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Estudo Interpretativo da “Abordagem Melodicamente Orientada” de Tutty

Neste capítulo analisaremos os procedimentos utilizados por Tutty Moreno ao fazer uso daquilo que ele chama de “abordagem melódica” na bateria. No primeiro e segundo capítulos nos referimos a tal abordagem utilizando os termos encontrados na revisão bibliográfica. Deste modo, as expressões "bateria melódica”, “baterista melódico” e “abordagem melódica da bateria” foram utilizadas até aqui para descrever este modo de prática de bateria. Contudo, durante o período em que desenvolvemos esta pesquisa, submetemos parte dos nossos resultados a congressos, bancas de qualificação e defesa de trabalhos acadêmicos que contribuíram para ampliar a reflexão acerca do termo “abordagem melódica da bateria”. Como veremos a seguir, Moreno não tem a intenção de tocar melodias nos tambores86, mas sim de compor o timbre das melodias tocadas por outros instrumentistas no contexto do disco Forças D´Alma. Além disso, a limitação da bateria em relação à possibilidade de executar melodias, dado seu caráter de instrumento cujas alturas são indefinidas, contribui para a inadequação do termo “abordagem melódica da bateria”, uma vez que tal afirmação poderia ser compreendida como a capacidade do instrumento em questão ser capaz de tocar quaisquer tipos de melodias sendo estas compostas por sons de altura definidas ou não. Por esta razão, acabamos por optar pelo conceito “abordagem melodicamente orientada” por julgarmos se tratar de um termo mais adequado à atuação de Moreno nesta investigação, uma vez que as características das melodias e harmonias servem de critério de escolhas para a elaboração de padrões rítmicos no instrumento bateria sem a intenção de compreendê-lo enquanto instrumento melódico.

Para isto, selecionamos um material específico (disco Forças D´Alma) com vistas a discutir este conceito em um uma situação específica de performance. Compararemos os padrões musicais de Moreno com aqueles amplamente utilizados na prática dos gêneros Samba e Baião para a bateria; verificaremos como se dá a organização rítmica dos padrões desenvolvidos por este baterista em cada um destes gêneros à luz do conceito “abordagem melódica da bateria” e que, para nós, trata-se de uma “abordagem melodicamente orientada” da bateria; e discutiremos, ainda que brevemente, sobre a interação entre Moreno e os demais instrumentistas do disco em questão.

86 Tratamos aqui da abordagem empregada por Jeff Hamilton e Ary Hoenig e que fora apresentada no primeiro

capítulo deste trabalho em que há a finalidade de expressar, ainda que de forma aproximada, melodias com alturas definidas nos tambores da bateria.

3.1 - O Disco Forças D´Alma (1998) – Nossos Critérios de Escolha para Análise

Em contato com a extensa discografia da qual Tutty Moreno faz parte, optamos por verter nossa investigação para sua carreira solo e, mais especificamente, seu segundo disco como líder de grupo, o álbum Forças D´Alma (1998). Em se tratando de um disco de música popular brasileira em um formato instrumental, há em Forças D´Alma uma preocupação central com um tipo de música improvisada. Tanto nas palavras de Moreno (2017) quanto nas do contrabaixista Rodolfo Stroeter (2018), este disco seria o registro de uma música mais “livre87” em que os músicos foram estimulados a apresentar temas, solos e acompanhamentos

de maneiras pouco convencionais. Para nós, o resultado deste trabalho revelou um modo de tocar bateria que acabou por suscitar questões acerca da elaboração de padrões rítmicos que diferem daqueles encontrados no vocabulário típico das práticas em bateria brasileira.

Em pouco mais de cinquenta e sete minutos de música, o disco Forças D´Alma contem dez faixas assim dispostas: A Lenda do Abaeté (Dorival Caymmi); Alegria de Viver (Luiz Eça); Só Louco (Dorival Caymmi); Baracumbara (Joyce Moreno); Samba Novo (Durval Ferreira/Newton Chaves); João Valentão (Dorival Caymmi); Forças D´Alma (Joyce Moreno);

A Vizinha do Lado (Dorival Caymmi); Imagem (Luiz Eça/Aloysio de Oliveira); e Sanfona

(Egberto Gismonti). A maior parte destas músicas são canções adaptadas para o formato instrumental o que direcionou nossa observação para o fato de não haver uma preocupação em se lançar um material de composições autorais, mas sim realizar releituras de músicas conhecidas em um trabalho com ênfase nas possibilidades de interpretação deste material. Há também o predomínio de dois gêneros musicais brasileiros, o Samba e o Baião. Em relação ao primeiro, poderíamos associar as faixas Alegria de Viver, Só Louco, Samba Novo, João

Valentão, A Vizinha do Lado e Imagem. Já em relação ao segundo, apontaríamos as faixas A Lenda do Abaeté e Baracumbara. Em relação às faixas restantes, Forças D´Alma parece

ambientada na sonoridade rítmica do gênero Salsa e Sanfona apresenta uma organização

87 Discutimos no segundo capítulo deste trabalho quais parâmetros caracterizariam a ideia de música “livre” de Tutty

Moreno e acabamos por associá-la a alguns procedimentos do Free Jazz e da música feita por brasileiros nos anos 1970 como o trabalho de Airto Moreira e Hermeto Pascoal. Embora o álbum Forças D´Alma tenha sido gravado vinte anos depois, a ideia de música “livre” a que Moreno se refere, inicialmente, era aquela empregada por estes dois compositores do Brasil. Moreno utiliza a expressão “música mais elástica” para caracterizar procedimentos como o uso de métricas ímpares para gêneros como Samba e Baião, a criação de uma sessão específica para a realização da improvisação ao invés de utilizar a forma e harmonia da canção tocada e, sobretudo, ao amplo espaço de criação para o baterista/percussionista sem que este estivesse “preso”, estritamente, a função de acompanhar. Em nosso entendimento, Forças D´Alma seria, em alguma medida, uma continuidade à música da década de 1970 que inspirou Tutty Moreno.

musical que guarda similaridades com uma peça de música erudita sem que haja a predominância de um ritmo que associe tal faixa a um gênero da música popular brasileira.

Em busca de contribuir com os estudos acerca de padrões rítmicos empregados por bateristas atuando em gêneros musicais brasileiros, optamos por reduzir ainda mais o escopo de análise dentro deste disco com vistas a responder nossa pergunta inicial: Moreno assumiu uma maneira de tocar sem que realizasse a marcação rítmica comumente associada aos bateristas?

Esta pergunta direcionou nossa análise para músicas em que a abordagem de Moreno apresentava usos atípicos de padrões de bateria para os gêneros brasileiros. Deste modo, as faixas que não fazem referência ao Samba e ao Baião foram deixadas de lado por esta investigação. Embora a faixa Só Louco faça referência ao Samba, acabamos por excluí-la de nossa análise por entendermos que o modo como Moreno atuou em tal faixa fazia referência ao tipo de abordagem em que o baterista faz o ritmo de fundo88 diferente da “abordagem melódica” em que ele colabora de uma forma mais participativa em relação ao resultado sonoro do conjunto e, sobretudo, dos momentos de improvisação.

Em se tratando do gênero Samba, entendemos que o modo como Moreno organiza seus padrões musicais nas faixas Samba Novo, João Valentão e A Vizinha do Lado guardam similaridades e, através de uma escuta mais ampla e menos atida aos detalhes, apresentam padrões musicais reincidentes provenientes de um mesmo mecanismo de elaboração rítmica. Contudo, a quantidade de variações produzidas por Moreno em cada uma destas situações associada ao momento da performance e seus desdobramentos quanto reação aos demais instrumentistas acaba por gerar construções singulares em cada uma destas faixas. Dentre as três músicas, elegemos A Vizinha do Lado com a finalidade de analisar as relações entre os padrões rítmicos de Moreno e alguns aspectos da construção melódica do clarinete. Além disso, a ausência do contrabaixo e do piano na primeira parte “A” da improvisação entre o clarinete e a bateria desta faixa parece revelar uma situação interessante para a discussão acerca da estabilidade dos padrões rítmicos de Moreno, uma vez que o mesmo não realiza o padrão de marcação com os pés – assunto que trataremos a seguir. Acreditamos que o

88 No primeiro capítulo tratamos sobre este conceito ao compararmos o ritmo de fundo e a “abordagem melódica da bateria”.

De maneira geral, definimos o ritmo de fundo como sendo uma abordagem em que o baterista realiza padrões repetitivos com poucas variações. Já na “abordagem melódica” o baterista realizaria uma grande quantidade de variações provocando uma mudança na percepção do som da bateria para ouvintes habituados com os padrões advindos de uma prática de ritmo de

pensamento que embasa as escolhas musicais de Moreno possa contribuir para a compreensão de sua abordagem musical também nas demais faixas em que este baterista toca Samba.

Em se tratando do gênero Baião, optamos pela análise da faixa A Lenda do Abaeté. De maneira similar ao Samba, tanto na faixa Baracumbara quanto em A Lenda do Abaeté, há reincidência de padrões musicais na abordagem de Moreno e também singularidades em cada uma das faixas. Portanto, do mesmo modo como fizemos em relação ao Samba, procuramos discutir os procedimentos que deram origem aos padrões utilizados por Moreno na faixa escolhida com vistas a compreender possíveis relações entre tais padrões e as construções melódicas e harmônicas desta música.

3.2 – Os padrões musicais brasileiros para o instrumento bateria e a abordagem rítmica de Moreno.

É importante ressaltar que a sonoridade comumente associada à bateria é obtida a partir do ato de percutir, de forma combinada, os vários instrumentos de percussão que compõem o seu set – caixa, bumbo, ton-tons, hi-hat, pratos, etc. Como vimos anteriormente, o baterista faz uso da coordenação entre os quatro membros de seu corpo para gerar a fundação rítmica de um dado estilo musical (MONSON, 1996:52). Com o passar dos anos, o modo de percutir e combinar os sons provenientes das peças da bateria faz com que alguns procedimentos sejam replicados e outros ignorados pelas próximas gerações de bateristas. Certos procedimentos que permanecem através de registros em partituras e, sobretudo, através das gravações, acabam potencialmente se tornando modelos a serem seguidos por jovens músicos interessados na prática deste instrumento.

É bastante comum entre os bateristas o termo vocabulário para descrever os procedimentos e recursos utilizados, necessários à prática em um dado estilo. A partir de um determinado vocabulário, o músico tem à sua disposição um conjunto de combinações já registrado, ao menos em áudio, da atuação de vários bateristas durante toda a história deste instrumento em cada estilo musical do qual ele tenha feito parte. No caso da música brasileira, a elaboração deste vocabulário teve suas bases, nas primeiras décadas do século XX, em parte, através da tentativa de representar os instrumentos de percussão dos gêneros nacionais

na bateria, e em parte pela influência e assimilação de estilos estrangeiros como o Jazz, por exemplo89.

3.2.1 – Considerações acerca da bateria no gênero Samba e a abordagem de Moreno

Ao tratar sobre a organização dos instrumentos de percussão nas escolas de samba Barsalini (2009) estrutura uma classificação baseada na função que cada um destes instrumentos desempenha neste contexto. Tal classificação, recurso de organização metodológica, parece ter sido elaborada tendo em vista a construção de parâmetros para discorrer sobre adaptações daquele referencial percussivo na prática do instrumento bateria. Nesta perspectiva, é possível observar: a) instrumentos cuja função predominante seja a determinação de frases rítmicas, a exemplo do tamborim, agogô e cuíca; b) instrumentos predominantemente de condução, como pandeiro, reco-reco, chocalho e caixa; c) instrumentos com função de marcação, como os surdos.

Os primeiros bateristas brasileiros, a partir da possibilidade de acionar vários instrumentos em seu set, realizaram combinações entre as peças disponíveis na tentativa de imitar os sons de instrumentos de percussão das escolas de samba, combinando suas funções em torno de um único ritmista. Isto significa dizer que, ao tocar o bumbo – imitando o surdo da escola de samba – e, ao mesmo tempo, a caixa – realizando as frases de um tamborim, por exemplo – o baterista combinava as funções de marcação e fraseado. Este processo teria ocorrido na década de 1930.

Posteriormente, embora as combinações entre as peças da bateria tenham se modificado, a presença das funções de condução, marcação e fraseado ainda parecem estar presentes na prática dos bateristas brasileiros. Um padrão de samba que, a partir da década de 1960 consolidou-se de maneira mundialmente conhecida, exige que o baterista ocupe seus membros da seguinte maneira: a mão direita (ou a dominante) atrelada ao hi-hat, tocando todas as notas da subdivisão do samba (função de condução); ao bumbo cabe a execução de padrões adaptados da linguagem de se tocar o instrumento surdo de escola de samba (função de marcação); à mão esquerda cabe a função de executar na caixa as figuras assimiladas através do tamborim (função de fraseado). Barsalini (2014:180) utiliza o conceito samba

89 Referência às origens da bateria no Brasil presentes na Dissertação de Mestrado: As Sínteses de Edson

conduzido para caracterizar esta abordagem na qual o ritmo pode ser visualizado através de

uma perspectiva vertical de encaixe das notas do bumbo e da caixa na subdivisão do hi-hat, como mostra a figura abaixo:

Figura 12 – exemplo da perspectiva vertical de encaixe das peças da bateria no ritmo de samba telecoteco, extraído de GOMES (2008:23).90

Ao analisar os padrões rítmicos do baterista Edison Machado, Barsalini (2009) aponta para uma característica peculiar na função do seu prato de condução que, ao invés de reproduzir uma linha contínua de semicolcheias, como geralmente o faz o ganzá, Machado e outros bateristas de sua época (década de 1960), passaram a realizar frases rítmicas juntamente com a caixa. Esta mudança teria contribuído para a configuração de uma forma de se tocar a bateria na qual a ênfase era dada não apenas para a manutenção da estrutura rítmica, mas, sobretudo, para a possibilidade de construir frases rítmicas que dialogassem com as melodias executadas por outros instrumentistas. Portanto, Barsalini (2014:208) utiliza o conceito samba fraseado para caracterizar este tipo de abordagem que pode ser visualizada no fragmento abaixo:

Figura 13 – Transcrição da bateria de Edison Machado tocando a música Coisa Nº 1 de Moacir Santos – disco Edison Machado e Grupo, 1965. (BARSALINI 2009:155)91

Como observamos no primeiro capítulo deste trabalho, ao empreender um estudo acerca das performances do baterista Airto Moreira, Marques (2013) apresenta a expressão tocando “nas quebradas” como sendo uma forma de atuação mais participativa do baterista em relação ao grupo. É possível observar que os padrões descritos por Marques se assemelham aos realizados por Machado. Na figura abaixo verificamos um dos padrões

90 Há um recorte de áudio com padrões similares a este disponível para consulta através do link:

https://www.youtube.com/watch?v=hyQUIs67b_U&index=17&list=PLGJLFiOzUHcJF6bayfuGOZsmfqlGq7a6 r

91 Há um recorte de áudio com padrões similares a este disponível para consulta através do link:

rítmicos de Airto Moreira nos quais os pés mantém a função de marcação e as mãos se assemelham às estruturas rítmicas que dão ênfase à função fraseado, mesmo que organizadas em compassos de três tempos – de maneira similar ao samba fraseado de Edison Machado.

Figura 14 – transcrição da bateria de Airto Moreira tocando a música Cravo e Canela de Milton Nascimento – disco Milton 76, 1974. (MARQUES 2013:129).92

Ao compararmos tais padrões apresentados pelos bateristas citados, observamos que ambos mantêm a função de marcação executada pelos pés ao tocarem o bumbo e o hi-hat, enquanto fraseiam entre caixa e prato.

Tutty Moreno, ao se referir sobre estes procedimentos associados ao samba afirma: O bumbo do Edson é uma coisa que pira você bicho! Eu que vi. (...) Eu ficava do lado dele só pra olhar o bumbo. Nessa época, se tocava muito o ostinato [cantarola e bate o pé no chão] pum pu pum [primeira e quarta semicolcheias]. Só que tinha muita gente que na época usava este ostinato de forma mais acentuada. Aliás, tem gente que faz isso até hoje. A minha geração chamava [essa forma de tocar o bumbo] de Milton Banana. Ele é quem usava muito isso. Isto não desmerece o swing do Milton (...) só que o [som] do Edson era muito redondo. Ele dava um apoio ao baixo sem forçar a barra. Era como se você não ouvisse o pu pum, mas você sentia o pum pum do bumbo dele vibrar no seu peito sem aquele TUM TUM mais forte. Era aquele negócio macio, aveludado e envolvente. E aqui em cima [gesticula padrões de baquetas no ar] completamente livre. (MORENO, 2017)

Este depoimento ecoa com a caracterização proposta por Barsalini (2014), já que para Moreno, mesmo os bateristas possuindo abordagens diferentes – o estilo Milton Banana sendo mais próximo do samba conduzido enquanto que Edison Machado era mais próximo do samba fraseado – ambos representavam duas abordagens conhecidas para a execução deste estilo na bateria. Sem dúvida a predileção de Moreno em relação ao modo como Machado toca o bumbo de forma “macia” é um indício para compreender um dos aspectos que mais diferencia Tutty Moreno destes bateristas: o uso dos pés para compor a função fraseado. A respeito da motivação para fazê-lo, Moreno afirma:

92 Há um recorte de áudio contendo este trecho que está disponível para consulta através do link:

https://www.youtube.com/watch?v=Sq6GDxHbh0c&index=16&list=PLGJLFiOzUHcJF6bayfuGOZsmfqlGq7a6 r

Então, além dele [Edson Machado] tinha um cara daqui de São Paulo chamado Zinho [nome artístico de José Rafael Daloia] que usava o bumbo completamente livre. Zinho não fazia o ostinato de bumbo nunca. Edson [Machado], de vez em quando e, quando sentia necessidade, arredondava e tocava o ostinato. Mas quando o Edson [Machado] parava o ostinato, ele colocava o bumbo nuns lugares que era difícil de você entender. E você pensava: meu Deus, mas como é que ele encontrou um lugar ali e fechava tudo? Era mais do que melódico, era harmônico! Sei lá. Quer dizer sem interferir nas notas [da harmonia]. Era a “cor”: a soma do som fechado com a banda. (...) tem horas que o meu bumbo fica completamente livre, mas isso vem de lá. Vem dessa influência. (MORENO, 2017)

Recorrendo novamente à Barsalini (2014), encontramos uma transcrição da música

Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça) em formato instrumental realizada pelo Rio 65

Trio (Rio 65 Trio, Philips, 1965) que parece ecoar com a fala de Moreno no que diz respeito à interrupção do ostinato de marcação. Como aponta o autor, Edison Machado faz o acompanhamento de todo o solo de piano sem o padrão de marcação:

Figura 15: Transcrição da bateria em Desafinado Rio 65 trio (1965), compassos 69 a 136 (1:09 a 2:15). (BARSALINI, 2014: 213)93

Moreno foi despertado pela prática de bateristas como Machado e Zinho para este tipo de abordagem em que o bumbo se desprende da função de marcação. A figura abaixo ilustra

93 Há um recorte de áudio com este trecho transcrito que está disponível para consulta através do link:

este procedimento realizado por Moreno enquanto realiza o acompanhamento durante o solo de clarinete na música A Vizinha do Lado (Dorival Caymmi):

Figura 16 – transcrição da bateria no segundo chorus da música A Vizinha do Lado de Dorival Caymmi – disco Forças D'Alma (1998). Compassos 57 a 88 (0:49 a 1:14). Transcrição realizada pelo autor.94

A partir da figura, é possível observar que Moreno realoca as notas do bumbo e do hi-hat para outras posições em relação às semicolcheias, diferentes daquelas que caracterizam a função de marcação (bumbo tocando a primeira e quarta semicolcheias e hi-hat sendo tocado com o pé no contratempo). Ao não repetir padrões verticais na predominância dos compassos, este baterista pode contar com mais dois membros para frasear ritmicamente, além das mãos. Aliás, a ausência do padrão de marcação aparece como um primeiro indício da tal “liquidez”95 de Moreno, já que a marcação dá lugar a outro uso destas peças (bumbo e

hi-hat) em um contexto habituado a receber da bateria esta importante contribuição sonora com vistas a evidenciar os tempos do compasso musical. Ao ouvir pela primeira vez o Samba executado por Moreno, um músico ou público comumente tem a impressão de um ritmo “solto”, já que os sons provenientes do bumbo e do hi-hat não apresentam a organização

94 Há um recorte de áudio com este trecho transcrito que está disponível para consulta através do link:

https://www.youtube.com/watch?v=7yATHNMViJU&index=14&list=PLGJLFiOzUHcJF6bayfuGOZsmfqlGq7

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