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Forças D'Alma : um estudo sobre a "abordagem melodicamente orientada" de Tutty Moreno

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

DHIEEGO CARDOSO DE ANDRADE

Forças D´Alma: um estudo sobre a “abordagem

melodicamente orientada” de Tutty Moreno.

CAMPINAS

2018

(2)

DHIEEGO CARDOSO DE ANDRADE

Forças D´Alma: um estudo sobre a “abordagem

melodicamente orientada” de Tutty Moreno.

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientador: Leandro Barsalini

Este trabalho corresponde à versão final da Dissertação defendida pelo aluno Dhieego Cardoso de Andrade e orientado pelo Prof. Dr. Leandro Barsalini.

CAMPINAS

2018

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COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

DHIEEGO CARDOSO DE ANDRADE

ORIENTADOR: LEANDRO BARSALINI

MEMBROS:

1. PROF. DR. LEANDRO BARSALINI

2. PROF. DR. RAPHAEL FERREIRA DA SILVA

3. PROF. DR. JOSÉ ALEXANDRE LEME LOPES CARVALHO

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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Agradecimentos

Ao professor e amigo Dr. Leandro Barsalini pela orientação enriquecedora e sempre presente e pela confiança em discutir tema de tamanha importância.

Aos professores doutores Rafael dos Santos, Zé Alexandre Carvalho e Raphael Ferreira da Silva pela leitura atenta do nosso trabalho durante as bancas de qualificação e de defesa. Suas contribuições instigantes foram valiosas aos nossos estudos.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Aos músicos Tutty Moreno, Rodolfo Stroeter e André Mehmari por gentilmente nos cederem um tempo de entrevistas imprescindível para a discussão aqui proposta.

Aos colegas pesquisadores Luiz Guilherme Sanita, Hélio Cunha e Guilherme Marques pelas conversas enriquecedoras e as importantes sugestões de bibliografias.

Ao querido Giba Favery por todas as vivências em sala de aula, congressos e demais processos envolvidos na empreitada do mestrado em música.

Aos meus pais Adilson e Zezé e meu irmão Rafael pelo amor e presença acolhedora de sempre.

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Resumo

A presente dissertação investiga os padrões musicais do baterista Tutty Moreno a partir da análise de seu segundo álbum solo chamado Forças D´Alma (1998). O objetivo é verificar se este músico assumiu uma maneira de tocar desprendida da função de marcação rítmica comumente associada aos bateristas. Para isto, discute-se o conceito “bateria melódica” e “abordagem melodicamente orientada da bateria”. Os cruzamentos entre dados provenientes de transcrições e análises musicais e depoimentos oriundos da história oral e da literatura consultada compuseram a base para a pesquisa aqui proposta. Discutiu-se o conceito de estabilidade musical produzida pela bateria em contextos da música instrumental brasileira e também do Jazz. Refletiu-se também a classificação de Moreno enquanto baterista melódico.

Palavras-chave: Moreno, Tutty 1947-; Bateria (música); Música Brasileira; Melodia; Bateria Melódica; Música – Análise, apreciação;

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Abstract

The present study investigates the musical patterns of Brazilian drummer Tutty Moreno, based on the analysis of his second solo album called Forças D'Alma (1998). The objective is to verify if that drummer has taken over a rhythmic-marking-free function of playing, as opposed to what is usually associated with the drummers. To do that, the concept of melodical drumming approach is discussed. The cross-reference between the data originated from transcriptions and musical analysis, as well as testimonials from the oral story along with the referenced literature compose the basis of the hereby proposed research. The concept of musical stability produced by drums in contexts of Brazilian instrumental music and jazz was also discussed. Moreno's classification as a melodic drummer was also considered.

Keywords: Moreno, Tutty 1947-; Drumset; Brazilian Music; Melody; Melodical Drumming, Music Appreciation

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Índice de ilustrações:

Figura 1 – Padrões de jazz tocados no prato de condução...31

Figura 2 – exercício de coordenação de jazz sugerido por Ari Hoenig...38

Figura 3 – exercício de coordenação de jazz sugerido por Ari Hoenig...38

Figura 4 – exercício de coordenação de jazz sugerido por Ari Hoenig...39

Figura 5 – exercício de coordenação de jazz sugerido por Ari Hoenig...39

Figura 6 – exercício de coordenação de jazz sugerido por Ari Hoenig ...39

Figura 7 – exercício de coordenação de jazz sugerido por Ari Hoenig...40

Figura 8 – padrão de samba descrito na nota de rodapé 44 ...41

Figura 9 – Padrão de marcação do samba sugerido por Gomes...41

Figura 10 – linha melódica tocada pela caixa sugerido por Gomes...41

Figura 11 – Padrão de samba e linha melódica tocados simultaneamente (Gomes)...41

Figura 12 – Samba telecoteco montagem hi-hat, aro e bumbo (Gomes)...96

Figura 13 – transcrição de padrões de Edison Machado...96

Figura 14 – transcrição de padrões de Airto Moreira...97

Figura 15 – transcrição da bateria de Desafinado (Rio 65 trio)...99

Figura 16 – transcrição da bateria de A Vizinha do Lado (primeiro chorus)...100

Figura 17 – transcrição de um típico padrão do gênero de Baião (Gomes)...101

Figura 18 – três tipos de padrões de marcação para Baião (Gomes)...102

Figura 19 – exercício de montagem do ritmo no Baião (Gomes)...102

Figura 20 – transcrição do ritmo realizado por Fernando Pereira em uma gravação de Baião.103 Figura 21 – transcrição do ritmo realizado por Nenê em uma gravação de Xaxado...104

Figura 22 – dois padrões de Xaxado...105

Figura 23 – transcrição de um padrão de Xaxado em livro de Nenê...105

Figura 24 – ritmo tocado por Tutty Moreno em A Lenda do Abaeté...106

Figura 25 – padrão conhecido como telecoteco sob ótica da imparidade rítmica...110

Figura 26 – linha de tamborim (hi-hat) somada ao padrão de marcação (pés)...113

Figura 27 – diferenças de duração entre o padrão de marcação e a linha de tamborim...114

Figura 28 – padrão tocado por Tutty Moreno sob ótica da imparidade rítmica...115

Figura 29 – transcrição de padrão de prato executado por Moreno...116

Figura 30 – frase rítmica que deu origem a um dos padrões de prato tocados por Moreno...116

Figura 31 – padrões de pratos e variações tocados por Moreno...117

Figura 32 – frases que deram origem aos padrões de prato tocados por Moreno...117

Figura 33 – outros padrões de prato e variações tocados por Moreno...118

Figura 34 – frases que deram origem aos padrões de prato tocados por Moreno...118

Figura 35 – relação entre a melodia principal, o solo e os padrões de bateria...121

Figura 36 – reação de Moreno ao caminho melódico proposto pelo solista...123

Figura 37 – cometricidade e contrametricidade na interação entre Moreno e o solista...124

Figura 38 – padrão recorrente de pergunta e resposta entre Moreno e solista...125

Figura 39 – pergunta e resposta entre bateria e clarinete...126

Figura 40 – elaborações do solista inspiradas pela bateria...127

Figura 41 – elaborações da bateria inspirada pelo solista...128

Figura 42 – comparação entre dois padrões de xaxado...131

Figura 43 – vinte e oito variações de xaxado realizadas por Moreno...132

Figura 44 – padrões de bateria sobre notas longas da melodia principal...133

Figura 45 – outro exemplo contendo padrões de bateria sobre notas longas da melodia...134

Figura 46 – padrões de bateria sobre pausas da melodia principal...134

Figura 47 – padrões de bateria reagindo ao contrabaixo...135

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Figura 49 – bateria reagindo à repetição da melodia e suavização da densidade sonora do trecho

em momentos de notas longas da melodia...137

Figura 50 – padrões de bateria organizados de forma ascendente de maneira análoga ao movimento melódico do solista...138

Figura 51 – uso da sonoridade grave do bumbo como recurso de adensamento sonoro...140

Figura 52 – prato de ataque sinalizando a nota de repouso da melodia...142

Figura 53 – prato de ataque estimulando a interrupção das repetições do solista...143

Figura 54 – uso do hi-hat como reação do baterista a interrupção das repetições do solista...144

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SUMÁRIO

Introdução...12

Capítulo 1 – A “abordagem melódica da bateria”...16

1.1 – Como os bateristas se referem à melodia em suas práticas 1.1.1 – A melodia como ponto de referência...18

1.1.2 – A orquestração e articulação das melodias...20

1.1.3 – O contraponto como melodia...27

1.2 – A simultaneidade da manutenção do tempo e a criação de linhas melódicas na bateria: 1.2.1 – A manutenção do tempo e a estabilidade rítmica dos bateristas – o estado “sólido” da bateria...30

1.2.2 – As intervenções variáveis no acompanhamento dos bateristas – o estado “líquido” da bateria...32

1.3 – Como os bateristas praticam tecnicamente o acompanhamento necessário ao jazz…...38

1.4 – A “abordagem melódica” na bateria como evidência da nova função do baterista...42

Capítulo 2 – Tutty Moreno: uma breve biografia. 2.1 – O começo da carreira na Bahia (1960-1970)...48

2.2 – Envolvimento com o Tropicalismo e Experiência no exterior (1970-1978)...61

2.3 – A Volta ao Brasil, a parceria com a cantora Joyce e a década de 1980(1978-presente)...73

2.4 – A carreira solo e o disco Forças D´Alma (década de 1990)...80

Capítulo 3 – Estudo Interpretativo da “Abordagem Melodicamente Orientada” de Tutty Moreno 3.1 - O Disco Forças D´Alma (1998) – Nossos Critérios de Escolha para Análise...92

3.2 – Os padrões musicais brasileiros para o instrumento bateria e a abordagem rítmica de Moreno...94

3.2.1 – Considerações acerca da bateria no gênero Samba e a abordagem de Moreno...95

(11)

3.3 – A estabilidade rítmica e as intervenções variáveis – o estado “sólido” e “líquido” na abordagem

de Tutty Moreno...107

3.3.1 – Breve descrição sobre as frases musicais dentro do contexto do Samba...108

3.3.2 – As frases rítmicas como referência da nova estabilidade para os padrões de samba na bateria...112

3.3.3 – Construções rítmicas em A Vizinha do Lado: evidências da estabilidade dos padrões de Moreno...115

3.4 – A escolha de timbres como reação ao conjunto sonoro – Abordagem melodicamente orientada de Moreno...120

3.4.1 – A melodia como referência interna na elaboração dos padrões de bateria de Moreno...121

3.4.2 – A orquestração e articulação das melodias e as elaborações de Moreno...122

3.4.3 – Os padrões de bateria funcionando como contraponto na abordagem de Moreno....125

3.5 – A abordagem melodicamente orientada de Moreno para o Baião...129

3.5.1 – A melodia como referência interna nas elaborações contrapontísticas de Moreno para o Baião...130

3.5.2 – A melodia influenciando as escolhas tímbricas de Moreno em A Lenda do Abaeté...138

Considerações finais ...146

Referências...150

Anexo 1 – disco analisado...152

Anexo 2 – entrevistas realizadas com Tutty Moreno e Rodolfo Stroeter...153

(12)

Introdução

Parte daquilo que deu origem ao instrumento bateria está ligado à dança. Desde seu surgimento no começo do século XX, este instrumento tem desenvolvido uma trajetória íntima com o conjunto de capacidades necessárias para mover corpos e mentes através dos sons, algo que é típico da música. Há um momento em que a bateria passa a fazer parte de um tipo de música feita mais para ser escutada do que dançada. Mas ainda assim, ela continua carregando consigo aquelas capacidades que a popularizaram enquanto um instrumento de marcação rítmica para a dança. O jazz norte-americano tem sido este tipo de música na qual os performers da bateria têm desenvolvido uma série de combinações e usos cada vez mais criativos e expressivos que, com o passar do tempo, têm sido capazes de tencionar os parâmetros que distinguem a música feita para dançar daquela feita para se escutar. É evidente que os resultados destes processos são bastante singulares de maneira que uns tendem a padrões musicais mais próximos da dança e, portanto, parecem ser percebidos como estáveis, enquanto outros se afastam dela ao sinalizarem estruturas sonoras aparentemente instáveis.

É neste contexto que situamos o baterista brasileiro Tutty Moreno. Dono de um estilo muito particular de tocar a bateria, ele despertou nosso interesse pelo modo como organiza seus padrões musicais que, a nosso ver, pareciam fazer referência a estruturas sonoras instáveis. Assim, procuramos responder à seguinte pergunta: será que Moreno assumiu uma maneira de tocar desprendida da função de marcação rítmica comumente associada aos bateristas? No intuito de verificar se ou em que grau isto aconteceu, passamos a fazer um levantamento acerca da produção musical deste baterista.

Não foi somente a sonoridade de Moreno que inspirou nossa investigação, mas também sua trajetória profissional. Como um experiente músico com mais de cinquenta anos de carreira, este baterista atuou ao lado de uma grande quantidade de artistas brasileiros em gravações e apresentações ao vivo. Ele gravou discos bastante conhecidos, como Expresso

2222 (1972) e Gilberto Gil ao vivo (1971), de Gilberto Gil; Transa (1972) e Araçá azul (1973)

de Caetano Veloso; Sinal fechado (1974) de Chico Buarque; Cantar (1972) de Gal Costa;

Caetano e Chico, juntos e ao vivo (1972) de Chico Buarque e Caetano Veloso; Drama (1972), Álibi (1978), Mel (1979) e Nossos momentos (1982), de Maria Bethânia; Jards Macalé (1972),

de Jards Macalé, entre outros. Além disso, atuou ao vivo ao lado de Raimundo Fagner, Ednardo e o Pessoal do Ceará, Alcione, Milton Nascimento, Antonio Adolfo, Elizeth Cardoso,

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Herivelto Martins, Hermínio Bello de Carvalho, Maria Bethânia. Desde a década de 1980 ele acompanha a cantora e compositora Joyce em apresentações pelo Brasil e no exterior.

Contudo, nos debruçamos sobre a atuação de Moreno a partir da década de 1990, período em que ele passa a verter a maior parte de sua produção para a música popular instrumental, além de impulsionar sua carreira solo. Neste período ele grava os discos Pra

Que Mentir (1996) junto ao grupo Quarteto Livre; Ninhal (1996) de Léa Freire; Meu Brasil

(1997) de Teco Cardoso, Pedra Bonita (1997) de Mario Adnet e Forças D´Alma (1998) seu segundo disco solo.

É justamente sobre este último disco que direcionamos nossa análise musical por se tratar de um registro em que Moreno realiza uma série de padrões rítmicos cujas características parecem remeter a formas mais abstratas de conceber a atuação do instrumento bateria ao realizar acompanhamentos em uma situação de improvisação baseada em gêneros musicais brasileiros. Na tentativa de compreender tais procedimentos, chegamos ao conceito

abordagem melódica da bateria e o discutimos como uma possibilidade teórica capaz de

lançar luz à maneira de atuação de Moreno. Para isto, realizamos um levantamento acerca da conceituação teórica das frases rítmicas do samba, já que estas, normalmente, dão origem às melodias deste gênero musical. Ao discutirmos sobre a referida abordagem de bateria, tratamos, sobretudo, da ideia de melodia, já que esta tem um papel central neste tipo de contexto. Contudo, verificamos que, para alguns músicos que se identificam quanto

“bateristas melódicos”, tocar melodias na bateria de maneira similar aos instrumentos de

alturas definidas seria algo distante daquilo a que se referem quando tratam sobre suas

“abordagens melódicas da bateria”. Portanto, propusemos, ainda que brevemente, uma

revisão do conceito “abordagem melódica da bateria” sugerindo o uso “abordagem

melodicamente orientada” por julgarmos se tratar de um modo de tocar mais adequado à

atuação de Moreno nesta investigação, uma vez que as características das melodias e harmonias servem de critério de escolhas para a elaboração de padrões rítmicos no instrumento bateria sem a intenção de compreendê-lo enquanto instrumento melódico. Além disso, estabelecemos alguns paralelos entre a atuação de Moreno e outros dois bateristas brasileiros (Edison Machado e Airto Moreira), ao compararmos suas organizações rítmicas na prática de música instrumental brasileira.

Em relação aos dados analisados, nossa investigação se valeu: do material musical proveniente das transcrições; da análise destas transcrições tendo como fundamentação

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teórica trabalhos que discutissem, sobretudo, a abordagem melódica da bateria; dos dados colhidos a partir dos depoimentos de músicos entrevistados.

A interpretação dos dados teve como referencial teórico o trabalho de Jonathan McCaslin Melodic Jazz Drumming (2015) sendo este fundamental para a sistematização acerca do conceito abordagem melódica para a bateria. Ainda, o trabalho de Ingrid Monson

Saying Something: Jazz Improvisation and Interaction (1996) forneceu importantes

considerações acerca da montagem do ritmo feita pelos bateristas num contexto de improvisação jazzística, complementando a visão apresentada por McCaslin, assim como o fizeram os trabalhos de Ari Hoenig Drumming Technique and Melodic Jazz Independence. (2011) e Rodrigo Villaneuva Jeff Hamilton's Melodic Approach (2007).

Além disso, as leituras de Leandro Barsalini As sínteses de Edison Machado: um

estudo sobre o desenvolvimento de padrões de samba na bateria (2009) e Guilherme Marques Airto Moreira: do sambajazz à música dos anos 70 (1964-1975) (2013) forneceram

considerações acerca da discussão sobre um papel mais colaborativo dos bateristas brasileiros Edison Machado e Airto Moreira no contexto do sambajazz.

Por fim, recorremos a um conjunto de artigos com vistas a fundamentar o conceito acerca das frases rítmicas do samba. Para isto, a consulta dos trabalhos de Tiago Oliveira Pinto As cores do som: estruturas sonoras e concepção estética na música afro-brasileira (2004); de Carlos Sandroni Mudanças de padrão rítmico no samba carioca (1917-1937) (1996); e de Jason Stanyek e Fabio Oliveira Nuances of Continual Variation in the Brazilian

Pagode Song ‘‘Sorriso Aberto." Analytical and Cross-Cultural Studies in World Music (2011),

foram de grande contribuição para a investigação aqui proposta.

Este trabalho encontra-se organizado em três capítulos. O primeiro deles busca situar o conceito bateria melódica a partir de nossa revisão de literatura. Deste modo, trabalhos acadêmicos, métodos de ensino, entrevistas, gravações, transcrições e materiais em vídeo forneceram um panorama que nos permitiu estabelecer relações entre este conceito e a abordagem de Tutty Moreno.

O segundo capítulo trata-se de uma elaboração da trajetória biográfica deste baterista a partir do cruzamento de informações provenientes de fontes primárias – entrevistas por nós realizadas – com trabalhos acadêmicos, outras entrevistas e livros que nos permitiram visualizar o contexto sócio-histórico no entorno da atuação de Moreno no período compreendido entre as décadas de 1960 a 1990. É interessante notar que embora Moreno tenha feito parte de vários movimentos conhecidos da música brasileira na segunda metade do

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século XX, há poucas referências a este músico nos trabalhos que analisam estes movimentos e, em sua maioria, restringindo a participação deste baterista à ficha técnica de discos importantes do período.

O terceiro e último capítulo debruçou-se sobre o estudo interpretativo da abordagem melódica de Moreno a partir da análise de procedimentos executados por este baterista nas faixas A Lenda do Abaeté e A Vizinha do Lado, ambas presentes no disco Forças D´Alma (1998).

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Capítulo 1 - A abordagem melódica da bateria.

Atualmente, encontramos com frequência o emprego do termo “bateria melódica” em discursos de músicos, em publicações de caráter analítico ou pedagógico, métodos, e outras fontes. No entanto, ao observarmos a bibliografia que trata sobre este conceito, verificamos que a discussão teórica em torno do termo foi feita por uma quantidade limitada de trabalhos acadêmicos e, em sua maior parte, associados ao universo do jazz1. Nestes trabalhos, o

principal desafio dos pesquisadores parece ser discutir a relação entre o termo melodia e sua aplicação no instrumento bateria, uma vez que, inicialmente, este instrumento não foi concebido para expressar e interpretar melodias, mas sim para construir um referencial de tempo musical – através do ritmo – que seja capaz de auxiliar os instrumentos melódicos e harmônicos a manterem-se no tempo em uma situação de performance em grupo.

Para Berliner (1994) esta função de manutenção do tempo estaria associada à dança e ao momento de surgimento da bateria nos primeiros anos do jazz norte-americano:

A importância da bateria dentro dos grupos de jazz reflete o valor geral atrelado ao ritmo na tradição musical afro-americana. Devido ao papel inicialmente comercial do jazz como um acompanhamento para a dança, a função central do baterista é manter uma batida (um ritmo) forte e regular dentro da estrutura de tempos e contagens convencionais. Esta maneira de tocar, relacionada ao contexto dos trap

sets, tem permanecido como parte integral da evolução estilística do jazz ao mesmo

tempo em que esta música movia-se dos salões de dança para os bares e salas de concerto, onde a escuta séria era a atração principal para o público, e a necessidade de fazer dançar não mais se impunha sobre a performance. Ao mesmo tempo, as práticas de bateristas contemporâneos refletem o legado de seus precursores2

(BERLINER, 1994 apud MCCASLIN, 2015:9, tradução nossa).

Para Berliner, a evolução estilística do jazz parece ter criado condições propícias para que os bateristas, ao mesmo tempo em que desempenham sua função de mantenedores do tempo, também apresentem uma forma de tocar descompromissada com a dança. Em sua tese de doutorado intitulada Melodic Jazz Drumming (2015), Jonathan McCaslin concorda com Berliner ao afirmar que:

1 Embora tal abordagem melódica seja comumente associada ao jazz, ela também pode ser encontrada em outros

estilos musicais como o caso da música brasileira realizada por Tutty Moreno no disco Forças D´Alma e que trataremos em maiores detalhes no decorrer deste trabalho.

2 The importance of the drums within jazz groups reflects the general value attached to rhythm in African

American musical tradition. Because of the early commercial position of jazz as accompaniment for dancing, the drummer's central function has been to maintain a strong, regular beat within the framework of conventional tempos and meters. The trap sets performance practices have remained integral to the stylistic evolution of jazz as the music moved from dance halls to nightclubs and concert halls where serious listening was the main attraction for audiences, and danceability no longer imposed its constraints upon performance. At the same time, the practices of contemporary drummers reflect the legacy of their early forerunners.

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Ao mesmo tempo em que a música do jazz se desenvolvia, a bateria enquanto instrumento também evoluía através da criatividade e imaginação dos bateristas. No decorrer da história do jazz, o papel e as possibilidades da bateria como um instrumento musical desenvolveu-se, significativamente, a um nível em que ela não mais poderia ser considerada um instrumento exclusivamente “mantenedor do ritmo”. Além disso, ela seria capaz de contribuir musicalmente com a banda no mesmo patamar de sofisticação e interação que os outros instrumentos. (MCCASLIN, 2015: 10, tradução nossa). 3

McCaslin e Berliner apontam para o fato de que os bateristas passaram a atuar não apenas na função de mantenedores do tempo, mas também de outra forma. Na tentativa de compreender esta maneira de se tocar a bateria, McCaslin (2015) realizou uma série de entrevistas com os performers deste instrumento, além de transcrições e análises musicais que revelaram uma relação entre os padrões rítmicos utilizados por esses bateristas e as melodias das músicas executadas. Dessa forma, o termo bateria melódica estaria associado a esta relação.

Amparados pelos escritos de McCaslin e Berliner, trabalharemos com outras definições encontradas em diferentes fontes, como métodos, depoimentos e entrevistas, a fim de refinar o conceito de abordagem melódica da bateria.

1.1 – Como os bateristas se referem à melodia em suas práticas.

A partir de sua investigação, McCaslin (2015) propôs uma conceituação a respeito de três procedimentos comuns à prática de certos bateristas ao se referirem às suas abordagens melódicas, a saber: a melodia como ponto de referência, a orquestração e articulação das melodias, e o contraponto como melodia. Apresentaremos a seguir tais procedimentos.

3 However, as jazz music developed, the drum set as an instrument, and the creativity and imagination of

drummers themselves, evolved as well. Over the course of jazz history the role and possibilities of the drum set as a musical instrument developed significantly to the point where the drum set could no longer be considered an instrument that exclusively “keeps a beat.” Rather, jazz drumming has developed to a point where the drums can contribute musically to an ensemble at the same level of sophistication and interaction as any other musician or instrument.

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1.1.1 – A melodia como ponto de referência.

A noção de melodia como ponto de referência é bastante difundida entre os bateristas de jazz. Por isto, o modo como cada performer se refere esta noção pode contribuir para um maior entendimento acerca dos padrões rítmicos associados às melodias.

Para Ali Jackson Jr., baterista da Lincoln Center Orchestra de Nova York, conhecer bem a melodia de uma canção fornece ao baterista um contato estrutural com a música. A respeito disto, declara:

Você precisa entender a construção da forma, o conceito geral da música e como ambos se relacionam com a construção da melodia. Neste estágio do seu desenvolvimento ou entendimento de como tocar no contexto do jazz, nós definitivamente temos de entender as formas básicas: forma blues e 32 compassos, forma AABA e muitas outras. Para os músicos da sessão rítmica estas formas são fundamentais, mas você também precisa entender harmonicamente e melodicamente o que está acontecendo dentro destas formas. Então, quando alguém estiver improvisando ou tocando a melodia só aí tudo fará sentido.(ALI JACKSON JR., 2011 apud MCCASLIN, 2015: 41, tradução nossa). 4

Ao afirmar que os músicos da sessão rítmica devem conhecer as formas básicas do jazz, Ali Jackson Jr. aponta para o fato de que a contagem dos compassos não é suficiente para que o baterista tenha o controle estrutural necessário para a execução de seu acompanhamento neste estilo. Para adquirir este controle, ele precisa compreender como a harmonia e, sobretudo, a melodia, se relacionam com a estrutura que da forma a uma dada música.

Para John Riley, além do contato com a estrutura da música, a melodia funciona também como referência de andamento. Enquanto toca uma dada canção, ele se orienta por uma espécie de “modelo” melódico baseado em um registro desta canção já escutado anteriormente. Então, antes da performance e durante a mesma, Riley, lembrando-se da gravação ou cantando para si mesmo a melodia, ajusta o andamento do que está tocando a partir de uma referência interna (MCCASLIN, 2015:39). A partir desta prática fica evidente que o baterista precisa memorizar uma grande quantidade de melodias. Contudo, Riley sugere

4 You have to understand the construction of the form, the overall musical concept and how they both relate to

the construction of the melody. In this stage of your development or understanding of how to play the drums in a jazz context, we definitely have to understand the basic forms: blues form and 32 bar, AABA form and many others. For rhythm sections those forms are fundamental but then also you have to understand harmonically and melodically what’s going on within those forms. Then when somebody is improvising or playing a melody then it all makes sense.

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que o desenvolvimento destas habilidades não é um exercício típico dos dias de hoje, e que com o tempo ele pode ser assimilado como parte dos estudos a que o baterista já está acostumado:

Muitos veteranos diriam para você aprender as letras das canções. Isto fará com que você se lembre mais facilmente da melodia, além de lhe dar um conhecimento mais profundo, talvez, para o que a canção é como um todo. Uma coisa que também tem sido útil é ouvir uma gravação e cantar a melodia da música continuamente do início ao fim da gravação. Isto tem me ajudado a apreciar as variações que as pessoas tocam e porque elas o fazem em determinados momentos, de forma pontual, em uma performance. Isto me dá um contexto para o conteúdo. E quanto mais você faz isto, menos trabalhoso isto se torna. Mais isto se torna sua segunda natureza. Se eu não sei a melodia ou se eu perder a melodia, então eu não sei o que tocar. Eu sinto como se estivesse apenas enrolando. (RILEY, 2011 apud MCCASLIN, 2015:39, tradução nossa).5

Ao apontar para a maneira como os instrumentistas realizam variações enquanto executam uma determinada música, Riley evidencia os respectivos potenciais de interpretação das melodias. Isto significa dizer que, ao observar como estes instrumentistas tocam as melodias em cada sessão de uma música, Riley é capaz de estabelecer uma referência de interpretação que reflete as escolhas estéticas dos instrumentistas por ele analisados em uma dada situação de performance.

É possível verificar que para estes bateristas a melodia tem sido uma importante referência musical, já que através dela eles estabelecem contato com a estrutura da música, com o andamento e com algumas possibilidades de interpretação. Conhecer as melodias das músicas em detalhes parece ser fundamental para o tipo de atuação que eles desempenham no jazz.

5 Many old timers would say learn the lyrics to the songs. That will make it easier to remember the melody and

it will also give you some deeper insight, perhaps, into what the song is all about. One thing that has also been helpful is to listen to a recording and sing the melody of the song continuously from the beginning of the recording to the end of the recording. That has helped me appreciate the variations that people play and why they play them at particular exact moments in a performance. It gives me a context for the content. And the more you do it, the less of a chore it becomes. The more it Just becomes second nature. If I don’t know the melody or if I lose the melody, then I don’tknow what to play. I feel like I’m just BS-ing.

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1.1.2 – A orquestração e articulação das melodias.

Agora que apresentamos a melodia como ponto de referência capaz de orientar os bateristas numa situação de performance, exemplificaremos como estes instrumentistas atuam na bateria a partir das características das melodias.

Em seu trabalho intitulado Sayin’ Something: Jazz Improvisation and Interaction (1996), Ingrid Monson refere-se à prática da bateria melódica dizendo:

Quando os bateristas falam sobre tocar melodicamente, de uma maneira mais básica estão se referindo ao ritmo das melodias – tanto aquelas que imitam a melodia principal de uma música quanto às linhas criadas pelos solistas que servirão de ideias temáticas e que serão desenvolvidas ao serem tocadas em diferentes alturas e timbres no entorno dos tambores. Além disso, uma grande variedade musical pode ser alcançada através da execução de uma dada ideia rítmica entre duas ou mais partes da bateria, estas afinadas de maneira contrastante. (MONSON, 1996, p.61, tradução nossa).6

Monson trata sobre a forma mais conhecida de se tocar melodicamente na bateria, a técnica de imitação do ritmo das melodias. Diversos professores e métodos de ensino tratam sobre esta técnica no sentido de sugerir que os estudantes, antes de praticarem seus solos – utilizando como material musical os sons provenientes dos típicos padrões de baquetas7 -

executem o ritmo de uma dada melodia em apenas um tambor da bateria. Isto permitiria um ajuste de foco na percepção dos estudantes em relação ao material melódico de cada composição sem que eles se atenham somente à função rítmica do instrumento. Carlos Ezequiel, professor da Faculdade de Música Souza Lima em São Paulo, refere-se a este procedimento afirmando que “[...] bateristas que desejam entrar no universo melódico precisam, antes de tudo, aprender a tocar melodias de forma simples e clara, algo a que habitualmente não estamos acostumados”. Ezequiel se refere ao hábito de estudo direcionado exclusivamente para o aspecto rítmico do baterista, ou seja, visando a construção de um ritmo que sirva como base para a melodia. Ao voltar sua atenção para o universo melódico, o estudante de bateria irá deparar-se com o desafio de tocar melodias neste instrumento e, consequentemente, de desenvolver novos hábitos de estudos como os sugeridos por Ezequiel.

6 When drummers speak of playing melodically, at the most basic level they are referring to melodic rhythms –

either those that imitate the melody or the soloist’s line of those that form thematic ideas developed by being played at different pitches and timbral levels around the drum set. In addition, great musical variety can be achieved by playing a given rhythmic idea between two or more parts of the drum set tuned in contrast to each other.

7 Referimo-nos ao uso dos 40 rudimentos (paradiddle, flams, drags, rulos, etc) e das combinações provenientes

(21)

“Em outras palavras, tocar na caixa somente a divisão rítmica de uma melodia é o nosso ponto de partida.” (EZEQUIEL, 2008: 10).

Contudo, Monson (1996) destaca o potencial de variedade musical ao se utilizar diferentes tambores no desenvolvimento de uma ideia rítmica na bateria. De fato, os bateristas utilizam todas as peças de seu set numa situação de solo. Mas será que este instrumento seria capaz de imitar tanto o ritmo quanto as alturas de uma dada melodia?

Ao observarmos a montagem de um típico set deste instrumento no contexto do jazz – contendo bumbo, caixa, um tom-tom, um surdo, hi-hat, crash e ride – é possível intuir que a bateria possui uma limitação em sua capacidade de imitar todas as notas de uma dada melodia. Isto se deve ao fato de que, por se tratar de um instrumento com alturas indefinidas, normalmente sua aplicação se dá de maneira exclusivamente rítmica, ou seja, sem que a bateria tenha que tocar melodias. Além disso, com esta quantidade limitada de peças do set o baterista não teria disponíveis as doze notas do sistema tonal divididas em várias oitavas necessárias à execução de uma melodia neste contexto. No entanto, o potencial deste instrumento em realizar melodias é comumente descrito pelos bateristas de forma aproximada, ou seja, é a tentativa de ajustar sons de altura indefinida (tambores) no entorno dos sons de altura definida (das melodias).

No livro Motivic Drumset Soloing: a guide to creative phrasing and improvisation (2004), Terry O´ Mahoney contribui para exemplificar como esta questão é frequentemente abordada como parte dos estudos de improvisação em bateria. A respeito da orquestração para a bateria, Mahoney afirma:

Frequentemente, a melhor abordagem para fazer um solo é baseá-lo no “entorno” ou “na” melodia. Um excelente caminho para fazer isto é sentar na bateria e tocar a melodia de uma canção nos tambores, ajustando o ritmo e as mudanças de alturas. Isto pode ser chamado de “orquestrando a melodia”. Por exemplo, uma melodia pode começar em uma altura grave e depois sobe para o agudo, talvez você possa começar tocando o bumbo e, movendo-se para cima, tocar nos toms.(MAHONEY, 2004:45, tradução nossa).8

Através desta afirmação Mahoney descreve como se dá este processo de ajuste dos sons da bateria tendo como referência uma dada melodia. Uma abordagem similar pode ser

8 Often the best approach to soloing is to base it “around” or “on” the melody. Na excellent way to do this is to

sit down and play the melody of a song on the drums, matching the rhythms and pitch changes. This might be called “orchestrating the melody”. For example, a melody might start on a low pitch and go up, perhaps beginning on the bass drum and moving up to the toms.

(22)

encontrada no livro Interpretação melódica para a bateria (2008) de Carlos Ezequiel.

Associação de timbres que é o título do segundo capítulo deste livro já fornece uma ideia que

ecoa com o procedimento descrito por Mahoney:

Em associação de timbres a ideia é associar as alturas das notas da melodia com as peças da bateria, ou seja, tocar as notas mais graves no bumbo e surdo, as médias nos toms e as mais agudas na caixa. Não há regras, apenas a ideia de associar notas graves com instrumentos graves e agudas com instrumentos agudos. (EZEQUIEL, 2008: 12).

Nos dois casos, fica evidente que os autores não estão preocupados com a afinação exata destas melodias, mas sim com a percepção, de forma aproximada, dos sons graves e agudos das mesmas para expressá-los na bateria. Ademais, os dois trabalhos destacam outros parâmetros de análise além das alturas das melodias, na tentativa de sensibilizar os alunos para uma abordagem mais ampla em relação à prática de bateria.

Mahoney sugere que o baterista teria de aprender novas formas de tocar, caso deseje experimentar o uso de recursos como bend, por exemplo, (comuns aos instrumentos tradicionalmente conhecidos como melódicos) em uma orquestração. “Se a melodia se move entre notas próximas na região aguda, pegue uma baqueta, pressione-a na pele do tom e faça um bend refletindo as alturas desta melodia”. (MAHONEY, 2004:45). Além disso, este autor também chama a atenção para a duração das notas das melodias como um fator de direcionamento no processo de orquestração. "Se há uma nota longa, toque num prato e o deixe soar pela mesma duração desta nota9.” (Ibid.).

Ezequiel (2008:14) destaca também um parâmetro que ele chamou de dinâmica

natural da melodia que consiste na percepção dos diferentes volumes entre sons graves (cuja

intensidade costuma ser mais baixa, principalmente quando realizado por um instrumento de sopro) e sons agudos (com intensidade comumente mais alta) e sua aplicação no controle de dinâmica ao realizar padrões nos tambores. Ainda, Mahoney afirma que:

Aprender a orquestrar a melodia fará você pensar sobre frasear como os instrumentistas de sopro (porque eles têm que respirar entre as frases) e fará você

9 If there is a long note, strike a cymbal and let it ring for the duration of that note. If a melody moves slightly

higher in pitch, take a stick, press it into a tom head and “bend” the pitch to reflect the melody (this is not easy as it sounds).

(23)

tocar ideias que não são normalmente associadas com os padrões de baquetas ou outras ideias típicas à bateria.(MAHONEY, 2004:45, tradução nossa).10

Esta sugestão dos autores parece apontar para um caminho de maior interação entre os bateristas e os demais instrumentistas, pois ao atentar para esses parâmetros mais comuns aos instrumentos melódicos, os bateristas experimentam outros procedimentos utilizados em situações musicais evidenciando suas funcionalidades e dificuldades de aplicação.

Neste sentido, tocar melodias que sejam reconhecíveis, ser capaz de expressar uma composição do repertório de standards de jazz do começo ao fim somente com a bateria, improvisar utilizando mais variações de alturas, seriam recursos que suplantam as limitações que tradicionalmente situam a bateria em uma definição estritamente rítmica. Contudo, alguns bateristas como Ari Hoenig11 (2011) e Jeff Hamilton12 (1998) têm proposto em suas performances alguns meios para rediscutir este papel atribuído à bateria apontando para novos caminhos de aplicação e prática deste instrumento.

Em um artigo publicado através da Percussive Notes (revista de publicação da Percussive Arts Society), Rodrigo Villanueva13 (2007) discute como o baterista Jeff Hamilton (na gravação do álbum Jeff Hamilton Trio Live, 1996), através de sua abordagem melódica, executa a introdução, os temas de entrada, o solo, temas de saída e a coda da composição A Night In Tunisia (Dizzy Gillespie, 1942) da mesma forma como outros instrumentistas fariam em uma situação solo. Sobre isto, o autor afirma que:

O elemento mais inovativo da performance de Hamilton é o uso da melodia na bateria. Pressionando a pele do tom-tom agudo, em combinação com o resto do kit, Hamilton é capaz de reproduzir a maioria das alturas da melodia original, resultando em uma interpretação única de A Night in Tunisia. (VILLANUEVA, 2007:16)14

10 Learning to orchestrate the melody will make you think about phrasing like horn players (because they have

to breath between phrases) and will make you play ideas that are not normally associated with sticking patterns or other drum ideas.

11 Ari Hoenig tocando a melodia da música Billi´s Bounce (Charlie Parker) na bateria realizando o processo de

pressionar as peles para imitar as alturas da melodia desta música. Vídeo gravado para o site Boston Drum Center em 2011. Link acessado em 25/03/2017 - https://www.youtube.com/watch?v=SctD6hDBphs

12 Jeff Hamilton tocando a melodia da música A Night in Tunisia (Dizzy Gillespie) na bateria realizando o

processo de pressionar as peles para imitar as alturas da melodia desta música. Video gravado para o Modern Drummer Day - Hudson Music, EUA, 1998. Link acessado em 25/03/2017 -

https://www.youtube.com/watch?v=_xxf97Xzka8&t=0s&list=PLGJLFiOzUHcJF6bayfuGOZsmfqlGq7a6r&ind ex=22

13 Nos referimos ao artigo Villanueva, Rodrigo. “Jeff Hamilton’s Melodic Approach.” In Percussive

Notes(February 2007): 16-23.

14 The most innovative element of this performance is Hamilton’s use of melody on the drumset. By pressing

the drumhead of the high tom, in combination with the rest of the kit, Hamilton is able to reproduce most of the pitches from the original melody, resulting in a unique interpretation of “A Night in Tunisia.”

(24)

Embora o autor afirme que Hamilton (1996) seja capaz de reproduzir a maioria das alturas desta famosa composição de Gillespie, ele atenta para o uso da palavra aproximar devido ao fato de que “uma bateria convencional é incapaz de produzir alturas definidas. Sua onda sonora é muito irregular, então um dado som pode ser um lá ou lá bemol, dependendo da acústica, da velocidade da batida, do lugar da batida, etc15.” (Ibid.). Porém, o autor destaca

que ao pressionar a pele dos tambores o baterista “utiliza esta técnica durante todo o solo para recriar a imagem acústica de vários padrões melódicos presentes no tema16.” (Ibid.)

Ao utilizar a expressão “imagem acústica”, o autor faz referência mais uma vez ao caráter de aproximação realizado pelo baterista. Da mesma forma como uma paisagem pode ser registrada em uma pintura e ser compreendida como uma representação do lugar original, a maneira como Hamilton executa seus padrões sonoros funciona como uma “imagem” bastante aproximada da melodia original e da composição como um todo. Ao descrever a afinação das peças da bateria, o autor aponta que o bumbo está afinado próximo à nota sol; o surdo próximo à nota do; o tom-tom agudo próximo à nota mi; e a caixa também próxima à nota sol. Contudo, esta melodia não possui apenas essas três notas e, a partir do uso do bend, o baterista consegue alcançar mais notas ao passo de representar os demais sons faltantes. (VILLANUEVA, 2007:17).

Ainda discorrendo sobre a ideia de “imagem” associada à música, o autor destaca um aspecto da percepção capaz de auxiliar este processo:

Como ouvintes, temos a tendência de "preencher os espaços em branco"; Em outras palavras, tendemos a usar nossa própria experiência com uma melodia determinada, como este standard de jazz, e na realidade ouvir o tema mesmo quando este é tocada por um instrumento tipicamente não melódico. (VILLANUEVA, 2007:18).17

15 I use the term “approximate” due to the fact that standard drums are unable to produce a definite pitch. Their

sound wave is very irregular, so a given sound can be an A or an A-flat, depending on acoustics, stroke velocity, placement of the stroke, etc.

16 This technique is used throughout the solo to recreate the acoustic image of various melodic patterns from the

theme.

17 As listeners we have the tendency to “fill in the blanks”; in other words, we tend to use our own experience

with a given melody, such as this jazz standard, and hear the actual theme even when it is played by a typically nonmelodic instrument.

(25)

Além de Villanueva (2007), McCaslin (2015) também investigou performances de Jeff Hamilton. Ele verificou, a partir da fala deste baterista em um workshop, que a ideia de aproximação lhe foi apresentada por Mel Lewis18. Sobre isto, Hamilton afirma:

Como Mel Lewis me disse: "Tudo o que estamos fazendo é criar uma" miragem ". Não se preocupe com como fazê-lo, apenas pense no som que deseja e crie essa "miragem" para o ouvinte. Pense na bateria como sendo um teclado ou tente apenas cantar suas alturas e tente imitar as linhas ascendentes e descendentes. Você realmente fará as pessoas acreditarem, na maioria das vezes, que você está apreendendo as alturas. De vez em quando, você ainda recebe uma avaliação que diz que você o faz! (HAMILTON, 2014 apud MCCASLIN, 2015:116).19

McCaslin aponta para a intenção de Hamilton em fazer uso destas imagens como parte fundamental de sua prática na bateria. Ainda, esta abordagem endereçada a provocar a percepção dos ouvintes muitas vezes é utilizada para descrever a atuação de instrumentos melódicos – o vôo de um pássaro representado por uma passagem com notas tocadas de forma rápida realizada por flautas, por exemplo – e não ao universo da bateria no qual a constância dos padrões rítmicos que esta normalmente realiza, direcionam a associação de imagens apenas para a representação de máquinas estrondosas e ruídos penetrantes. A performance de Hamilton em A Night In Tunisia (1996) é um “exemplo desta abordagem em que o baterista manipula as células rítmicas e melódicas, além de fazer referência à estrutura da composição, de uma forma análoga ao estilo de Charlie Parker.” (VILLANUEVA, 2007:18).

Embora o autor compare o resultado obtido por Hamilton a Charlie Parker, as limitações da bateria em relação às alturas e a quantidade de notas parecem sugerir que tais procedimentos se deem apenas na tentativa de realizar melodias que se adaptem melhor às condições da bateria. Neste sentido, uma melodia com ampla tessitura dificilmente poderá obter o mesmo resultado que uma melodia em que a abrangência de alturas é reduzida. Porém, a evidência de que isto pode ser possível, dentro dos limites da bateria, já é capaz de provocar reflexões a respeito do papel exclusivamente rítmico deste instrumento.

18 Mel Lewis foi um baterista profissional norte-americano que atuou de 1948 à 1990 recebendo 14 indicações

ao prêmio Grammy, tendo recebido o prêmio em uma delas pela atuação em seu disco solo Live in Munich (1979). Fonte: DVD Mel Lewis and His Big Band. View Video by Arkadia Records, 2007

19 Like Mel Lewis told me: “All we’re doing is creating a ‘mirage.’ Don’t worry about how to do it, just think

about the sound you want to get and create that ‘mirage’ for the listener.” Think of the drums as a keyboard or just try to sing your pitches and try to emulate the ascending and descending lines. You’ll actually make people believe, most of the time, that you’re nailing the pitches. Once in a while you even get a review that says you are!

(26)

Além disso, não seria apenas em uma situação de solo que o baterista utiliza os conceitos de orquestração e articulação. Kenny Washington, professor da Juilliard School em Nova York, parece concordar com as sugestões de Mahoney e Ezequiel ao tratar sobre como a articulação das melodias orientam suas escolhas musicais:

Se a nota tocada pelos sopros for uma semínima seguida de uma pausa de colcheia, e em seguida uma colcheia ligada a uma mínima, então aquela semínima será curta, ou poderia ser uma semínima gorda. Então, pensando naquela primeira semínima, os bateristas não a tocariam no prato de condução, porque o prato vai ficar soando. Logo, tudo depende da articulação que os sopros estiverem tocando. Poderia ser uma semínima em staccato ou uma semínima gorda. O baterista tocaria esta semínima na caixa, pois o som seria curto. Porque a caixa possui um som curto e não o sustenta da forma como o prato de condução faz. Este seria utilizado em um som longo que necessite soar por mais tempo. Tudo é uma questão de notas curtas e longas. (WASHINGTON, 2011 apud MCCASLIN, 2015:43, tradução nossa).20

Segundo Washington, o critério de escolha de peças da bateria a serem utilizadas numa situação de performance parece estar diretamente relacionado com a forma como os demais instrumentistas da banda tocam uma dada melodia. Isto quer dizer que o baterista precisa conhecer os momentos da melodia em que a banda toca notas curtas e longas para decidir se tocará no prato (som longo) ou na caixa (som curto), por exemplo. Neste sentido, Washington aponta para a importância dos bateristas conhecerem, em detalhes, a melodia da música tocada e a articulação praticada pela banda para planejar o que irão tocar.

A partir das questões referentes à orquestração é possível verificar uma perspectiva na qual as melodias são imitadas, de forma aproximada, pelos sons da bateria. Porém, existem outras formas de interação com o material melódico que fornecem um resultado de maior contraste entre os padrões executados pelos bateristas e as melodias. A respeito desta outra forma de interação, o veterano Peter Erskine, um importante baterista de jazz ainda em atividade, afirma:

Se um baterista tocou Mary Had a Little Lamb nos seus tom-toms e na caixa alterando a superfície de tensão da pele com seu cotovelo (o que é um tipo de truque antigo) e a reação for “esta é a maior bateria melódica que eu já ouvi”, eu diria que discordo. Porque tocar Mary Had a Little Lamb não significa nenhuma profundidade melódica ou algo do tipo. Isto é apenas o fato que as afinações podem estar aparentes no instrumento de percussão. Você não pode dizer que isto não é uma melodia, mas ao mesmo tempo eu não acho que isto é que queremos dizer aos nos

20 If the note played by the horns is like a quarter note followed by an 8th rest, then an 8th note tied to a

half-note, now that quarter note is going to be short or it could be a fat quarter note. So that first quarter note, they wouldn’t play that on the ride cymbal, because the cymbal is going to ring. So it all depends upon the articulation of what the horns are playing. It could be a staccato note or it could be a fat quarter note. He’d play that quarter note on the snare drum because it’s going to be short. Because the snare drum is short it doesn’t sustain but the ride cymbal does. It’s going to be a longer sound and that’s going to ring. It’s all about shorts and longs.

(27)

referirmos à bateria melódica. No final ele (baterista) pode estar tocando uma melodia na bateria e ainda assim estar tocando algo realmente estúpido. (ERSKINE, 2011 apud MCCASLIN, 2015, p.12, tradução nossa).21

Erskine não nega que a abordagem da imitação não seja possível de ser compreendida como melódica, porém ele faz referência a uma consideração mais ampla que envolva outros conceitos musicais além de tornar a melodia aparente nos tambores.

1.1.3 – O contraponto como melodia

Cabe aqui uma distinção entre a noção de contraponto no jazz e a definição deste conceito proveniente da tradição musical europeia. O New Grove Dictionary of Music and Musicians (2001:551, apud MCCASLIN: 2015:48) define contraponto como “um termo utilizado primeiramente no século XIV para descrever a combinação de linhas sonoras musicais simultâneas de acordo com um sistema de regras22.” Contudo, na definição dos bateristas de jazz, a ideia de contraponto é considerada de uma forma mais ampla com menos restrições e regulações. Portanto, referimo-nos a contraponto como uma maneira de descrever o processo de interação entre o solista e o baterista o que é comumente chamado de comping23

(acompanhamento). (Ibid.)

Peter Erskine exemplifica um dos usos do termo contraponto no período em que tocou com a banda Weather Report. Sobre a forma como interagia com o saxofonista Wayne Shorter, ele afirma:

Você sabe, isto (contraponto) foi um resultado do meu treino que adquiri enquanto tocava com o Weather Report. Wayne (Shorter) pararia, se viraria e diria: Não faça isto! (copiar os ritmos dele). Então, através de Joe Zawinul e Wayne Shorter, eu percebi que eles eram bons professores, eles meio que formaram esta minha

21 If a drummer played Mary Had a Little Lamb on their tom-toms or snare drum by changing the surface

tension of the head with their elbow (which is kind of an old trick) and the reaction was “that’s the most melodic drumming I’ve ever heard,” I’d say – I would disagree. Because playing Mary Had a Little Lamb doesn’t really constitute any melodic profundity or anything like that. It’s not just the fact that pitches can be made apparent on a percussion instrument. You can’t say that it’s not a melody, but at the same time I don’t think that’s what we mean by melodic drumming. In the end they may be playing a melody on the drums and yet still be playing some really dumb stuff!

22 A term first used in the 14th century, to describe the combination of simultaneously sounding musical lines

according to a system of rules.

23 Segundo definição cunhada por Michaelsen (2013, p. 120), comping é um termo derivado das palavras

“acompanhamento” e “complementação”, e refere-se às expressões rítmicas, harmônicas e melódicas realizadas geralmente por pianistas e guitarristas, que estabelecem principalmente harmonia e forma (SILVA, 2016:203). A apropriação do termo comping pelos bateristas será discutida mais adiante ainda neste capítulo.

(28)

característica me fazendo mais consciente em relação ao contraponto.(ERSKINE, 2011 apud MCCASLIN, 2015:50-51, tradução nossa).24

Erskine praticava a abordagem da imitação do ritmo das melodias, mas seu contato com Wayne Shorter e Joe Zawinul o aproximou de uma experiência que acabara por fazê-lo refletir sobre sua abordagem melódica e, em alguma medida, modificá-la em relação ao conhecimento e à prática do contraponto. Ao descrever sua forma de tocar a bateria, Erskine afirma:

Eu aproximo minha forma de tocar, especialmente se estou acompanhando o arranjo, a melodia e outro improvisador ou solista de maneira a prover contrapontos. E na verdade isto pode significar às vezes que eu provenha apenas uma fundação rítmica muito constante. Não há intenção de (ele canta) “La la la... oh eu preciso ser melódico agora!” Para mim não há dicotomia entre tocar melodia vs. não-melodia. Para mim é tudo sobre prover contrapontos, juntamente com uma base rítmica de tal forma que há sempre boa tensão e relaxamento. Isto é o que move a música em conjunto. E o tempo todo eu estou provendo informação rítmica para a banda. Você não pode deixar o aspecto “artístico” disto fazer você ser negligente em suas funções primárias num conceito de grupo. (ERSKINE, 2011 apud MCCASLIN, 2015:50, tradução nossa).25

Para Erskine, a concepção melódica do baterista parece estar presente também nos momentos em que este realiza a marcação rítmica do jazz e não só nos momentos de solo, por mais constante que esta marcação possa parecer. Além disso, ele atenta para as responsabilidades em prover contrapontos rítmicos que não se percam no aspecto de criação artística do baterista, que é marca deste processo, mas que fundamentalmente estejam relacionados com o que a banda realmente precisa em termos de informações rítmicas e um pulso regular. Passemos agora a discutir como isto se dá em maiores detalhes.

1.2 A simultaneidade da manutenção do tempo e a criação de linhas melódicas na bateria

Retomando o trabalho de Monson (1996), é possível verificar que a autora dedicou uma atenção especial à sonoridade da sessão rítmica dos grupos de jazz que, em seu menor

24 You know, this was a result of my training I got while playing in Weather Report. Wayne would stop, turn

around and say: “Don’t do that!” (i.e. copying his rhythms). So from Joe Zawinul and Wayne Shorter, and I figured they were good teachers, they sort of shaped my thing which made me much more aware of counterpoint.

25 I approach my drumming, especially accompanying the arrangement, the melody and another improviser or

soloist in terms of providing counterpoint. And actually that might mean sometimes that I just provide a very steady rhythmic foundation. There’s no intent like (sings) “La la la…oh I must be melodic now!” For me there’s no dichotomy of playing melody vs. non-melody. For me it’s all about providing counterpoint along with a rhythmic foundation in such a way that there’s always good tension and release. That’s what moves the music along. And the whole time I’m providing rhythmic information to the band. You can’t let the “art” aspect of it make you be derelict in your ensemble duties.

(29)

formato, normalmente é composta por piano, contrabaixo e bateria26. Este pequeno grupo de instrumentos possui a capacidade de configurar um quadro estrutural que viabiliza os processos de interação entre os músicos. Em sua investigação, a autora afirma que “manter o tempo, acompanhar e solar são três das funções musicais mais básicas compartilhadas por um conjunto musical deste tipo e cada instrumento da seção rítmica têm formas particulares de realizá-las.” (MONSON, 1996: 26, tradução nossa)27. Assim como apontou Erskine a respeito das funções que ele como baterista precisa prover ao mesmo tempo em que cria contrapontos, Monson contribui para a discussão aqui proposta a respeito de como os bateristas de jazz combinam sua função de manutenção do tempo simultaneamente com processo de criação de linhas melódicas neste instrumento.

No segundo capítulo de seu livro, há uma seção intitulada O baterista em que a autora descreve aspectos históricos, práticos e filosóficos de procedimentos comuns a este instrumento no contexto do jazz. O primeiro ponto importante a se ressaltar aqui é que, a partir do desenvolvimento e introdução do sistema de pedais (década de 1920), os bateristas passaram a utilizar os quatro membros de seu corpo para prover a fundação rítmica do jazz (BROWN, 1976 apud MONSON, 1996:52). Esta mudança permite visualizar o baterista como um multi-instrumentista que faz uso da coordenação dos quatro membros, comumente chamada de four-way coordination, em sua prática. Esta perspectiva está presente na caracterização que Michael Carvin28 faz a respeito de o baterista ser uma banda completa:

Na verdade, você pode ter quatro diferentes partes [na bateria] o que seria um quarteto. E se você praticar e adquirir a quantidade certa de disciplina, você pode realmente desenvolver estas partes ao ponto disto ser uma banda dentro dela mesma. Posso ouvir uma melodia contra uma melodia contra um ritmo contra um ritmo. E é por isso que eu sinto que o baterista é a banda. (CARVIN 1990 apud MONSON, 1996:52, tradução nossa).29

26 A elaboração desta frase levou em consideração o formato de trios de Jazz em que a escolha por um

instrumento harmônico/melódico acaba recaindo sobre piano na maior parte dos casos. Contudo, a guitarra e o Vibrafone também são instrumentos comumente associados à função harmônico/melódica neste contexto.

27 Keeping time, comping and soloing are three of the most basic musical functions traded around the

improvising band and each rhythm section instrument has particular ways to fulfilling them.

28

29 You can actually have four diferent parts [on the drumset] wich is a quartet. And if you practice and get the

right amount of discipline, you can actually develop those parts to where it is a band within itself. I can hear a melody against a melody against a rhythm against a rhythm. And that´s why I feel that drummer is the band (CARVIN 1990).

(30)

Se para Carvin a bateria é uma banda em si mesma, ela teria de refletir, simultaneamente, as três funções básicas de uma sessão rítmica de jazz (manter o tempo, acompanhar e solar).

1.2.1 – A manutenção do tempo e a estabilidade rítmica dos bateristas – o estado “sólido” da bateria

Monson (1996) tratou esta questão realizando a exposição de duas ideias fundamentais para esta discussão. A primeira ideia diz respeito à interação interna entre os quatro membros do baterista, que acionam partes distintas do seu instrumento (mão direita – prato de condução; mão esquerda – caixa e tambores; pé direito – bumbo; e pé esquerdo – chimbal), criando um diálogo tão polifônico quanto o que se estabelece entre a bateria e os demais instrumentos do conjunto. (CARVIN apud MONSON, 1996:54).

A segunda ideia exposta por Monson trata de uma função que os norte-americanos denominam keeping time (manter o tempo) ou playing time (tocando o tempo) e que, segundo a autora, é uma especialidade dos bateristas, além de uma de suas funções primordiais. Para isto, eles dedicam pelo menos um membro do seu corpo para a realização desta função. A respeito disso, Michael Carvin afirma que “[...] um baterista tem que dar a banda um de seus membros. Pode ser qualquer um que ele escolher para isto. Se voltarmos aos anos 1920 com Sid Catlett e Baby Dodds o membro que eles davam era o bumbo.” (MONSON, 1996:55).30

Carvin faz referência à forma como estes bateristas marcavam os quatro tempos do compasso tocando o bumbo no sentido de reforçar a linha do contrabaixo. Cabe lembrar que neste momento (década de 1920) não havia amplificadores para fazer com que a função rítmico/harmônica do contrabaixo fosse ouvida pela a banda toda. Contudo, observando os desdobramentos da bateria no jazz nota-se a transição desta função do bumbo (pé) para o prato de condução, normalmente, tocado pela mão dominante dos bateristas. Este procedimento pode ser observado em gravações de jazz principalmente a partir da década de 1940 nos EUA.

Bateristas como Max Roach e Kenny Clark normalmente são citados como músicos que popularizaram este padrão de marcação do jazz no prato. Este novo padrão

30 “[…] a drummer has to give the band one limb. It can be any one that he chooses to. If we go back to 1920

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diferenciava-se do anterior, pois, ao invés de marcar os quatro tempos com uma nota de mesma duração (semínima) o baterista tocaria no prato uma nota longa (semínima) nos tempos 1 e 3 e duas notas curtas (colcheias ou semicolcheias) nos tempos 2 e 4, assim como mostra a figura:

Figura 1 – Padrões de jazz tocados no prato de condução (ride cymbal beat). Fonte: MONSON, 1996: 53. Contudo, a partir dos anos 1960, é possível observar outros usos desta marcação. Ao descrever a forma como Tony Williams dedica um de seus membros à marcação dos tempos, Carvin afirma:

Agora Tony Williams, quando ele tocava com Miles Davis. O membro que ele dava a Miles era o hi-hat [tocado com o pé esquerdo]... e ele dançaria [tocaria livremente] em seu prato [de condução]... Tony confundiu muitos bateristas porque quando eles o ouviram, eles sabiam que você devia manter o tempo com o prato de condução... Mas o que eles não entendiam sobre a forma de Tony tocar foi que isto (o prato tocado com a mão) não foi o membro que ele estava dando para a banda. Este não era o membro mantendo o tempo. (CARVIN 1990 apud MONSON, 1996: 57, tradução nossa)31

Embora os bateristas de jazz tenham experimentado novas formas de organizar seus padrões sonoros no instrumento, a evidência desta preocupação com a manutenção do tempo pode ser observada neste estilo até os dias de hoje. Ao dar à banda um de seus membros deixando-o responsável por tocar/manter o tempo, o baterista gera certa estabilidade rítmica. Para Michael Carvin esta estabilidade refere-se a um possível estado “solido” da bateria enquanto que o uso das outras peças de forma livre corresponderia ao estado “líquido”. A respeito dos dois estados, Monson afirma:

31 Now Tony Williams, when he was with Miles Davis. The limb that he gave to Miles was the hi-hat … and he

would dance [play freely] on his [ride] cymbal … Tony confused a lot of drummers because when they heard Tony Williams, they knew that you were supposed to keep time with the ride cymbal… But what they didn´t understand about Tony´s playing was that that wasn´t the limb that he was giving to the band. That wasn´t the limb keeping time.

Referências

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