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Comunicação e narrativas de uma imigrante nordestina em São Paulo no contexto do coletivo teatral Estopô Balaio.

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Academic year: 2021

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Comunicação e narrativas de

uma imigrante nordestina

em São Paulo no contexto do

coletivo teatral Estopô Balaio.

Mariana Gurgel Godeiro

São Paulo | 2020

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Autorizo a reprodução total ou parcial da minha dissertação Comunicação e narrativas de

uma imigrante nordestina em São Paulo no contexto do coletivo teatral Estopô Balaio, para

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“This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001.

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COMUNICAÇÃO E NARRATIVAS DE UMA IMIGRANTE NORDESTINA EM SÃO PAULO NO CONTEXTO DO COLETIVO TEATRAL ESTOPÔ BALAIO.

Dissertação apresentada ao PPGCOM ESPM como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo.

São Paulo, 17 de fevereiro de 2020.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________ Orientador(a) e Presidente da Banca:

Prof.ª Dr.ª Denise Cogo - Escola Superior de Propaganda e marketing (ESPM-SP)

____________________________________________________________ Avaliador(a) Externo(a)

Prof. Dr. Alexandre Barbalho – Universidade Federal do Ceara (UFC)

____________________________________________________________ Avaliador(a) Interno(a)

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Dedico esse trabalho aos meus pais, Liene e Jaime, como forma de agradecimento a todo o apoio de sempre e a todas as oportunidades dadas para que eu pudesse seguir na minha busca incessante por conhecimento.

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Agradeço primeiramente a minha família: Mainha, Painho e Irmã, eles que são a minha maior fonte de inspiração e motivação. Agradeço todo o apoio, todo o dinheiro para Xerox, todos os conselhos, todas as palavras de incentivo e, até mesmo, todas as broncas.

Agradeço também a Deus, que sem dúvida esteve sempre ao nosso lado, tanto nos momentos de angústia, quanto nos de felicidade. Os planos que Ele fez para nós com certeza nos permitiram chegar ao fim de mais uma batalha, aprendendo a cada dia com as realizações e dificuldades.

Aos amigos que estiveram comigo nas escolhas, incertezas e comemorações (principalmente nos fins de semestre), meus sinceros agradecimentos. Especialmente aos maravilhosos que sempre escutaram meus lamentos e vitórias de coração aberto: Cecilia, Caroline, Camila, Candice, Belão, Lu, Luciana, Mili, Tayná, Mateuso, Bel. Agradeço também àqueles os quais me aproximei no decorrer do curso, principalmente a todos que compõem o M18: Carol, Lucas, Rosa, Sheila, Eliana, Fernando, Flávia, Maju, Pedro e Thiago. Foram eles que tiraram as minhas dúvidas, me ajudaram nos trabalhos e me fizeram rir tantas vezes.

A minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Denise Cogo, por todos os momentos que acalmou minha ansiedade, que me deu conselhos, que me ajudou a mudar algumas (muitas) percepções. Obrigada pela paciência, apoio, pelas orientações e pelas broncas, que me chacoalhavam e faziam eu querer me esforçar cada vez mais.

Ao pessoal do coletivo teatral Estopô Balaio e a Janaína, por me acolherem, me ajudarem e me tratarem sempre com tanto carinho.

Às professoras e aos professores do PPGCOM-ESPM, pela paciência no meu momento mais complicado e pelo reconhecimento toda vez que eu conseguia me superar. A compreensão de vocês ajudou bastante o meu processo de cura.

A todos os citados, ficam aqui nossos agradecimentos. Se qualquer um de vocês não tivesse cruzado meu caminho no desenvolvimento desse trabalho, ele não seria o mesmo.

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“Migrar... É mais do que ir e vir – é viver em espaços geográficos diferentes... É ser duas pessoas ao mesmo tempo...é viver como presente e sonhar como ausente. É ser e não ser ao mesmo tempo; sair quando está chegando, voltar quando está indo...estar em dois lugares ao mesmo tempo, e não estar em nenhum. É até mesmo partir sempre e não chegar nunca”.

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Consumo, Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo.

RESUMO

Essa dissertação tem como objetivo analisar a ressignificação das narrativas da carta de uma imigrante nordestina, na cidade de São Paulo, no contexto da produção, circulação e consumo comunicacional de duas produções do coletivo Estopô Balaio – um espetáculo teatral e um curta metragem. Buscamos levantar as dimensões dessas narrativas em que as ressignificações tanto do coletivo, quanto da imigrante autora da carta, visam enfatizar as singularidades das trajetórias vividas por uma imigrante nordestina em São Paulo. A discussão teórica orienta-se por reflexões em torno das interfaces entre comunicação, estudos culturais e de recepção, subjetividades migrantes, migração feminina e nordestina, narrativas e relatos de si, situados no marco da constituição do capitalismo e do sujeito neoliberal. A pesquisa, de caráter qualitativo, se constrói a partir de um percurso metodológico que abrange os seguintes procedimentos: a) revisão bibliográfica; b) levantamento documental sobre a trajetória do coletivo Estopô Balaio, das cartas de imigrantes pertencentes ao acervo do coletivo e das produções do coletivo sobre a carta da imigrante nordestina – um espetáculo teatral e um curta metragem c) observação de dois espetáculos que tinham como temática principal a migração nordestina, sendo eles: Porta(ria) Silêncio e A Invenção do Nordeste d) entrevistas semi-dirigidas com integrantes do coletivo teatral e com uma imigrante nordestina autora da carta ressignificada pelo coletivo. Os resultados da análise empírica apontam para três dimensões das narrativas da carta sobre a trajetória de uma mulher imigrante nordestina em São Paulo que aparecem ressignificadas, de modo diferenciado, pelas produções comunicacionais do coletivo – espetáculo teatral e curta metragem - e pela própria imigrante autora da carta que participa dessas produções: a violência de gênero, a xenofobia e o discurso de superação individual do imigrante.

Palavras-chave: Comunicação; Ressignificação; Narrativas; Migração Feminina; Migração

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Communications and Consumption Practices) – Postgraduate Research Program in Communications and Consumption Practices, School of Advanced Studies in Advertising and Marketing/Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo.

ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the resignification of the letter narratives of a northeastern immigrant in the city of São Paulo, in the context of the production, circulation and communicational consumption of two productions by the collective Estopô Balaio - a theatrical show and a short film. We seek to raise the dimensions of these narratives in which the resignifications of both the collective and the immigrant author of the letter, aim to emphasize the singularities of the trajectories experienced by a northeastern immigrant in São Paulo. The theoretical discussion is guided by reflections on the interfaces between communication, cultural and reception studies, migrant subjectivities, female and northeastern migration, narratives and reports of themselves, situated within the framework of the constitution of capitalism and the neoliberal subject. The qualitative research is based on a methodological approach that includes the following procedures: a) bibliographic review; b) documentary survey on the trajectory of the Estopô Balaio collective, of the letters of immigrants belonging to the collective's collection and of the collective's productions on the letter of the northeastern immigrant - a theatrical spectacle and a short film c) observation of two theatrical spectacle that had as their theme northeastern migration is the main one, namely: Porta(ria) Silêncio and A Invenção do Nordeste d) semi-directed interviews with members of the theater collective and with a northeastern immigrant who authored the letter resignified by the collective. The results of the empirical analysis point to three dimensions of the letter's narratives about the trajectory of a northeastern immigrant woman in São Paulo that appear resignified, in a different way, by the collective's communicational productions - theatrical spectacle and short film - and also by the letter of the immigrant author that participates in these productions: gender violence, xenophobia and the immigrant’s individual discourse of overcoming

Keywords: Communication; Resignification; Narratives; Female Migration; Northeastern

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Figura 1 – Mapa da região leste de São Paulo, onde fica o jardim romano...15 Figura 2 – Circuito cultural de Richard Johnson...52 Figura 3 – Matéria veiculada no site Canal Aberto sobre o espetáculo “Nos trilhos abertos de um leste migrante”...59 Figura 4 – Diagrama representando o circuito no contexto do Estopô Balaio...70 Figura 5 - Carta de Janaína para sua filha, Natália...72

LISTA DE QUADRO/TABELAS

Quadro 1 - Temática das cartas que compoem o espetáculo Nos trilhos abertos de um leste migrante...16 Quadro 2 – Respostas dadas pelas empresas sobre as suas políticas trabalhistas...30 Tabela 1 – Categorização da temática das cartas... 61

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 11

CAPÍTULO 1 – NEOLIBERALISMO E MIGRAÇÃO NORDESTINA EM SÃO PAULO: CONTEXTOS, SUBJETIVIDADES E GÊNERO. ... 23

1.1. Do Capitalismo ao Neoliberalismo ... 24

1.2. O sujeito neoliberal e o processo migratório ... 27

1.3. Subjetividades do sujeito migrante e relatos de si ... 32

1.4. Singularidades das mulheres migrante e violência de gênero ... 37

1.5. Xenofobia, preconceito e estereótipos. ... 43

CAPÍTULO 2 - A RECEPÇÃO E O PROCESSO COMUNICATIVO A PARTIR DA ABORDAGEM INTEGRADA DE RICHARD JONHSON. ... 46

2.1. Dos Estudos Culturais às Teorias de Recepção ... 46

2.2. Das mediações ao Circuito Cultural ... 49

2.2.1. A perspectiva da produção ... 53

2.2.2. Como analisamos os textos ... 55

2.2.3. O papel das leituras ... 55

2.2.4. As culturas vividas e os contextos ... 56

CAPÍTULO 3 - CIRCUITO CULTURAL E RESSIGNFICAÇÕES DA CARTA DE UMA IMIGRANTE NORDESTINA EM SÃO PAULO ... 58

3.1. Metodologia ... 58

3.2. O coletivo Estopô Balaio e o Circuito Cultural ... 64

3.2.1. Análise do processo de produção, circulação e consumo dos produtos do coletivo teatral. ... 67

3.3. Ressignificação das narrativas de uma imigrante nordestina. ... 70

3.3.1. Análise das ressignificações das narrativas presentes na carta, no espetáculo, no curta-metragem e na entrevista. ... 71

3.3.1.1. A carta... 72

3.3.1.2. O espetáculo: Carta 2 – A vida adulta, a mulher. ... 73

3.3.1.3. O curta metragem: Janaína ... 76

3.3.1.4. A entrevista com Janaína ... 78

3.3.2. Análise dos processos de recepção do ponto de vista de janaína. ... 82

3.4. Reflexões finais ... 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 84

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao analisarmos a história das migrações inter-regionais no Brasil, podemos destacar o Nordeste como uma das principais regiões responsáveis pelo fluxo migratório brasileiro. Levando em consideração aspectos quantitativos, apontamos que tal posicionamento decorre do fato de que “durante a década de 1930, o Nordeste perdeu algo em torno de 650 mil pessoas para outras áreas do país e, no decorrer da década seguinte, o número de emigrantes chegou a mais de 900 mil” (OJIMA e FUSCO, 2015, p.13). Com motivações principalmente socioeconômicas, os nordestinos deixavam seus estados e cidades de origem à procura de trabalho em regiões que oferecessem mais oportunidades, como Norte e Sudeste.

Em meados do século 19, o fluxo migratório de nordestinos se dirigia, principalmente, para a região Norte do país, onde a extração da borracha fazia com que a região se desenvolvesse financeiramente e a oferta de empregos fosse bastante vasta. Tal processo se estendeu até a metade do século 20, após a Segunda Guerra Mundial, quando ocorre o colapso da produção da borracha (OJIMA e FUSCO, 2015). Como consequência desse acontecimento, a partir da década de 50, em decorrência do desenvolvimento econômico observado no estado de São Paulo que reforçava a ideia da região como o destino das oportunidades, muitos migrantes atraídos pela ampla oferta de empregos, migram sozinhos, ou com seus familiares, – em especial para a RMSP1. “Dessa forma, o censo em 1970 já apontava que a grande São Paulo, entre as nove regiões metropolitanas do país, era a que apresentava a maior concentração de população migrante do país” (FONTES, 2008, p. 46).

A partir da década de 80, observou-se uma redução nos fluxos migratórios que tinham São Paulo como destino, sendo esse período caracterizado como a “década do retorno”. Apesar disso, na década de 90, o Nordeste continuou a ser a região de origem da maioria dos migrantes interestaduais, correspondendo a 52,6% das pessoas que entraram no estado de São Paulo. Entre os anos de 1981-1991, o volume total de migrantes nordestinos nessa região era de 1,3 milhão, passando para 1,7 milhão entre 1990-2000.

1 Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), também conhecida como Grande São Paulo, concentra 39

municípios e é o maior polo de riqueza nacional. Criada em 1973, foi reorganizada em 2011 pela LC 1.139 que instituiu o Conselho de Desenvolvimento e agrupou seus municípios em cinco sub-regiões. Vivem nesse território quase 50% da população estadual, aproximadamente 21,6 milhões de habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2018. A metrópole centraliza importantes complexos industriais (São Paulo, ABC, Guarulhos e Osasco), comerciais e, principalmente, financeiros (Bolsa de Valores), que dinamizam as atividades econômicas no país. Disponível em:<

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O fluxo migratório interestadual oriundo do Nordeste com destino a São Paulo procedia, conforme aponta Baeninger (2005, p.87):

[...] da Bahia (de um volume de 437 mil pessoas, nos anos 80, para 652 mil, nos 90), do Maranhão (de 32 mil para 63 mil migrantes, respectivamente) e do Piauí (de 79 mil para 109 mil pessoas). Pernambuco continuou ocupando o segundo maior fluxo de migrantes do Nordeste para o Estado de São Paulo.

Abordando a realidade da região Nordeste, observamos que a força da migração de retorno pode ser observada ao compararmos os saldos migratórios negativos em períodos distintos. Enquanto que, no período de 1995-2000, o saldo era de 763 mil pessoas, entre os anos de 2004 e 2009, esse saldo se manteve em 187 mil pessoas. (BAENINGER, 2011). Tal decréscimo, segundo o demógrafo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

Fernando Albuquerque, pode ser atribuído aos programas sociais2 criados no Governo de Luiz

Inácio Lula da Silva, que contribuíram para reter as pessoas em suas cidades de origem em função dos benefícios oferecidos. Além disso, outros motivos podem ser observados, conforme aponta o economista, Fábio Romão:

O crescimento sustentado da economia, que gerou aumento da formalização do emprego no Nordeste, e o ganho real do salário mínimo, que indexa quase a metade dos salários dos trabalhadores na região, explicam a desaceleração do fluxo migratório.

Apesar dessa tendência da migração de retorno, a análise de dados mais atuais permite afirmar que São Paulo continua sendo um polo de atração migratória, visto que, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, no ano de 2015, em torno de 5,6 milhões de nordestinos moram em São Paulo, o que corresponde a 12,66% da população do estado.

Devemos ressaltar que, embora o processo migratório do Nordeste para São Paulo ainda seja um movimento bastante observado nos dias atuais, as condições em que ele ocorre são bem distintas se comparadas com as motivações e as circunstâncias observadas no início dessa migração. Reconhecer essa diversidade nos ajuda a compreender que, ao analisarmos os movimentos migratórios, devemos levar em consideração a heterogeneidade dos migrantes, bem como as suas subjetividades.

Ao estudarmos as primeiras ondas migratórias nordestinas (décadas de 50 e 60, sobretudo), apesar das diversas motivações econômicas, devemos ressaltar também o papel das redes preestabelecidas nesse processo migratório (FONTES, 2008; BAENINGER, 2005). Ou seja, antes de efetivamente migrar para a capital paulista, os nordestinos estabeleciam uma

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rede de contatos, geralmente, composta por algum parente ou amigo que já estava vivendo em São Paulo, oriundo de outra onda migratória anterior. Desse modo, quem aqui chegava já tinha um apoio para se organizar e aprender a viver na “cidade grande”. Por outro lado, havia aqueles que migravam sozinhos, e, como uma forma de se reconhecer e sentir que podiam pertencer a outro local sem ser a sua cidade de origem buscavam viver em bairros e regiões nos quais já havia nordestinos instalados. Tais locais, geralmente, se encontravam na área periférica da cidade como, por exemplo, as regiões que compreendiam os bairros de São Miguel Paulista e Jardim Romano – na zona leste – e os bairros Jardim Ângela e Grajaú – no extremo sul -, locais em que os preços eram mais acessíveis devido à expansão da especulação imobiliária nessas áreas.

Embora ainda existam bairros e regiões que concentrem populações nordestinas, atualmente, essa migração assumiu um caráter mais individualizado, influenciado, principalmente, pela filosofia neoliberal que orienta modos de ser e estilos de vida difundidos por essa lógica socioeconômica. No contexto de fluxos discursivos sobre superação individual e busca por autonomia e melhorias constantes, os imigrantes recém-chegados assumem saídas individuais para poder sobreviver em uma cidade competitiva como São Paulo.

Analisando esse cenário atual, podemos afirmar que o problema da pesquisa aqui proposto se orienta pela reflexão acerca do papel que as singularidades e as saídas individuais assumem no processo de desconstrução do caráter coletivo e homogeneizado por meio do qual o processo migratório nordestino para São Paulo é reconhecido.

Aliado a isso, ressalto também a existência de uma motivação particular, visto que também sou uma imigrante nordestina na cidade de São Paulo e a minha trajetória influencia diretamente no meu desejo de realizar esse trabalho.

Em 2013, quando eu concluí a minha segunda graduação, eu estava há dois anos e meio trabalhando em uma agência de publicidade onde eu mantinha uma ótima relação pessoal com as pessoas, mas o trabalho já não era tão desafiador. Aliando essa insatisfação com o surgimento de uma oportunidade de se mudar para São Paulo e fazer o Master em Marketing, resolvi que valeria a pena arriscar.

Meus planos sempre foram trabalhar com marketing, porém as circunstâncias da vida sempre me levaram a trabalhar em agências de publicidade. Guiada por uma dessas conjunturas, terminei arranjando um emprego em uma agência em São Paulo, e pude comprovar que a dinâmica organizacional e o ambiente corporativo não me realizavam profissionalmente. Com isso, percebi que sempre fui muito mais feliz no ambiente acadêmico,

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tanto que sempre me mantive motivada, estudando e acreditando na importância da aquisição de novos conhecimentos, e consolidando minha opção por esse caminho.

Fiz o processo seletivo em três universidades diferentes: na UFRN, cogitando a possibilidade de voltar pra casa; na USP, pois era pública, gratuita, e composta por professores que eu admirava e desenvolviam excelentes trabalhos na área de consumo; e na ESPM, uma universidade onde eu sempre me senti muito bem acolhida e que abordava a temática do consumo de forma mais direta. Além disso, eu havia conhecido as professoras Tânia Hoff e Rose de Melo no GT de Consumos e Processos de Comunicação da Compós, e isso fez com que eu fosse pesquisar um pouco mais sobre a área acadêmica da ESPM que, na minha concepção, era voltada apenas para o mercado. Depois de reprovar nos dois primeiros processos, fui fazer as provas da ESPM e fui aprovada e ainda conquistei a bolsa CAPES-PROSUP TAXA, que me permitia cursar o mestrado sem pagar a mensalidade, retirando assim o último obstáculo que poderia dificultar o meu ingresso para a ESPM.

O primeiro contato que eu tive com a minha orientadora foi ainda no resultado da seleção. Ao ver meu nome, e ao lado o nome da Profª Drª Denise Cogo, a primeira reação que tive foi procurar quem era ela e o que estudava. Lendo o seu Lattes, pude perceber que as migrações era a sua temática principal, e a única coisa que eu conseguia pensar era: “ Por que me colocaram com essa orientadora?” Afinal, o meu pré-projeto era sobre corpo, mídia, gênero, assuntos que eu não conseguia relacionar com a temática migratória. Entretanto, como eu sempre acredito que as coisas tem um propósito para acontecer, escolhi esperar e confiar.

A temática migratória nunca foi algo que eu pensasse em estudar durante a minha trajetória de ingresso no mestrado de comunicação. Entretanto, ao ser apresentada a esse universo pela minha orientadora, pude observar pontos que poderiam despertar meu interesse e se tornar parte da minha dissertação. Motivada pela busca de crescimento pessoal e profissional, há cinco anos, me tornei uma migrante nordestina vivendo em São Paulo. Tal condição fez com que eu me interessasse em estudar sobre pessoas e projetos que abordassem a migração nordestina e seus símbolos culturais como o eixo central de suas atividades. E, foi nessa busca, que o coletivo teatral “Estopô Balaio” e o espetáculo “Nos trilhos de um leste migrante” surgiram na minha vida acadêmica e passaram a compor o meu objeto de estudo.

Inicialmente, o coletivo trocava café por histórias, porém, com o passar do tempo, perceberam que a maioria delas era sobre migrantes relatando experiências vividas ao chegar a São Paulo ou eram história que aconteciam durante a visita de seus familiares. A partir dessa observação, os integrantes do coletivo escolheram a carta para promover a comunicação entre essas pessoas. Através de ações desenvolvidas nas estações da CPTM, eles organizaram uma

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atividade de escrita e envio de centenas cartas de forma gratuita. A atividade teve início no Jardim Romano3, bairro situado no extremo leste da capital paulista (figura 1), se estendendo, posteriormente, para outras estações, na perspectiva de ampliar seu alcance.

Figura 1 – Mapa da região leste de São Paulo, onde fica o Jardim Romano.

Fonte: Google Maps

Com essas ações, o coletivo conseguiu mediar a escrita de mais de 300 cartas4, dentre as quais, tivemos acesso a 178. Durante o próprio processo de escrita, foram surgindo histórias que, segundo os membros do coletivo, “mereciam ser contadas para mais pessoas”.

Desse modo, surgiu o espetáculo “Nos trilhos abertos de um leste migrante” 5

, composto por três produtos culturais que foram produzidos com base em cartas que contavam histórias de vida que chamaram a atenção dos membros do coletivo, e, segundo eles, poderiam ser classificadas como “cartas que mereciam ser contadas para mais pessoas”. Desse modo, surgiu o espetáculo “Nos trilhos abertos de um leste migrante”, composto por três peças teatrais inspiradas em três cartas com temáticas bastante distintas, como podemos observar no quadro a seguir:

3 Jardim Romano é um bairro localizado no distrito de Jardim Helena, no município de São Paulo. É o último

bairro do leste pertencendo ao município de São Paulo e faz divisa com os municípios de Guarulhos ao norte, Itaquaquecetuba ao leste, e ao distrito de Itaim Paulista ao sul. Esse bairro fica próximo ao rio Tietê e o Córrego Três Pontes, o que lhe torna alvo de enchentes recorrentes em épocas de chuva.

4 A temática das cartas é bastante diversificada, por isso criamos uma categorização por temas que será detalhada

no capítulo da metodologia.

5 “Nos Trilhos Abertos de um Leste Migrante”, é um projeto que envolve um tríptico, três histórias sobre sonhos,

fugas e lembranças de Martha e seu filho Erik, Janaína, e do Sr. Vital, (i)migrantes que saíram da Bolívia, de Pernambuco e de Minas Gerais, respectivamente, para construir novas narrativas pessoais na cidade de São Paulo.

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CARTA ESPETÁCULO TEMÁTICA

De Martha para Geraldo Luiz

Carta 1 - A infância, promessa de mãe

História de Erik, filho de bolivianos. Já no Brasil, Martha, sua mãe, escreveu uma carta para seu pai (avô de Erik, que estava doente na Bolívia). Martha, com o desejo de rever seu pai na Bolívia, fez a promessa de não cortar o cabelo do filho pequeno enquanto não pudesse voltar ao seu país natal e rever seu pai, para que ele mesmo pudesse cortar o cabelo de Erik. Quando finalmente a mãe de Erik conseguiu voltar ao seu país com o menino, o avô de Erik não se achou à altura de cumprir a promessa e não cortou o cabelo do neto. Foi então que Erik teve a ideia de oferecer sua história para um programa da TV aberta: o cabelo imenso (media cerca de 1,20m) poderia resolver parte dos problemas financeiros da família. E assim foi que o garoto expôs sua história na TV e conseguiu reformar seu quarto.

De Janaína para Natália (Sua Filha)

A “Carta 2 - A vida adulta, a mulher"

História de Janaína. Nascida e crescida em Pernambuco, em Bonança, sofreu diversos tipos de abuso na infância. Aos 15 anos, foi entregue a um homem ao qual teve que chamar de marido. Foram 18 anos de um relacionamento abusivo com seu “marido”. Janaina passou por vários tipos de violência - a mais frequente era a doméstica – mas chegou a apanhar dele até mesmo dentro do hospital onde estava internada por causa das surras que recebia. Estimulada pelos seus dois filhos, Janaina se libertou do relacionamento e veio para São Paulo, com milhões de sonhos na mala. Há seis anos aqui, Janaina é uma das seguranças da estação central da CPTM, no Brás.

De Seu Vital A “Carta 3 - A velhice, o artista"

História de Sr. Vital. Nascido em Mariana (MG), na roça, saiu de lá em 1964, para tentar a sorte na famosa cidade de São Paulo. O destino profissional do Sr. Vital cruzou diversas metalúrgicas, em épocas que o sindicalismo era bastante forte, vivenciou lutas e os desdobramentos trabalhistas do período. Mas o sonho do Sr. Vital sempre foi tocar sanfona. E foi só na sua aposentadoria que um empréstimo bancário fez o sonho virar realidade. O Sr. Vital se envolveu no assunto “cartas e Estopô Balaio” quando ofereceu sua música como ferramenta para encorajar os transeuntes da estação de trem do Brás a escreverem cartas, por meio dos integrantes do coletivo. Ele, que estava em processo de alfabetização, aproveitou o ensejo e se permitiu escrever cartas para os amigos. Em cena, a história do Sr. Vital rememora seu passado de metalúrgico, sua infância e as privações da velhice. Nas inquietações sobre a velhice, o Sr. Vital questiona o confinamento dos idosos em asilos - privados de sua liberdade sobre essa escolha.

NOS TRILHOS ABERTOS DE UM LESTE MIGRANTE

Quadro 1: Temática das cartas que compoem o espetáculo Nos trilhos abertos de um leste migrante.

Fonte: https://coletivoestopobalaio.com.br/nos-trilhos-abertos-de-um-leste-migrante

As três cartas foram transformadas em produtos comunicacionais, porém, algumas delas circularam em mais de um suporte e tiveram a sua circulação midiatizada, seja através de um programa de televisão ou da participação em festivais de filmes de curta metragem. Enquanto que a carta 1 foi encenada apenas no palco da SP Escola de Teatro – Brás; e a carta 3 teve um formato itinerante sendo encenado nos vagões da estação Brás da CPTM; a carta 2, além desses dois formatos, também foi traduzida para o audiovisual e se transformou em um curta metragem de 15 minutos de duração.

Nesse sentido, para o desenvolvimento dessa dissertação, selecionamos o espetáculo que teve como origem a carta de Janaína, como nosso objeto empírico da pesquisa. A Carta 2 – a mulher, conta a história de Janaina, nascida e crescida na cidade Bonança, estado de Pernambuco, e que sofreu diversos tipos de abuso durante sua infância. Aos 15 anos, foi entregue a um homem, ao qual teve que chamar de marido. Após 18 anos vivendo um relacionamento abusivo no qual que era submetida a vários tipos de violência - a mais frequente era a de gênero, Janaína, estimulada pelos seus dois filhos, deixa o relacionamento e foge para São Paulo.

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Tal objeto mobilizou discussões em torno do conceito de singularidade em contraponto ao contexto construído em relação ao que é ser imigrante nordestino em São Paulo. Desse modo, por meio do circuito cultural proposto por Richard Johnson (1999), analisamos como o coletivo Estopô Balaio, no espetáculo “Carta 2 – vida adulta, a mulher” baseado na carta de Janaína, traduz/ressignifica a experiência de ser mulher, migrante e nordestina na cidade de São Paulo em produtos comunicacionais e midiáticos.

Nesta pesquisa, realizamos, então, uma análise das narrativas da carta 2, em que Janaína, mulher, migrante e nordestina, conta as singularidades de seu processo migratório de Pernambuco para São Paulo. Para o desenvolvimento desse estudo, adotamos a abordagem teórico-metodológica de Richard Johnson, denominada “Circuitos Culturais”. Através dessa abordagem, buscamos compreender como ocorre o processo de produção, circulação e consumo midiático dos produtos comunicacionais em que a carta foi ressignificada. Além disso, realizamos uma entrevista com Janaína, a fim de observar, do ponto de vista dos estudos de recepção, como ela se percebe nos produtos comunicacionais originados da sua carta e qual foram os impactos desse processo de ressignificação da carta na sua vida e em sua trajetória migratória.

Devemos ressaltar que, nesse trabalho, a carta foi considerada uma estratégia narrativa e política, visto que ela surge como uma forma de tornar pública a singularidade de cada imigrante, e, consequentemente, de cada narrativa. O que possibilita perceber que o caráter coletivo do processo migratório é permeado por diversas saídas individuais que se contrapõem à própria visão homogeneizante que também tem caracterizado a construção da experiência da migração e do migrante. Ao tratarmos especificamente da trajetória de Janaína, focalizamos também a questão do feminino como forma de compreender o papel da mulher no processo migratório e suas dinâmicas de resistência frente a situações de violência, como a de gênero.

Sendo assim, o estudo proposto buscou se orientar pela seguinte pergunta de pesquisa:

 Como o coletivo teatral Estopô Balaio, a partir de um produto cultural (o teatro), ressignifica as narrativas presentes em cartas de imigrantes nordestinos e as transforma em produtos comunicacionais, tendo como objetivo a desconstrução da ideia de homogeneização do processo migratório nordestino e ressaltando as singularidades dos contextos vividos pelos imigrantes autores das cartas?

A partir dessa pergunta mais ampla, fomos selecionando alguns aspectos observados na carta de Janaína e delimitamos a nossa pergunta de pesquisa a fim de compreender:

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 De que maneira, nesse processo de transformação, ocorre a ressignificação da carta de uma imigrante nordestina – Janaina -, pelo coletivo teatral Estopô Balaio, levando em consideração a análise dos processos de produção, circulação e consumo midiático dos produtos comunicacionais, a peça e o curta-metragem, desenvolvidos pelo coletivo a partir dessa carta?

 Como as dimensões da violência de gênero e da xenofobia são ressignificadas

na trajetória de uma mulher migrante nordestina nessa dinâmica comunicacional de transformação de uma carta em produtos comunicacionais?

 De que modo a imigrante nordestina ressignifica os produtos comunicacionais

produzidos pelo coletivo, com base na sua carta, evidenciando que as singularidades de sua trajetória apontam para o reforço das dinâmicas de individualização e dos discursos de superação no processo migratório nordestino?

Em relação ao nosso objetivo, devemos destacar que o objetivo geral da dissertação é analisar a ressignificação das narrativas da carta de uma imigrante nordestina, na cidade de São Paulo, no contexto da produção, circulação e consumo comunicacional das produções do coletivo Estopô Balaio na perspectiva de compreender como eles constroem uma concepção homogênea sobre o processo migratório nordestino a partir de saídas individuais que os migrantes buscam para sobreviver em uma cidade como São Paulo.

Uma análise das abordagens teórico-metodológicas dos estudos de recepção no campo da comunicação permitiu que observássemos que muitos trabalhos ainda se limitam a estudar o processo comunicacional de forma unilateral, ou seja, enfatizando apenas um polo do processo. Consequentemente, não se observa uma grande propensão a se estudar o processo de consumo e recepção atrelado às condições de produção. Além disso, os objetos de estudo não priorizam o estudo das audiências, em vez disso, focam suas pesquisas nas análises dos meios de comunicação e nos textos veiculados, conforme aponta Escosteguy (2007, p.117):

A pesquisa em comunicação tem privilegiado como objeto de estudo os próprios meios como instituições onde se destacam suas vinculações políticas e econômicas, as formas simbólicas produzidas e veiculadas por essas tecnologias de comunicação, isto é, os sentidos postos em circulação pelos textos midiáticos, e, em menor proporção, as audiências, compreendidos nesse âmbito os usos sociais da mídia, seus efeitos e influências.

Diante dessa realidade, a nossa pesquisa observou como ocorre o processo de ressignificação de um produto cultural, em um produto comunicacional, observando o circuito completo, ou seja, a produção, a circulação e o consumo desses produtos, levando em consideração os contextos em que cada um deles ocorre.

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Para uma aproximação com estado da arte sobre as pesquisas em comunicação e imigração nordestina, empreendemos um levantamento bibliográfico em repositórios de teses e dissertações dos Programas de Pós-Graduação6 em Comunicação do Brasil. O resultado obtido foi considerado limitado, visto que só tivemos três trabalhos com essa temática na área de comunicação, especificamente. Assim, expandimos a pesquisa para outras áreas de estudos, que possuíam relação com os campos das ciências sociais e humanas, como a Antropologia e a Geografia.

Reunimos, nesse levantamento, aproximadamente 50 trabalhos que nos

evidenciaram, sobretudo, que a migração nordestina não figura entre os assuntos mais pesquisados na atualidade pelo campo da comunicação. Dentre os trabalhos encontrados, apenas três deles haviam sido desenvolvidos por um programa de pós-graduação em Comunicação. Dois deles tinham temáticas que versavam sobre a migração nordestina e o forró na cidade de SP; e o outro, sobre os cearenses migrantes do RJ e as representações que eles partilhavam sobre a cidade.

Ainda com base nesse levantamento, o que mais observamos é os migrantes nordestinos sendo estudados em trabalhos de outros campos de pesquisa, por exemplo, nos Programas de Pós-Graduação que se concentram na área de sociologia, geografia, história, antropologia e psicologia. Nesse contexto, a maioria das temáticas abordadas pelos trabalhos de comunicação que tratam sobre os migrantes nordestinos diz respeito à sua representação na mídia e tem como principais suportes comunicacionais a televisão, o cinema e o rádio.

Já os anos das publicações se concentram entre 2000 e 2018, sendo dos anos de 2011 a 2018 a maior quantidade de trabalhos. Além disso, destacamos que as pesquisas estão concentradas, primeiramente, em instituições do Sudeste, por exemplo, UFSCAR, PUC SP e USP, seguida pelas do Nordeste como, por exemplo, UFCG e UFS. Devemos destacar também que a questão do feminino aparece apenas em 10% dos trabalhos encontrados, ou seja, apenas cinco teses ou dissertações abordam a questão da mulher no contexto migratório focado em diversas temáticas. Por exemplo, a experiência da mulher migrante nordestina em Boa Vista/RR; a história de vida da mulher migrante nordestina em busca de autonomia e emancipação em SP; e a trajetória de vida de mulheres migrantes nordestinas que vivem em SP considerando sua origem, sua cultura regional, sua condição socioeconômica e seus arranjos familiares.

6

As pesquisas foram realizadas nos repositórios de teses e dissertações de programas de pós-graduação nacionais que tivessem cursos na área de comunicação. Com base em uma lista gerada no site da CAPES, chegamos a um total de 56 instituições.

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Posteriormente, realizamos uma pesquisa buscando a relação entre a migração nordestina e as cartas a partir das palavras-chave migração nordestina, nordeste e cartas, e verificamos a inexistência de trabalhos que relacionassem a migração nordestina, a escrita de cartas e a tradução delas em produtos midiáticos. Sendo assim, a partir do contexto e da recepção, o presente projeto poderá sugerir novos olhares para a temática e ajudar a preencher possíveis lacunas.

Essa dissertação está inserida na linha de pesquisa “Comunicação, consumo e contextos de recepção” do PPGCOM-ESPM, que tem como objetivo a investigação da interface comunicação/consumo no plano da recepção e dos contextos macrossociais, buscando compreender os encadeamentos da comunicação e do consumo no cotidiano, na cultura e na sociedade.

Desse modo, a colaboração que ele busca oferecer ao PPGCOM - ESPM reside no fato de que se trata de uma pesquisa que ampliará a discussão sobre as abordagens teórico-metodológicos dos estudos de recepção utilizando “um protocolo analítico que atende à integração dos diferentes elementos – produtores, textos e receptores – e momentos – produção, circulação e recepção/consumo – que configuram a totalidade do processo comunicativo” (ESCOSTEGUY, 2007, p.117).

Além disso, a relevância social desse projeto de pesquisa para os estudos sobre migração nordestina pode ser observada ao questionarmos a ideia de que os imigrantes adotam saídas individuais similares para sobreviver na sociedade de destino. Tais soluções são ancoradas em uma visão homogeneizada do sujeito imigrante neoliberal, que seria aquele que precisa se esforçar para sobreviver e vencer por conta própria em um novo contexto. Do ponto de vista da comunicação, esse projeto se torna relevante na medida em que indaga sobre a existência de produtos culturais e comunicacionais que retratam a realidade dos imigrantes nordestinos que vivem em São Paulo e são obrigados a adotar iniciativas e esforços individuais para poder sobreviver na cidade, o que está relacionada também à fragilidade das políticas públicas que lhes asseguram direitos e cidadania.

Em última instância, o projeto tem relevância para o grupo de pesquisa Deslocar

Interculturalidade, Cidadania, Comunicação e Consumo7 coordenado pela Prof.ª Dr.ª Denise

Cogo no PPGCOM-ESPM. Visto que se trata de um tema relacionado com um dos eixos da pesquisa do grupo: a Mobilidades, relações de gênero, comunicação e consumo, visto que aborda as singularidades da mulher migrante no contexto da migração nordestina, destacando,

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por exemplo, a violência de gênero e a xenofobia vivida nesse processo. Essa dissertação adota uma metodologia qualitativa orientada pelos seguintes procedimentos:

 Revisão bibliográfica: desenvolvemos, inicialmente, um levantamento do

estado da arte das pesquisas na interface estudada com o objetivo de verificar as produções acadêmicas sobre a migração nordestina no campo da comunicação. Além disso, empreendemos algumas leituras que expandiram nossos conhecimentos teóricos em relação ao fluxo migratório de nordestinos para São Paulo; sobre os processos de recepção e mediação e sobre a abordagem teórico metodológica proposta por Richard Johnson (1999), o circuito cultural. Posteriormente, aprofundamos nossos saberes em relação aos conceitos relacionados com o Neoliberalismo e as subjetividades do sujeito imigrante neoliberal; com a violência de gênero e a imigração feminina; e com os estereótipos e a xenofobia que permeia o processo migratório nordestino.

 Pesquisa documental - coleta e análise de produtos comunicacionais:

realizamos uma coleta que abrangeu uma pesquisa que nos levou à matéria jornalística sobre o coletivo Estopô Balaio e o espetáculo “Nos trilhos abertos de um leste migrante” veiculada no site Canal Aberto8

. Essa matéria nos apresentou o grupo teatral, fez com que acessássemos o site, tivéssemos mais informações sobre a história do coletivo e fossemos assistir a peça itinerante “Carta 2 – A vida adulta, a mulher”. Nessa ocasião, conversamos com alguns membros do coletivo e tivemos acesso às cartas escritas por eles. Do corpus total de 300 cartas, eles nos disponibilizaram 178. Inicialmente, fizemos a análise – tabulação e classificação – das cartas, com o objetivo de delimitar o nosso objeto de estudo. Posteriormente, definimos que a carta que estudaríamos seria a de Janaína, que deu origem a um espetáculo teatral e um curta metragem (que, posteriormente, também nos foi disponibilizado). Com o

corpus delimitado, observamos quais questões poderíamos destacar na análise

do produto comunicacional resultado da carta de Janaina, o curta-metragem9, e

identificamos as temáticas de violência de gênero e da migração como busca de liberdade, como questões que pudessem influenciar o processo migratório.

8 Disponível em: http://www.canalaberto.com.br/index.php?r=em-cartaz/nos-trilhos-de-um-leste-migrante-e-o-novo-espetaculo-do-coletivo-estopo-balaio. Acesso em: 04 de abril de 2018.

9 O filme encontra-se em cartaz, rodando festivais de curta-metragem pelo Brasil. Devido a isso, a sua

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 Entrevistas semidirigidas10: realizamos uma entrevista com Ana Carolina Marinho, atriz e membro-fundadora do coletivo Estopô Balaio. A partir de um roteiro de 11 questões que abordaram a origem e os espetáculos do coletivo, bem como seu trabalho em torno da temática migratória, buscamos compreender o processo de produção, circulação e consumo das produções do coletivo teatral. Uma entrevista com Janaína, imigrante nordestina, buscamos conhecer sua história de vida e compreender como foi o seu processo migratório para São Paulo. Além disso, indagamos também sobre a sua relação com o coletivo teatral, a sua participação nos processos produtivos do espetáculo teatral e do curta metragem - que tiveram sua carta como origem, buscando levantar as ressignificações que ela produziu tanto no que se refere à configuração final dos produtos quanto às percepções do público que os consumiu. Devemos destacar também a conversa que tivemos com Juão Nin, membro do coletivo teatral, apesar de não ter sido uma entrevista formal, foi através dela que pudemos nos apresentar ao coletivo e ter contato com os outros membros.

 Observação: assistimos produções culturais, tanto do Estopô Balaio, quanto de

outros coletivos, que tratavam da temática migratória nordestina, sendo elas: Carta 2 – a mulher, Portar(ia) Silêncio e A invenção do Nordeste.

 Análise das narrativas observadas na entrevista, na carta e na dramaturgia11 dos espetáculos: definimos, a partir do material empírico coletado, três dimensões para analisar a ressignificação que Janaína e o coletivo teatral fazem das narrativas que compõem a história da imigrante nordestina. As dimensões são: a violência de gênero, o discurso de superação neoliberal e os estereótipos e a xenofobia no processo migratório nordestino.

A estrutura da dissertação é composta por três capítulos. O primeiro dele, cujo título é “Neoliberalismo e Migração Nordestina em São Paulo: Contextos, subjetividades e gênero”, se constitui de uma revisão bibliográfica que tem como objetivo ampliar e aprofundar nossos conhecimentos sobre princípios socioeconômicos do Neoliberalismo e a forma que ele

10

Para esta dissertação as falas foram transcritas exatamente como foram ditas. A transcrição completa das duas entrevistas podem ser observadas no apêndice desse trabalho. Além disso, destacamos também que nos foi autorizada pelos entrevistados a publicação da entrevista, bem como a utilização de seus nomes.

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impacta o processo migratório; as subjetividades e as narrativas que compõe o sujeito migrante; as singularidades do movimento migratório feminino e a violência de gênero; e sobre o preconceito, materializado na xenofobia e justificado pelos estereótipos.

Já o segundo capítulo, denominado “A recepção e o processo comunicativo a partir da abordagem integrada de Richard Johnson”, trata da nossa abordagem teórico-metodológica: o circuito cultural. Nesse capítulo, ampliamos a discussão em torno dos estudos de recepção e do processo de mediação na perspectiva da ressignificação, e explicamos as etapas do circuito e como elas funcionam de modo complementar.

O terceiro capítulo, intitulado “O circuito cultural e as ressignficações da carta de uma imigrante nordestina em São Paulo”, apresenta a análise que empreendemos nessa dissertação. Para isso, explicamos o caminho metodológico que percorremos e descrevemos o coletivo teatral Estopô Balaio e o seu contexto com base no circuito cultural. Posteriormente, observamos as ressignificações que Janaína faz da sua história nas narrativas presentes na carta e na sua entrevista, e as que o coletivo faz nos produtos culturais e comunicacionais que tem a carta da imigrante como origem. Por último, realizamos um estudo de recepção com o intuito de verificar como Janaína se percebe nos produtos que o coletivo produziu com base na sua história e como ela classifica a percepção que o público teve ao assistir o espetáculo teatral e o curta metragem. Para finalizar a dissertação, apresentamos considerações finais compostas por uma síntese dos resultados obtidos na pesquisa e algumas indagações que surgiram ao longo do trabalho.

1. CAPÍTULO 1 – NEOLIBERALISMO E MIGRAÇÃO NORDESTINA EM SÃO PAULO: CONTEXTOS, SUBJETIVIDADES E GÊNERO.

Neste capítulo, inicialmente iremos apresentar os conceitos históricos e sociais que explicam a evolução do Capitalismo, com o objetivo de discutir o surgimento do Neoliberalismo e como essa realidade impacta os movimentos migratórios.

Posteriormente, apresentaremos uma evolução histórica do movimento migratório nordestino para São Paulo, destacando as mudanças observadas ao longo das diversas ondas migratórias até os dias atuais.

Em seguida, analisaremos as subjetividades migrantes levando em consideração duas instâncias: os relatos de si e a utilização da carta como forma de narrativa e publicização de suas histórias de vida e as singularidades das mulheres migrantes.

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1.1. Do Capitalismo ao Neoliberalismo

O capitalismo passou por várias fases e momentos durante toda a sua história. Na perspectiva de entender como ocorreu a implantação do modelo socioeconômico e político neoliberal, faz-se necessário compreender as mudanças e transformações que ocorreram no sistema capitalista no decorrer da evolução histórica da humanidade. Com o objetivo de assimilar como o capitalismo se desenvolveu ao longo dos anos, utilizamos a divisão proposta por Carvalho (2018), que divide o capitalismo em três fases principais de desenvolvimento de acordo com forma de acumulação econômica e o grau de intervenção do estado, denominadas: comercial, industrial e financeiro.

Na primeira fase, conhecida como o capitalismo comercial, o sistema econômico vigente era o mercantilismo e se baseava em estados nacionais sólidos que interviam fortemente na economia. A acumulação de riquezas era medida tanto pelo acúmulo, quanto pelo acesso que as nações tinham a matérias primas e especiarias.

Após as Revoluções Industrial e Francesa, iniciou-se a segunda fase, a qual chamamos de capitalismo industrial. Durante esse período, a Inglaterra se tornou a grande potência mundial e a burguesia, a classe que dominava a economia e os meios de produção. O modelo socioeconômico predominante era o liberalismo econômico que pregava a intervenção mínima do Estado nas práticas econômicas, fazendo com que a classe burguesa tivesse o seu poder cada vez mais consolidado.

A terceira fase, conhecida como o capitalismo financeiro, se caracteriza pela máxima acumulação de capital e pela transição da economia industrial para a economia especulativa e financeira. Esse novo tipo de economia desencadeou a famosa crise de 1929, que foi o primeiro grande colapso do capitalismo e do liberalismo econômico. Na ocasião, os Estados Unidos atravessaram uma crise de superprodução que decorreu, por um lado, do fato das mercadorias produzidas não serem consumidas com a mesma velocidade; e, por outro lado, uma grande especulação financeira provocada pelo aumento dos investimentos em ações na bolsa de valores de Nova York.

Como uma forma de tentar conter a crise, Henry Ford implementou mudanças em suas empresas, tais como o aumento dos salários, buscando um incremento do consumo de mercadorias e a recuperação do mercado, porém, como aponta Harvey (2008, p.122)

(...) as leis coercitivas da competição se mostraram demasiado fortes mesmo para o poderoso Ford, forçando-o a demitir trabalhadores e cortar salários. Foi necessário o New Deal de Roosevelt para salvar o capitalismo - fazendo, através da intervenção do Estado, o que Ford tentara fazer sozinho.

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No período pós-crise de 29, com a efetivação do New Deal,12 o modelo econômico que passou a ser adotado e se tornou hegemônico foi o Keynesiano. Ele tinha como ideologia o retorno da máxima atuação do Estado na economia. Aliado a isso, passam a ser adotadas políticas de investimento em melhorias para as sociedades através de um modelo que ficou conhecido com Welfare State ou estado de bem estar social.

Sendo assim, Queiroz (2018) explica que:

O Estado atuava como regulador, de forma rígida, através da negociação coletiva, socializando o bem-estar social, estabilizando a economia internacional através de acordos multilaterais, sendo centralizador, intervindo de forma indireta nos mercados através de políticas de renda e de preços, políticas regionais e nacionais, com pesquisa e desenvolvimento financiados pelas firmas e a inovação era liderada pelas grandes indústrias.

Nesse contexto, após a Segunda Guerra Mundial e até a década de 70, o capitalismo viveu sua fase de ouro, apresentando altas taxas de crescimento econômico com o aumento nas demandas de consumo e a expansão das empresas multinacionais, que se instalavam em países subdesenvolvidos em busca de mão de obra barata e novos mercados consumidores.

Sobre esse cenário, Harvey (2008, p.125) afirma que:

Ao longo desse período, o capitalismo nos países capitalistas avançados alcançou taxas fortes, mas relativamente estáveis de crescimento econômico. Os padrões de vida se elevaram, as tendências de crise foram contidas, a democracia de massa, preservada e a ameaça de guerras intercapitalistas, tornada remota.

Diante dessa realidade otimista, não era esperada a ocorrência da segunda crise do capitalismo que ocorreu em 1973. Nesse período, “o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação” (ANDERSON, 1995, p.10). Complementando essa ideia, Harvey (2008, p.136) aponta que:

O mundo capitalista estava sendo afogado pelo excesso de fundos; e, com as poucas áreas produtivas reduzidas para investimento, esse excesso significava uma forte inflação. A tentativa de frear a inflação ascendente em 1973 expôs muita capacidade excedente nas economias ocidentais, disparando antes de tudo uma crise mundial nos mercados imobiliários e severas dificuldades nas instituições financeiras.

O mesmo autor também destaca que esses problemas foram causados, sobretudo, pela rigidez, seja ela dos investimentos de capital fixo, do planejamento, dos mercados, do Estado

12 O New Deal foi um plano econômico criado com o objetivo de recuperar a economia norte-americana após a

crise de 1929. Ele defendia que o Estado tivesse participação direta na economia nacional e estabelecia o controle na emissão de valores monetários, o investimento em setores básicos da indústria e a criação de políticas de emprego.

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em investimentos sociais e dos contratos de trabalho. Sendo assim, mostraram-se necessárias novas formas de expansão e de acumulação de capitais. Conforme afirma Anderson (1995, p.10) a solução seria “manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas”. Nesse contexto é que autores como Marques destacam o surgimento do Neoliberalismo, “um projeto político-econômico contra o Estado intervencionista e de bem-estar social” (MARQUES, 2016, p. 12).

As políticas neoliberais começaram a ganhar força e serem colocadas em prática no final da década de 70, em 1979, quando foi eleito o governo da primeira-ministra Margareth Thatcher na Inglaterra e, em 1980, ano em que Ronald Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos. Esses dois governos colaboraram, em grande medida, para a consolidação do modelo econômico neoliberal. Posteriormente, ocorreu a expansão do Neoliberalismo para outros países, como, por exemplo, o Brasil durante o governo de Fernando Collor de Mello (1990 – 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2003).

Ainda sobre o surgimento do Neoliberalismo, a mesma autora destaca que:

O neoliberalismo foi constituído por uma série de estratégias políticas, econômicas internacionais, orientado como solução para a crise capitalista de 70. A difusão deste projeto político-econômico partiu da construção de uma nova ordem mundial (MARQUES, 2016, p. 14). Essa nova etapa do capitalismo, que aqui chamamos de Neoliberalismo, defende medidas que se relacionam diretamente com as políticas econômicas como a retirada do Estado da economia, abertura da economia, privatização das estatais e desregulamentação da economia. Entretanto, as consequências dessas mudanças econômicas podem ser sentidas também no âmbito político e social, conforme ressalta Safatle (2015)

[...] vale a pena lembrar como o neoliberalismo não é apenas um modo de regulação dos sistemas de trocas econômicas baseado na maximização da concorrência e do dito livre comércio. Ele é um regime de gestão social e produção de formas de vida.

Ainda segundo o mesmo autor, uma das mudanças sociais promovida pelo neoliberalismo foi a internalização do ideal “empresário de si”. Essa nova ideia operou para que as pessoas passassem a definir a “racionalidade de suas ações a partir da lógica de investimentos e retorno de “capitais” e que compreendem seus afetos como objetos de um trabalho sobre si, tendo em vista a produção de “inteligência emocional” e otimização de suas competências afetivas” (SAFATLE, 2015, grifo do autor).

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Diante disso, resumindo essa nova lógica proposta pelo liberalismo, Dardot e Laval (2016, p.7) concluem que:

O neoliberalismo transformou profundamente o capitalismo, transformando profundamente as sociedades. Nesse sentido, o neoliberalismo não é apenas uma ideologia, um tipo de política econômica. É um sistema normativo que ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas da vida.

Nessa dissertação, um dos nossos objetivos é compreender como o Neoliberalismo pode influenciar o processo migratório de uma mulher migrante nordestina e como esse novo cenário impacta no seu processo de adaptação à nova realidade e na constituição de suas singularidades. Assim, discutimos, a seguir, alguns aspectos das transformações observadas no âmbito social e que moldam o sujeito neoliberal.

1.2. O sujeito neoliberal e o processo migratório

Durante muito tempo, as caracterizações sobre o Neoliberalismo estiveram centradas na ideia de mínima intervenção do estado na economia e a defesa do livre mercado. No entanto, com o avanço dos estudos sobre o Neoliberalismo, autores como Dardot e Laval (2016) passam a enfatizar que mais do que minimizar a ação do estado, o objetivo central do neoliberalismo reside na difusão de uma mentalidade que determina que todos devem se comportar como uma empresa privada.

Diante disso, podemos dizer que “o neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma política econômica, é, em primeiro lugar, e, fundamentalmente, uma racionalidade” (DARDOT E LAVAL, 2016, p.17), a partir de uma especificidade assinalada pelos dois autores.

a racionalidade neoliberal que realmente se desenvolve nos anos 1980-1990 não é a simples implementação da doutrina elaborada nos anos 1930. Não passamos com ela da teoria para a prática. (...) Trata-se aqui não da ação de uma monocausalidade (da ideologia para a economia ou vice-versa), mas de uma multiplicidade de processos heterogêneos que resultaram, (...) nesse “efeito global” que é a implantação de uma nova racionalidade governamental. (DARDOT e LAVAL, 2016, p.31).

Essa nova racionalidade pode ser observada na própria definição que os autores nos trazem, no qual afirmam que “o neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência” (DARDOT e LAVAL, 2016, p.17). Eles

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também defendem a ideia que, no Neoliberalismo, a competição e a concorrência ocorrem em todos os campos da existência humana.

Nessa fase do capitalismo neoliberal, quando até mesmo os Estados passam a seguir a lógica empresarial da concorrência, podemos observar duas importantes mudanças que são apontadas por Queiroz (2018): a relativização do papel do Estado como entidade integradora de todas as faces da vida coletiva e o fato de todas as dimensões do Estado passarem a ser geridas pela ótica da concorrência. Sendo assim, “o Estado passa a ser mais uma entidade que busca maximizar seus resultados, como uma empresa” (QUEIROZ, 2018, p.187).

Além disso, o que queremos reforçar é que não é apenas o Estado que passa a funcionar seguindo essa mesma lógica, mas toda a sociedade que passa a ser tratada como mercado, no qual, conforme já referimos anteriormente, cada indivíduo é uma empresa, É nesse contexto que se desenvolve o chamado sujeito neoliberal que, conforme sintetizam Dardot e Laval (2016, p.322), “é o homem competitivo, inteiramente imerso na competição mundial”.

Ainda sobre essa nova realidade baseada na concorrência e na competitividade, destacamos que “a competição introjeta-se até na esfera da subjetividade dos indivíduos. A vida passa a ser vista como uma empresa – um capital a ser continuamente valorizado –, na qual o indivíduo é empreendedor de si mesmo” (QUEIROZ, 2018, p.189).

Segundo Safatle (2015), esse anseio empresarial de si foi a motivação psicológica que o neoliberalismo precisava para consolidar a sociedade no modelo empresa. A partir dessa consolidação, o discurso do herói assume novos contornos e passa a ser atribuído aquele indivíduo que consegue ser produtivo em todas as esferas da sua vida e que está sempre buscando se aperfeiçoar, se superar, como uma forma de se manter competitivo e superior aos outros indivíduos.

Conforme destacam Dardot e Laval (2016, p.327)

(...) o efeito procurado pelas novas práticas de fabricação e gestão do novo sujeito é fazer com que o indivíduo trabalhe para a empresa como se trabalhasse para si mesmo e, assim, eliminar qualquer sentimento de alienação e até mesmo qualquer distância entre o indivíduo e a empresa que o emprega. Ele deve trabalhar para sua própria eficácia, para a intensificação de seu esforço, como se essa conduta viesse dele próprio, como se esta lhe fosse comandada de dentro por uma ordem imperiosa de seu próprio desejo, à qual ele não pode resistir.

Esses mesmo autores propõem um questionamento na perspectiva de compreender o porquê dos trabalhadores se submetem a essa lógica de trabalho. E nos lembra que a resposta é bem simples: por medo. A crescente precarização dos direitos trabalhista faz com que os

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indivíduos se submetam a empregos cada vez mais instáveis e insatisfatórios. O receio de serem demitidos e verem o seu poder de compra diminuído, eles terminam aceitando as regras da empresa e produzindo assim “um aumento considerável do grau de dependência dos trabalhadores com relação aos empregadores” (DARDOT e LAVAL, 2016, p.323).

Ao transformarmos o sujeito no principal responsável pelo seu êxito no trabalho e na vida, também transferimos para ele os riscos e a responsabilidade, caso ocorram, pelo seu fracasso. Essa transferência tem duas consequências benéficas para os empregadores: a possibilidade de exigir cada vez mais comprometimento e disponibilidade dos empregados e a capacidade de moldar os indivíduos a se tornarem mais resistentes e capazes de suportarem essa nova jornada de trabalho.

Em outras palavras, a lógica de trabalho no Neoliberalismo,

consiste em promover uma “reação em cadeia”, produzindo “sujeitos empreendedores” que, por sua vez, reproduzirão, ampliarão e reforçarão as relações de competição entre eles, o que exigirá, segundo a lógica do processo autorrealizador, que eles se adaptem subjetivamente às condições cada vez mais duras que eles mesmos produziram. (DARDOT e LAVAL, 2016, p.324)

Tal realidade pode ser observada, de modo cada vez mais frequente, nos dias atuais, em empresas como a Uber, o iFood e a Rappi. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo, “quatro milhões de pessoas trabalham para essas plataformas no Brasil hoje” (BBC NEWS BRASIL, 2019).

Ainda sobre esse vertiginoso crescimento dos aplicativos, Putti (2019), afirma que

Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, apps como Uber, iFood e Rappi seriam os maiores “empregadores” brasileiros caso se unissem em uma única companhia. Nos últimos anos, diante do aprofundamento da crise econômica e da destruição das vagas formais, esse grupo de empresas virtuais, em geral sediadas no exterior, passou a intermediar a oferta de trabalho intermitente e mal remunerado para 4 milhões de entregadores e motoristas. Mais famoso entre os aplicativos, o Uber virou até sinônimo da precarização do mercado. Muitos acadêmicos denominam essa nova fase das relações capitalistas de “uberização” do trabalho.

Tais empresas se utilizam da lógica neoliberal e, sobretudo, da ideia de “empresários de si” com o objetivo de angariar cada vez mais indivíduos para trabalhar em suas plataformas. Esses homens e mulheres terminam por sucumbir aos “empregos de aplicativos”, pois essa solução se apresenta como a única naqueles casos em que foram demitidos de empregos com carteira assinada que lhes garantiam direitos e proporcionavam uma certa segurança, e não conseguem recolocação no mercado de trabalho formal.

(31)

Devido à inexistência de garantias e direitos aos seus trabalhadores, essas empresas estão sendo alvo de críticas por parte da sociedade. Ao serem questionadas sobre as suas políticas trabalhistas pela BBC NEWS BRASIL, as respostas dessas empresas (Quadro 2) se concentravam em exaltar a flexibilidade e autonomia que esse tipo de emprego proporciona, sem citar as perdas que esses indivíduos sofrem.

Quadro 2 – Respostas dadas pelas empresas sobre as suas políticas trabalhistas

Fonte: https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/05/dormir-na-rua-pedalar-30-km-e- trabalhar-12-horas-por-dia-rotina-dos-entregadores-de-aplicativos.html

Ao analisarmos as respostas dadas pelas empresas, podemos perceber as contradições existentes entre sua política trabalhista e a realidade. No caso da Uber, a principal contradição diz respeito ao fato dela se assumir como uma renda extra, embora se saiba que, na maioria das vezes, o trabalho na empresa termina sendo a única opção dos trabalhadores. Isso implica em jornadas de trabalho cada vez maiores de, no mínimo, 12 horas e durante todos os dias da semana, já que aceitar essas condições de trabalho é a única maneira de garantir um faturamento mensal razoável.

Já no caso da Rappi, ao exaltar a flexibilidade de seu método de trabalho, a empresa evidencia o caráter autônomo da sua atividade, porém omite o fato de que a responsabilidade dos riscos e das falhas também é dos próprios trabalhadores. Em entrevista concedida à revista Época Negócios, a pesquisadora da UNICAMP, Ludmila Costhek Abilio, destaca que: "Esse processo é de informalização, que vem tirando as garantias e proteções. Agora, é o trabalhador quem entra com os meios de produção, além de arcar com os custos e com os riscos da atividade”, e complementa afirmando que "supostamente, a pessoa trabalha onde e quando quer, mas a verdade é que ela está trabalhando cada vez mais. (...). Não me parece que as escolhas sejam tão amplas assim".

A Uber respondeu aos questionamentos da BBC News Brasil com a seguinte nota: "O Uber Eats é uma empresa que oferece oportunidades a profissionais autônomos que podem se beneficiar da tecnologia para gerar renda extra ao toque de um botão. Os entregadores parceiros são autônomos, escolhem como e quando utilizarão o aplicativo como geração de renda".

A Rappi afirmou: "Estes, profissionais autônomos, atuam por conta própria, portanto, podem se conectar e desconectar do aplicativo quando desejarem. A flexibilidade permite que esses profissionais usem a plataforma da maneira que quiserem e de acordo com suas necessidades. Não há relação de subordinação, exclusividade ou cumprimento de cargas horárias".

Já o iFood afirma que "está testando estruturas com espaço para descanso, recarrega de celular e banheiros". Também diz que "outras ações incluem campanhas que estimulam boas práticas entre os parceiros de entrega por meio de vídeos educativos".

Referências

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