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No capítulo anterior, tratamos sobre o conceito “abordagem melódica da bateria” a partir do levantamento de suas definições e aplicações, bem como sua contextualização dentro da música instrumental ligada ao universo do Jazz. Ao se intitular um “baterista melódico”, Tutty Moreno faz uso de parte destes procedimentos de maneira singular em sua atuação na música instrumental brasileira. A partir de agora, investigaremos como se deu o contato deste baterista com tal abordagem através da elaboração de sua trajetória biográfica. Para isto, o contato com informações de fontes primárias (entrevistas) foi importante para a elaboração proposta, uma vez que, embora Moreno tenha atuado em importantes contextos da música brasileira na segunda metade do século XX, há poucas referências a este músico, em sua maioria restringindo a participação de Moreno à ficha técnica de discos relevantes. Esperamos compreender como as ideias musicais de Moreno e seu engajamento enquanto performer de uma maneira singular de tocar bateria puderam ser construídos ao longo desta trajetória.

2.1 – O começo da carreira na Bahia (décadas de 1950 e 1960)

Emmanuel Alves Moreno nasceu em Salvador, estado da Bahia, em 30 de outubro de 1947. A adoção do nome artístico “Tutty”, veio da infância como apelido dado por um de seus irmãos, que era três anos mais velho. Seu interesse por música acentuou-se durante a pré-adolescência, período no qual Moreno investia grande parte do seu tempo na escuta de discos disponíveis em casa, ou junto aos amigos. Embora a programação aberta do rádio também estivesse presente, nesta época (1958), ele parecia mais interessado em gravações de Jazz e de Bossa Nova:

Eu me lembro do contato que tive com estas coisas [gravações], ainda garoto, lá na Bahia. Claro que não era tão acessível assim quanto é hoje. A gente tinha uma única loja boa na cidade e que recebia os discos que vinham de São Paulo e do Rio de Janeiro. De vez em quando aparecia um disco ou outro de jazz por ali. A gente ficava louco para ver quem viria para cá [São Paulo] para levar os discos até Salvador. Eu me lembro de que com 10 ou 11 anos eu ouvia o [John] Coltrane sem me dar conta de nada, eu ouvia porque eu gostava! Eu pedia para o amigo que fosse viajar: “veja aí o que você encontrar lá [São Paulo ou Rio de Janeiro] que tenha a ver com este tipo de música e pode me trazer sem medo”. (MORENO, 2017)53

Embora este depoimento de Moreno pareça evidenciar um momento em que era difícil ter acesso a bens de consumo, como discos de jazz, o cenário econômico, político e cultural

53 As citações de depoimentos identificadas com o nome “MORENO, 2017” foram colhidas em entrevista

realizada pelo autor em São Paulo na casa do contrabaixista Rodolfo Stroeter em 12/06/2017. Arquivo pessoal do autor.

da cidade de Salvador passava por uma grande transformação durante as décadas de 1950 e 1960, algo que contribuiu decisivamente para a formação e inserção profissional de Moreno na carreira de músico.

Ao tratar sobre os fatores que viabilizaram tal transformação urbana, Matos e Mabel (2012), investigando as origens dos meios de comunicação baianos, apontam a descoberta do petróleo e o desenvolvimento agrícola associado ao cultivo do cacau como desencadeadores do crescimento urbano de Salvador e a decorrente ampliação de seu setor de serviços no final de 1940. Acerca disto, Rubim, Coutinho e Alcântara (2008) afirmam que “o volume de investimentos e salários concentrará a renda em Salvador quase como em nenhuma outra parte do Brasil” (RUBIM, COUTINHO, ALCÂNTARA, 2008:32). Deste modo, a classe média se amplia e, com isto, “inúmeras atividades antes inexistentes ou insignificantes passam a fazer parte ativa da vida econômica da cidade” (Idem). É neste momento, portanto, que surgem “arranha-céus para acolher os serviços públicos, os bancos, as companhias de seguros, as casas de importação e exportação e os escritórios das fábricas” (Idem:34). A administração pública, também interessada na educação e cultura baianas, viabilizam uma série de ações no sentido de garantir investimentos às escolas já existentes, além de criarem novas instituições de formação, destacando-se a fundação da Universidade Federal da Bahia (1946) e, juntamente com ela, os Seminários Livres de Música da Bahia (1954)54. Nas palavras de Antônio Risério (1995), Salvador foi “um ‘ecossistema’ propício ao aparecimento, à formação e ao desenvolvimento de uma personalidade cultural criativa que se encarnou em artistas-pensadores como o compositor Caetano Veloso e o cineasta Glauber Rocha”. (RISÉRIO, 1995:13).

Assim, foi na cidade de Salvador, nos anos 1958-59, que o jovem Tutty Moreno iniciou seus estudos musicais no Seminário Livre de Música da Bahia. A respeito disto, Moreno afirma:

Como eu escutava muita música, acabei me interessando por praticar um instrumento. Falei com a minha mãe. Ela foi uma incentivadora maravilhosa e não sei o que seria desta história toda sem ela. Ficou decidido: “Tá meu filho, tudo bem. Vou atrás de uma aula de música para você”. Ela me levou a um lugar chamado Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia. Na época em que entrei, o

54 Para maiores detalhes sobre este processo recomenda-se a leitura da dissertação de mestrado de Angela

Matos Onnis intitulada Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia: memória de uma trajetória histórica (2016). A partir dela é possível verificar os processos legais do decreto que oficializou a fundação da

UFBA e dos Seminários, bem como verificar os nomes de políticos, artistas e principais funcionários que atuaram nestas instituições no período.

diretor lá era o Koellreutter (Hans-Joachim Koellreutter), que foi professor de muita gente que está por aí. Eu não cheguei a ser aluno dele porque ainda era criança (11 ou 12 anos) e estava entrando neste universo. (MORENO, 2017)

Embora não tenha tido aulas com Koellreutter, Moreno provavelmente vivenciou um tipo de aprendizado em música influenciado pelas ideias e concepções do maestro austríaco que desde 1937 vivia no Brasil. A pesquisadora Teca Alencar de Brito, que trabalhou durante vinte anos junto deste compositor, assim o apresenta na contracapa de seu livro intitulado

Koellreutter - Ideias de Mundo, de Música, de Educação (2015):

Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005), músico, compositor, ensaísta e educador alemão naturalizado brasileiro cujo pensamento transdisciplinar integrou pioneiramente a arte, a ciência e a educação, e cuja trajetória influenciou fortemente a história moderna da música no Brasil. Koellreutter tornou-se figura central na área da educação musical, estimulando a liberdade na criação e expressão, focando o desenvolvimento humano de modo aberto, crítico e reflexivo, influenciando várias gerações de músicos e educadores brasileiros. (BRITO, 2015)

Esta prática pedagógica associada a Koellreutter por vezes questionava o ensino de música tradicional no que se refere à sua instrução acadêmica focada somente em processos já desenvolvidos e amplamente reconhecidos. Para o maestro, tal ensino deve conter também estratégias pedagógicas capazes de impulsionar novos processos artísticos ligados às individualidades de cada músico e ao contexto do qual ele faça parte55. Foi difundindo estas ideias que Koellreutter ficou bastante conhecido no Brasil, sobretudo por seu trabalho ministrando cursos de música junto à Pró-Arte56. Ao assumir a direção do Seminário Livre de Música da Bahia, o maestro propôs um amplo programa de estudos com aulas de “teoria, solfejo, história, estética, harmonia e contraponto, composição, piano, violino, música de câmara e análise”. (ONNIS, 2016: 41). A respeito deste espaço de formação, Tutty Moreno também afirma:

Quem quisesse estudar isto [disciplinas musicais] teria de ir para fora [EUA e Europa] e estudar por lá. Na Bahia havia uma escola maravilhosa junto da figura de Koellreutter, mas era um ensino voltado para a música clássica. Contudo, Luizinho Eça estudou com ele e acabou ficando conhecido por seus trabalhos no universo da música Popular. (MORENO, 2017)

55 Em 1946, Koellreutter foi o autor de um manifesto que questionava a predominância de procedimentos da

estética modernistas na grande maioria das produções de música erudita do Brasil no período. (ONNIS, 2016:32)

56 A Sociedade Pró-Arte Artes, Ciências e Letras foi fundada em 1931 no Rio de Janeiro e era responsável

pela realização de concertos musicais, organização de cursos e conferências sobre diferentes temas artísticos, promoção de festas e bailes carnavalescos , atuando em todo o Brasil.Em 1953, esta Sociedade propiciava experiências em música através de cursos de férias com professores conhecidos mundialmente. Em parceria com os centros culturais de cada Estado, escolas do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Teresópolis e Salvador sediaram vários cursos de música sob a direção artística de Koellreutter. (ONNIS, 2016:40)

Para Moreno, mesmo tendo um viés mais ligado à música erudita, a escola proporcionava uma das poucas alternativas quanto instrução formal para um músico, apontando o êxito de Luiz Eça, em sua forma de articular os conhecimentos de compositor e arranjador, como uma evidência concreta desta formação. É claro que esta visão só foi possível graças ao distanciamento temporal, uma vez que hoje, quarenta anos depois, é possível verificar um caminho que se desenvolveu a partir da presença de Eça naquela escola. Para o jovem Tutty Moreno do final da década de 1950, a única certeza residia no desejo de estudar música, sem deixar que as especificidades desta linguagem artística se impusessem quanto critérios de escolha que condicionassem a ação do estudante naquele momento. Neste sentido, a escolha do instrumento, estilo, professor, banda, tudo isto ainda estava incerto. Acerca da escolha de seu primeiro instrumento musical, Tutty Moreno relembra:

Meu primeiro instrumento foi o trompete. Na verdade, eu queria o trombone. Não sei porque. (...) O professor de trombone desencorajou minha mãe dizendo: “Olha, em primeiro lugar o trombone é um instrumento muito grande para o seu filho. Há posições necessárias para sua prática em que o braço do garoto não vai poder chegar. Ainda tem o fato de que é um instrumento de embocadura difícil. Por que não começar com o trompete? ” (MORENO, 2017)

Embora Moreno pareça ter iniciado seus estudos musicais a contragosto, já que tinha o desejo de tocar trombone, a prática de trompete serviu de porta de entrada para o músico que, pouco tempo depois, passou a tocar saxofone. Ao responder sobre os critérios que o limitaram na escolha por um instrumento musical, Moreno não demonstra incômodo algum e parecia estar entusiasmado com as possibilidades que lhe foram apresentadas:

Mas tudo bem. Era música! Estava bom demais e estava tudo certo. Eu fiquei mais ou menos um ano aprendendo o trompete. Depois troquei para o saxofone por causa do [John] Coltrane. Só que eu toquei o sax alto, ainda limitado pelo tamanho do sax tenor. Foi com o sax alto que iniciei minha atuação profissional tocando em Bandas de Baile. (Ibid.)

Uma destas bandas era Carlito e Sua Orquestra (1960), um grupo formado por 12 músicos, em sua maioria instrumentistas de sopros, que atuava em bailes de formatura e nos clubes da cidade. Era uma banda de músicos jovens, entre 16 e 24 anos, que demonstravam grande desenvoltura em suas apresentações, fato este que permitiu a alguns de seus integrantes figurarem entre os principais artistas baianos da época, ainda desconhecidos do grande público, como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gal Gosta, Raul Seixas. Tutty Moreno atuou na banda até seu encerramento entre 1968-69. Foi também neste grupo

que Moreno, deixando o saxofone, passou a tocar bateria. A respeito deste momento (1963), Tutty recorda:

Quando passei do trompete para o saxofone eu já estava muito ligado em bateristas de jazz. Até que um dia Edison Machado foi até Salvador apresentar-se em um dos desfiles da marca Rhodia. Na ocasião ele tocou junto do pianista Sérgio Mendes. Esta foi a primeira vez que eu vi o Edison ao vivo. Eu já conhecia algumas das gravações em que ele atuou, mas ao vivo foi a primeira vez. Antes do desfile, ele montou a bateria que iria tocar, sentou-se e deu uma esquentada. No que ele começou a tocar já mudou minha cabeça na hora! Pensei: é isso o que eu quero fazer. (MORENO, 2018)57

A performance ao vivo de Edison Machado causou grande impacto em Tutty Moreno. O jovem músico que já andava interessado na forma como soava a bateria nas gravações de John Coltrane, passou a perceber uma certa semelhança entre a performance de Edison Machado e os discos de Jazz que tanto lhe chamavam a atenção. Assim como Moreno, Machado também “admirava expoentes da música norte-americana, principalmente os bateristas ligados ao nascente be-bop, como Art Blakey, Max Roach, e mais tarde Elvin Jones” (BARSALINI, 2009: 77). Na verdade, a música norte-americana poderia ser ouvida em muitas situações no Brasil da década de 1950 através do rádio; ou da vinda de orquestras norte-americanas principalmente para o Rio de Janeiro; ou ainda a forma mais comum em que este tipo repertório, sendo tocado por músicos brasileiros, figurava, predominantemente, na programação das principais casas de shows da capital carioca e de São Paulo. (Ibid.:93) A partir de 1950, alguns artistas brasileiros passam a alinhar seus processos de composição - aquilo que era chamado Samba-canção - ao Cool Jazz58 norte-americano. Dentre eles podemos citar Dick Farney, Dolores Duran, Agostinho dos Santos, Antônio Maria, Maysa, Vinícius de Morais e Antonio Carlos Jobim (Ibid.:76). O resultado deste processo culminou na Bossa Nova ainda em fins da década de 1950, além de alavancar um novo estilo de música instrumental, hoje conhecido como Sambajazz. Sobre este momento, Tutty afirma:

57 As citações de depoimentos identificadas com o nome “MORENO, 2018” foram colhidas em entrevista

realizada pelo autor através de uma áudio-conferência em 09/05/2018. Arquivo pessoal do autor.

58 Cool jazz é um estilo de Jazz moderno que surgiu nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. É

caracterizado por andamentos mais lentos e por uma sonoridade mais suave, em contraste com o estilo rápido e denso do Bebop. O Cool Jazz frequentemente emprega arranjos formais e incorpora elementos da música clássica. Em linhas gerais, o gênero refere-se a uma série de estilos de jazz pós-guerra que empregam uma abordagem mais moderada do que a encontrada em outros idiomas Jazz contemporâneos. Texto original: Cool jazz is a style of modern jazz music that arose in the United States after World War II. It is characterized by relaxed tempos and lighter tone, in contrast to the fast and complex bebop style. Cool jazz often employs formal arrangements and incorporates elements of classical music. Broadly, the genre refers to a number of post-war jazz styles employing a more subdued approach than that found in other contemporaneous jazz idioms (Gridley, Mark C. “Styles”, in Ron

Wynn, All Music Guide to Jazz, M. Erlewine, V. Bogdanov, San Franciso: Miller Freeman, 1994, p. 11). Tradução

Eu vivi minha pré-adolescência e adolescência nos anos 1960. Período de uma efervescência enorme. O Jazz estava mudando com figuras como Miles [Davis], [Charles] Mingus, Thelonious Monk, músicos que foram completamente inovadores. Foi exatamente nesta mesma época que surgiu a Bossa Nova. (...) Era uma época riquíssima para a nossa música, sem sombra de dúvida nenhuma. Nós tivemos a fundação de Brasília. A arte cresceu profundamente, a indústria brasileira idem, e a música então? Nem se fala! (...). Havia muita música instrumental, muitos trios. Era neste contexto em que Edison Machado atuava. (MORENO, 2017)

Da mesma forma como Machado estava atento aos bateristas da década de 1950, Tutty Moreno também parecia estar conectado aos grandes nomes do Jazz da década de 1960, admirando-os quanto músicos inovadores. Porém, Tutty parecia estar atento também aos movimentos da música brasileira em contato com os “produtos” da década anterior, uma vez que haviam similaridades entre as formas de se fazer o Jazz e a música brasileira. A partir de 1962, “paulatinamente alguns instrumentistas brasileiros passam a ingressar no mercado musical norte-americano”(BARSALINI, 2009: 95), como Tom Jobim, João Gilberto, e tantos outros, além do baterista Edison Machado.

Tanto na atuação de Edison Machado quanto nas gravações de Jazz da época, o baterista parecia colaborar com a sonoridade do grupo de uma forma diferente daquela em que costumeiramente se fazia e que consistia em se tocar um ritmo de fundo. Para Moreno, a sensação ao ouvir Edison Machado é a de que ele não faz este ritmo de fundo, mas “figura na frente” tocando junto do solista de maneira que “o som da bateria está em cima da melodia. (...) Machado foi o primeiro músico em que percebi isto, e ele fazia essa coisa com o samba na época em que surgiu o Sambajazz.” (MORENO, 2017)

Em uma descrição mais detalhada acerca de suas impressões sobre a forma de tocar de Edison Machado, Tutty Moreno relata:

Você conhece os discos do Rio 65 trio? Pois bem, nessas gravações você percebe que o Edison [Machado] e [Dom] Salvador [pianista] tocando são uma coisa só. Do início ao fim, todas as músicas, todos os temas, ele [Edison Machado] está dentro e não está fazendo o ritmo. O bumbo do Edison é uma coisa que pira a sua cabeça! Eu vi e ouvi isto ao vivo. Pouco tempo depois de ter assistido ele pela primeira vez eu procurava, sempre que possível, estar nos lugares onde ele iria tocar. Eu ficava do lado dele para olhar a forma como ele tocava o bumbo. Nesta época (década de 1960), se tocava muito o ostinato (cantarola e bate o pé no chão) pum pu pum (primeira e quarta semicolcheias). Este padrão é utilizado até hoje e tem muita gente que faz isto de forma mais acentuada. A minha geração chamava esta forma de tocar o bumbo de Milton Banana, associando o nome da técnica ao baterista que a popularizou em suas gravações no período. Dizer que ele tocava o padrão sem alteração e que o fazia de forma acentuada não desmerece o swing do Milton, muito pelo contrário, essas eram suas marcas. Só que para mim o som do bumbo do Edison era muito redondo. Ele dava um apoio ao baixo sem forçar a barra. Era como se você não ouvisse o pu pum, mas o pum pum dele vinha no seu peito sem aquele tum

[mostra as mãos] completamente livre. Era uma coisa criativa pra danar. Melódica. Fundamentalmente melódica em cima do solista. Nestes discos, músicas como Meu Fraco é Café Forte, Tem Dó e Desafinado são um arraso! Quando o Edison parava o ostinato, ele colocava o bumbo nuns lugares que era difícil de você entender. E a minha impressão era “Meu Deus, como é que ele encontrou um lugar ali e fechava tudo”. Era mais do que melódico, era harmônico! Sei lá. Quer dizer, sem interferir nas notas. Era a cor ou a soma do som fechado com a banda. Foi dali que eu tirei a ideia de tocar meu bumbo completamente livre, dependendo da situação musical. Isto vem desta influência. Hoje em dia quando me perguntam: Quais são as suas influências? Eu respondo que primeiro vem o Edison Machado e depois Tony Williams. (MORENO, 2017)

Nesta descrição, Moreno destaca os procedimentos realizados por Edison Machado e os qualifica como uma “abordagem melódica” para a bateria59. Como apresentamos no

primeiro capítulo deste trabalho, a “abordagem melódica” da bateria envolve uma série de procedimentos nos quais os padrões rítmicos executados pelos bateristas são elaborados a partir das características das melodias tocadas pelos demais instrumentistas em uma situação de performance. Neste sentido, o resultado sonoro difere daquele em que o baterista repete um mesmo padrão rítmico (ritmo de fundo) por boa parte da música tocada, gerando a impressão de que estes padrões estão mudando constantemente, dependendo das características das melodias de cada música.

Em seu trabalho intitulado As Sínteses de Edison Machado (2009), Barsalini, ao analisar os padrões musicais deste baterista, sobretudo no contexto da música instrumental dos anos 1960, aponta para uma transformação nas concepções de expressividade associada à bateria. De maneira geral, os solos de bateria são momentos comumente associados à livre expressão do performer deste instrumento, já que, ao fazer o ritmo de fundo, o baterista repete padrões de uma forma mecânica, na qual há um espaço mais limitado para criação (se tomarmos como referencial as possibilidades de combinações sonoras para o exercício de tal expressividade60).

Fato é que as transformações provocadas por novas concepções artísticas advindas da música

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