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O conceito de perfectibilidade na Pedagogia de Jean-Jacques Rousseau.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Faculdade de Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

Dissertação de Mestrado

O conceito de perfectibilidade na Pedagogia de

Jean-Jacques Rousseau

Ana Lúcia Koga

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Ana Lúcia Koga

O conceito de perfectibilidade na Pedagogia de

Jean-Jacques Rousseau

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Neiva Afonso Oliveira

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Ana Lúcia Koga

O conceito de perfectibilidade na Pedagogia de Jean-Jacques Rousseau

Dissertação aprovada, como requisito parcial, para obtenção do grau de Mestre em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas.

Data da Defesa: 14 de setembro de 2018.

Banca examinadora:

... Profª. Drª. Neiva Afonso Oliveira (Orientadora)

Doutora em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS.

... Prof. Dr. Dirlei de Azambuja Pereira

Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pelotas.

... Prof. Dr. Eduardo Arriada

Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS.

... Prof. Dr. Claudio Almir Dalbosco

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Dedico este trabalho aos meus pais, in memoriam e ao meu esposo e filho.

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Agradecimentos

Ao meu esposo Nei, pelo seu amor incondicional, grande incentivador para que eu não desistisse dos meus sonhos.

Ao meu filho Felipe, pelo carinho, amor e incentivo que me fazem continuar sempre.

Aos meus pais Makoto Mogi e Sanae Koga (in memoriam), pela minha existência.

Ao meu irmão Kazumichi, cujas contribuições na minha formação foram essenciais.

À minha orientadora Profª Neiva Oliveira, pelo seu empenho para dar continuidade e finalizar este trabalho.

Aos meus colegas e amigos do Grupo FEPráxiS, pelo incentivo e apoio nos momentos de ansiedade nos estudos.

Aos membros da bancaProf. Claudio Dalbosco, Prof. Eduardo Arriada, Dirlei Azambuja, Profª. Neiva Afonso Oliveira que dedicaram tempo e esforços em suas leituras atentas.

Aos meus familiares e amigos que compartilharam os momentos de apreensão.

Aos meus colegas de trabalho da UFPel pelo carinho e acolhimento.

E a todos por terem compartilhado e permitido realizar este grande desafio.

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Resumo

KOGA, Ana Lúcia. Oconceito de perfectibilidade na Pedagogia de Jean-Jacques Rousseau. 2018. 133f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de

Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

Na presente pesquisa, tencionou-se ampliar a temática relacionada a tratar o conceito de perfectibilidade na Pedagogia de Jean-Jacques Rousseau. Para além dos significados epistemológicos do conceito de perfectibilidade, o intento foi o de identificar o que o autor concebe a respeito de capacidade humana de aperfeiçoar-se, em seu projeto pedagógico, no Emílio ou da Educação (1762). O conceito de perfectibilidade foi tematizado primeiro no seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1754). Surge ali o caráter ambíguo e ambivalente de perfectibilidade ou corrupção humanas. Através de uma leitura hermenêutica, fizemos uma discussão a respeito do nexo entre essas duas obras em relação ao tema proposto. A questão que orientou o sentido do processo de investigação incidiu na seguinte pergunta geral: em que consiste o conceito de perfectibilidade na pedagogia de Jean-Jacques Rousseau? O processo investigativo partiu da hipótese de que a concepção de perfectibilidade para Rousseau tem origem na passagem do homem para o processo de socialização humana. Identificou-se que o núcleo do pensamento rousseauniano de formação humana repousa na capacidade de sociabilidade do ser humano, ou seja, educação moral e política. Como resultado da pesquisa, explicitou-se que por meio do caráter ambivalente, universal e indeterminado da perfectibilidade, permite-se a compreensão do conceito e, mais do que isso, encontra-se viabilidade para a educação e a política coadunados, como processos indispensáveis para a formação humana ideal, ou seja, como ideias pedagógicas em direção à perfectibilidade.

Palavras-chave: perfectibilidade; corrupção; formação humana; educação moral;

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Abstract

KOGA, Ana Lúcia. The concept of perfectibility on Jean-Jacques Rousseau's

Pedagogy. 2018. 133p. Master's Thesis – Education Post-Graduation Program.

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS.

On the current research, it is intended to enlarge the theme related to the concept of perfectibility on Jean-Jacques Rousseau's Pedagogy. Beyond the epistemological meanings on the concept of perfectibility, the attempt was identifying what the author conceives in relation to the human capacity of improving himself, in hispedagogical project: Emile, or On Education (1762). The concept of perfectibility was first discussed in his Discourse on the Origin and Foundations of Inequality among Men (1754). There, the first ambiguous and ambivalent meanings of perfectibility or human corruption emerged. Through a hermeneutical reading, we made a discussion about the nexus between these two works in relation to the proposed theme. The quest which guided the direction of the investigative process fell upon the following general question: in what consists perfectibility as a concept of Jean-Jacques Rousseau’s pedagogy? The investigative process started from the hypothesis that the conception of perfectibility according to Rousseau has it is origin on the transition of “man" to the process of human socialization. It was identified that the core of Rousseau’s thinking about human formation lies on human's capacity of being social, in other words, moral education and politics. In this meaning, as a result of the research, it was shown that through the comprehension of the ambivalent, universal and undetermined specificity, it is possible to understand the concept, and further than that, we can find viability for the incorporated politics and education, both as indispensable processes for the ideal human formation: as pedagogical ideas going on the direction of perfectibility.

Key-words: perfectibility; corruption; human formation; moral education, Jean-Jacques Rousseau.

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Sumário

1 As primeiras palavras: sobre a autora e sobre a generalidade do tema 10

2 O conceito de perfectibilidade de Jean-Jacques Rousseau ... 20

2.1 A unidade do pensamento rousseauniano ... 31

2.2 Crítica à cultura ... 39

2.2.1 Autoconservação, perfectibilidade, representação ... 45

3 Conceito de perfectibilidade na Pedagogia de Rousseau ... 63

3.1 O conceito de perfectibilidade na formação humana ... 65

3.1.1 Perfectibilidade na formação Humana ... 68

3.1.2 Ambivalência, paradoxo da perfectibilidade e o estado de natureza ... 75

3.2 Ideias pedagógicas de Rousseau em direção à perfectibilidade humana ... 81

3.2.1 Educação da natureza humana: a primeira imersão na perfectibilidade ... 87

3.2.2 Educação na relação com as coisas: ensaios à perfectibilidade .... 93

3.2.3 Idade da razão e das paixões: perfectibilidade à flor da pele? ... 97

3.3.A Maioridade: a perfectibilidade em direção à sociabilidade ... 118

3.3.1 A perfectibilidade e o papel da educação e política ... 121

5 Considerações finais ... 128

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1 As primeiras palavras: sobre a autora e sobre a generalidade do tema

Pouco falarei sobre a importância da educação; tampouco me deterei provando que a educação hoje corrente é má. [...]. Observarei apenas que, há infinitos tempos, todos protestam contra a prática estabelecida, sem que ninguém se preocupe em propor outra melhor. A literatura e o saber de nosso século tendem muito mais a destruir do que edificar. Censura-se com um tom de mestre; para propor, é preciso assumir uma outra postura com a qual a altivez filosófica se compraz menos. Apesar de tantos escritos que, segundo dizem, só tem por fim utilidade pública, a primeira de todas utilidades, que é a de formar os homens, ainda está esquecida (ROUSSEAU, 1995, p. 3-4).

Um olhar sobre o cenário atual do mundo nos faz questionar a respeito da formação humana. E pensar na formação do homem é refletir sobre a educação, é saber, é filosofar sobre a educação, é lançar um olhar histórico-social sobre a evolução humana. Nesse sentido, o homem não deveria estar no seu “ponto de conforto”? Conquistas no tempo, no espaço, no espírito e na matéria1 já não são

mais dificuldades; novos paradigmas são incorporados ao nosso saber e conhecer. A um passo do domínio da nossa máquina2, ou seja, do domínio da nossa

“evolução”, com a possibilidade da contribuição da robótica e da nanotecnologia na substituição de órgãos e partes do corpo humano, o homem está de “parabéns” pelo seu progresso e em busca da “perfectibilidade3” humana.

No transcorrer do “progresso”4 humano, países destituem cidadãos de seus

direitos sociais, porque vivemos sob uma crise econômica mundial, em nome de um Estado Mínimo, por meio de mudanças constitucionais na área da educação, da política social, econômica e moral. No cenário atual mundial, revelou-se uma crise profunda de cunho político e social, referente a um fundamentalismo cultural, de ideias, identidades individuais e universais, ideologias, representações históricas e esse movimento também se reflete, por óbvio, nos padrões econômicos.

1 Matéria como tudo que tem forma e é consistente.

2 O corpo humano como “uma máquina engenhosa”, para Rousseau (1973, p. 248), ao adotar o

mecanismo cartesiano dos corpos.

3 Para Rousseau (1973, p. 249), é a faculdade do ser humano de aperfeiçoar-se, conforme

apontaremos mais adiante.

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No Brasil, a perspectiva não é diferente, pois, entre denúncias de corrupção e em nome da crise ética, o poder que surge impera na indiferença e no ataque com violência à voz do povo.

A educação, por ser a principal fonte de produção do conhecimento também afetada por essa crise, teve, como consequência, a instabilidade e a interferência de origem interna e externa. Como interferência externa, há o açodamento de informações derivado da dinâmica inovadora em termos de avanço dos conhecimentos e dos parâmetros científicos. Somada a essa crise externa, como interferência interna, temos a instabilidade decorrente de uma enorme descrença, quanto à sua competência nos resultados das exigências, desejos e necessidades de seu público-alvo, discentes e docentes.

Seguindo essa linha de pensamento, diante da problemática apresentada acima, ao pensar sobre a formação humana, tencionou-se realizar a reflexão sobre a temática relativa à perfectibilidade na Pedagogia de Jean-Jacques Rousseau. Para além dos significados epistemológicos do conceito de perfectibilidade5(perfectibilité), o intuito foi o de identificar o que o autor concebe como capacidade humana de aperfeiçoar-se. Aparece, então, a busca pela concepção de perfectibilidade na teoria de Rousseau (1973, p. 249), como capacidade ou qualidade exclusiva dos homens, enquanto faculdades – de aperfeiçoamento pessoal (caso da perfectibilidade) e de depravação humana (caso da corrupção) – as quais, para ele, são estranhas à natureza humana, porquanto são derivadas da passagem do ser humano para o seu processo de socialização.

Partimos da necessidade de trazer à discussão esse autor que para além de revelar-se como um “clássico”6, pela influência de forma decisiva e radical na

educação, com o seu pensamento iluminista, recebeu também, a denominação de “pai” da pedagogia contemporânea (CAMBI, 1999, p. 343). Para isso, vasculhou-se, nas principais obras de Rousseau, e em seus pressupostos onde aparecem a concepção ambivalente e o paradoxo entre perfectibilidade e seus correlatos.

Fizemos, também, uma atualização sobre a temática em uma busca em plataformas de pesquisas e sites on-line (Google acadêmico, SciELO, Bibliotecas Universitárias – ANPED, ANPED-Sul, etc.) e em Bibliotecas Físicas (UFPel,

5 No conceito dicionarístico de Dent (1996, p. 180), a perfectibilidade é a faculdade de

aperfeiçoamento pessoal.

6 PISSARRA, Maria Constança. Rousseau. Os filósofos: clássicos da filosofia, v. I de Sócrates a

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UCPEL). Utilizou-se como descritores: perfectibilidade, corrupção, Jean-Jacques Rousseau, educação moral, formação humana.

Em relação à pedagogia de Rousseau, privilegiamos muito Emílio, que consideramos uma obra tida e havida como referência, lida e discutida nos espaços acadêmicos por possibilitar a compreensão de problemas educacionais contemporâneos, em especial, os de caráter ético-político-pedagógico, únicos da condição humana. Por tratar-se de uma dissertação em educação direcionada a pensar e a descrever a virtude humana maior, afirmamos que pode ser revisitada nas áreas da Educação, Filosofia e Ciências Sociais e Políticas.

Como resultado dessa pesquisa, a concepção ambígua de especificidade de perfectibilidade ou corrupção é comumente trazida à tona e está presente em grupos de estudos, pesquisas e eventos, cuja abrangência reporta-se em diversas áreas, como na Filosofia, no Direito, nas Ciências Sociais, nas Ciências Políticas e na Educação. Da mesma maneira, na maioria desses trabalhos, com raras exceções, há referências ao autor em questão.

O interesse do presente estudo sobre o pensamento rousseauniano na educação surge a partir do processo de reflexão sobre suas ideias pedagógicas. Refletir a respeito da importância e da relevância dessa obra levou-nos a resgatar a epígrafe do início do texto. Ao encontrar-se em um período que se denominou como “época das luzes”, pela predominância do movimento de emancipação humana e pela liberdade do pensamento, em virtude da supremacia da racionalidade, Rousseau conduz uma crítica sobre a educação e desvela o papel ineficaz tanto da Filosofia quanto da educação, a respeito do “esquecimento” do principal objetivo, de ambos, a formação humana. Tal tensão remeteu-nos à reflexão sobre a memória histórica, a respeito da similitude do problema na educação daquele período para com o que enfrentamos no nosso aqui e agora.

No que se refere à abrangência geográfica do conhecimento, não podemos deixar de estar em consonância com Barbara Freitag (1992), que, a esse respeito, nos diz que enquanto a sociologia pergunta pelas consequências objetivas de uma ação no contexto social, a filosofia questiona os critérios ou princípios (conscientes) que orientam essa ação. A psicologia, por seu turno, procura desvendar as causas subjetivas (os impulsos, os motivos) que levaram o sujeito a agir consciente ou inconscientemente desta e não de outra forma (FREITAG, 1992, p. 12).

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A perfectibilidade traz consigo a educação como uma condição para o desenvolvimento humano. Convergindo com essa linha de pensamento, a formação humana constitui-se sob a tensão da ação onde temos de um lado, o educando e, de outro, o educador em uma relação entre a arte de aprender e a arte de ensinar.

A respeito da verdade ou esclarecimento sobre o tema da formação, Coreth (1973) aponta-nos que “o que se mostra e como se mostra está cada vez mais condicionado pelo ponto de vista e pelo horizonte histórico, pela situação ‘hermenêutica’ em que nos encontramos” (p.163). Nesse sentido, a compreensão do sentido e conhecimento de algo relacionam-se reciprocamente e condicionam-se um ao outro, ou seja, a verdade da compreensão e a do conhecimento caminham juntas; só podem distinguir-se relativamente, mas nunca se separam completamente (p.164). A seguir, um pouco sobre alguns aspectos que contribuíram para a abertura do horizonte da investigação e possibilitaram sentido do processo de pesquisa.

Do curso de Especialização em Neuropsicologia7 que realizei, desponta

sentido para a formação humana e o seu desenvolvimento de construção e reconstrução dos processos psicológicos. Nos estágios e na prática profissional que vivenciei, o campo de atuação aconteceu também na área da Educação. Nessa época, Jean-Jacques Rousseau já havia sido apresentado, como um dos clássicos na área da Pedagogia, no curso de Pós-Graduação do Programa especial de formação pedagógica de docentes para as disciplinas do currículo da educação profissional de nível técnico8. Nesse período, fui também agraciada pela experiência

na docência, com alunos de nível médio, na área de Tecnologia e Processamento de Dados da Escola Técnica Federal de Pelotas – CEFET,hoje, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense - IFSul. Quanto às noções na área da administração pública e política9, além da experiência como Técnica

Administrativa na Universidade Federal de Pelotas, fiz um curso de Especialização em Administração Pública e Gerência de cidades. Defendi um estudo empírico sobre

7 Graduação em Psicologia, em 2013, na UCPEL e Especialização em Neuropsicologia, em 2016, no

IPAF-RS.

8 Curso de Pós-Graduação do Programa especial de formação pedagógica de docentes para as

disciplinas do currículo da educação profissional de nível técnico, na área de Tecnologia e Processamento de Dados da Escola Técnica Federal de Pelotas – CEFET/RS, hoje, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense – IFSul, em 2006.

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o tema Políticas públicas na gestão local e sua “accountabillity10 ” nos municípios do

Rio Grande do Sul.

Meu interesse pela teoria de Rousseau aflorou como aluna especial nas disciplinas do Mestrado do PPGE/UFPel, quando foram amalgamadas todas as informações e inquietações já preconcebidas. Folscheid & Wunenbuger (2006)

comunicam-nos que a forma linguística e o conteúdo transmitido não podem separar-se dessa experiência hermenêutica do afloramento do que nos preocupa e inquieta em busca do compreender. Complementam, ainda, que o “pensamento que se dedica à filosofia descobre nela um pensamento filosófico, portanto, descobre a si mesmo” (p. 8).

Ligando com o tema da compreensão do contexto, da leitura e interpretações que podemos oferecer a certos assuntos, no que se refere à temática da pesquisa, fez-se necessário discutir uma questão preliminar, presente na reflexão de todos os leitores, de todos tempos, que é: como dar credibilidade a um livro sobre educação escrito por um homem que abandonou (admitido por ele mesmo, em suas Confissões) os cinco filhos?

Ao pretender uma leitura das ideias pedagógicas de Jean-Jacques Rousseau, considerou-se pertinente esclarecer essa problemática, que acompanha leitores de todos os tempos. Desse modo, concordou-se com a posição de Michel Launay, na Introdução de Emílio:

[..] pretender que o livro não tem nada para nos ensinar porque o autor não colocou em prática seria portanto preciso inverter a cronologia, proibir a Rousseau – e a si mesmo – toda oportunidade de um arrependimento sincero e permanecer surdo o apelo que, do fundo da noite, testemunha a possibilidade de se redimir e de se tirar do mal um bem: “Não escrevo para desculpar meus erros, mas para impedir meus leitores de os imitar”

(LAUNAY, Michel Introdução: questão prévia, In ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. Trad. de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995).

Peter Gay (CASSIRER, 1999)11 mostra-nos que na explicação genética, a

abordagem biográfica possibilitará a intelecção das motivações de um autor e auxiliará a investigação da origem pessoal e social de suas doutrinas. Assim,

10 Práticas de Políticas Públicas como o nome nos diz, ocorrem e são verificadas em função dos

direitos dos cidadãos, estes como sendo uma parte do poder. A respeito disso há “accountability” – que seria uma prestação de contas dos nossos representantes políticos ao povo ao disponibilizarem os instrumentos públicos para que os cidadãos possam se posicionar. As respostas a essas prestações de contas podem ocorrer através das ouvidorias públicas, plebiscitos, consultas populares. Maiores informações, ver a respeito em: www.politize.com.br.

11 As páginas 7 (sete) a 36 (trinta e seis), referem-se à belíssima introdução de Peter Gay do livro

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permitirá explicar por que o autor escreve um certo livro e a razão pelas quais mantém certas crenças. Porém, o valor objetivo de suas doutrinas é independente da história pessoal de seu criador (p. 19-20).

Rousseau (2009) também externou suas ideias como legado e contribuição para a posterioridade, ao compreender que seu pensamento pudesse ser usufruído no futuro (p. 155). A partir dessa perspectiva, permitiu-se considerar como um legado comum a qualquer época, por apresentar caráter atemporal e circunstancial. Nos textos autobiográficos e outros escritos, podemos encontrar vestígios sobre a intenção. Rousseau (2009) solicitou ao depositário de seu manuscrito: “[…] pedi-lhe somente que o entregasse a alguém mais moço do que ele, que pudesse sobreviver bastante tanto a mim quanto a meus perseguidores, para poder ser publicado um dia sem medo de ofender alguém” (p. 149). O genebrino justifica seu procedimento ao afirmar: “[…] eu lhe pedira, para que o manuscrito não fosse impresso nem conhecido antes do final do presente século” (id.).

A dissertação de Mestrado em Educação, inserida na linha de pesquisa Filosofia e História da Educação tencionou realizar uma leitura hermenêutica da Pedagogia de Jean-Jacques Rousseau, com vistas a problematizar o modo como o autor concebe seu ideal de formação humana. O processo de pesquisa iniciou com o estudo no campo da educação e da filosofia e procurou ampliar-se a partir dos valores do conceito de perfectibilidade na formação humana. E, no campo da educação, por ser uma possibilidade de uma prática sistematizada desses valores, compete, então, à Filosofia da Educação explicitá-los.

A humanidade perde-se nos vícios da perfectibilidade (corrupção) no início do seu processo de socialização. Pode-se dizer que a responsabilidade da corrupção moral da humanidade está diretamente ligada à formação moral em seu ingresso na civilização, a vista de que Rousseau (1973, p. 263), no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1754), doravante denominado, Segundo Discurso, pressupõe que a civilização como progresso de negação do dado natural representou uma degeneração da inocência original. Mas, como defensor da moralidade, o autor, em uma crítica à cultura escreve a história da moral, relata um diagnóstico, o qual justificou-se através do caráter ambíguo do conceito de perfectibilidade ou corrupção. Em outras palavras, no Segundo Discurso, Rousseau buscou compreender o homem como ele é, mostrando-nos a passagem do homem natural para o homem social como um marco da decadência

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humana. Em uma crítica à cultura, e principalmente, descobrindo o conceito de perfectibilidade como força propulsora da corrupção do ser humano, Rousseau mostra-nos a degenerescência da humanidade por meio de um pensamento pessimista, que “quase” não nos permitiu antever um prognóstico de um pensamento otimista12, como alternativa, coadunados à educação e à política,

expressas, posteriormente, em suas duas obras: Contrato social e Emílio, em um entrelaçamento entre eles, para um processo de “reconstrução”. Para Dalbosco (2016), em um processo de “desnaturação”(p. 69-74).

Como podemos inferir, o pensamento rousseauniano de forma alguma é consensual. Desse modo, fez-se necessário adentrarmos em uma discussão a respeito dessa temática e a questão que orientou a discussão resumiu-se no que segue: em que consiste a unidade do pensamento de Rousseau? Sob a hipótese de que as controvérsias e divergências desse tema repousam na conexão do pensamento entre o escrito do Segundo Discurso, do Emílio e do Contrato Social, mais especificamente entre o Contrato social e o Segundo Discurso. Ao lançarmos mão das ideias de Cassirer, Kant, Starobinski, Derathé, Salinas Fortes e Dalbosco, partiu-se da hipótese de que tanto o pensamento rousseauniano como suas obras são passíveis de divergências nas interpretações que delas temos notícias. É importante ressaltar que esses comentadores defendem que há unidade no pensamento rousseauniano13. Esta pesquisa partiu do que constatamos existir

quando levamos em conta as obras estruturais como os Discursos e as obras conjunturais como Emílio, por exemplo. Trata-se de uma construção do pensamento em que convergências e discrepâncias vão sendo aprimoradas à medida da evolução das reflexões do autor. Essa questão foi abordada no início do primeiro capítulo, pois sem clarearmos a discussão, torna-se difícil o entendimento.

Rousseau realiza um exercício de metafísica e inicia fazendo uma crítica à cultura no Segundo Discurso. Aponta-nos a alienação do homem civil. Ao defender a sua tese, em um processo de reconstituição da existência humana, descobre a passagem do homem natural para a civilidade, cria uma espécie de memória

12 Esse é um dos paradoxos do pensamento rousseauniano: por vezes, um autor otimista quanto à

natureza humana, outras vezes, completamente pessimista. Desse “caldo”, temos um autor que crê na humanidade, pensa um projeto alternativo de educação baseado na liberdade do homem.

13 Da discussão a respeito da unidade do pensamento rousseauniano, ver CASSIRER, Ernst. A

questão Jean-Jacques Rousseau. Trad. de Erlon José Paschoal, Jézio Gutierres. Revisão da

tradução: Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Editora UNESP, 1999. 141 p. (Biblioteca Básica); ver também em: DALBOSCO, Claudio A. A condição Humana e educação do amor-próprio em

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histórica da genealogia humana, mostra-nos uma reconstituição da origem da desigualdade entre os homens o seu desenvolvimento e progresso, evidencia como o homem encaminha-se à corrupção humana. Para essa discussão, a pergunta que orientou o sentido da busca recaiu sobre: em que constitui a crítica à cultura de Rousseau?

Partiu-se da hipótese de que Rousseau, na defesa da sua teoria antropológica do Segundo Discurso, mostrou-nos como o homem no processo de civilização – perfectibilidade – corrompeu-se. Mas, ao apresentar a sua teoria sobre a gênese antropológica, em uma dialética da razão, a partir do homem natural, contrapõe o homem social. Aqui, tencionou-se, em um primeiro momento, reconstituir o processo de socialização humana e, no uso da contradição, apontou-se a liberdade e a perfectibilidade como duas forças impulsionadoras que possibilitaram a ruptura com a ordem natural. Nesse sentido, em uma crítica à cultura e à sociedade, Rousseau traça uma perspectiva do que levou o ser humano à corrupção humana. E, para além dessa questão, problematiza-se a causa de seres humanos permanecerem nesse estado, mesmo sabendo estar em prejuízo próprio. Mas, segundo Rousseau, a mesma força que conduziu o ser humano à corrupção aponta e acena com a possibilidade de sua elevação em direção à perfectibilidade. Conforme Rousseau (1973):

[...] pela velhice ou por outros acidentes, tudo o que sua perfectibilidade lhe fizera adquirir, volta a cair [...]. Seria triste para nós, vermos forçados a convir que seja essa faculdade, distintiva e quase ilimitada, a fonte de todos os males do homem, que seja ela que, com o tempo, o tira dessa condição original na qual passaria dias tranquilos e inocentes; que seja ela que, fazendo com que através dos séculos desabrochem suas luzes e erros, seus vícios e virtudes, o torna com o tempo o tirano de si mesmo e da natureza (ROUSSEAU, 1973, p. 249).

Ao resgatarmos a passagem acima, no Segundo Discurso, notamos que se desvela a relevância do papel da perfectibilidade, diante do progresso humano, em conjunto com os conceitos de autoconservação e de representação. Rousseau defende a hipótese de que o homem natural, isolado, conserva os sentimentos de amor de si, autoconservação, piedade, liberdade e perfectibilidade. Esses dois últimos, em forma de potência14, no estado natural, pelo instinto de

autoconservação, ou seja, por forças e circunstâncias da natureza (físicas),

14 Sentimentos em estado de potência, são igualmente sentimentos em repouso e inércia, como

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ativaram-se e impulsionaram a ruptura do homem natural em direção ao homem social. Nessa passagem, não só se amplia o papel do conceito de perfectibilidade, mas também, são reveladas as suas especificidades, as quais tiveram uma participação fundamental no desenvolvimento e progresso da humanidade até os dias de hoje.

No segundo capítulo, o processo investigativo partiu da discussão sobre o tema conceito de perfectibilidade na Pedagogia de Rousseau. Tencionou-se ampliar as ideias pedagógicas de Rousseau, ao relacionar o conceito ambíguo de perfectibilidade com o seu projeto pedagógico, na obra Emílio. Para além de identificar o que o genebrino oferece em seu projeto educacional, o que se pretendeu foi explicitá-los. O que procuramos demonstrar em uma discussão foi a respeito de como Rousseau concebeu o projeto educativo, o qual apresenta-se dividido em cinco livros, concentrados em sua obra Emílio. Mas, possibilitou-se fragmentar em três grandes estágios de educação, os quais são denominados: a educação negativa ou pré-moral; a educação moral ou educação positiva e a educação política ou a Ética. Nesse contexto, objetivou-se explicitar como as ideias pedagógicas de Rousseau podem direcionar-se à perfectibilidade humana ideal.

A educação negativa ou pré-moral: nesse estágio, consiste a educação do Emílio desde o seu nascimento até aos seus doze anos, que será apenas a que corresponde aos cuidados das necessidades básicas da criança, das relações com as coisas, no desenvolvimento “das sensações” e no fortalecimento do corpo físico, pois a perfectibilidade encontra-se em “repouso” ou em “estado de potência”;

A educação moral ou educação positiva é a fase que corresponde dos doze aos 20 anos. Apesar de Rousseau objetivar o retardo máximo, inicia-se a atividade das forças da perfectibilidade e da liberdade, impulsionada pela necessidade (desejo e querer). Seriam necessários os cuidados e a preparação de Emílio para o enfrentamento do amor-próprio perverso e dos vícios da perfectibilidade. Ou seja, o discípulo é introduzido ao processo de socialização. Formam-se laços, conhece-se o nome da noiva de Emílio, Sofia.

A respeito do papel da perfectibilidade, Rousseau mostrou-nos que houve uma participação essencial desta diante da tensão entre o amor de si e amor-próprio, no processo de corrupção humana. Entretanto, ao ampliar-se o papel da

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indeterminado e, com isso, apontou-se no horizonte a possibilidade da educabilidade do amor-próprio pervertido, ou seja, as ações dos vícios da perfectibilidade

E, por último, sobre a educação política: tencionou-se um aprofundamento do que seria a maioridade para Rousseau. Afirmamos que seria a inserção de seu aluno na sociedade. Portanto, caberia e seria previsto um período de viagens com o preceptor para aprender a atuar como membro político (legislador, preceptor). Nesse período, a escolha da profissão, o encontro com o seu par e o casamento com Sofia também ocorreriam.

Para Rousseau, a corrupção diz respeito aos vícios e à incapacidade de o ser humano aperfeiçoar-se, ou seja, uma antítese da perfectibilidade. Consequentemente, seria a ação da perfectibilidade em direção à virtude e à justiça, derivada da elevação do amor-próprio, resultado da tensão entre o amor de si e o amor próprio. Assim, a perfectibilidade aparece como uma possibilidade de formação humana ideal, em todas as dimensões, para formar um homem virtuoso com autonomia política, mas também como uma alternativa ao processo de “desnaturação”, com o entrelaçamento da educação e a política, para se alcançar uma construção de sociedade ideal.

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2. O conceito de perfectibilidade de Jean-Jacques Rousseau

Na Europa do século XVIII, encontramos o auge da cultura, que no formato em que conhecemos, havia iniciado com o movimento Renascentista. Pelo humanismo do “Iluminismo”, fazia imperar o domínio da vida intelectual e da política. Havia uma supervalorização do racional como instrumento capaz de estabelecer a ordem social. Esse século XVIII, denominado “Século das Luzes”, foi permeado por movimento germinado e constituído ao longo de um período que iniciou no Século XV, época essa que, pela importância do deslocamento, por convenção, intitula-se Modernidade. Não podemos deixar de informar que, nesse período, confluíam o domínio do poder feudal, da nobreza e do clero, e em oposição a esses, estão os filósofos e os estudiosos das ciências e das artes da época.

Cassirer (1996), na introdução do seu trabalho intitulado “A filosofia do Iluminismo”, serve-se dos pensamentos de D’Alembert. Este filósofo, em seus estudos dos Elementos de filosofia, delineou o cenário do espírito humano dos meados do século XVIII, informou-nos que cada etapa de século foi marcada por uma transformação na cultura ocidental. Iniciou-se, então, nos meados do século XV com o movimento literário e intelectual da Renascença e, na metade do século XVI, a reforma religiosa encontra-se no ápice. No século XVII, alcançou-se uma revolução radical na perspectiva mundial, despertada pelo triunfo da filosofia cartesiana (p. 19). Tais experiências foram plasmando-se lentamente nas estruturas da consciência moderna, porém, com profundidade.

Após um longo período de obscurantismo, o homem que fora subjugado sob diversas formas de poder – seja por dogmas religiosos, seja por qualquer modelo de despotismo – começou a perceber seu valor. O movimento de ampliação significa o triunfo da razão. Mas, em que constituiu esse triunfo? Três campos de ação humana foram afetados pela Filosofia das Luzes (Aufklärung): as artes, as ciências e a técnica. Cada uma dessas esferas teve como incumbência

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pôr-se ao préstimo do progresso e da felicidade da humanidade, ou seja, os protagonistas desse século acreditavam que para alcançar os objetivos de resgatar o humano e direcionar os progressos do homem para o seu bem-estar poderiam ser realizados por meio de sua racionalidade.

Consequentemente, alinhada a razão humana com a ideia de transformação, segundo Gauthier e Tardif (2014) nos informam, os pensamentos de renovação das ideias da época, costumeiramente, diferenciaram-se basicamente em três correntes: o movimento humanista, a reforma religiosa, o pensamento científico e técnico. A primeira espelha o desempenho de redescobrimento da Antiguidade greco-romana; a segunda leva à Reforma Protestante, a qual corresponde à Contra-reforma Católica e o último conduz ao desenvolvimento dos saberes técnicos e científicos (p. 78). De acordo com Cambi (1999), o século XVIII foi denominado como o período de laicização educativa e racionalismo pedagógico. Neste, os três elementos citados pelos primeiros autores também estão presentes.

A partir das tendências ou acontecimentos citados acima, aparecem os princípios de uma percepção subjetivista. No Renascimento e nos sistemas pós-renascentistas, ocorre o direcionamento para um idealismo subjetivo, em que predominam a metafísica e o dogmatismo. NaInglaterra, seguiu-se ao empirismo e ao relativismo (XIRAU, 2016, p. 11). Rousseau objetivou ampliar esses dois estudos na argumentação e prática de sua doutrina, mas, ao tencionar alcançar esse fim, alguns pesquisadores o interpretaram desde uma ideia contrária à questão central desse deslocamento (XIRAU, 2016, P. 11)). Iniciam-se, assim, as controvérsias entre seus colegas enciclopedistas1.

A França torna-se o centro do movimento iluminista, em meio a essa “ebulição” do saber, pela criação da grande Enciclopédia2 do século XVIII. Como

enciclopedista, juntamente com os ilustres filósofos clássicos como Diderot, D’Alembert, Voltaire, encontramos o filósofo Jean-Jacques Rousseau que escreve verbetes como Economia Política e outros. Destaca-se como escritor ao defender e vencer o concurso da Academia de Dijon, com o seu primeiro Discurso

1Sobre esse assunto, veremos a seguir, no próximo subcapítulo.

2 A grande Enciclopédia, editada por Diderot e d’Alembert em Paris e cuja publicação se estende

por mais de vinte anos, é a imagem mais completa do espírito filosófico da época. Daí a designação “enciclopedistas” atribuídas aos filósofos do século XVIII (SALINAS FORTES, 1996, p. 10).

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denominado “Discurso sobre as ciências e as artes” (1750), de agora em diante denominado, “Primeiro Discurso”. Nessa escrita, ao contrário do que se esperava, “um elogio” às ciências e as artes, frente ao movimento de “intelectualização” desse século, o genebrino descobre a sociedade parisiense, denuncia a alienação e a corrupção em que o ser humano vivia – a aparência e opacidade – diante do ingresso do desenvolvimento e do progresso na humanidade. Essa obra, apesar de ter criado uma espécie de animosidade entre os seus colegas enciclopedistas – ao receber o prêmio de vencedor do concurso da Academia de Dijon –, lança-o ao mundo literário.

Ao ampliar-se o que o filósofo Jean-Jacques Rousseau concebeu a respeito de capacidade de aperfeiçoamento, própria da espécie humana, em seus estudos sobre os humanos como eles são, considerou-se pertinente uma discussão sobre algumas passagens de sua vida e obra.

Eis que, em 28 de junho de 1712, em Genebra, nasceu Jean-Jacques Rousseau. Com oito dias de vida, perde sua mãe. Em suas Confissões, revela-nos que seu nascimento custou a vida de sua mãe, a qual, segundo ele, “foi a primeira das minhas infelicidades” (ROUSSEAU, 1992, p 14). Na infância, a capacidade intelectual de Rousseau foi muito estimulada e junto com seu pai, esgotou a biblioteca de coleções de romances de sua mãe, Suzanne3 . De acordo

com Rousseau (1992, p. 15), foi nessas leituras que adquiriu um gosto apurado e talvez único naquela idade. Sua leitura favorita foi a de Plutarco, entre outros como:

Agésilas, Brutus, Aristides a Orondate, Artamàre e Juba. Dessas interessantes leituras, das conversas que motivavam entre mim e meu pai, formou-se este espírito livre e republicano, esse caráter indomável e altivo, não suportando jugo e a servidão, que me atormentou durante toda a vida em situações ao menos indicadas para dar-lhe asas (ROUSSEAU, 1992, p. 15).

Rousseau foi educado por sua tia, teve uma infância com poucas necessidades em uma educação diretiva. Na primeira infância até sair de sua casa paterna, nunca pode sair e brincar com outras crianças. Ou seja, “fora do

3 Aos sete anos de idade, passaram a ler a biblioteca do pai de Suzanne, onde encontraram obras

do tipo: História da Igreja e do Império, de Le Sueur; os Discursos Sobre a História Universal, de Bossuet; Homens Ilustres, de Plutarco; a História de Veneza, por Nani, as Metamorfoses, de Ovídio; os Mundos, de Fontenelle; e os Diálogos dos Mortos, e alguns tomos de Molière (ROUSSEAU, 1992, p. 12). Também ao longo de sua trajetória, sempre teve predileções por leituras. Outro momento, foi quando aprendiz de gravador. (ROUSSEAU, 1992, p. 58.

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tempo que passava a ler e a escrever perto de meu pai, e daquele em que minha ama me levava a passear, eu estava sempre com a minha tia, vendo-a bordar, ouvindo a cantar, de pé ou sentado ao lado dela, satisfazia-me com isso” (ROUSSEAU,1992, p. 16). Coloca-nos ainda que é “a ela que devo o gosto ou melhor, a paixão pela música que somente muito tempo depois se desenvolveu em mim” (p. 17).

Abandonado a si mesmo, aos dez anos seu pai deixa-o aos cuidados de seu tio Bernard. Em Bossey, Rousseau envolve-se num incidente a respeito de uma acusação de estragos em uma das travessas de mademoiselle Lambercier. Rousseau se diz inocente, mas ao ser injustamente acusado percebe que as consciências eram individuais. Ou seja, a partir desse momento, o “apego, o respeito, a intimidade, a confiança não mais ligavam os alunos aos mestres, não mais olhávamos como deuses que liam os nossos corações” (ROUSSEAU, 1992, p. 23). Consequentemente, surgem os vícios da perfectibilidade, pois “tínhamos mais vergonha de agir e mais receio de sermos acusados: começávamos a nos esconder, a mentir” (ROUSSEAU, 1992, p. 23). Aos dezesseis anos, Rousseau deixa Genebra.

Em 1728, (1992, p. 38,39 e 185), segue como andarilho, impulsivo, ambicioso, entregue às paixões e aos vícios da perfectibilidade ao aventurar-se em direção à Paris. Procura ajuda do pároco M. de Pontverre, em situação precária de fome e desamparo. Este o encaminha à baronesa de Warens. Em Annecy, inicia-se uma relação muito estreita entre eles. A protetora torna-se a sua

maman. A baronesa o encaminhou para Turim, para sua conversão ao

catolicismo e instrução. Rousseau (1992, p.188) saindo de Genebra, passou pela Itália e chega à Paris, em 1741, com a sua comédia Narcisse e o seu projeto musical como únicos recursos.

Rousseau (1992) teve experiências em diferentes profissões que foram exercidas ao longo de sua viagem como: aprendiz de gravador (p. 29), lacaio (p. 60)4, professor de música (p. 105), preceptor 5, cargo de secretário de relações

4 Rousseau (1992, p. 63), em uma mentira, acusou uma empregada chamada Marion do roubo de

uma fita. Esse episódio atormentou-o até os seus últimos dias, o qual refere-se em sua obra Devaneios de um caminhante solitário (ROUSSEAU, 2008, p.44).

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internacionais (p. 196), copista de música, entre outros. Conhece e une-se a Thèrèse Levasseur e em 1768, casa-se com ela.

Rousseau liga-se ao abade de Condillac (p. 228). Nesse período, Diderot e d’Alembert “acabavam de empreender o trabalho do Dicionário enciclopédico” (p. 229). Em 1749, em uma de suas visitas à Diderot, a caminho de Vincennes, Rousseau tem as suas visões que denominou de prosopopeia de Fabricius6. Em

suas confissões, descreveu que naquele momento, ao seguir o conselho de seu amigo Diderot, “a dar largas a minhas ideias e a concorrer ao prêmio” (ROUSSEAU, p. 232), se perdera para o resto de sua vida, suas infelicidades foram o inevitável efeito daquele desvario, a qual encontra-se em uma das cartas de M. de Malesherbes, onde descreve que os seus sentimentos elevaram-se:

com a mais inconcebível rapidez, colocando-se ao lado de minhas ideias. Todas as minhas pequenas paixões foram abafadas pelo entusiasmos da verdade, da liberdade, da virtude, que há de mais surpreendente é que aquela efervescência se manteve em meu coração, durando mais de quatro ou cinco anos, a um grau tão alto talvez nunca se tenha se feito sentir no coração de qualquer homem (ROUSSEAU, 1992, p. 232).

Rousseau consagra-se como escritor ao vencer o concurso da Academia de Dijon, em 1750, com o seu Primeiro Discurso, mantém-se, nessa posição até a condenação de suas duas obras, em 1762, Emílio ou Da Educação e o Do

Contrato Social. Durante esse período, Rousseau escreve e concorre ao prêmio

da Dijon, em 1954, o seu Segundo Discurso, apesar de não ter sido premiado, teve uma larga influência nos estudos a respeito da crítica da cultura da sociedade da época. Através dessa obra que Rousseau fundamentou o seu Sistema Social.

Em 1762, no ano de lançamento de Emílio, Jean-Jacques Rousseau escreve Émile e Sophie ou os solitários, um romance inacabado, em que, refere-se às práxis de Émile em suas experiências de vida. Ao filosofar sobre a sua vida e infortúnios, Émile escreve cartas a seu preceptor acerca dos acontecimentos, refletindo sobre os descaminhos de sua vida com Sophie. Reconhece o véu com que a sociedade cobrira os sentidos de ambos, ao permitir que a corrupção adentrasse em seus corações. Mesmo identificando o processo da

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perfectibilidade – a corrupção – Émile não consegue perdoar Sophie. Assim, ao

prosseguir o seu caminho sozinho, é escravizado, porém, adquire o prestígio e a confiança de todos, com o desempenho de sua capacidade política. Nesse romance, Rousseau mostra-nos que apesar de toda a estrutura de uma educação adequada, sob as circunstâncias que a sociedade oferece, Émile sofre as consequências do meio.

Escreve Júlia ou A Nova Heloísa (1761), um romance que impactou e o consagrou como escritor romanesco. Conforme Starobinski, seu estilo entre a transparência e o obstáculo no processo de formação moral, da paixão e do amor proibido, do constante lapidar da consciência moral, faz teorizar sobre um exemplo de virtuosidade, a perfectibilidade humana ideal.

Outras obras de Rousseau, citando aqui as autobiográficas, como

Confissões, textos autobiográficos, Os devaneios de um caminhante solitário

(publicações póstumas) expressam a dialética entre a sua consciência e suas memórias ao refletir sobre seus sentimentos e experiências vividas.

Seus escritos em forma de cartas como As cartas Morais ou Cartas a

Sophie (1757), escritas com o propósito de um catecismo moral, também revelam

o exercício do lapidar da consciência para sua elevação à perfectibilidade. As cartas supostamente endereçadas à sua grande e única paixão, a Condessa Élisabeth-Sophie-Françoise d’Houdetot nunca foram enviadas à destinatária. O texto a Ficção ou peça alegórica sobre a Revelação recebeu atenção, de Starobinski, no quarto capítulo de A transparência e o obstáculo.

Além de inovar a teoria pedagógica e o pensamento social e político, Rousseau é considerado um dos fundadores do pensamento antropológico e esse crédito deve-se à escrita e sua tese, o Ensaio sobre a Origem das Línguas (publicação póstuma). Apesar das perseguições e retaliações, após a condenação de suas obras Emílio e Do Contrato Social, Rousseau (1992) em suas Confissões relata suas passagens. Acompanhado da costumeira solidão, consegue acolhimento na Rússia, Inglaterra, e por último, retorna a residir na França. Em dois de julho de 1778, morre. Seus restos mortais foram transladados para o Pantheon de Paris em 1794.

Relativo mais especificamente ao tema da perfectibilidade, Rousseau (1973, p. 343), em seus dois discursos, ao contrário do esperado, empreende

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uma crítica à cultura da época e nos mostra que, apesar das ciências e das artes terem alcançado as luzes do grande deslocamento da consciência em direção ao esclarecimento humano do século XVIII, para ele, o homem civil está perdido. Pois, “os benefícios das luzes estão compensados, e quase anulados, pelos inumeráveis vícios que decorrem da mentira da aparência” (STAROBINSKI, 1991, p. 15). Eis o que Starobinski denomina corrupção dos costumes.

Seus dois discursos revelam-nos que Rousseau, ao criticar a cultura de sua época, na medida em que se aprofunda, na defesa de suas teses, ou seja, na mesma proporção, cresce a distância entre ele e seus colegas filósofos. O problema foi que essas divergências não ficaram somente nesse universo, elas prosseguiram, atravessam o tempo e permaneceram entre seus comentadores. Nesse sentido, conforme Salinas Fortes mostrou-nos que:

Tal é a eloquência com que Rousseau investe contra a civilização e suas conquistas, que ele ficou visto por boa parte de seus leitores – a começar pelo ilustre Voltaire, que contra ele logo se posicionou – como um intolerável detrator das Luzes e defensor da barbárie, querendo apenas escandalizar (SALINAS FORTES,1996, p. 9).

Um mal-estar se instala entre a maioria dos leitores, de sua época derivado, talvez, da interpretação sobre se há uma antítese para a ideia primordial das luzes, não só no que se refere à crise do pensamento, mas também relativo a uma animosidade entre ideias não concordantes. Dessa forma, para além do resultado de um processo de distanciamento entre Rousseau e os filósofos de sua época, surgem também antagonismos em seus pressupostos. Relatam-se polêmicas e divergências em interpretações que orientam a discussão em direção à seguinte questão: em que residem as controvérsias nas interpretações das obras de Rousseau?

O seu maior opositor, conforme a epígrafe desse texto, foi Voltaire (1694-1778), um renomado filósofo iluminista, dramaturgo e poeta da época. Este era considerado por Rousseau um dos grandes mestres. Outros comentadores também apresentaram diferentes posições nas interpretações de suas teses do Segundo Discurso e do Do Contrato Social. Para alguns comentadores, Rousseau foi defensor do “individualismo radical” com seu prognóstico de que a sociedade corrompeu o homem natural. Na segunda obra, tende a defender o

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“coletivismo”, quando apresenta que a “vontade geral” ou amor à pátria, ou seja, o interesse do coletivo deve sobrepor-se ao interesse individual.

Ao ampliarmos a questão das críticas sobre as teses rousseaunianas, não podemos deixar de concordar com Cassirer (1999), que em seu trabalho de pesquisa dispôs sobre os problemas de leituras das obras de Rousseau publicados em seu livro, com o título “A questão Jean-Jacques Rousseau”, muito utilizado como referência até os dias de hoje. Cassirer defende não só a unidade entre a vida e a obra bem como a unidade sistemática da própria obra de Rousseau. Desse modo, na própria introdução dessa publicação, de acordo com Peter Gay, em relação à doutrina de Rousseau, houve tantas opiniões divergentes e polêmicas, e isso, além de ter intrigado seus intérpretes, conduziu-os na diversificação de seus enfoques. Como de fato, pconduziu-ossibilitou-nconduziu-os validar essa afirmativa, ao declarar que dentre os vários comentadores que tentaram discorrer sobre o pensamento rousseauniano –, dentre eles, o mais negligenciado de todos os tempos – é o próprio Jean-Jacques Rousseau quando enfatizou que sua obra, tomada como um todo, revela-se “uma filosofia consistente e coerente” (p. 8). Conforme Rousseau (1992) afirma em suas Confissões, de que: “Tudo o que há de ousado no Contract social, já surgira antes no Discours sur l’Inégalité; tudo o que há de audacioso em Émile já o era em Julie”(p. 268).

Rousseau reitera a convicção de que há um fio condutor em sua obra, próximo ao final de sua vida. Talvez por ter considerado importante, declarou que: “‘um grande princípio’ mantinha e era evidente em todos seus livros” (CASSIRER, 1999, p. 8). Porém, poucos intérpretes de Rousseau aceitam esta autoavaliação como verídica e muitos estudiosos, ao desconsiderar essa convicção, inferem o suposto caráter confuso ou contraditório de sua obra. O que temos como resultado são interpretações divergentes, se não, fracassadas de sua obra.

Somos partidários de que há, sem dúvida, uma unidade na obra de Rousseau. Portanto, aqueles que divergem no que diz respeito à unidade e coesão de seu sistema filosófico-educacional, “precisamente através do específico e original modo pelo qual ele soube articulá-las numa totalidade dialética” (COUTINHO, 1996, p. 1), a qual talvez fosse repelida pelo próprio Rousseau divergem por exigirem dele uma coerência que não é propriamente a coerência rousseauniana. Nossa aposta na unidade e coesão entre as obras de

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Rousseau, porém, não permite que fechemos totalmente as portas ante a denúncias de desvio do conjunto argumentativo do autor, pois precisamos estar cientes de que há “especulações escusas” dos discursos metafísicos que se colocam contra as ideias de Rousseau.

Para Rousseau (1973), em seu processo investigativo, discorreu sobre “o estudo sério do homem, de suas faculdades naturais e de seus desenvolvimentos sucessivos” (p. 237); pois, sem esse recurso, “jamais se chegará a fazer essas distinções e, no estado atual das coisas, separar o que a vontade divina fez daquilo que a arte humana pretendeu fazer” (p. 237). Dessa forma, um estudo a respeito “dos seres humanos como eles são” (DALBOSCO, 2016, p. 21). Em decorrência do fato dos filósofos encontrarem-se focados e coadunados com sua “especulação metafísica”, estariam distantes de promover uma abordagem adequada do problema. Ou seja, para eles, significaram, “precisamente, que os homens tiveram de utilizar, para o estabelecimento da sociedade, luzes que só se desenvolvem com muito trabalho e para poucas pessoas, no próprio seio da sociedade”. (ROUSSEAU, 1973, p, 236). Ainda, em consonância com os estudos de Dalbosco e Cassirer, temos que ambos reconhecem que foi em virtude de um inabalável sentimento de existência que Rousseau rechaçou toda variedade de coação sistêmica. Acrescentam ainda, que:

Num pensador desse tipo, não se pode separar o conteúdo e o sentido da obra da razão pessoal de viver; ambos só podem ser apreendidos um dentro do outro e um com o outro, só num ‘reflexo reiterado’ e num esclarecimento mútuo de um pelo outro (CASSIRER, 1999, p. 42)7.

Desse modo, Rousseau, ao aperceber a decadência da filosofia em especulações superficiais e, ao afastar-se do problema relacionado à existência humana, não mais alcançaria o seu objetivo primordial, ou seja, seria mais capaz de oferecer elementos de estudos necessários para a investigação sobre os seres humanos como eles são.

De acordo com Rousseau, a formação da moralidade do Emílio, que é abordada, mais especificamente, no Livro IV, do Emílio, não é natural, ou seja, ela deve ser constituída, ao longo de sua educação. Para o genebrino, a educação

7 Na página dezessete da dissertação, já fizemos menção à problemática de criticarmos um autor

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inicia-se no nascimento e estende-se aos seus vinte e cinco anos, a qual está ilustrada em seus livros do I ao V, do Emílio. Esse processo de passagem, no livro IV, em que se desenvolve a perfectibilidade, estamos em acordo com o que afirma Dalbosco (2016), ao certificar-nos de que com a admissão da

perfectibilidade, “ocorre a abordagem mais sistemática da educabilidade do

amor-próprio” (p. 21). Rousseau faz uma crítica ao “espírito filosófico”, ao mostrar-se contrário às práticas de seus colegas filósofos8 e, desse modo, declara que: “O

espírito filosófico voltou para esse lado as reflexões de vários escritores deste século, mas duvido que a verdade ganhe alguma coisa com seu trabalho” (ROUSSEAU, 1995, p. 317). Complementa ainda que “tendo se apoderado deles o furor dos sistemas, ninguém procura ver as coisas como são, mas como eles se adaptam a seu sistema” (p. 317). Dessa forma, se na educação do amor-próprio residiu a labuta central da formação moral do Emílio, então dependeu a investigação dos “seres humanos como eles são”. No entanto, essa busca não foi possível nos sistemas dos filósofos, porque eles procuram extrair o sentido das coisas de um preceito pré-determinado. Dessa maneira, a educação moral do Emílio, no livro IV, acontece baseada no estudo da história, na antiga Grécia e, na educação do gosto9.

Ao ampliar-se o que o filósofo Jean-Jacques Rousseau concebeu a respeito da capacidade de aperfeiçoamento, própria da espécie humana, em seus estudos sobre os humanos como eles são e seguir-se a orientação acima de Cassirer, incluiu-se na discussão desse capítulo, algumas passagens de sua vida e obra.

Rousseau inicia com uma crítica à cultura, que, no Segundo Discurso, nos aponta a alienação do homem civil. Para defender a questão dessa alienação, descortina para nós a natureza humana e a sua passagem para a civilidade na história da genealogia humana. Mostra como o homem encaminha-se à corrupção humana. Para a discussão, a pergunta geral que orientou o sentido do processo de busca de nossa investigação recaiu sobre: em que constituiu a crítica à cultura de Rousseau?

8 Maiores detalhes sobre as divergências entre às práticas filosóficas de Rousseau e seus colegas

filósofos, ver a respeito em Cassirer (1999, p. 76-80).

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Na defesa da teoria antropológica do Segundo Discurso, o genebrino apresentou-nos a gênese antropológica a partir da contraposição entre o homem natural e o homem social e nela tencionou reconstituir o processo de socialização humana. Apontou a liberdade e a perfectibilidade como duas forças impulsionadoras que possibilitaram a ruptura com a ordem natural. Em uma crítica à cultura e à sociedade, Rousseau traça uma perspectiva do que poderia ter levado o ser humano à corrupção e, além dessa questão, problematizou a causa do ser humano permanecer nesse estado, mesmo sabendo estar em prejuízo próprio.

Eis que estamos diante da relevância do papel da perfectibilidade, diante do progresso humano, e eis que avistamos no conjunto o papel dos conceitos de autoconservação e da representação. Numa passagem do Segundo Discurso, Rousseau defende a hipótese de que o homem natural, isolado, conserva somente os sentimentos de amor de si, da autoconservação, da piedade, da liberdade e da perfectibilidade. Esses dois últimos, em forma de potência, ativaram-se em virtude das circunstâncias e da natureza (físicas) promovidas pela necessidade/querer. Impulsionaram a ruptura do homem natural em direção ao homem social.

Após mostrar-nos o procedimento da passagem do homem para a civilidade, Rousseau desvenda o processo de todo desenvolvimento e progresso humano que a perfectibilidade e a liberdade possibilitaram e, segundo ele, para a miséria e corrupção humana. Assim, diante da tensão entre o amor de si e do amor-próprio no processo de corrupção humana em seu progresso, ampliou-se o conceito de perfectibilidade e identificou-se a sua especificidade de caráter ambíguo, universal e indeterminado. A partir dessa passagem, conecta-se com os elementos da discussão do Primeiro Discurso. Além da crítica à cultura e à sociedade, o genebrino denuncia o papel e a responsabilidade da sociedade frente à corrupção do ser humano. Não esqueçamos de que para Rousseau, o homem é naturalmente bom e sua degeneração ocorre por meio do ingresso na sociedade civil. Diante da análise desse processo, aparecem questões que incidem sobre as seguintes perguntas: como se desenvolveu essa crítica à cultura e à sociedade? E, se o genebrino revelou algum prognóstico, como remédio diante da corrupção humana, o que poderia ser?

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Para Rousseau, a corrupção são os vícios – da capacidade do ser humano aperfeiçoar-se, ou seja, uma antítese da perfectibilidade. Consequentemente, parte-se da hipótese que seria a ação e operação da perfectibilidade em direção à virtude e à justiça, resultado do direcionamento devido da tensão entre o amor de si e o amor próprio, como uma alternativa ao retorno à bondade natural do homem. Dessa forma, seria possivelmente o entrelaçamento da educação e da política, a chave da porta para atingir a formação de um cidadão e uma sociedade ideais como possibilidade de alcançar-se um protótipo de cidadão com possibilidade de combater a corrupção da humanidade. O aluno imaginário de Rousseau deveria cumprir este papel.

Por se tratar de uma questão preliminar, a controvérsia entre os estudiosos de seu pensamento, de divergências no propósito de interpretação que são muitas, propomo-nos a conferir as que são contrárias e as que são favoráveis à unidade, particularmente no que concerne aoSegundo Discurso, ao Emílio e ao Do contrato Social.

2.1 A unidade do pensamento rousseauniano

No movimento de revisitar as três obras de Rousseau, com o propósito fixo no conceito ambíguo de perfectibilidade, preferimos tomá-la como concepção aberta e delimitamos o sentido que nos orientou nesse processo investigativo, a partir da concepção de formação humana. Aparece, para nós, então, uma nova demanda, que incide sobre a questão: a unidade no pensamento de Rousseau, em suas obras, do Segundo Discurso, Emílio e Do contrato Social (1762) afeta positivamente aquilo que o autor entende como formação humana?

Parte-se da validação das afirmações discutidas, na introdução desse capítulo, da existência de um princípio entre as suas principais obras. De acordo com Rousseau (1973), no Segundo Discurso, discorreu sobre o estudo da origem da desigualdade entre os homens, quando nos revela que “é do Homem que devo falar” (p. 241). Nesse sentido, concebeu na espécie humana atual dois tipos de desigualdade, uma natural ou física, por ser estabelecida pela natureza; a outra

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que pode se chamar de “desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens” (p.241). Para isso, despojou “o ser humano constituído, de todos os seus dons e de suas faculdades artificiais que ele só pode adquirir por meio do progresso muito longo” (p. 244) a partir do homem natural. Nessa tese, descreve que o homem corrompeu-se no processo de socialização e a culpa recaiu na sociedade. Na obra Do Contrato Social, Rousseau (1973), propôs-se “a indagar se pode existir na ordem civil, alguma regra de administração legítima e segura, tomando os homens como são e as leis como podem ser” e devem ser para convir-se às inconstâncias, individuais e coletivas, “dos homens como eles são” (p. 27). Para isso, parte do conhecimento com profundidade e genérico do homem para constituir as regras da organização consciente da sociedade. No Emílio, Rousseau (1995), nos diz que “é preciso começar por estudar o homem para julgar os homens, e quem conhecesse perfeitamente as inclinações de cada indivíduo poderia prever todos os seus efeitos combinados no corpo do povo” (p.316). Mas, essa posição de unidade no pensamento rousseauniano está longe de ser consensual, portanto, a controvérsia entre os estudiosos de seu pensamento, bem como divergências no propósito de interpretação são muitas. Dessa forma, propomo-nos a conferir que são contrárias e as que são favoráveis à unidade, particularmente no que concerne às três obras já citadas. Porém, como o núcleo da controvérsia resume-se na viabilidade da unidade de conciliar a interpretação do diagnóstico cético do Segundo Discurso com a noção de ideal de estado presente na teoria política do

Contrato Social, pode-se constatar uma possibilidade de um prognóstico de

perfectibilidade.

Na obra editada recentemente, Dalbosco (2016) apresenta-nos uma bela discussão relacionada à unidade do pensamento rousseauniano, no que diz respeito às interpretações entre os principais comentadores de Rousseau, as quais permitiu-nos ampliar o tema. Os estudiosos como Guéroult, Kersting e Vaughan, utilizando-se de recursos argumentativos específicos, chegaram à mesma ideia da descontinuidade evidente e inevitável entre o Segundo Discurso e o Contrato Social (p. 24).

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De acordo com Vaughan (2015), a leitura dessas obras nos revelou que, se “descartarmos o Discurso sobre a desigualdade e as primeiras páginas do Contrato social, o individualismo social de Rousseau será visto como um mito”(p. 111). Dessa forma, o pesquisador aponta-nos a necessidade de se estudar a obra como um todo, pois isso permitirá esclarecer, pelo menos, três pontos: primeiro, ao contrário do que se imagina, o tornará um crítico ferrenho da teoria individualista; segundo, demonstra que o seu interesse maior pela ação e menos pela teoria, torna-o um reformista prático tanto quanto um filósofo político; e terceiro, uma consequência natural do segundo, quanto aos seus argumentos, longe de serem abstratos, referem-se diretamente “a condições que se relacionam com o tempo, lugar e antecedentes históricos, ou seja, torna-se circunstancial” (p. 112).

O próprio Rousseau, segundo Vaughan (2015), tem uma certa responsabilidade sobre as divergências nas interpretações (mal-entendidos), mas, por outro lado, não desconsiderou a possibilidade de seus leitores terem divergências em suas compreensões (Idem). Dessa maneira, Vaughan (2015), ao rejeitar a opinião de que o Segundo Discurso é um tratado de teoria política – uma versão “crua do Contrato social” – ou “como uma sugestão de que ele é um clamor para uma reforma política”, considera-o como uma “obra de um moralista” (p. 132). Nesse sentido, as duas obras estão em posições opostas, pois, no

Segundo Discurso, Rousseau pende para “o individualismo”, ou seja, para o

estado de natureza; no entanto, no Contrato social, Rousseau teria renunciado a esse estado de natureza ao constituir a sua teoria do estado soberano entre os homens, quando visa o “coletivismo” (p.133).

Estando em conformidade com essa linha de pensamento, para Guéroult (1972), essa ruptura é mais profunda. Guéroult afirma que sob o enfoque filosófico ou racional, o Contrato social não confirma e nem fundamenta a ideologia do estado de natureza do Segundo Discurso e nem compactua com o ponto de vista negativo da história que concebe o processo de civilidade como sinônimo de corrupção e degeneração humana. Segundo Guéroult (1972), “La tesis del Discurso es, así, diametralmente opuesta a la de El Contrato social” (p. 157). O comentador problematiza que no Contrato social o estado social que, só não é visto como uma degeneração do estado de natureza bem como

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