• Nenhum resultado encontrado

Repositório Institucional UFC: O mergulho de um ser humano profundo e sensível que vive em regozijo a incompletude da arte

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Repositório Institucional UFC: O mergulho de um ser humano profundo e sensível que vive em regozijo a incompletude da arte"

Copied!
28
0
0

Texto

(1)
(2)
(3)
(4)

n r e v is ta

E n tr e v is ta c o m T ia g o S a n ta n a , d ia 4 d e ju lh o d e 2 0 1 3 .

C a r o lin a -

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Tiago, o seu pai é de Quixeramo-bim e sua mãe é de Fortaleza. Você nasceu no

município do Crato, mas morou muito tempo em Juazeiro do Norte, no Ceará. Como é que foi crescer lá?

T ia g o - Eu nasci no Crato, mas morei mui-to mais em Juazeiro do que no Cramui-to. Porque a escola onde eu estudei foi em Juazeiro, logo depois a gente foi morar mesmo - a casa - em Juazeiro. E ter nascido lá, como eu falei

ante-riormente

edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

p r a vocês naquele dia ( r e f e r in d o à p r é - e n t r e v is t a r e a liz a d a p e la p r o d u ç ã o ) , foi

uma coisa assim ... Um privilégio, de ter con-vivido com aquele universo de Juazeiro, que é um universo muito fantástico, um universo muito mágico, um universo muito ... Muito rico culturalmente. Juazeiro é um lugar que foi fun-dado pelo Padre Cícero há 100 anos atrás. Pa-dre Cícero nasceu no Crato também. E fundou Juazeiro. E para Juazeiro ele atraiu milhares de pessoas que fundaram a cidade. As primeiras famílias que, digamos, fundaram a cidade eram famílias de vários estados. Vieram de Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Bahia ... Juazeiro foi sen-do construísen-do em cima dessa coisa da religião, do Padre Cícero, enfim, do "Padinho", do santo e tal. Ele acabou atraindo gente e muitos arte-sãos, muita gente. Quando juntou um grupo de pessoas interessantes ... Você sabe que, sempre quando você junta pessoas de culturas diferen-tes, lugares diferendiferen-tes, sempre há um caldeirão rico,n é ? E lá virou um lugar muito por isso. Não é à toa que Juazeiro hoje - hoje, não! Há déca-das que é assim - tem os artesanatos mais ricos do Nordeste ... Um dos,n é ? Tem uma infinidade de grupos folclóricos. Tem uma cultura muito forte. E é muito por conta disso, do que o Padre Cícero atraiu para aquele lugar. Aquele lugar sa-grado, aonde as pessoas iam porque era como se fosse uma terra prometida. E é interessante que Juazeiro também tem uma coisa estraté-gica, que está no meio do sertão, mas não é sertão. Não é necessariamente sertão porque tem água, tem a Chapada do Araripe em volta.

É

meio que um oásis ali, naquela região. Tem água, bastante, tem fonte de água.

É

um lugar meio simbólico nesse sentido. E a distância é quase igual de Juazeiro para Recife, de Juazei-ro para Fortaleza. Fica meio que no centJuazei-ro do

Nordeste.

É

um lugar muito interessante! Você imagina uma criança que nasceu nesse lugar, que visualmente é muito rico ... Eu estou falan-do tufalan-do isso sem falar nas romarias, que atra-em para lá milhares de pessoas. A população multiplica por cinco, sei lá, ou mais ... Dez, às vezes, porque é a população que vem atraída todos os anos, várias épocas do ano para as ro-marias.

É

um lugar que é realmente muito parti-cular nesse sentido.

Ter nascido lá me possibilitou entender um pouco esse universo múltiplo e complexo.

( p a u s a ) E me mexeu visualmente. Eu acho que

a riqueza visual do lugar foi uma coisa que teve uma importância muito grande.

É

tanto que eu considero que eu me tornei fotógrafo mui-to por conta disso, por conta de Juazeiro. Foi Juazeiro que me despertou e, posteriormente - obviamente, eu me envolvi realmente nesse universo da imagem -, até para desenvolver um projeto sobre Juazeiro. Eu antes de fazer fotografia em Juazeiro, meu pai - que também é uma referência importante para mim, além da questão política e da engenharia, que ele é en-genheiro - também gostava de fotografia. Fo-tografava a família, obviamente. Ele tinha esses laboratórios improvisados, sabe? Que você faz no banheiro. E também trabalhava com Super 8 ( F o r m a t o c in e m a t o g r á f ic o d e s e n v o lv id o n o s a n o s 1 9 6 0 , la n ç a d o p e la K o d a k e m 1965). Hoje celular filma, n é ? Mas, na época, não tem os VHS, os filmezinhos, essas câmeras? Naquela época era o Super 8. E eu, antes de mergulhar na fotografia, eu fiz o Super 8 bastante, porque meu pai tinha uma ilhazinha de edição. Porque o Super 8 é uma película de oito milímetros.

É

como cinema. Era uma coisa assim: você comprava o filme, era um cartucho e colocava, três minutos ... Eu fiz muito isso. Editava. Agora eram coisas de família. E cheguei a fazer um fil-me mais editado, que foi quando o Miguel Arra-es, que foi uma figura importante do Nordeste, um político, um cara combatido na época da ditadura (1964-1985) e tal, que é do Crato. Foi exilado; morou muitos anos fora do Brasil ( F o i g o v e r n a d o r d e P e r n a m b u c o p o r t r ê s v e z e s ) .

E

quando houve a Anistia (1979), que teve que voltar p r a cá, ele voltou p r o Crato. Então, des-de a hora em que ele aterrissou o avião até a

Depois de entrevistar Lola Aronovich, Carri Costa, Sérvulo Esmeral-do e Maísa Vasconcelos, o grupo escolheu um fo-tógrafo para fechar a 30ª edição da Revista Entre-vista.

(5)

Tiago Santana trabalha como fotógrafo profissio-nal desde 1989. Apesar de ser um dos expoentes da fotografia autoral brasilei-ra, também desenvolveu projetos em outros seg-mentos fotográficos.

Antes de saber que iria produzir a entrevista de Tiago Santana em parceria com Carolina Esmeraldo, Diego encontrou, por aca-so, em um bar de Fortale-za, o livro "Benditos". Des-de então, ficou com a obra

de Tiago na cabeça.

ONMLKJIHGFEDCBA

IJ F

o i J u a z e ir o

q u e

m e d e s p e r to u

e ,

p o s te r io r m e n te ,

o b v ia m e n te ,

e u m e

e n v o lv i

r e a lm e n te

.

n e s s e u n iv e r s o

d a im a g e m

a té

p a r a d e s e n v o lv e r

u m p r o je to

s o b r e

J u a z e ir o "

hora em que ele entrou na casa da mãe dele, eu filmei no Super 8 e montei o filme. Eu já tinha uma experiência. Eu tinha 12, 13 - sei lá - anos

de idade. Era menino,

edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

n é ? Então, esse meu en-volvimento em imagem passou pelo Super 8.

D ie g o - Tiago, em relação ao Tiago quan-do criança mesmo, em relação

às

vivências, às brincadeiras ... Como foi crescer mesmo n u m ambiente de interior, em relação à liberdade que você tinha quando criança?

T ia g o - Quem teve a experiência de nascer ou de passar um tempo no interior sabe como é diferente da cidade. Quer dizer, eu morava, por exemplo, n u m a casa um pouco afastada do centro de Juazeiro, que, na época, era quase um sítio mesmo. Hoje já é um bairro. Mas a mi-nha infância foi toda na rua, com os vizinhos. Porque não eram sítios, eram casas, quase sí-tios, pequenos sítios. E a gente se encontrava, ia jogar futebol, tomar banho de chuva.

É

aque-la experiência que eu acho que é meio comum de quem nasce no interior, que tem essa expe-riência mais ... Esse contato com a coisa rural, também um pouco. Claro que tinha a cidade. Claro que eu tinha uma ligação com a minha avó, que morava aqui e eu vinha todas as fé-rias para Fortaleza. Eu tinha essa ligação com Fortaleza. Não era totalmente isolado. A gente vinha sempre, passava as férias aqui. Mas o dia a dia foi construído nesse ambiente, que era bem livre, bem solto ... Eu acho que, também, porque meus pais tinham um pouco essa forma de educar bastante interessante, solta, em que a gente aprendesse construindo as coisas.

É

engraçado que eu me lembrei de uma coi-sa muito engraçada de família. Até hoje eu digo que foi um mico, mas tinha um seriado na épo-ca que era Shazan ( S h a z a n , X e r if e e C ia f o i u m s e r ia d o in f a n t o - ju v e n il b r a s ile ir o d a R e d e G lo -b o e x i-b id o n o in í c io d a d é c a d a d e 7 0 } . . . Era um cara que tinha uma bicicleta voadora. Era um seriado brasileiro. Eu esqueci o nome do

perso-nagem ... Era um negócio superlegal esse seria-do. E eu inventei que a minha bicicleta tinha de voar. E meu pai não disse ... Não me desenca-minhou. Ele não impediu que eu tentasse. E eu tentei! Fui fazer, montei a bicicleta ... Teve um dia que eu preparei: todo mundo me esperan-do na rua. Não ia voar nunca, n é ? ( r is o s ) Mas isso foi mesmo! Todo mundo esperando na rua! Ele, como era engenheiro, na empresa em que ele trabalhava tinham oficinas, ele ajudou a construir as hélices e tudo. E a bicicleta não voou, mas é interessante porque são as coisas que você tem de aprender na vida. Você tem de tentar. Claro que não ia voar. Mas, do ponto de vista de uma criança que ia tentar, pensar sobre isso era uma coisa ... Teria sido muito mais frus-trante se ele tivesse dito: "Não, não vai voar e não vamos fazer porque não vai voar". Foi uma coisa que eu me lembrei. Faz parte um pouco dessa experiência que eu tive no interior. Aliás, é uma coisa que faz tempo que eu não me lem-brava, v iu ?

(6)

que era um colégio meio alternativo. O que isso contribuiu para a sua formação?

ONMLKJIHGFEDCBA

T ia g o - Pois é! Na realidade, quando você vai começar a pensar como uma coisa que se constrói, são vários elementos. Não era só es-tar ali naquele lugar. Além disso, ainda tinha uma experiência, o que é muito interessante.

Eram duas irmãs que tinham estudado Arte e Educação no Rio de Janeiro, na época. Elas vol-taram para Juazeiro e resolveram montar uma escola. Escola chamada Escolinha Juju. Na rea-lidade, essa escola, eu não sei se ela tinha outro nome ... Mas Juju era em homenagem a uma aluna que elas tiveram que morreu. Tinha uma homenagem a uma figura que teve um aciden-te. Mas o importante era que a escola era uma escola alternativa e muito ligada

à

arte. Muito calcada em cima das artes.

É

impressionante como a gente realmente metia a mão na massa, com tintas ... Eu me lembro muito bem disso. Tinha muito isso. Coisa que hoje tem ainda nas escolas, mas muito menos. Naquela época, eu me lembro que era uma coisa muito intensa. E a forma de educar, a linha, era muito

interes-IIE e u in v e n te i q u e a

m in h a b ic ic le ta tin h a

q u e v o a r . E m e u p a i

n ã o d is s e ... N ã o m e

d e s e n c a m in h o u ,

a s s im . E le n ã o

im p e d iu

q u e e u

te n ta s s e "

sante. Era até uma escola meio ... Não digo que era malvista, porque não era bem o caso. Mas era uma escola diferente. Não era uma escola convencional. E também foi uma outra experi-ência que, para mim, também foi fundamental. Porque essa minha professora, tia Ângela - que eu chamo até hoje de tia Ângela -, é artista plástica e trabalha com educação. Elas foram

o

contato com o fotó-grafo foi direto: Paulo Re-nato conseguiu, em seu local de trabalho, o telefo-ne pessoal de Tiago. Logo nas primeiras tentativas, Tiago atendeu e aceitou o convite.

(7)

Bárbara Danthéias não pôde participar da entre-vista por questões pesso-ais. A turma inteira sentiu a falta dela, mas compre-endeu o motivo da ausên-cia.

No dia da entrevista, após as apresentações, Tiago cordialmente ofe-receu café para o grupo. Todos ficaram se entreo-lhando. Tiago, então, para quebrar o clima, trouxe café para todo mundo: "Eu vou querer café, vo-cês não querem?", disse.

fundamentais nesse processo porque abriram

a cabeça

edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

p r a esse universo mais ligado

à

arte, arte como uma coisa lúdica, como uma

brinca-deira. E foi muito interessante. Eu fiquei nessa escola, na realidade, até o primário. Foi a mi-nha primeira escola, Maternal, Alfabetização, essas coisas, depois é o primário, que eu não sei como é que é hoje. Ensino Fundamental,

né?

Depois o Médio. O Fundamental eu fiz lá

na Escola Salesiano, que era uma escola mais formal. Fiz nessa Escola Salesiano, que era uma escola de padre,

né?

Os Salesianos são muito fortes em Juazeiro. Mas foi uma experiência interessante também. E fiquei lá até o final do Ensino Fundamental. Vim fazer o ensino médio aqui.

ONMLKJIHGFEDCBA

B r u n a - Falando em educação, durante o Ensino Médio, você passou um ano nos Esta-dos UniEsta-dos estudando. Como foi que essa ex-periência fora do país acrescentou na sua for-mação cultural?

T ia g o - Olha, eu vim pra Fortaleza fazer exa-tamente o Ensino Médio. Fiz o primeiro ano do Ensino Médio aqui. E, no segundo ano, eu passei todo fora, nos Estados Unidos. Eu fui

n u m a espécie de intercâmbio, mas na

realida-de, foi um intercâmbio, óbvio, mas foi uma coi-sa que ... Onde eu morava, em Juazeiro, vizinho

à

minha casa tinha uma família americana, que era ligada aos Batistas, da Igreja Batista. Eu não tinha nenhum envolvimento com a Igreja Batis-ta, mas eles, claro, eram nossos amigos porque eram vizinhos. A gente não tinha identificação por ser religiosos, mas tinha identificação por ser vizinhos. E eles propuseram na época - por-que meu pai sempre teve uma posição de por-que, quando se completasse 15 anos, quando meni-na quer fazer festa, mais até meni-naquela época do

que hoje, naquela época era mais emblemático. Meu pai nunca achou importante esse negócio de festa. Achou importante ter uma experiên-cia fora. Minha irmã mais velha foi morar na França. E é engraçado porque o dinheiro que você ia gastar n u m a festa era praticamente o dinheiro que você gastava p r a mandar ... Se você for ver, é isso mesmo, o que se gasta em festas ... Mas, mesmo assim, ele achava muito mais importante pela experiência. Na realidade, eu tinha 14 anos e completei 15 nos Estados Unidos.

Eu fui p r a casa de umas pessoas que esse casal indicou. Nem pagava, não era uma em-presa. Eu ajudava na casa, no dia a dia da ma-nutenção da casa. Ia ficar seis meses, acabei ficando um ano. E, obviamente, toda expe-riência de viajar é rica, em todos os sentidos. Nesse caso, eu não sabia muito inglês porque eu tinha estudado no Ibeu ( I n s t it u t o B r a s il

-E s t a d o s U n id o s ) aqui. Praticamente não sabia

nada. ( r is o s ) Eu fui jogado nessa família lá sem falar uma palavra. Não tinha ninguém na época

( p a r a e n s in a r ) , porque era uma cidade

(8)

interes-J interes-J E uc h e g u e i

a té

a fa z e r c o m

u n s

a m ig o s

m e u s

o n d e e u m o r a v a

u m a e s p é c ie

d e

c lu b e d e S u p e r

8 ,

c a d a u m tin h a u m a

c a r te ir in h a

e ta l p a r a

p r o je ta r

o s film e s "

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

sante. Tem a coisa do aprendizado da língua

in-glesa. Eu até falei

edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

p r a vocês ( r e f e r in d o - s e à C a -r o lin a e D ie g o , d a e q u ip e d e p -r o d u ç ã o ) : o inglês

que eu sei hoje, 40 anos depois - 40 não, n é ? Quinze, sei lá... Trinta anos depois - é o inglês daquela época. Eu não estudei inglês depois. Isso me ajudou muito. Isso foi fundamental.

É

tanto que eu quero que os meus filhos façam a experiência. Além da experiência de cultura -eu que, inclusive, estava saindo do interior, vim

p r a cá, fiquei um ano e fui para os Estados

Uni-dos - quer dizer, isso mexe com a cabeça, abre os horizontes. Em todos os sentidos é impor-tante. Então foi, realmente, imporimpor-tante. E para a fotografia também, porque foi lá que eu acabei comprando a minha primeira câmera, porque lá é muito mais fácil comprar. Na própria h i-g h s c h o o l ( e s c o la d e e n s in o m é d io n o s E s t a d o s

U n id o s ) onde eu estudava tinha um clube de

fotografia. Eu tive uma ligação com essa coisa da fotografia também.

C a r o lin a - Você falou que seu pai costuma-va fotografar como umh o b b y . Como é que isso influenciou o seu apreço pela fotografia?

T ia g o - Sempre foi uma coisa como h o

-b -b y , realmente. P r a mim, também era. Era uma

coisa como uma brincadeira, digamos assim. Assim como eu tinha a experiência artística na escola onde eu estudava, a fotografia tam-bém era uma forma de brincar, de exercitar a linguagem. Não é que meu pai me influenciou do ponto de vista da linguagem que ele usa-va, no que ele fazia na fotografia. Porque o que ele fazia na fotografia era fotografar a família, fazer álbuns, aquela coisa mais caseira mesmo. Ou as viagens que ele fazia ... Eu acho que ele me influenciou do ponto de vista de eu ter a possibilidade de ter me voltado p r a fotografia, ter olhado para a fotografia, ter experimentado. Ter passado por essa experiência de trabalhar com a fotografia e com o Super 8, que era o cinema, n é ? Então isso foi fundamental.

Tem uma coisa engraçada que meu pai, em

Juazeiro - com essa coisa de experiência, de in-fância -, meu pai continuou militante lá, naque-la época ( Q u a n d o e s t u d a v a , op a i d e T ia g o e r a lig a d o a o M o v im e n t o E s t u d a n t il, D C E e U N E ) . Tinha os encontros de cooperativas e sindica-tos que ele ia. Naquela época - hoje em dia, quando você vai passar uma coisa, você leva um data-show, você passa um OVO - naquela época, eram ou os audiovisuais, que eram fei-tos com s lid e s , carrosséis des lid e s . Tinham in-dústrias de audiovisuais, inclusive. O que hoje é um vídeo, que você faz um vídeo institucio-nal, naquela época era um carrossel des lid e s . . . Todo mundo sabe o que é um s lid e ? ( r is o s ) E os filmes, Super 8, 16 milímetros. E ele ia para as comunidades passar os filmes. Ele tinha uma máquina de 16 milímetros. Ele ia passar uns filmes para a comunidade lá, em Juazeiro,

p r a discutir depois. Então passava o filme e

dis-cutia. E, quando ele ia fazer isso, sempre tinha muita criança, juntava muita gente, atrapalha-va até a reunião. Eu ia, com uma máquina de Super 8, projetar filmes. Eu tinha uma série de filmes, de desenho animado ... A mesma coisa que tinham nos OVOs eram os filmes. A crian-çada ficava toda comigo e eu passando, proje-tando esses filmes de Super 8 para poder a reu-nião acontecer. Eu cheguei até a fazer com uns amigos meus lá onde eu morava uma espécie de clube de Super 8, cada um tinha uma cartei-rinha para projetar os filmes. Isso é uma outra coisa, nada a ver com essa da reunião dele. Era um pequeno clube, um cineclube.

D ie g o - Com quantos anos, mais ou menos?

T ia g o - Essa faixa, de dez anos. Entre dez e 14, porque 14 eu já estava aqui. Entre dez, 11, 13... Nessa faixa, 14 anos. Eu tinha já essa expe-riência. Tem outra pessoa ligada

à

família que era o José Albano. O José Albano, que é um fotógrafo cearense, conhecido, é um fotógrafo também meio alternativo: mora n u m a casa de taipa na Sabiabagua ( b a ir r o p r a ia n o e m F o r t a le

-z a ) , construiu o estúdio todo de taipa ...

É

uma

fi-gura muito interessante! E a minha mãe só tem um irmão, o tio Everardo, e ele é casado com a irmã do José Albano. A irmã do José- Albano é minha tia. Eu tinha esse lado, essa perna na fa-mília dele, do José Albano, por conta da minha tia. E eu, quando frequentava a casa dela, lá no

( b a ir r o ) São Gerardo, eu vi o José Albano com

o laboratório. Maurício Albano e José Albano são dois irmãos, com laboratório no sótão. Aquele universo de laboratório de fotógrafo isso encanta também quando você é criança. Aquela coisa mágica, da magia do quarto es-curo. A própria magia da fotografia mesmo, surgindo, aquelas coisas. Então eu tinha esse lado do José Albano que também - o José e o Maurício - foram motivos que me ajudaram nesse interesse pela fotografia.

T a ís - Tiago, e na universidade, você teve acesso

à

ideia de fotografia como algo mais

Carolina e Diego, mem-bros da equipe de produ-ção, tiveram problemas com as cadeiras: a de Carolina não parava de fa-zer barulhos e a de Diego, subitamente, quebrou o encosto.

(9)

Em 1993, Tiago Santa-na desenvolveu o grupo Dependentes da Luz, que reuniu fotógrafos de For-taleza para promover ati-vidades para a difusão da fotografia no Ceará.

Em 1994, Tiago é con-templado com a Bolsa Vitae de Artes, fato muito importante para a conclu-são do livro Benditos. De acordo com o fotógrafo, foi nessa época em ele passou a ter um "salário" regular.

sério, como algo que também estava sendo pensado por outras pessoas. Como foi esse

pe-ríodo?

ONMLKJIHGFEDCBA

T ia g o - Vim fazer Engenharia Mecânica, também um pouco por influência do meu pai, que era engenheiro. Mas eu sempre gostei de mecânica, de mexer nas coisas, desmontar, sabe? De pegar o liquidificador e desmontar ele todinho, montar de novo, ventilador ... Aquelas coisas de criança. Eu fazia muito isso. E, como meu pai era engenheiro, tinha a história da ofi-cina da empresa ... Esse universo também era um universo que eu presenciava. E eu fui fazer Engenharia Mecânica aqui. Quando eu estava fazendo na Federal, lá na UFC, aqui existia, no

Brasil, a Funarte

edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( F u n d a ç ã o N a c io n a l d e A r t e

é u m ó r g ã o d o G o v e r n o F e d e r a l r e s p o n s á v e l p e lo d e s e n v o lv im e n t o d e p o lí t ic a s p ú b lic a s d e f o m e n t o à s a r t e s v is u a is , à m ú s ic a , a o t e a t r o , à d a n ç a e a o c ir c o ) , ligada ao Ministério da Cultu-ra, o Infoto, o Instituto Nacional de Fotografia. Era um instituto muito interessante que organi-zou uma série chamada Semanas Nacionais de Fotografia. Era muito interessante porque era uma semana nacional, uma grande semana, um grande encontro, um congresso ... E essa semana não acontecia sempre no Rio de Janei-ro - a sede era no Rio de JaneiJanei-ro, desse insti-tuto. Mas ela não acontecia sempre no mesmo lugar. Isso é o que era interessante. Ela aconte-ceu em várias regiões do Brasil. Cada ano era

n u m a região. E, aliás, esse movimento

aconte-ceu desde Curitiba, desde o Paraná, até Belém

( P a r á ) . E foi impressionante a importância

des-se movimento, dessas Semanas Nacionais. Foi possível, através das semanas nacionais, fazer um mapeamento da produção da fotogra-fia no Brasil todinho. Se esse evento só aconte-cesse no Rio,p r a mim, jamais teria tido esse ca-ráter, porque você não consegue atrair pessoas do Brasil todo p r a irp r a um ... Muita gente não pode, por questões de tempo ou financeiras, enfim. Mas a Semana vinha para o estado, fazer aquele mapeamento. E foi, realmente, um mo-mento muito rico. Esse Infoto foi extinto pelo Collor ( F e r n a n d o C o l/ o r d e M e io , p r e s id e n t e d o B r a s il e n t r e 1 5 / 0 3 / 1 9 9 0 e 29/12/1992), assim como ele extinguiu outros órgãos. Foi uma das coisas que o Collor fez ( ir ô n ic o ) . Coincidente-mente, quando eu estava na universidade, uma dessas semanas aconteceu em Fortaleza. E a sede desse encontro era na UFC. Eles usavam aquele auditório Castello Branco, da Reitoria, o Mauc ( M u s e u d e A r t e d a U F C ) .

Eu tinha uma ligação muito grande com a Arquitetura também porque a minha irmã fa-zia Arquitetura. E eu estava sempre envolvido com o pessoal da Arquitetura também. Acho até que eu era mais ligado

à

Arquitetura do que

à

Engenharia. Talvez, se eu tivesse ido pela Arquitetura, eu até teria continuado. E eu, um dia lá andando pela Arquitetura, deparei com o

que estava acontecendo. Fui no auditório e vi lá uma série de projeções, de debates sobre a fo-tografia, tinham oficinas, exposições, uma série de coisas. Isso me abriu a cabeça. Eu percebi que a fotografia era algo muito maior, não era aquela coisa lá do meu pai, do fotógrafo que eu conhecia, que era interessante ou de um h o

-b -b y . Era uma coisa que era um universo muito

(10)

fo-IIE

e u n ã o fiz fa c u ld a d e ,

m a s e u d ig o q u e

m in h a g r a d u a ç ã o

e m e u m e s tr a d o -

e u

d ig o m e s tr a d o

p o r q u e d e m o r o u

m a is d e

q u a tr o a n o s - fo i fa z e n d o o liv r o

Benditos"

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

tografia de Arquitetura, que era uma coisa que eu gostava. Foi nesse momento que a fotogra-fia começou a tomar conta da minha vida. E foi esse caminho sem volta. Abandonei realmente a Engenharia.

F e lip e - Mas você se arrepende de não ter concluído?

T ia g o - Não, não me arrependo, não.

Por-que, aliás, na época, eu quis até trocar

edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

p r a fazer Comunicação. O Silas de Paula( f o t ó g r a f o e p r o

-f e s s o r d a U n iv e r s id a d e F e d e r a l d o C e a r á ) . que eu conhecia na época, disse: "Não venha fazer comunicação! Por que você vem fazer Comuni-cação? Não tem nada aqui! Só tem uma cadeira de fotografia!". Na época não tinha, inclusive, cursos de graduação na área da fotografia. Hoje tem até pós-graduação. Enfim, hoje tem

vários cursos de graduação e de pós na área da fotografia. Na época não tinha. Na realida-de, a fotografia era restrita a uma cadeira, uma ou duas cadeiras na Comunicação. Eu cheguei a pensar. Eu cheguei até a fazer vestibular p r a Letras ... Naquela época que você está meio assim ( r is o s ) . . . Fui fazer porque eu gostava de língua, achei que era interessante. Depois eu pensei em fazer Sociologia porque achei que ia me ajudar. Mas a história era fotografia. Meus pais,n u m primeiro momento, claro que ponde-raram: "Por que você não termina? Não tenho nada contra você ter ido pela fotografia, mas vai e termina o curso ... Aí você faz o que você quiser". Eu acho até que eu poderia ter feito isso, eu estava quase na metade do curso. Eu fui deixando o curso, fui abandonando. Mas

tal-Em parceria com os fotógrafos Tibico Brasil e Celso Oliveira, Tiago Santana funda em 1994 a editora Tempo d'lmagem, que desenvolve projetos editoriais ligados à foto-grafia.

(11)

Tiago Santana ganhou

o prêmio Melhor da

Fo-tografia no Brasil, como

o melhor fotógrafo

docu-mentarista do país

conse-cutivamente durante três

anos: 2007, 2008 e 2009.

Tiago se tornou, em

2007, o segundo

fotógra-fo brasileiro a ter um

tra-balho publicado na

cole-ção de fotografia francesa

Photo Poche, a mais

im-portante coleção de livros

de fotografia do mundo.

O fotógrafo Sebastião

Sal-gado foi o primeiro.

QPONMLKJIHGFEDCBA

IIE n t ã o

e u d e c id i,

lo g o

n o in íc io ,

q u e

e u q u e r ia

f a z e r

u m

t r a b a lh o

s o b r e

a q u e le

lu g a r

o n d e

e u

n a s c i,

s o b r e

a q u e le

lu g a r

q u e

é

im p o r t a n t e

p r a

m im "

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

v e z se eu tivesse v o lt a d o , em pelo menos dois

anos eu já tinha concluído. Engenharia são

cin-co,n é ? T a lv e z se eu tivesse dedicado três anos

t a lv e z eu tivesse terminado. Mas eu não

conse-gui! É aquela coisa que v o c ê não consegue. A coisa v a i o tomando para um outro rumo ... Mas eles foram muito flexíveis, entenderam e acon-teceu. Não t e v e grandes ... Não v o u dizer que

não t e v e uma pressão me cobrando para que

eu fizesse, terminasse, o que é normal. Até se fosse meu filho eu também faria isso. Pelo me-nos alertar. Se eu tivesse terminado hoje, por exemplo ... Se bem que é muito flexível essa coisa de v o c ê dar cursos na área acadêmica. Você pode dar cursos de uma outra forma. Mas eu poderia me dedicar mesmo, pelo menos quando eu me aposentasse - aposentasse, que eu digo, é da fotografia - eu poderia dar aula na universidade. Mas eu nunca t iv e isso como o meu caminho, então isso não me fez falta. Meu aprendizado como fotógrafo foi todo - assim como foi o da maioria dos fotógrafos da minha geração - nesses encontros de fotografia, nes-sas trocas, nesses momentos, nessas oficinas. Essas semanas eram fundamentais, eram v á -rios cursos, vá-rios encontros, trocas, aprenden-do com o outro. Esse foi o grande momento. E eu não fiz faculdade, mas eu digo que minha graduação e meu mestrado - eu digo mestrado porque demorou mais de quatro anos - foi fa-zendo o livro B e n d it o s .

C a r o lin a - Qual foi o momento em que a fotografia entrou na sua vida como forma de trabalho profissional?

T ia g o - Olha, quando eu e s t a v a na Enge-nharia, quando eu f o t o g r a f a v a para os alunos, já era um pouco o meu trabalho. Tinham uns que me pagavam ... Mas logo depois que eut iv e esse contato com esse mundo da fotografia, eu comecei a me dedicar mesmo. Comecei a fo-tografar muito p r a Arquitetura, para arquitetos mesmo. Comecei a fazer frila ( p a la v r a

eportu-g u e s a d a d o in g lê s F r e e la n c e r - t r a b a lh o s a v u

l-s o l-s l-s e m v í n c u lo s e m p r e g a t í c io s ) , fui fazer um

pouco de tudo. As pessoas ligadas

KJIHGFEDCBA

à publicida-de, o próprio José Albano, eu fui fazer coisas com eles. O ( f o t ó g r a f o ) Celso Oliveira foi um cara que ... Foi uma experiência muito interes-sante com o Celso porque ele era de uma outra geração e ele era um cara que tinha experiên-cia em todas as áreas: publicidade, jornalismo, tinha sido fotógrafo da ( r e v is t a ) Veja em Brasí-lia. Ele tinha uma experiência meio v a s t a nesse sentido. E também um trabalho autoral, que ele

g o s t a v a de fazer fotografia p r a ele, não por

(12)

isso foi uma coisa até boa,

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

p r a mim. Eu fiz foto-grafia para jornais daqui, jornais de fora, atép r a

Veja. E todas as experiências foram muito im-portantes na construção do meu trabalho. Mas eu sempre tinha na cabeça, pela razão que eu tinha me tornado fotógrafo, de fazer um traba-lho mais que não fosse encomenda de alguém, que fosse um trabalho que estivesse o meu de-sejo de me comunicar ou de falar ou de con-tar histórias. A fotografia nada mais é do que contar também uma história. Em vez de usar as

palavras, a gente usa a fotografia.

QPONMLKJIHGFEDCBA

C a r o lin e - Tiago, como os seus pais

enca-raram o fato de você querer trabalhar como fo-tógrafo?

T ia g o - Tudo é muito relativo, n é ? Porque, na época, era um pouco diferente. Hoje, talvez, o fotógrafo tenha mais um glamour. ( p a u s a ) Talvez, n é ? Eu não sei. ( r is o s ) . Não sei se tem g la m o u r . ( o lh a p a r a G u s t a v o S a m p a io , f o t ó

-g r a f o d a e n t r e v is t a ) Não, n é ? ( r is o s ) Não, mas

fotografia hoje é muito mais ... O mundo é foto-gráfico, de certa forma. A imagem está muito presente. Todos somos fotógrafos, n é ? Todo mundo fotografa e já é uma questão que depois a gente pode entrar: como a tecnologia possibi-litou o fato de todos serem fotógrafos. Mas eu acho que, na época, era um pouco mais difícil entender que uma pessoa ia ser fotógrafa. Meu pai tinha as referências do próprio José Alba-no, que era próximo, do Seu Chico ( F r a n c is c o A lb u q u e r q u e , m a is c o n h e c id o c o m o C h ic o A I

-b u q u e r q u e , c e a r e n s e - 1 9 1 7 - 2 0 0 0 - ,

KJIHGFEDCBA

o p r im e ir o f o t o p u b lic it á r io d o B r a s il) , que era a figura

co-nhecida aqui da época da Abafilm ( e m p r e s a d e a r t ig o s e e q u ip a m e n t o s p a r a f o t o g r a f ia ) . Existia

uma fotografia, que era um certo ritual fazer uma fotografia de estúdio, que as famílias iam fazer fotos lá. Mas, por outro lado, era uma coi-sa muito incerta. Então, não foi fácil. Por isso que teve essa cobrança no sentido de fazer uma faculdade, de terminar mesmo ... Era aque-la coisa da bicicleta: ele não disse "não faça". Ele me deixou fazer. Eu acho que o deixar fazer faz parte. Eu podia ter quebrado a cara, não ter me dado bem e ter voltado. Felizmente, não foi assim, o caminho. Acho que eu acabei acertan-do no meu caminho. E hoje eles reconhecem muito isso. Hoje eles são superfãs das minhas conquistas. Isso é muito legal. Mas minha mãe diz até hoje, ela ainda acha que eu devia fazer.

( r is o s ) Ela acha por esse sentido, ela até vive

dizendo: "Vamos retomar a sua matrícula". Minha matrícula que eu tenho na UFC ainda - que deve estar jubilada, não sei mais ( r is o s ) -, parece que você pode entrar com mandato, recurso. Eu nunca fui atrás, mas ela me cobra isso ainda. Porque ela acha que é importante eu terminar para eu ter essa possibilidade, se eu quisesse ensinar no mestrado ou dar aula ou fazer uma história, talvez. Mas nunca me fez falta. Não que não seja importante.

1 1

A f o t o g r a f ia

é

f r u t o

d e u m a r e la ç ã o

d e e n c o n t r o

c o m

o o u t r o e e s s e

e n c o n t r o

é

m u it o

m a is im p o r t a n t e

e

m u it o

m a is p o t e n t e

q u e o r e s u lt a d o

q u e

s e p o s s a v ir "

Audálio Dantas (1929)

é um jornalista brasileiro

que atuou na grande

im-prensa e se destacou por

desenvolver um

impor-tante trabalho na revista

Realidade.

Em 2009, Santana

lan-çou o livro Patativa de

Assaré - O Sertão dentro

de mim, uma biografia

em fotografias de um dos

(13)
(14)

" O c a m i n h o

e u t e n h o , q u e

é

u m p o u c o

d o

q u e

e u d e c i d i

f a z e r , q u e

é

m e r g u l h a r

n a

f o t o g r a f i a , m e r g u l h a r

n o s p r o j e t o s . . . E u v o u

(15)

Para realizar o livro

Benditos, Tiago Santana

fotografou o cotidiano das

romarias de Juazeiro do

Norte durante oito anos

(1992-2000). A pesar de

ter concluído o projeto,

Tiago continua

fotogra-fando a região do Cariri.

A mesma exposição

que Tiago fez de Benditos

em Fortaleza, no Centro

Dragão do Mar de Arte e

Cultura, foi recriada em

Juazeiro do Norte. Lá,

ro-meiros e fotógrafos

ami-gos puderam visitar a

ex-posição no momento em

que romarias aconteciam.

mãe ainda conseguir, insistir muito, eu posso ...

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( r is o s ) Tudo na vida te complementa. Eu acho

que eu fazer um curso, se eu estiver n u m mo-mento em que eu ache possível fazer ... Porque tem uma outra característica p r a mim, que meu trabalho fica aqui em Fortaleza, mas tem época do ano que eu fico menos em Fortaleza. Para mim é meio complicado. Eu me envolvo com um projeto, eu estou ... Como é que eu vou manter o dia a dia de um curso,

né?

Por mais que eu faça um curso superrápido, três anos ...

Édifícil. Ou então fosse levando aos poucos. É

complicado. Mas eu acho, talvez, que eu possa até fazer.

QPONMLKJIHGFEDCBA

D ie g o - Tiago, e em relação a esse começo,

você passou por alguma dificuldade em relação

KJIHGFEDCBA

à valorização do fotógrafo, ao campo de

traba-lho mesmo?

T ia g o - Olha, eu confesso que não, sabe? Eu acho que, na época, existiam muito menos fotógrafos. O mercado era muito menor. Não só o mercado era menor, quanto a quantida-de quantida-de fotógrafos era bem menor. E é engraça-do que a valorização do fotógrafo talvez fos-se mais do que é hoje. Porque hoje é aquela velha história: somos todos fotógrafos. Então o contato da agência fotografa para a gente, vai lá e: "Não, não precisa não. A gente vai lá e joga no Photoshop ...", Naquela época, todas as fotografias de publicidade não tinham esse pós-tratamento, praticamente. Você, quando fosse construir uma imagem, você a construía por inteiro ali. Tinha de sair n u m cromo, n u m

s lid e pronta, praticamente. Claro que sempre

"Ouando

v o c ê f a z u m a c o is a c o m

d e s e jo ,

c o m

in t e n s id a d e ,

c o m

a m o r ,

d e d ic a ç ã o ,

a c h o q u e a c o is a m e x e

c o m

v o c ê , n é ? "

Vale a pena ressaltar uma coisa que eu acho que é diferente da minha geração. A geração de fotógrafos hoje é uma geração que sai da universidade. Se você for ver os fotógrafos que estão no Jornal O Povo, muitos são formados em Comunicação, saíram da universidade, da Publicidade. Existe uma formação p r a isso. Eu tenho fotógrafos amigos mais novos do que eu que têm mestrado em fotografia, alguns já fize-ram até doutorado. Muito ligado a esse univer-so da pesquisa. Até porque, com essa coisa da fotografia e o envolvimento dela com o mundo da arte, a fotografia se tornou muito ligada a um conceito, a um pensamento, a um estudo. Hoje um profissional de um jornal é muito diferente: estão saindo dos cursos de Comunicação ou estão terminando.

Is a b e le - Tiago, você falou agora da questão dos fotógrafos que saem da academia. Você se imagina, se não tivesse seguido o conselho do Silas, um comunicólogo?

(16)

exist pouco de interferência, mas era uma coisa .. Fazer fotopublicidade naquela época, por exemplo, era um negócio de louco! Com-parando com hoje. E eu me lembro - e acho que os profissionais daquela época falam muito isso - de como era muito mais valorizado do ponto de vista até econômico. Os valores que eram pagos eram bem maiores do que os que são hoje. Eu estou generalizando, claro que têm profissionais e profissionais. Mas existe hoje, talvez, uma pulverização disso, todos se acham fotógrafos. E todos são fotógrafos! Mas existe um pouco uma certa dificuldade. Na épo-ca, eu acho que era valorizado. Acho que tinha um mercado mais atento a isso. Eu acho que tinha uma certa importância ter um bom fotó-grafo fazendo, pensando e ajudando a fazer um trabalho. Eu não tive muito problema com rela-ção a isso. Eu tive sorte porque eu tive pessoas à minha volta e posso citar o Celso Oliveira, o José Albano, o próprio Silas, que me ajudaram um pouco nesse sentido.

QPONMLKJIHGFEDCBA

B r u n a - Tiago, falando sobre o

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

B e n d it o s : quando você decidiu realmente começar a

fo-tografia, resolveu fazer um trabalho sobre Jua-zeiro do Norte. Por que você voltou às origens para fazer o seu primeiro grande trabalho?

T ia g o - Pois é. Eu, quando fiz aquele mer-gulho, naquela época, só tinha uma coisa na minha cabeça: primeiro que eu queria serfotó-grafo - já estava meio que decidido -, mas eu queria ser fotógrafo porque eu queria também fazer um trabalho sobre aquele lugar. Sobre aquele lugar, por todas as razões que eu já con-tei a

KJIHGFEDCBA

v o c ê s , foi importante p r a mim. Sem falar que Juazeiro é um lugar superfotografado. Lá vira encontro de fotógrafos. Juazeiro é sempre um lugar muito documentado, em reporta-gens ... Sempre foi e ainda continua sendo. E eu achei que era interessante e importante eu fazer - eu, que nasci lá, que tinha uma relação com aquele lugar - um trabalho mais profundo, que não fosse uma mera ou simples reportagem, que fosse algo mais. Que tivesse mais uma dedicação, um mergulho, e alguém que fosse mais ... Eu decidi, logo no início, que eu queria fazer um trabalho sobre aquele lugar onde eu nasci, sobre aquele lugar que é importante p r a mim. E não era uma reportagem ( e n f a t iz a n d o ) . Era uma interpretação muito pessoal minha, das minhas lembranças, da minha coisa de in-fância. E foi isso que eu estava falando para ela ( r e f e r e - s e

à

C a r o / io a ) que eu não fiz graduação

nenhuma, mas o B e n d it o s foi a minha gradua-ção e o meu mestrado. Foram oito anos. Mes-trado e doutorado, quase,n é ? Oito anos ... Mes-trado são dois anos, n é ? Então foi mestrado e doutorado! ( r is o s ) Porque eu passei oito anos dedicado. Obviamente que não foi dedicado totalmente só a isso, eu ficava fazendo esses trabalhos comerciais, como eu já falei. Tanto ligado à Arquitetura, ligado ao Jornalismo, liga-do à Publicidade. Era uma época que, enfim, eu não tinha grandes responsabilidades, eu ainda morava na casa dos meus pais. Tudo o que eu ganhava, usava para o meu projeto pessoal, que era fotografar, que era viajar, que era fazer isso. O Celso Oliveira, voltando mais uma vez, me ajudou muito porque ele era um cara que já estava no mercado e tudo que ele ganhava in-vestia nesse trabalho autoral, que a gente cha-ma. Um trabalho onde o fotógrafo se dedica, que é a razão de eu ser fotógrafo. Eu não fui fotógrafo para fazer trabalho só comercial. Se eu fosse só fazer trabalho comercial, talvez eu não tivesse sido, me tornado um profissional, digamos, da fotografia.

F e lip e - Tiago, oB e n d it o s tem essa atmos-fera bem religiosa. Como é a sua relação com a religião?

T ia g o - Obviamente que eu sou de uma família católica, como a maioria de todos nós. Não sei vocês ... Mas a maioria. Hoje mu-dou um pouco isso. Hoje tem umas religiões mais ... Mas eu sou católico por essa questão. Nunca fui um católico praticante de religião. Interesso-me, acho interessante todos os tipos de religião e tudo que tem essa relação com o sagrado. Acho interessante, seja ela qual for. E Juazeiro, p r a mim, o que me interessava mais, o que me interessa mais até hoje, não é neces-sariamente a questão da religião católica, do Padre Cícero. Éa relação, é o que o fenômeno do Padre Cícero no Juazeiro representa. O que isso simbolicamente é a relação dos romeiros, dos peregrinos, das pessoas que vão lá com esse santo, que é um santo Padinho. Padinho é o segundo pai,n é ? Seu padrinho não é aquele que representa seu pai? O Padinho Ciço é um segundo pai para essas pessoas. Tem Deus e ele é o segundo. Tem Deus também, que é o Pai maior. Dizem eles: "Tem meu pai, mas tem meu Padim C i ç o , que é o meu segundo pai". E é uma relação que é muito louca porque é a relação de um santo que é próximo das pesso-as. Não é aquele Santo Antônio, santo ... Que

liA

f o t o g r a f ia

n u n c a f o i p r a m im

u m a

c o is a d e d e n ú n c ia

n e c e s s a r ia m e n t e .

E la é

t a m b é m .

E u n u n c a t o r n e i is s o c o m o

u m a

c o is a p a n f le t á r ia "

Além de premiadas e

reconhecidas, as

fotogra-fias que compõe o livro

Benditos já serviram de

mote para a produção de

artigos científicos e

semi-nários acadêmicos,

contri-buindo para a inclusão de

Tiago na Academia.

Um dia depois da

en-trevista, Carolina, Caroline

e Mikaela encontraram

- por acaso - um trabalho

de conclusão de curso

sobre o Benditos na

coor-denação do curso de

(17)

J á

ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

no final da entrevista, Tiago faz uma pausa e vai

à copa do escritório. Volta

com uma garrafa de

refri-gerante, biscoitos doces

e uma caixa de chocolate

Bis gelado - do jeito que

ele os prefere.

Sabendo que Diego

fotografa, o professor

Ro-naldo o presenteou com

uma edição do livro

Ben-ditos. Diego levou no dia

da entrevista para receber

uma dedicatória do autor.

é tudo importado da Espanha, de Portugal. É

um santo daqui! Santo recente. Padre Cíce-ro faz parte da história recente nossa. Essa relação que as pessoas têm com essa figura,

essa relação consagrada, com alguém que

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

v a i transcender ... Obviamente que quem procura

Juazeiro, a maioria que procura, são pessoas humildes, simples: agricultoras e sertanejas. E v ã o láà procura de melhorias, melhoras ... Seja

para conquistar terras, seja para ter trabalho, seja para chover, seja para um problema mais pessoal físico, uma doença. Essa relação que as pessoas têm com esse divino, esse sagra-do é uma coisa enriquecesagra-dora, é muito rico, é muito bonito. Isso obviamente estou falando de Juazeiro, mas em todas as regiões têm uma coisa bonita disso, simbólico. E Juazeiro, como eu v iv i v e n d o essas coisas ... Por isso o meu in-teresse em contar um pouco essa minha histó-riaa t r a v é s de imagem. Foi aí que eu mergulhei nesse projeto.

Eu passei oito anos fazendo, obviamente em épocas indo mais e outras indo menos, porque, em Juazeiro, acontecem umas quatro romarias durante o ano. Grandes romarias. E eu f ic a v a , na medida do possível, indo a essas romarias. Em Juazeiro o ano inteiro tem peregrino, tem

gente que v a i. Mas existem esses momentos mais, digamos, especiais. Paralelamente a isso, eu fui mandando meu trabalho p r a tentar bol-sas. Outra coisa que eu falei parav o c ê s ( r e f e r in -d o - s e à C a r o lin a e D ie g o ) é a questão do tempo.

Eu nunca t iv e essa pressa, essa ansiedade, essa coisa de: "Ah, v a m o s fazer uma exposição". Hoje eu conheço gente que fez uma viagem, ou saiu fora do País, passou dez dias ou 15 dias fora e acha que quer fazer trabalho - acha, não, até pode! - mas eu nunca t iv e essa coisa. Eu acho que o tempo hoje é um pouco diferente. A gente v iv e nesse tempo, que é o tempo das redes sociais, da internet, de uma coisa muito rápida. Eu acho que o meu tempo foi um pouco diferente. E eu t iv e um processo, que eu acho que foi de grande aprendizado, que eu nunca t iv e essa ânsia, essa coisa de ... ( in t e r r o m p e

-- s e ) Oito anos é um tempo bastante ... Se falar

hoje, é ( e m p o s t a a v o z , a b r in d o osb r a ç o s ) oito anos! Até hoje, quando alguém me convida para fazer um projeto, eu digo: "Não, eu acho que um ano dá para fazer". O cara diz ( a lt e r a n -d o a v o z , e s p a n t a -d o ) : "Um ano!?" ( r is o s ) . Isso

foi fundamental para eu pensar. Por isso que eu digo que foi meu grande aprendizado. Por-que eu passei oito anos pensando no trabalho, discutindo ele com os outros, compartilhando, mandando para exposições coletivas. Meu tra-balho começou a circular. Mandei para bolsas. Eu ganhei, por exemplo, bolsa da Funarte, do Marc Ferrez. Eu até pedi para fazer as viagens de pau-de-arara, que eu fiz umas viagens de ca-minhão para Juazeiro. Ganhei uma bolsa que era importante, da Vitae, que era a melhor bol-sa de artes que tinha na época no Brasil. Foi a primeira v e z que eu t iv e - t a lv e z a única - um salário. Era uma bolsa de um ano para desen-v o ldesen-v e r um projeto. T a lv e z foi o que mais me possibilitou a fazer oB e n d it o s . Eu tinha um sa-lário mensal só para fazer isso. Era uma bolsa de São Paulo, a Fundação Vitae, que era impor-tantíssima. Que é um projeto que v o c ê manda, participa, tipo um edital. Eu comecei a mostrar o trabalho, em exposições coletivas e tal, mas a ideia era fazer o livro. Quer dizer, eu tinha essa ideia de ... Fui amadurecendo, porque eu queria que meu trabalho fosse uma exposição e um livro. Primeiro uma exposição, pela importância que é uma exposição, que era a minha primeira e tal. E o livro porque é o que o trabalho

conti-nua. Ele não morre na exposição. Ele tem v id a própria e longa. E aí é um outro envolvimento com o livro, que depois eu posso até falar, que é por que o meu livro. Por que eu me envolvi também com o livro. Então eu passei esses oito anos fazendo o B e n d it o s , que foi o meu

apren-dizado, realmente. A minha universidade.

QPONMLKJIHGFEDCBA

'M ik a e la - Como v o c ê falou: passou oito

anos nesse trabalho do B e n d it o s ev o c ê já era familiarizado com as romarias. Mas como é que foi a experiência de estar inserido em uma atmosfera tão religiosa, reproduzir essa atmos-fera de modo muito sensível sem necessaria-mente ter essa religiosidade dentro de si?

(18)

ex-es, experiências novas. E é e e te porque você convive com pessoas que

KJIHGFEDCBA

o c é alvez não encontre mais nunca.

Por-que a romaria é uma coisa onde circula muita

gente que não é da cidade,

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

n é ? Eu acho que é uma influência riquíssima. Foi uma experiência

riquíssima de conviver com essas pessoas, en-tendeu? De estar próximo a elas, de estar quase como um peregrino também, como um romei-ro: viajando com eles, no êxtase com eles ali. É

uma coisa que você nem pensa muito. Eu acho que, quando você fotografa, quando você está envolvido com esse universo, com isso tudo, você pensa muito pouco. As coisas vão acon-tecendo meio que intuitivamente. Até a própria construção de uma linguagem, a construção de um trabalho. Eu fui aprendendo depois a ter de refletir sobre ele, a ter de falar, aprendendo por que é que o meu trabalho foi surgindo daquele jeito. Por que o meu trabalho é fragmentado, por que no meu trabalho as fotos são meio cor-tadas, são fotos meio ... Às vezes é um pedaço de alguma coisa e não está totalmente comple-to. São coisas que, se você me perguntar: "Tia-go, você pensou nisso?" Eu não pensei nisso. "Ah, vou fazer um ... Cortar aqui ..." ( g e s t ic u la n

-d o ) Eu não penso nisso. Esse enquadramento

que é dado nas imagens é o enquadramento

pedaços. Intuitivamente, ao documentar, eu fui incorporando essa coisa ... Confesso para você, não foi uma coisa que eu decidi fazer, não. Não tenho como mentir e falar: "Ah, não, claro, foi muito pensado", porque não foi. Foi uma coisa que foi surgindo e eu fui descobrindo. Isso é que é o interessante da coisa. Claro que, quan-do você fotografa - não só quando você foto-grafa -, você vai com toda a sua história, vem toda a tua ... Tudo o que você aprende, tudo o que pensa, todas as informações que você tem, elas são jogadas para fora, são interpretadas,

são colocadas no trabalho. Seja ele qual for.

QPONMLKJIHGFEDCBA

B r u n a - Como foi o processo de construção

desse livro, oB e n d it o s ?

T ia g o - Eram 70 imagens, só. Um outro pro-cesso superdifícil de editar. De oito anos, sele-cionar 70 fotos ... Eu tenho milhares de fotos. E as 70 fotos que eram para o livro. E o livro é ou-tro processo superinteressante. Pensar o livro, discutir o formato do livro, pesquisar formatos, como eu queria. Eu não queria que uma ima-gem em nenhum momento tivesse dialogando com outra. No livro não tem nenhuma imagem com outra na mesma página. Sempre tem uma imagem só. Quando vem uma imagem na ver-tical, ela vem sozinha. Eu queria que cada ima-gem tivesse o seu tempo. O B e n d it o s tem 13

"você

t á im b u íd o

d a t u a v o n t a d e

d e c o n t a r

a q u e la

h is t ó r ia . S e v o c ê p e n s a r m u it o

n a q u e le

m o m e n t o

d o a t o d e f o t o g r a f a r ,

e le

(o pensamento)

t e a t r a p a lh a "

exatamente no que estava no negativo que eu fiz. Porque você sabe que, quando você amplia, você pode reenquadrar. Mas eu tinha um ...( in

-t e r r o m p e - s e ) Não é nem princípio ou por

pu-rismo. É porque faz parte do meu processo de trabalho. O momento de fotografar, para mim, é importante. Aquele recorte que eu fiz, aquela interpretação é mantida integralmente no resul-tado. Tem hora que ela é muito entrecortada. E depois, muito tempo depois que eu fiz oB e n d

i-t o s , um jornalista veio me entrevistar - eu acho

que foi um jornalista - veio me perguntar por que as minhas fotos eram tão cortadas, recorta-das, tinha essa coisa meio misteriosa - porque tem a ver com mistério também, da coisa meio incompleta, que deixa você meio ... "Estranha-mento, n é ? Um mistério. Eu gosto muito dessa palavra - se tinha a ver com os ex-votos. Os ex-votos são aqueles pedaços de madeira de pé, de mão ... Vocês já viram? Tem em igrejas ou santuários: cabeça, pé, mão ... Aquilo é uma coisa que eu convivi a minha infância inteira. Na casa dos meus pais tinha um painel de um arte-são, de um artista que era todo feito com esses

anos. Hoje eu faria com certeza diferente por-que hoje eu sou outra pessoa. A gente muda o tempo todo, n é ? Pensar, sabe? Escolher as pessoas que iriam fazer o texto, colocar a coisa da xilogravura como uma referência importan-te no meu trabalho. Assim como eu uso a foto-grafia, eles usam essa xilogravura para contar a história de Juazeiro. Fui pesquisar a questão gráfica, de conseguir o mínimo de qualidade

n u m a ampliação em preto e branco. É muito

mais difícil imprimir preto e branco do que co-lorido. As coisas não são simples, n é ? Passar três noites n u m a gráfica ...

P a u lo R e n a t o - Tiago, o B e n d it o s é um trabalho que é, digamos, universal. Ao ver as fotos, a gente entende que tem o lance da re-ligiosidade de Juazeiro do Norte. Mas, se uma pessoa que não seja daqui pegar o B e n d it o s , ela também consegue sentir emoção nas fotos. Como autor, a que você atribui esse caráter uni-versal da obra?

T ia g o - Ela( a o b r a ) não é uma reportagem, sabe? Ela não tinha o compromisso, a não ser comigo mesmo, de mostrar "aqui é a estátua,

Quando Diego pediu a

dedicatória no livro, Tiago

decidiu dar mais três

li-vros para a equipe sortear entre si: C h ã o d e G r a c i/ ia -n o , P a t a t iv a d o A s s a r é - O

S e r t ã o d e n t r o d e m im e

B e n d it o s . Os vencedores

foram Caroline, Paulo

Re-nato e Carolina.

Renato estava com o

pressentimento de que

aquele dia seria o seu dia

de sorte. Dito e feito:

as-sim que terminou de falar,

Tiago retira um papel com

o nome dele do copinho

em que estavam os

(19)

Carolina pediu para não

haver sorteio para o livro

Benditos, entrou em

acor-do com a turma e ficou

com a obra para ela, uma

vez que Diego já tinha

conseguido um exemplar.

A turma foi compreensiva e aceitou o pedido dela.

Na dedicatória, Tiago

afirma compartilhar o

"ENCONTRO" com a

fo-tografia com Carolina. O

fotógrafo selecionou 70

fotos de milhares para

compor o Benditos.

aqui é o lugar onde o Padre Cícero nasceu". Eu tinha o compromisso com a linguagem, com a fotografia e com a minha identificação com aquele lugar, obviamente, com o respeito ao outro. A minha relação também é muito ligada ao outro. Eu até brinco, às vezes. A fotografia é

o que menos importa, no final das contas.

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

P r a

mim, ( e / a ) é quase um pretexto p r a t á nesses

lugares,p r a viajar, sabe? A fotografia é fruto de uma relação de encontro com o outro e esse encontro é muito mais importante e muito mais potente que o resultado que se possa vir. A ex-periência desse encontro, dessa troca, que é uma troca, sabe? Eu aprendo muito com essas pessoas, com esse universo rico. Às vezes, a gente pensa assim: "Pobre coitadinhos", mas são pessoas de uma riqueza, de uma sabedo-ria, de um conhecimento de como lidar com si-tuações, com questões adversas, sejam do cli-ma, sejam econômicas. São pessoas de grande aprendizado p r a gente. O meu envolvimento com o lugar onde eu nasci me abriu também um pouco para ver isso com outros olhos. Eu tenho amigos que nasceram nessa região que não têm essa visão. Acha que aquilo ali é um bando de louco, que é loucura. Acha que aquilo é uma probreza ... Eu acho uma riqueza cultural muito grande! Eu acho que essa é uma postu-ra, inclusive, que eu tenho como fotógrafo. Eu nunca chego como

KJIHGFEDCBA

" 0 fotógrafo", aquele cara

cheio de máquina e tal. .. Eu nunca chego. Eu sempre fui uma pessoa que tentei chegar o mais discreto possível no tipo de equipamen-to que eu uso, na forma de chegar ... Eu esequipamen-tou

ali p r a aprender com a troca. Eu estou

falan-do deB e n d it o s , mas isso se refere a todos os trabalhos que eu já fiz. Todo trabalho que eu faço eu tenho isso como premissa. Eu prefiro

perder uma imagem, perder uma foto, porque tem fotógrafo que não consegue. Eu acho que é muito mais importante você perder a foto e

conquistar um encontro de relação interessante e rico do que a imagem em si. Claro que é im-portante a imagem. Se você consegue unir as duas coisas, maravilhoso. B e n d it o s , p r a mim,

foi meu grande aprendizado.

QPONMLKJIHGFEDCBA

C a r o lin a - Eu queria saber uma coisa bem

particular, mesmo. Você falou, na pré-entrevis-ta, que uma babá conhecida da família teve uma experiência meio catártica ao estar presente na-quela sintonia que você criou na exposição do

B e n d it o s . Você já teve alguma experiência

as-sim em alguma exposição que você já foi?

T ia g o - Olha, na realidade eu tive, tenho essa experiência quando estou fotografando isso. Eu me envolvo muito com o que eu es-tou fazendo. Eu entro n u m a espécie de envol-vimento que você chora, você reage de formas diferentes. Eu acho que é um pouco isso, sabe?

Em B e n d it o s eu tive muito isso. Tem esses

momentos de encontro, tem situações que te levam a isso. Esse universo, principalmente li-gado aoB e n d it o s , a Juazeiro, é um lugar que eu volto sempre, ainda. Continuo indo lá, continuo fotografando ... Eu tenho feito coisas lá, ainda.

P r a mim, é muito importante, é um

(20)

esta r et do no trabalho. Quando você pega

KJIHGFEDCBA

U I T ' contato

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( s e q u ê n c ia d e n e g a t iv o s ) , aquilo ali é um pouco de uma história que está sendo

contada. Se você pegar esse arquivo de um fo-tógrafo, é meio que a vida dele. Se ele se sepa-rou, mudou de mulher, vai t á ali ( n o n e g a t iv o )

( r is o s ) . Quando ele tem filho, vai ter um monte

de fotos dos filhos ... Se você pegar a sequência de um arquivo, seja ele analógico, seja ele no digital, ele conta uma história de vida. OB e n d

i-t o s é um fragmento disso.

QPONMLKJIHGFEDCBA

T a ís - Tiago, mas você também tem um li-vro que retrata o universo presente na obra de Graciliano Ramos ( E s c r it o r a la g o a n o - 1892-7953). Como surgiu a iniciativa de elaborar esse projeto?

T ia g o - Eu fuip r a França morar um ano lá. Minha mulher foi fazer ( d o u t o r a d o ) lá e eu fui com ela passar um ano. Fui também trabalhar, fazer contatos. Voltei p r o Brasilp r a fazer< l ex-posição B e n d it o s no Sesc Pompéia ( C e n t r o d e C u lt u r a e L a z e r e m S ã o P a u lo ) . A mesma que

eu fiz aqui eu fiz lá, em São Paulo. E essa posição aconteceu junto com uma grande ex-posição sobre cordel, Cem anos de cordel. Foi uma coincidência. Era a minha exposição no meio e no entorno todo do espaço expositivo do Sesc Pompéia estava tendo a exposição so-bre cordel e o curador dessa exposição era o Audálio Dantas, que é um jornalista, um cara superimportante no universo do jornalismo brasileiro, eu conheci e a gente ficou amigo. Eu voltei p r a França, terminei meu ano lá e

vol-teip r o Brasil. Isso foi em 2 0 0 1 . Quando foi em

2 0 0 2 , que eu estava de volta, ele ( A u d á lio ) me liga porque ele ia fazer uma grande exposição, no Sesc Pompéia também, sobre o Graciliano Ramos. Foi aí que ele me convidou. É engraça-do porque o projeto B e n d it o s surgiu de um de-sejo meu, de uma investigação minha. O Chão de Graciliano surgiu a partir de um convite que

elef e z p r a mergulhar no universo de Graciliano,

p r a compor uma exposição grande que ele ia

fazer sobre a obra, a vida de Graciliano, onde tinham objetos pessoais, onde tinham todos os filmes que foram feitos, as várias edições de livro. E ele queria que eu fizesse uma interpre-tação desse universo do Graciliano e alguém

110

q u e e le s n ã o

tê m ,

e le s d iv id e m

q m e ta d -e

c o n t i q o ,

A s v e z e s , e u n e m

,

fo to g r a fo .

A s v e z e s

e u fic o c o n v e r s a n d o

h

o r a s ...

"

que fosse hoje. Que universo, que chão é esse?

( e n f a t iz a ) Onde ele nasceu, onde ele passou a

infância, onde ele, de certa forma, descobriu o mundo, assim como eu tinha descoberto o mundo lá em Juazeiro. Ee le achou que eu tinha uma identificação com esse universo. E, eu até falei p r a vocês ( s e r e f e r in d o à e q u ip e d e p r o

-d u ç ã o ) eu quase desistia de aceitar o convite

porque, p r a mim, fazer uma exposição em três meses ... Ele queria que em três meses eu fizes-se o trabalho e( o t r a b a lh o ) virasse uma exposi-ção. Eu tinha levado oito a n o s p r a fazer a minha primeira e ia fazer a minha segunda com três meses. ( r is o s ) Eu aceitei porque era dentro de uma exposição maior. Não era só a minha e x -posição. E aí foi meu envolvimento com Graci-liano. Graças a Deus que eu aceitei! Foram três meses intensos. Eu viajei com ele ( A u d á lio ) . Ele é um especialista em Graciliano, uma figura in-teressantíssima. Aprendi muito com o Audálio. Eu viajei com ele e depois viajei sozinho por-que eu gosto muito de estar só também, sabe? A fotografar ... E não ter a principio um roteiro muito definido. Às vezes eu vou meio que in-tuitivamente.

Fizemos a exposição. Deu tudo certo, foi maravilhoso e eu, logo depois, disse p r a ele: "Olha, o meu envolvimento foi tão interessan-te que eu quero dar continuidade". Então eu fiquei de 2 0 0 3 até 2 0 0 6 . Eu resolvi tornar isso

um outro projeto. Eu pautei minha vida, desde essa época, a trabalhar com projetos. Projetos em que eu acredite, que eu ache interessante. De certa forma, ( C h ã o d e G r a c ilia n o ) era uma continuação do que eu estava fazendo. É um universo parecido, sabe? Os alagoanos são os mais devotos do Padre Cícero, têm uma rela-ção com Juazeiro. A maioria dos romeiros são alagoanos. O universo de Graciliano era muito próximo p r a mim. Eu passei esse tempo todo e descobri coisas muito interessantes sobre o universo de Graciliano que eu queria pontuar. Uma é a importância do Graciliano. O desafio que foi fazer com imagens o que o Graciliano fazia com as palavras, uma responsabilidade gigantesca! Não era uma tradução, mas era uma interpretação daquele universo dele. Eu me identifiquei muito com a obra dele. Primei-ro que a obra dele é muito identificada com o homem. A paisagem é um mero pano de fundo para as relações humanas, e o meu trabalho é assim também. O meu trabalho não é um tra-balho de paisagem, simplesmente, mas sim de paisagem humana, de gente. O'querne i n t e r e s

-sa é isso. Eu não sou um fotógrafo de paisa-gem,

né?

A linguagem que Graciliano trabalha é a linguagem de texto, mas é um texto mui-to sintético, muito preciso, muito cirúrgico. O Graciliano dizia: "Em vez de contar com cinco laudas, eu conto com uma; em vez de contar com uma lauda eu conto com um parágrafo". Eu não sou especialista, gente! ( r is o s ) A obra

Tiago decidiu também

contemplar o professor

Ronaldo Salgado com o

livro O/havê Entrevistas.

Ronaldo relutou para

acei-tar o presente, mas, no

final, recebeu.

Na aula de avaliação

da entrevista, Ronaldo

re-solveu sortear o livro que

ganhara de Tiago. Desta

vez, a sortuda foi Tais de

(21)

Tiago écasado há mais de vinte anos com Lucia-na Lobo Miranda, psicólo-ga e professora da Univer-sidade Federal do Ceará. Luciana já foi coordena-dora do curso.

A equipe de produção precisou finalizar a edição da entrevista via Skype, pois Diego havia viajado para Buenos Aires para fazer intercâmbio de ex-periência profissional. Após algumas caídas da internet dele, finalmente conseguiram terminar.

dele é uma coisa muito sintética, muito preci-sa nas palavras e muito forte e isso

EDCBA

p r a mim é uma característica da linguagem fotográfica, inclusive. A linguagem fotográfica é a síntese de uma história. B e n d ito s tem 70 fotos e as pes-soas dizem: "PÔ, mas você passou oito anos e só tem 70 fotos! É muito pouco". Mas não é isso. Eu acho até 70 muito, hoje eu tiraria umas dez daqui e deixaria, sei lá, 60 porque eu acho que são muito mais importantes imagens inten-sas, assim como é o texto intenso, forte, que dê margem para as pessoas pensarem e refle-tirem. É muito mais importante você ter uma imagem forte do que ter dez imagens que, de certa forma, não têm a mesma portência. A fo-tografia é você ter uma história na sua frente e "pá". Com poucas imagens você conta aquela história, que na realidade poderia ser contada com milhares de imagens. Isso foi um apren-dizado com o Graciliano Ramos. Tinha gente que dizia que a minha fotografia era uma foto-grafia graciliana ( r is o s ) . Um livro que me acom-panhou muito foi um livro chamado Infância. Um livro lindo do Graciliano Ramos, em que ele conta a experiência de infância dele. E foi um livro de cabeceira que me acompanhou muito nesse projeto.

LKJIHGFEDCBA

C a ro lin e - Tiago, falando dessa questão de mostrar as dificuldades, todos os desafios pe-los quais as pessoas passam no sertão ...

Você

quis dar espaço nas suas fotografias para uma

crítica social?

T ia g o - Olha, eu nunca tive isso como foco,

n é ? Mas eu acho que isso é inevitável no

con-texto. Uma coisa que eu acho interessante é que você não precisa necessariamente mostrar 'ó, coitados, pobres ...'

Você

não precisa neces-sariamente mostrar p r a ter essa crítica. Às ve-zes, com uma imagem muito mais forte do pon-to de vista da força que tem essa pessoa, você ressalta muito mais o que eles têm de positivo. É inevitável que B e n d ito s mostra essa questão. As pessoas vão a Juazeiro por essas questões,

n é ? A fotografia nunca foi p r a mim uma coisa

de denúncia necessariamente. Ela é também. Eu nunca tornei isso como uma coisa panfletá-ria. Eu acho até que tem imagens que sutilmen-te são mais importansutilmen-tes e cumprem um papel muito mais importante nesse contexto social do que uma imagem meramente documental ou jornalística de uma situação.

F e lip e - Tiago, falando da sua estética foto-grafia, você tem uma evidente preferência pelo preto e branco. Por quê?

(22)

iden-"Eu

LKJIHGFEDCBA

a in d a te n h o e s s a c o is a c o m o film e

c o m o

u m a fo rm a

d e lin g u a g e m ,

u m

p ro c e s s o . E u g o s to d o film e , e u g o s to d e

re v e la r, g o s to d e p e g a r u m n e g a tiv o ... "

tificação, intenção, desejo. Por que eu escolhi preto e branco? Vamos falar de

EDCBA

B e n d ito s , que se estende um pouco p r a minha obra. Tem a relação que eu mostrei aqui da xilogravura. Essa coisa da lirlguagem.ga XijggfavUfâ, que- é-um preto e branco bem duro, sem muito con-traste, sem muito meio tom. A identificação com a coisa do claro-escuro, da luz forte que a gente tem no Nordeste. Eu acho que essas questões do sagrado e do profano, do bom, do ruim. O preto e branco é um pouco isso,

né?

Outra coisa, eu acho que a cor no meu trabalho não agregaria. Ela dispersaria um pouco, sabe? Quando eu mostro esse trabalho em preto e branco, eu acho que ele tem uma densidade, uma tensão, um mistério, que a cor talvez dis-persasse um pouco, sabe? Não que a cor não seja importante. Tem trabalhos importantíssi-mos em cor, mas eu acho que eu encontrei no preto e branco uma forma de intensificar essa minha intenção talvez de mistério, de tensão, sabe? Eu acho que o preto e branco dá um

pou-co disso. A pou-cor te leva para um outro caminho, talvez.

D ie g o - Tiago, ainda nesse âmbito da sua estética fotografia, suas fotos apresentam uma comeesiçáe- diferenciada, como você disse anteriormente. Você chegou a receber críticas dos fotógrafos da ala mais conservadora da fo-tografia, por exemplo?

T ia g o - Eu cheguei a receber uns comen-tários muito engraçados. Eu me lembro que eu participei do Salão de Abril na época e ga-nhei um prêmio com uma fotografia. A foto-grafia era o seguinte. Eu acho que eram duas fotos. Uma delas era assim: um pessoal, que eu acho que era de Barbalha, n u m a quadrilha. Daí eram só os pés e os vestidos. As cabeças eram todas cortadas. "Como é que um cara ga-nha um prêmio?" ( r is o s ) "Cortou até as cabe-ças". Tinha umas coisas engraçadas. Eu acho que no fundo, no fundo, eu fui construindo uma linguagem, um caminho próprio com persona-lidade. Eu não cheguei a receber críticas.

Ob-Apos errru ada a e

-ção, a equipe de prod -çáo precisou escre e mais janelas, uma vez que a entrevista do Tiago con-ta com mais páginas.

Referências

Documentos relacionados

O grupamento de setores intensivos em engenharia e P&amp;D é outro que acompanhou o quadro geral: há uma importante redução dos custos operacionais como proporção do valor

O trabalho de Cox e Munk (1954) utiliza os parâmetros e , presentes na formulação da equação da PDF, que representam as médias quadráticas das inclinações das

24- São realizadas com grupos de pessoas e, por isso, usam os espaços sociais (creches, escolas, locais de trabalho, comunidade) e espaços da unidade de saúde. As crianças em

Este relatório não pode ser reproduzido ou redistribuído para qualquer pessoa, no todo ou em parte, qualquer que seja o propósito, sem o prévio consentimento

Mas o pior é que a fumaça da maconha contém alto teor de alcatrão (maior mesmo que na do cigarro comum) e nele existe uma substância chamada benzopireno, conhecido agente

Em relação à faixa etária, os jovens realizam mais a variante semáforo enquanto os idosos preferem sinaleiro, mantendo o mesmo direcionamento dos demais estados

Quero mencionar alguns outros tipos de linfoma, pois eu já disse que existem linfomas agressivos, o linfoma difuso de grande célula B, encontrado em um terço dos pacientes e

Os transistores BJT possuem baixo ganho, portanto necessitam de alta corrente de base para serem chaveados, uma das formas de minimizar o problema é utilizar a configuração