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Design tipográfico: Invisibilidade e legibilidade Visibilidade e autoria. Isabella Perrotta Mestre em design PUC-Rio

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Academic year: 2021

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Design tipográfico:

Invisibilidade e legibilidade

Visibilidade e autoria

Isabella Perrotta

Mestre em design – PUC-Rio

“Ugly fonts”, “grunge fonts”, “funky fonts”, “subversive fonts”… Qualquer que seja a terminologia – feia, grunge ou subversiva – que tenha sido usada para designar ou tentar explicar o que estava acontecendo na tipografia, nos primeiros anos da década de 1990, lá estava ela, como analisou Williams (1995) tal como um piercing, na língua ou na nariz, incomodando a opinião pública.

Para Stephen Heller (apud Willians,1995) os designers estavam promovendo novas maneiras de fazer e ver tipografia. Nelas as antigas verdades estavam sendo rejeitadas em favor da imposição de uma discordância e desarmonia que podiam ser vistas como expressões pessoais, mas não como comunicação visual viável. E com o passar dos tempos seriam vistas como uma tangente à história do design gráfico.

Assim como em qualquer outra forma que os jovens encontraram para demonstrar

rebeldia: a mini-saia, o biquíni, a tanga, o jeans rasgado, o próprio piercing ou os cabelos azuis, esta nova tipografia estava ali para ser vista. E o que é visto, para ser falado! Mas várias ondas de “ a nova tipografia” vieram antes. Em 1960, Wolfgang Weingart, professor da escola de design da Basiléia, começou a trabalhar composições mais complexas que fugiam ao vocabulário modernista de grids, barras e espaços geometricamente demarcados, ainda que utilizando-se de letras suíças1

e princípios modernistas. Seu trabalho ficou conhecido nos anos 1970 e 80 como New Typography. Muito antes, Nova Tipografia (originalmente em alemão: Die Neue Typographie) foi o título do livro, de 1928, do tipógrafo e calígrafo Jan Tschichold, então com apenas 26 anos. Foi o primeiro livro concebido para artistas gráficos e tipógrafos que difundia os movimentos da vanguarda européia daqueles anos, tais como o construtivismo e o

surrealismo, proclamando o início de uma nova cultura visual.

Para Tschichold, a Nova Tipografia não representava apenas uma questão estética, mas fazia parte de uma outra, mais ampla e complexa que tratava da funcionalidade. Porém, quando citava como seus princípios básicos a assimetria, o uso de espaços em branco e o contraste de massas e espaços, parece-nos que as diretrizes estéticas preponderavam, embora camufladas pelos argumentos “visando a objetivos definidos” ou “equilíbrio visual” .

Outra New Typography floresceu nos Estados Unidos, através da Cranbrook Academy of Art, em Michigan, que se tornou um centro de design experimental entre os anos 1970 e 80. Baseados no pós-estruturalismo literário, Katherine McCoy e seus alunos

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desenvolveram um “discurso tipográfico” baseado na sobreposição de palavras e imagens que necessariamente precisavam ser interpretadas. Rejeitavam a distinção entre ver e ler, defendendo que uma imagem podia ser lida e que um texto, ser visto.

É também de Cranbrook o movimento de legitimação das expressões vernaculares das subculturas americanas. Os alunos aprendem a misturar a austeridade modernista com elementos da cultura de massa. Enquanto a Nova Tipografia modernista canonizava Futuras, Helvéticas e Univers, a Nova Tipografia americana firmou-se pela revolução digital e trouxe uma tempestade de letras.

Finalmente foi a revista Emigre – fundada nos anos 1980 por Rudy VanderLans e Zuzana Licko, na Califórnia – a grande responsável por uma revolução gráfica, caracterizada pela ferramenta digital e em sua conseqüência, por uma nova estética editorial. Novas letras concebidas com um desenho muito simples – em função das carências técnicas do início da era digital – e numa mesma matéria, o texto correndo pelas páginas em diferentes corpos, fontes ou bitola de colunas.

Suas fontes e estilo, que foram considerados feios pelo meio gráfico, eram então assimilados, com simpatia, pela mídia eletrônica e a cultura de massa. Emigre virou também Emigré Fonts, abrindo caminhos irreversíveis para as novas tendências tipográficas. Se a revista, no início, teve dificuldades de ser levada a sério por alguns segmentos do design gráfico, depois não parou de ser copiada. Ou não parou de influenciar, conquistando designers que exploravam novos territórios como David Carson. Este ficou conhecido como o precursor do design grunge e sujo. (Feio ou não). Para VanderLans e Licko, a legibilidade mostrou-se não ser uma qualidade intrínseca da letra, mas algo alcançado pelo uso. Seu credo é de que as pessoas lêem melhor aquilo que mais lêem. É a familiaridade do leitor com a forma da letra que resulta em sua

legibilidade. Vanderlans vai além: se alguém não consegue ler alguma coisa, não tem importância, pois não é o destinatário que se pretendia atingir.

E se voltarmos a tempos bem remotos, anteriores, aos das “novas tipografias”, também vamos encontrar formas (então) novas de desenhar as letras. Que obrigaram os “leitores” a apreenderem uma nova legibilidade. O que dizer do art noveau? E do gótico, que perdurou ao longo de séculos através de nichos bibliófilos distantes que desenvolviam, cada um, o seu próprio estilo de escrita? Principalmente o estilo que ficou conhecido como Gótico Textura e vigorou por alguns séculos a partir do 13, onde a legibilidade foi totalmente submissa por um desenho de “textura” que fazia todas as letras parecerem a mesma.

Em função de vivermos cada vez mais cercados de estímulos visuais – e este é um fenômeno de no mínimo o início do século 20, mas que só faz aumentar e criar novas mídias de veiculação visual – a tipografia precisa chamar atenção para si própria antes de ser lida. Mas depois, se é para ser lida, precisa abdicar desta mesma atenção, se não seu conteúdo não será efetivamente absorvido.

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A tipografia racionalista-modernista, que se propunha a ser funcionalista foi a primeira a proclamar a necessidade de sua transparência (invisibilidade), a partir de um conjunto de dogmas de homogeneidade do texto. Mas, analisada hoje, fica claro que esta escola tipográfica também fazia do uso da letra, um desenho. Uma linguagem expressiva. E já fazia uso de caracteres não fonéticos – como o ponto e a linha – como coadjuvantes de diagramações racionalistas sobre grids geométricas, estas sim (!), invisíveis.

Hoje a valorização do caracter (como caracter) é cada vez maior. Do caracter como símbolo gráfico, e não como parte de uma fala. E também da fonte bitmap como fonte. A internet criou uma linguagem universal a partir de caracteres, que saiu do meio eletrônico e ganhou espaço no meio impresso.

Desde que a nossa escrita alfabética existe, praticamente definida na Grécia antiga, ela é também contestada. Ainda que os gregos antigos não tenham inventado o alfabeto (ele estava no ar havia mais de mil anos antes de ser encampado por eles, segundo Man, 2002) eles não teriam exercido tanta influência, ao longo dos séculos na cultura ocidental, não fosse pela criação que perpetuou os seus escritos. Que foi capaz de transformar as obras recitadas em peças literárias, de perpetuar a genialidade de Homero e registrar os sistemas que elaboraram de ética, filosofia e ciência. 26 sinais que fixaram seus

conhecimentos que – da astronomia e biologia até a xilografia e zoologia – se estenderam ao longo do abecedário.

Acontece que eles viviam perto de uma das culturas que haviam tropeçado no alfabeto, e acontece que se encontravam em um estágio crucial de evolução social que os tornava abertos à sua adoção. (Man, 2002)

Mas ainda na Grécia, para Aristóteles, as palavras faladas eram consideradas símbolos de sensações mentais, enquanto as palavras escritas eram símbolos de palavras faladas. A voz que vinha do interior da cabeça, teria uma relação imediata com a mente e a

consciência, pois estava mais perto do verdadeiro “eu” do sujeito. Já a escrita seria uma simples representação, sem qualquer participação na constituição do sentido.

Também Saussure (século 19) vai reduzir a escrita a uma simples notacão da linguagem falada, mas com piores conotações: “uma ferramenta imperfeita e uma técnica perigosa, quase maléfica”.

Se para Saussure a função da escrita seria representar signos fonéticos, como enquadrar os sinais de pontuação? E toda uma série de informações escritas da matemática e da química, além de universo de símbolos representados sob a forma de caracteres? Mas Derida (século 20) mostra que a lógica de Saussure é contraditória uma vez que o mesmo ora afirma que as linguagens faladas e escritas são dois sistemas distintos de signos, e ora que a escrita é uma “imagem” ou “figuração” da linguagem.

Sobre este tema Cauduro (1998) já se debruçou, trazendo a discussão para o design neutralista que procurava a tipografia invisível, “evitando ao máximo variações de tipos,

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formas, tamanhos, cores, orientações, texturas, tonalidades”, em contraposição ao design tipográfico desconstrutivista. E ainda Gruszynski (2000) no seu trabalho que trata das transformações da tipografia invisível (incluindo as máximas da boa legibilidade) até se tornar ilegível.

A procura da verdade – do verdadeiro eu, ou do verdadeiro ser – por diversas vezes, em diversas culturas, esbarrou na representação sígnica.

Tudo que os símbolos escritos podem dizer já passou. Eles são como pegadas deixadas por animais. Essa é a razão pela qual os mestres da meditação recusam-se a aceitar que os escritos sejam definitivos. O objetivo é atingir o ser verdadeiro por meio dessas pegadas, dessas letras, desses signos – mas a realidade mesma não é um signo, ela não deixa pistas. Ela não chega a nós por meio de letras ou palavras. Nós podemos ir até ela seguindo letras e palavras até o lugar de onde vieram. Mas enquanto estivermos preocupados com símbolos, teorias e opiniões, não conseguiremos alcançar seu princípio. — Mas abdicar de símbolos e opiniões não nos deixa no vazio absoluto do ser?

— Sim.

(Kimura Kiuho, 1769 in Bringhurst, 2005)

A citação acima dá início a um dos melhores e mais aclamados manuais de tipografia dos últimos tempos, e seu autor Bringhurst deixa claro que a tarefa do tipógrafo é “descobrir a lógica externa da tipografia na lógica interna do texto”. Ou seja, por mais que a

tipografia seja uma escrita idealizada – que sempre será – o conteúdo do texto é a razão da sua existência. A tipografia dá forma – visível e durável – à linguagem humana. A tipografia preserva a história e faz sua própria história.

Se a tipografia faz algum sentido, ele é visual e histórico. O lado visível da tipografia está sempre à mostra (…). A história das letras e de seu uso também é visível para quem tem acesso a manuscritos, inscrições e livros antigos, mas é em grande parte invisível para quem não tem. (Bringhurst, 2005)

O autor diz que a tipografia deve honrar o texto pelo que ele é e honrar e contribuir com a tradição tipográfica.

Quando o tipo é mal escolhido, aquilo que as palavras dizem lingüisticamente e aquilo que as letras inferem visualmente ficam dissonantes, desonestos, desafinados. (Bringhurst, 2005)

Assim, ainda segundo o mesmo autor, a tipografia deveria prestar os seguintes servicos ao leitor:

• Convidá-lo à leitura

• Revelar o teor e significado do texto • Tornar clara a estrutura e a ordem do texto

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• Conectar o texto a outros elementos existentes

• Induzir a um estado de repouso energético, que é a condição ideal de leitura

Segundo o veterano tipógrafo Herman Zapf, o livro de Bringhurst era particularmente bem-vindo numa época2

em que o design tipográfico é às vezes erroneamente

interpretado pelos designers como uma forma de auto-expressão. Mas Robert avisa a seus leitores que podem sair da “estrada” que ele traça, quando bem quiserem.

Logo no segundo parágrafo deste texto citamos a o termo “expressões pessoais” como uma crítica a uma nova tipografia, e acima o termo “auto-expressão” designa uma forma errada de encarar a tipografia… Em relação à visibilidade ou invisibilidade do texto, o tempo mostrou que mesmo desconsiderando os exageros pós-modernos e

desconstrutivistas, existe uma longa história tipográfica que faz da letra uma linguagem expressiva, mesmo nos momentos de racionalismo. Que a torna visível, datada e

representante da história.

Num sentido stricto, o propósito do design tipográfico seria comunicar palavras. Mas numa visão mais ampla, a tipografia deve ser entendida como uma linguagem expressiva que faz uso das letras de forma a veicular informações verbais e/ou conceitos. Se, em continuação ao primeiro raciocínio, sem palavras não existe tipografia; no outro, o design está historicamente ligado a um trabalho autoral (ainda que nos últimos anos tenha surgido o conceito de design da informação que dispensa a autoria). Todo designer quer ser reconhecido por um estilo próprio; e o design editorial, berço da tipografia e da necessidade de legibilidade, sempre creditou o trabalho de seus autores. Foi no Brasil uma área responsável por lançar “nomes” no mercado.

Mais longe, nos Estados Unidos e Europa, as décadas de 1920 e 30 (mesmo em meio às crises econômicas do pós-guerra) criaram, na indústria, espaço para uma nova geração de designers. Quem eram eles?

Eles vinham de diversas formações e seus métodos e realizacões eram muito variados, mas o resultado de seu trabalho, o design, seria reconhecido como característica essencial da atividade comercial e industrial, um elemento de especialização dentro da divisão de trabalho implícita na produção e nas vendas em massa. (Heskett,1997)

Muitos destes designers migraram das artes plásticas, ilustração, artes gráficas e publicidade para o projeto tridimensional. Como Raymond Loewy e Henry Dreyfuss. Este último iniciou sua vida profissional como cenógrafo, em 1929 abriu um escritório de design de produtos e finalmente tornou-se conhecido pelos seus estudos de antropometria aplicados aos projetos de design e arquitetura.

A medida que os empresários (industriais) iam reconhecendo o potencial do design, forneciam mais oportunidades para estes novos profissionais, promovendo seu valor. O design diferenciado dos produtos aparecia como uma arma poderosa em sua estratégia de marketing. Consequentemente, a noção de marca, do ponto de vista gráfico (que já

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existia), crescia, diversificava-se e ganhava novas aplicações como os catálogos e impressos. Mas o brieffing para o designer era – e ainda é – o mesmo: diferenciação e visibilidade.

Notas

1. Letras racionalistas como a Helvética e a Univers baseadas na fonte Akzidenz Grotesk – primeira famímilia sem serifa, desenhada ainda no início do século 19 – tendo como principais qualidades, a harmonia e a clareza. Por isso foi popular na Bauhaus, na

Hochschule für Gestaltung em Ulm, nas escolas suíças de Zurique e Basiléia e inspiração para as sem serifas criadas depois da Segunda Guerra Mundial.

2. A edição original de Elementos do Estilo Tipográfico, de Robert Brignhurst é de 1992 (pós-revolução digital tipográfica), sendo reeditado em 96 e 2002; e no Brasil em 2005. Seu autor é americano de 1946, designer, tipógrafo e poeta.

Bibliografia

CAUDURO, Flávio Vinicius. A Retórica Tipográfica do Logocentrismo – apud Anais do

P&D Design 98. Rio de Janeiro, 1998.

CAUDURO, Flávio Vinicius. Desconstrução e Tipografia Digital – Arcos – Design,

cultura material e visualidade.Volume I número único. Rio de Janeiro, 1998.

GRUSZYNSKI, Ana Claudia. Design Gráfico: do invisível ao ilegível. 2AB, Rio de Janeiro, 2002.

HESKETT, John. Desenho Industrial. Rio de Janeiro, José Olympio. 1997

LUPTON, Ellen. Mixing Messages. New York: Cooper-Hewitt National Museum and Princeton Architectural Press, 1996.

MAN, John. A História do Alfabeto: como 26 letras transformaram o mundo ocidental. Ediouro, Rio de Janeiro, 2002.

WILLIAMS, Robin. A blip in the continuum: a celebration of grunge typography. California: Peachpit Press, 1995.

Referências

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