existe a finalidade de cumprir o princípio nullum crimen sine lege e este só é atendido quando o direito penal traz a descrição precisa da conduta proibida nos seus tipos. Isso significa que o direito penal deve ser estruturado dogmaticamente a partir deste princípio, atendendo ao requisito da determinação legal76, afinal o que se defende aqui é um sistema normativo

No que diz respeito à antijuridicidade, Roxin parte da mesma idéia

75 ROXIN, Claus.. Strafrecht

..., cit., p. 227.

76 ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico Penal

(34)

defendida por Welzel, entendendo que, em princípio, “uma conduta típica é antijurídica quando uma causa de justificação (ou excludente de ilicitude) não afastar a sua antijuricidade”77. A inovação trazida neste categoria se dá em uma importante diferenciação: haveria duas espécies de antijuridicidade, a formal e a material. Formalmente antijurídica seria a ação que transgride uma proibição ou mandamento legal, enquanto que materialmente antijurídica é a ação que lesiona bens jurídicos de maneira muito nociva à sociedade, a ponto de não poder ser suficientemente combatida por meios extra-penais78.

Dessa maneira, não basta que a ação seja formalmente antijurídica, é necessário verificar se a mesma também é materialmente antijurídica, isso é: deve ser considerada toda a ordem jurídica ao se verificar se uma determinada conduta agride ou não ao ordenamento jurídico, de modo a promover uma solução social dos conflitos, permitindo que a dinâmica das modificações sociais adentre na teoria do delito79.

Na prática, isto significa fazer em cada caso concreto um juízo sobre a licitude e lesividade do comportamento, respeitando a autonomia da personalidade do agente, verificando-se qual bem jurídico é mais valioso.

Como seria de se esperar em um sistema aberto, esta concepção de

antijuridicidade possibilita que uma mesma conduta típica seja antijurídica em uma sociedade e perfeitamente lícita em outra. Mas, isto não significa que haja insegurança jurídica, uma vez que não pode haver a revogação de um princípio legal de regulação através de simples interpretação, ou a extensão da punibilidade apenas por meio da política criminal, trata-se apenas de uma adequação do sistema penal à realidade social.

Por fim, deparamo-nos com a categoria da culpabilidade, na qual Roxin

77 RONIN, Claus. Strafrecht..., cit., p. 501 78

Idem, p. 503

79

(35)

desenvolve boa parte da sua teoria e aprofunda o estudo da problemática da função da pena. Para ele, a culpabilidade é mais do que a simples reprovabilidade. Além disto, seria o dever do aplicador da norma penal questionar nesta fase até que ponto faz se necessária a aplicação da pena dentro dos preceitos das teorias dos fins da pena da prevenção geral e especial, uma análise teleológico-funcional.

É por isso que Roxin afirma que a culpabilidade e a necessidade preventiva de sanção penal seriam pressupostos para a responsabilização criminal80,

de maneira que o conceito finalista de culpabilidade – isto é, a reprovabilidade pessoal do agente – seria necessário, porém insuficiente para a responsabilização criminal, sendo necessário considerar outros aspectos da política criminal.

O fundamento desta teoria está na política criminal, pois, durante a sua elaboração, foi considerado que a condenação criminal traz conseqüências bastante gravosas para o réu – comparadas por Pontes81 às de um tratamento quimioterápico - o que permitiria estender as hipóteses de exclusão da culpabilidade a situações nas quais isso não seria possível sob a óptica finalista, desde que recomendável do ponto de vista político-criminal no caso concreto.

Dessa maneira, podemos dizer que a maior inovação desta teoria é possibilidade de discussões político-criminais antes da aplicação da pena, de modo a não impor sanções a fatos irrelevantes ou aos quais não se recomenda a punição, diferentemente da concepção mais tradicional, que é no sentido de se analisar a política criminal apenas após a condenação.

É importante ressaltar que tais idéias foram concebidas apenas para preencher certas lacunas do sistema jurídico-penal, sendo que nenhuma delas contraria o princípio do nullum crimen, primeiro porque não criam novos delitos, mas apenas viabilizam que réu não seja responsabilizado quando não houver

80 ROXIN, Claus. Strafrecht

..., cit., p. 59.

81 PONTES, Daniel Pacheco.

(36)

necessidade preventiva e, além disso, não impedem nem mesmo a criação de novas excludentes de ilicitude82.

Feitas essas considerações preliminares, fica claro como Roxin valoriza a questão dos fins da pena, razão pela qual também desenvolveu bastante tal estudo. A primeira observação que cabe aqui é referente à necessidade preventiva da pena, já que a mesma seria um dos pressupostos para a responsabilização criminal. Coerente com a sua idéia de necessidade preventiva, o autor entende que o fim da pena seria a prevenção, tanto geral quanto especial, também defendendo que a geral seria uma prevenção integradora positiva, sendo, portanto, o direito penal um fator de integração social83.

Do seu ponto de vista, essa prevenção integradora positiva traria conflitos entre a prevenção geral e especial apenas quando cada uma deles recomendar uma dosimetria diferente da pena. Assim, por exemplo, quando alguém provoca uma lesão corporal seguida de morte durante uma briga, sob a óptica da prevenção geral, a pena adequada poderia ser a de três anos de reclusão, enquanto que do ponto de vista da prevenção especial, seria admitido somente no máximo um ano, uma vez que uma pena mais grave influiria negativamente no autor, o que poderia propiciar até mesmo uma eventual reincidência. Para resolver esse conflito, temos que observar que a prevenção especial tem preferência até certo ponto, desde que a pena não seja reduzida até o ponto em que não seja mais aflitiva e, portanto, não seja levada a sério pela comunidade84.

Isto evidencia o caráter misto da pena dentro da visão de Roxin, colocando mais uma vez em evidência a valorização da política criminal, principalmente pelo reconhecimento da primazia – ainda que dentro de certos limites – da função de prevenção especial85. Cumpre ressaltar que, segundo este

82 ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico Penal

. Rio de Janeiro. Renovar, 2000, p. 81.

83 ROXIN, Claus. Strafrecht

..., cit., p. 58.

84

Idem, p. 44.

85 ROXIN, Claus. Política

(37)

autor, a pena não deve ter caráter retributivo, pois este não se encontra em harmonia com as regras da política criminal, cuja união com o direito penal seria imprescindível86.

1.2. Sistemas Penais

Os sistemas penitenciários tiveram inicio nos Estados Unidos e, certamente forneceram elementos para os sistemas penais na atualidade. Sua evolução ocorreu basicamente com em três fases, quais sejam o pensilvânico, o auburniano e o progressivo.

1.2.1 Pensilvânico ou celular

Em tal sistema, o cumprimento da sanção é realizado efetivamente dentro da cela, permitindo-se, em raríssimas exceções à saída do sentenciado. Segundo tal regra o recolhimento era absoluto não se admitindo, inclusive, a possibilidade de visitas ou trabalho87.

1.2.2 Auburniano

Contrariamente do sistema celular, no sistema auburniano era permitido o trabalho, desde que durante o dia e tendo como marca exclusiva o silencio absoluto (silent sistent) , não se permitia a conversa entre os presos. Neste sistema, o isolamento ocorria no repouso noturno. Característica também patente no sistema auburniano era a disciplina, pois, segundo se preconizava era imprescindível para organização88.

86 ROXIN, Claus. Política

..., cit., p. 82.

(38)

1.2.3 Progressivo

Surgido na Inglaterra no final do século XIX, o sistema progressivo consolidou à pena privativa de liberdade e da necessidade da reabilitação do recluso. Sua característica principal consiste em dividir o tempo da prisão em períodos, levando-se me consideração o comportamento e desempenho do preso e, em conseqüência e de acordo com sua evolução a possibilidade da concessão de benefícios. O sistema progressivo estabelecia três períodos de cumprimento da pena, quais sejam, em um primeiro momento com isolamento absoluto, um segundo momento, a permissão para o trabalho e por fim a possibilidade para o livramento condicional.

O sistema progressivo tinha também, como característica inovadora, a reabilitação do preso para sua reinserção na sociedade além é claro, de perquirir sua boa conduta. Tal sistema diminuía o rigor latente nos sistemas que o antecederam.

A evolução e aperfeiçoamento do sistema progressivo surgiu em vários locais da Europa, que apesar de essencialmente iguais tenderam a uma evolução. Tal evolução teve como referência o sistema de Montesinos que, como um dos aspectos talvez mais interessantes, era a obrigatoriedade da legalidade, não se atribuindo ao preso qualquer sanção que atingisse sua dignidade. Segundo o Coronel Manoel Montesinos e Molina era imprescindível ao preso sua autoconsciência, amealhada por sentimento de confiança e por meios de estímulos. Ele acreditava esperançosamente na correção do detento 89.

1.3. A Evolução das Sanções Penais

Inicialmente instituída de forma privada a pena era tida como meio de vingança, quer como uma reação singular quer coletiva.90.

89BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. São Paulo : Saraiva, 2003. p. 102.

(39)

Posteriormente com o aparecimento do Estado e o desenvolvimento político da comunidade, a pena começa a alcançar proporcionalidade, iniciando-se por meio da Lei de Talião passando por Beccaria e Carrara.

,

1.3.1 A idade antiga

Conhecida como período da vingança privada91, geralmente, a sanção era imposta pela vítima ou seu representante legal. Nesta fase não subsistia qualquer vínculo da sanção com o delito, mormente porque a pena existente para o delito era a de morte.

Outra problemática à época era a desproporcionalidade entre o delito e a pena, pois, tal desproporcionalidade trazia injustiças e fomentava a pratica de outros delitos, como, v. g. a hipótese em que o autor do delito após a pratica de um determinado crime praticava outro no sentido de acorbetá-los92.

Não podemos nos olvidar que, além da pena de caráter eminentemente privado existiam outras como, por exemplo, a perda da paz93, que consistia na proteção ao indivíduo pelo seu grupo, além da chamada vingança de sangue (Blutrache) 94, que consistia na lesão retributiva entre grupos divergentes95. Em síntese, nos dizeres de Pontes, o que se restava ausente era a inexistência do Estado na aplicação da sanção96.

Tal inobservância por parte do Estado trazia abuso de poder, pois, preponderava a valorização do mais forte em prejuízo da justiça, bem como, levava

91 SHECAIRA, Sérgio Salomão; Alceu Corrêa Júnior. Teoria da Pena – Finalidades, direito positivo,

jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: RT, 2002, p. 24.

92 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: RT, 2. Edição, 1997, p. 43. 93 DOTTI, René Ariel. Bases

... cit., p. 31.

94 Para melhor entender ler MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo :

Juarez de Oliveira, 2000. p. 2.

95 PRADO, Luiz Régis Prado.

Curso... cit., p. 52.

96PONTES, Daniel Pacheco. Direito Penal...

Referências

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