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O conceito de comunidade no ensino da filosofia

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Universidade de Lisboa

O Conceito de Comunidade no Ensino da Filosofia

António Ricardo Antunes Arruda

Mestrado em Ensino de Filosofia

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Universidade de Lisboa

O Conceito de Comunidade no Ensino da Filosofia

António Ricardo Antunes Arruda

Mestrado em Ensino de Filosofia

Relatório da Prática de Ensino Supervisionada orientado pela Professora Doutora Ana Godinho Gil e coorientado pelo Professor Doutor José Gomes André

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Começo por agradecer à Professora Doutora Ana Godinho ter-me ensinado a dar aulas. Agradeço-lhe a paciência e a dedicação com que acompanhou os meus primeiros passos neste ofício. Ao Professor Doutor José Gomes André agradeço a orientação e as críticas que tornaram este trabalho melhor.

Agradeço à Escola Secundária Pedro Alexandrino ter-me acolhido. Foi muito gratificante fazer parte desta instituição.

Gostaria também de expressar uma palavra de apreço por todos os Professores da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa com quem tive o prazer de aprender. Ao Professor Doutor António Pedro Mesquita deixo um agradecimento especial pelo cuidado e interesse com que acompanhou a Iniciação à Prática Profissional. Os seus reparos foram da maior importância. Aos Professores Doutores Pedro Galvão e Ricardo Santos deixo igualmente um agradecimento especial pelas excelentes aulas e pelas motivantes discussões que tivemos.

Agradeço também à boa gente do Colégio de São Tomás por terem acreditado em mim. O alento que me deram foi determinante para este trabalho. Deixo um agradecimento especial ao meu amigo Pedro Ferrão, à Isabel Almeida e Brito, ao Pe. João Seabra, à Isabel Pestana, à Joana Pardal e ao Bruno Silva.

Gostaria igualmente de agradecer aos meus colegas e amigos Raimundo Henriques, Ricardo Rosa, Inês Carvalho, João Tomé, Laura Reis e Ricardo Miguel. Ao Raimundo Henriques e ao Ricardo Rosa agradeço a amizade genuína e o companheirismo que tanto prezo. Ao primeiro agradeço ainda os conselhos, determinantes para este trabalho. À Inês Carvalho agradeço a amizade que tornou o percurso que agora culmino mais fácil.

Agradeço ainda a todos os alunos que até ao presente tive o prazer de ensinar e com quem tive, sobretudo, a oportunidade de aprender. Aos alunos do 10.º SE (2015/2016 - ESPA) deixo um agradecimento especial. Conhecê-los foi muito importante para mim.

Gostaria de agradecer a toda a minha família.

À Sara Ellen Eckerson agradeço a amizade e a preocupação.

Aos meus pais, Alberto Braga Arruda e Maria Fernanda Antunes José Arruda, agradeço terem-me dado esta vida. Agradeço também terem sido, e ainda serem, excelentes educadores. Sem eles nunca teria feito este trabalho.

Ao meu irmão, Alberto Miguel Antunes Arruda, agradeço por tudo. Por ser a minha consciência e por dizer sempre ‘nós’. Sem ele nunca teria feito este trabalho. É a ele que o dedico, assim como toda a minha futura atividade enquanto professor.

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Resumo

Ao lermos o atual Programa de Filosofia depressa nos apercebemos de uma forte insistência no conceito de comunidade. Infelizmente, quando chegamos à terceira parte do Programa (Desenvolvimento do Programa), dedicada aos temas e autores a abordar no decorrer do 10.º e 11.º anos, a preocupação com os valores comunitários cessa. Como tal, não se encontra prevista uma abordagem ao conceito de comunidade em qualquer momento da formação filosófica dos alunos.

Os alunos, por sua vez, evidenciam uma preocupação semelhante à do Programa. No decorrer da experiência da prática de ensino supervisionada que aqui relato, foram várias as vezes em que ouvi alunos aludir ao conceito de comunidade para expressar uma ideia ou uma inclinação pessoal. Perante tal demonstração, decidi, através de uma ficha, inquirir os alunos de uma das três turmas do 10.º ano que lecionei, de forma a averiguar a natureza de tal inclinação. Os resultados confirmaram o que já havia intuído, deixando ainda perceber que as posições dos alunos se encontravam mais perto do comunitarismo do que de qualquer outra teoria. Com as inclinações dos alunos em mente, formulo neste relatório uma proposta que visa inserir uma secção dedicada às problemáticas que giram em torno do conceito de comunidade, abordadas da perspetiva do comunitarismo, no final do subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade do Programa. Concluo que a inserção desta secção fortalece o encadeamento do Programa, completando a apresentação das teorias que a antecedem e oferecendo uma alternativa ao liberalismo. Para além do mais, a inserção desta secção aproxima o Programa das preocupações reais dos alunos.

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Abstract

When we read the current Programa de Filosofia, we quickly notice that there is a strong insistence on the concept of community. Unfortunately, when we reach the third part of the Programa, the one that defines the authors and themes to be taught during the 10th and 11th grades, we notice that the former preoccupation about community is gone. Because of this, the concept of community does not get discussed and taught to the students.

The students, nevertheless, show a similar preoccupation to that expressed in the Programa. During the internship, there were several times when students relied on the concept of community to express an idea or a personal inclination. Because of this, I decided to question them, in the form of a questionnaire, to try to understand the nature of that tendency. The results of the questionnaire showed me what I had already intuited: philosophically the students were more close to communitarianism than to any other theory. With that in mind, in this report I propose the introduction of a section about community at the end of part 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade of the Programa. My conclusion is that this new section will strengthen the catenation of the Programa and offer an alternative to the liberal theories that are taught. This section will also help bring the students’ thinking closer together with what is proposed in the Programa.

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Índice

Introdução ... 1 1 – O estágio ... 3 1.1. A escola ... 3 1.2. As turmas ... 6 1.2.1. 10.º SE (ESPA – 2015/2016) ... 6 1.2.2. 10.º LH (ESAN – 2015/2016) ... 8 1.2.3. 10.º SE (ESEQ – 2015/2016) ... 9 1.3. As aulas ... 10 1.3.1. Objetivos Gerais ... 10 1.3.2. Estratégias e recursos ... 14 1.3.3. Conteúdos científicos ... 20 1.3.4. Justificação pedagógica... 24 1.3.5. Avaliação ... 37

2 – O conceito de comunidade no ensino da filosofia ... 41

2.1. A presença do conceito de comunidade nos documentos orientadores ... 41

2.2. A ausência do conceito de comunidade no Programa ... 48

2.3. O conceito de comunidade na escola: as respostas dos alunos ... 50

3 – Notas finais ... 71

Referências ... 75

Anexos ... 77

Anexo I – Roteiro de aulas ... 77

Aula 1 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 77

Aula 2 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 79

Aula 3 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 80

Aula 4 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 82

Aula 5 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 84

Aula 6 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 86

Aula 7 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 88

Aula 8 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 91

Aula 9 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 93

Aula 10 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 97

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Aula 1 – Escola Secundária Doutor Azevedo Neves ... 103

Aula 2 – Escola Secundária Doutor Azevedo Neves ... 108

Aula 1 – Escola Secundária Eça de Queirós ... 111

Aula 2 – Escola Secundária Eça de Queirós ... 113

Anexo II – Slides de aulas ... 119

Aula 4 – Escola Secundária Pedro Alexandrino ... 119

Aula 1 – Escola Secundária Doutor Azevedo Neves ... 120

Aula 2 – Escola Secundária Doutor Azevedo Neves ... 125

Aula 1 – Escola Secundária Eça de Queirós ... 129

Aula 2 – Escola Secundária Eça de Queirós ... 132

Anexo III – Respostas dos alunos ... 138

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Introdução

Ensinar é compreender para ser compreendido. Para que possamos ser compreendidos, temos de compreender aqueles por quem pretendemos ser compreendidos. Foi assim que concebi a minha experiência da prática de ensino supervisionada, ocorrida no ano letivo 2015/2016, no âmbito do Mestrado em Ensino de Filosofia (da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), cujo estágio foi maioritariamente desenvolvido na Escola Secundária Pedro Alexandrino, na Póvoa de Santo Adrião.

Este relatório, para além de apresentar detalhadamente uma parte dessa experiência, sugere também uma ligeira reestruturação do Programa de Filosofia, 10.º e 11.º Anos, Cursos Científico-Humanísticos e Cursos Tecnológicos, Formação Geral (2001)1. Para ser mais concreto, uma reestruturação do subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade do ponto 3. Dimensões da acção humana e dos valores, inserido na unidade II. A acção humana e os valores do Programa. O conjunto de aulas escolhido para análise neste relatório foi lecionado a três turmas de três escolas diferentes (ESPA, ESAN e ESEQ) e incidiu sobre o subponto 3.1.4..

A reestruturação sugerida prende-se com uma tendência que identifiquei, primeiramente, nos alunos e com a qual me deparei, mais tarde, no Programa. Nomeadamente, a tendência para apelar aos valores comunitários. Apesar de ser diretamente referida no Programa, esta tendência restringe-se à idealização do documento, não encontrando um paralelo nas secções que prestam orientação às aulas.

Depois de escutar os alunos acerca deste tema e de investigar o que se encontra na base do seu apelo ao conceito de comunidade, decidi então formular uma proposta que visa a acomodação de um conjunto de aulas, dedicadas a este conceito, no subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade. Esta proposta deve-se somente à dinâmica que comecei por descrever e tem como objetivo único melhorar a experiência escolar dos alunos. Acredito que, para além, do ganho inerente ao estudo de algumas das

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principais ideias e problemas associados ao conceito de comunidade, os alunos beneficiarão também da oportunidade de se confrontarem criticamente com um conceito que se encontra enraizado na sua experiência. O estudo do conceito de comunidade deverá ainda ser entendido como uma oportunidade para reforçar o encadeamento do Programa, e consequentemente, facilitar a compreensão de alguns dos temas que o antecedem.

A voz dos alunos será parte integrante deste relatório, no qual procurarei prolongar o meu diálogo com eles. Tal como aconteceu aquando da lecionação do conjunto de aulas que servem de base a este relatório, procurarei, no exercício que se segue, dar seguimento à tarefa de melhor perceber o que os alunos pensam.

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1 – O estágio

1.1. A escola

Situada na Póvoa de Santo Adrião, freguesia do Concelho de Odivelas, a Escola Secundária Pedro Alexandrino inicia atividade no dia 4 de janeiro de 1988. Inicialmente designada por Escola Secundária nº 2 da Póvoa de Santo Adrião viria a mudar de nome a 9 de julho de 1988, assumindo então o nome do pintor Pedro Alexandrino. Doze anos mais tarde, em 2000, a escola inaugura o Pavilhão Gimnodesportivo, gerido em parceria com a Câmara Municipal de Odivelas. Em junho de 2007, a escola é absorvida pelo Programa de Requalificação das Escolas Secundárias desenvolvido pela Parque Escolar, criada pelo Decreto – Lei n.º 41/2007, de 21 de fevereiro. Atualmente na Fase 1 do projeto de reabilitação, a ESPA integra já várias melhorias, como podemos comprovar pelas fotografias disponibilizadas no site da Parque Escolar2 que dão conta de como a escola era antes e de como esta é agora, depois da primeira intervenção realizada em agosto de 2008.

Sede do Agrupamento de Escolas Pedro Alexandrino (AEPA) – Póvoa de Santo Adrião, a ESPA gere, para além do seu, o funcionamento de quatro escolas (Escola Básica Carlos Paredes, Escola Básica de Olival Basto, Escola Básica da Quinta de São José e Escola Básica Barbosa du Bocage). Internamente a ESPA disponibiliza uma vasta oferta formativa, oferecendo, entre outros, cursos do ensino regular, básico e secundário e cursos tecnológicos de Informática. Sendo considerada pioneira na abertura dos cursos de Educação e Formação de Jovens (CEF), dos Cursos Profissionais e dos Cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA), a ESPA apresenta em 2008 uma candidatura à abertura de um Centro Novas Oportunidades, estando disponível desde então à implementação de Cursos de Formação em Competências Básicas, Curso de Português para Falantes de Outras Línguas e Formações Modulares Certificadas.

A vasta oferta curricular pretende corresponder às necessidades e focos de interesse dos alunos. Com uma população discente heterogénea, “explicável pelo

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elevado número de alunos oriundos de diferentes grupos étnicos”3, a ESPA sentiu necessidade de alargar a diversidade de oferta aos “projetos integradores e de complemento curricular que visam o sucesso académico e a plena integração do aluno”4.

As preocupações ambientais marcam também o rumo da escola. Preocupada com a conservação dos espaços verdes, a ESPA faz parte do conjunto de escolas piloto na implementação do Projeto de Sustentação Energética. A instalação de painéis solares encontra-se também no horizonte da escola.

De acordo com o novo Projeto Educativo para 2015-2018, no ano letivo de 2014-2015, a ESPA foi frequentada por 1173 alunos. No que diz respeito aos resultados escolares, a taxa de sucesso tem sido inferior à média nacional, registando-se os piores resultados no ensino secundário.

Não disponibilizando o Projeto Educativo 2015-2018 qualquer informação acerca do corpo docente na ESPA podemos apenas afirmar que o corpo docente do agrupamento é composto por 219 professores, 36 dos quais contratados. 86% do total de professores estão integrados nos quadros. Este dado vem comprovar a política de estabilidade do agrupamento.

Quanto ao pessoal não docente, a falta de informação específica acerca da ESPA mantém-se, pelo que, uma vez mais, nos podemos apenas referir ao agrupamento. Este dispõe de 9 Assistentes Técnicas, 69 Assistentes Operacionais e de uma Psicóloga, Técnica do SPO. O número de Assistentes Operacionais a exercer funções nas diversas escolas do agrupamento é insuficiente, o que prejudica o acompanhamento dos alunos. Verifica-se o mesmo problema com as Assistentes Técnicas.

Reestruturada em 2008-2009 pela Parque Escolar, a ESPA conta agora com 9 espaços aptos a receber atividades escolares. As salas de aula encontram-se distribuídas por toda a escola, repartindo-se entre o piso 1 e o piso 2 do Bloco B, Bloco E, Bloco F e Bloco G. A escola conta ainda com uma Biblioteca; uma sala polivalente; um espaço reservado aos Serviços Administrativos; uma sala destinada à

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Projeto Educativo 2011-2014 Escola Secundária Pedro Alexandrino, p. 5 4

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Direção; um CNO; uma sala para funcionamento do Serviço de Psicologia e Orientação; uma sala para os Diretores de Turma; uma sala destinada aos Apoios Educativos; um Gabinete de Apoio e Prevenção; um espaço reservado ao funcionamento da Associação de Estudantes; uma sala reservada ao pessoal não docente; um espaço reservado ao pessoal docente; vários gabinetes de trabalho dos Departamentos Curriculares; as salas do Conselho Pedagógico e Conselho Geral; laboratórios; salas TIC; salas destinadas a projetos/clubes; o gabinete do Projeto SEI! Odivelas; uma cafetaria; uma loja escolar; uma Reprografia; um Auditório; um Refeitório e o já referido Pavilhão Gimnodesportivo.

As salas de aulas estão, tal como os edifícios na sua generalidade, em excelentes condições; munidas de computador, internet e projetores, reúnem todas os meios tecnológicos necessários para a lecionação. Importa apenas referir o tamanho das salas de aula, manifestamente pequenas para a quantidade de alunos. Este problema não me parece, no entanto, ser de ordem arquitetónica, devendo-se, sim, a uma distribuição pouco atenta dos alunos, que levou à sobrelotação de várias turmas. Como tal, a solução para este problema passa por criar turmas mais pequenas ao invés de salas mais espaçosas.

A falta de espaço nas salas de aulas inviabiliza inúmeras estratégias pedagógicas. Muitas vezes, de forma a controlar, não só o comportamento dos alunos, mas também a sua produção, interessa ao professor circular pela sala, como que circundando a turma. Numa sala lotada, o espaço traseiro e lateral (ou seja, o espaço entre os alunos sentados no fundo da sala e a parede e o espaço entre os alunos nas laterais e a parede) não é suficiente para permitir a circulação do professor. Há que destacar ainda, que a proximidade física entre os alunos, resultante da falta de espaço, conduz à indisciplina, assim como a comportamentos desaconselhados durante os testes.

A Biblioteca, sendo um espaço amplo e com muita luz, reúne as condições ideias para o estudo individual dos alunos. Neste espaço os alunos dispõem de computadores com internet, de mesas e do auxílio de uma funcionária. Repleta de cores e de cartazes com figuras da literatura e da história, a decoração da Biblioteca é convidativa e motivadora.

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Uma pesquisa atenta na secção destinada aos livros de e sobre filosofia revela, no entanto, um problema. Nenhuma das obras abordadas no subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade, sobre o qual incide este relatório, se encontra presente. A ausência de obras de Aristóteles, Thomas Hobbes, John Rawls e Robert Nozick representa uma fragilidade na organização da secção de filosofia. No que diz respeito a este subponto, a única obra disponível cuja consulta pode ter algum interesse é a Carta sobre a Tolerância, de John Locke5. Desta forma, podemos afirmar que as obras previstas pelas orientações6, e replicadas na letra dos manuais, não se encontram disponíveis para o uso individual dos alunos. Neste ponto, a Biblioteca falha em prestar o auxílio necessário aos alunos7.

1.2. As turmas

As aulas que servem de base a este relatório decorreram na Escola Secundária Pedro Alexandrino, na Escola Secundária Doutor Azevedo Neves (Alto da Damaia) e na Escola Secundária Eça de Queirós (Olivais Sul). Trabalhei em cada uma destas escolas com uma turma.

1.2.1. 10.º SE (ESPA – 2015/2016)

Começarei pelo 10.º SE (2015/2016) da ESPA, a minha escola de acolhimento. Trabalhei com o 10.º SE (ESPA – 2015/2016) continuamente de novembro de 2015 a março de 2016. Esta foi a turma que durante mais tempo me

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Esta é, aliás, a única obra de Locke presente na Biblioteca. 6

Cf. Orientações para a Leccionação do Programa de Filosofia 10.º e 11.º anos, 2005, p. 6 7

Este problema põe também a descoberto um retrocesso na evolução dos Programas. Ao contrário do que se verificava nos Programas de 1948 e 1992, o atual programa não salvaguarda nas suas linhas uma gestão adequada, no que à Filosofia diz respeito, da Biblioteca. O Programa de 1948 pressupõe que as obras abordadas no decorrer das aulas estão presentes na Biblioteca da escola. O mesmo programa prescreve aos professores a sua utilização junto dos alunos, aludindo à ideia, que me parece correta, de que o uso das obras originais permite um maior aprofundamento do que os excertos presentes nos manuais, funcionando ainda como catalisador para a leitura integral das mesmas: “Vale por isso a pena mandar vir da biblioteca do liceu os livros que o comentário ou a exposição do professor chamou a terreiro, atingindo assim porventura maior intensidade que qualquer leitura ou qualquer anotação fixada no compêndio.” Programa de Filosofia de 1948 in Ensino Público da Filosofia: Perspectivas Programáticas e Ideológicas, p. 200

O Programa de 1992 sugere a “organização de uma biblioteca de filosofia”. Esta tarefa, a realizar em conjunto com os alunos, teria como prioridade reunir as principais obras visadas nas aulas. Servia também para ensinar os alunos a utilizar a biblioteca (“E, uma vez que o trabalho do professor impõe actividades preparatórias e complementares da docência, disponibilizadoras dos meios para a construção do processo de ensino-aprendizagem da Filosofia, a gestão concentrada de recursos, (…) a colaboração em tarefas como a organização de uma biblioteca de filosofia, (…).”) Ibid., Programa de Filosofia de 1992, pp. 272-273.

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acolheu. Foi também junto desta turma que pela primeira vez lecionei o subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade do Programa. A sua forma de pensar e as suas inclinações, sobre as quais nos debruçaremos mais adiante, foram determinantes para a identificação do problema que este relatório pretende tratar.

A minha descrição do 10.º SE (ESPA – 2015/2016) baseia-se tanto na observação direta como em informações partilhadas pela professora cooperante. As trocas de ideias que presenciei nas reuniões de professores8 contribuíram também para a descrição que de seguida apresentarei, permitindo-me formar uma opinião mais alargada, não apenas centrada nas aulas de filosofia.

O 10.º SE (ESPA – 2015/2016) era composto por 27 alunos com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos. Dos 27 alunos apenas uma aluna era repetente e um aluno tinha necessidades especiais. Em termos culturais, o 10.º SE (ESPA – 2015/2016) caracterizava-se pela sua heterogeneidade. Contando com três alunos estrangeiros (provenientes de Angola, Brasil e Índia) e vários portugueses de primeira ou segunda geração oriundos, sobretudo, dos PALOP, o 10.º SE (ESPA – 2015/2016) era um excelente exemplo da multiculturalidade que cada vez mais marca o ensino português.

A heterogeneidade desta turma não consistia apenas na sua multiculturalidade mas também nas diferentes posturas dos alunos. De alunos interessados a alunos desinteressados e de alunos disciplinados a alunos indisciplinados, as diferenças de atitude entre os alunos foram sempre bem claras.

Os alunos indisciplinados, pelo simples facto de quebrarem as regras, têm uma presença incontornável. São estes os que mais influenciam o ambiente da aula e, muitas vezes, o comportamento dos seus pares. Ao contrário dos que exibem um comportamento indisciplinado, os alunos disciplinados comportam-se de uma forma expectável. O seu contributo é indispensável ao funcionamento da aula, pois garante a norma e, algumas vezes, a excelência.

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A professora cooperante convidou-me a estar presente nas reuniões de professores no final do 1.º e 2.º períodos.

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No geral, o 10.º SE (ESPA – 2015/2016) denotava alguns problemas de disciplina. O comportamento global da turma foi avaliado pela totalidade dos seus professores, na reunião de professores do final do 2º período, com um não satisfaz. Ficou ainda escrito em ata que “os alunos são muito conversadores e agitados”. Nas aulas de filosofia o principal problema foi sempre a insistência de alguns alunos em conversar com os colegas adjacentes. Os telemóveis foram também motivo de diversas distrações. Porém, há que dizer que, apesar de nem sempre os alunos reagirem à primeira reprimenda, nem por vezes à segunda e à terceira, quando o tom se tornava mais sério eles, por norma, corrigiam o seu comportamento.

Seria injusto terminar esta descrição sem antes mencionar o que de muito bom esta turma tinha. A boa disposição e o divertimento nunca faltaram. O entusiasmo, por vezes desregrado, nas discussões conjuntas e nos trabalhos de grupo também não faltou. Ainda que não todos, muitos alunos demonstraram uma postura proactiva e interessada no decorrer dos dois primeiros períodos. Cooperativos, realizaram sempre as tarefas propostas em aula. Aquando da realização de trabalhos de grupo demonstraram muitas vezes um bom domínio científico, assim como alguma criatividade. Alguns alunos evidenciaram ainda um grau de maturidade para lá do expectável.

De resto, pode dizer-se que a maioria dos alunos preferia expor as suas dúvidas em privado, em vez de diante da turma, mostrando-se, assim, tímidos a este respeito. Tendencialmente, os alunos mais interessados, faziam perguntas no final da aula, quando os restantes colegas já haviam deixado a sala. Importa ainda referir que o 10.º SE (ESPA – 2015/2016) se aplicou mais no 2.º período do que no 1.º, tendo subido a média de 10, 7 para 12, 4.

1.2.2. 10.º LH (ESAN – 2015/2016)

A minha descrição do 10.º LH (ESAN – 2015/2016) baseia-se tanto em dados recolhidos a partir da observação direta dos alunos, quanto em informações partilhadas pela professora cooperante encarregada desta turma.

Na Escola Secundária Dr. Azevedo Neves trabalhei com o 10.º LH (ESAN – 2015/2016). A minha estadia junto destes alunos aconteceu no início do terceiro

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período altura em que a turma, por motivos diversos, já havia perdido a maioria dos seus alunos. O 10.º LH (ESAN – 2015/2016) que conheci contava apenas com oito alunos, dois dos quais com necessidades especiais. Com idades compreendidas entre os quinze e os dezassete anos, estes alunos, apesar de serem poucos, formavam um conjunto culturalmente heterogéneo. Maioritariamente oriundos dos PALOP, alguns dos alunos evidenciavam dificuldades com a língua portuguesa.

Aparentemente atentos, estes alunos pecavam pelo silêncio. Não falavam entre eles; não brincavam; não procuravam chamar à atenção. O silêncio dentro da sala de aula, ainda que propício à docência, era em tudo estranho. Os alunos pareciam desanimados, tristes. Infelizmente, o silêncio deles estendia-se à participação, quase nula. Quando interpolados revelavam dificuldades na compreensão da matéria. Nunca colocavam questões e fazê-los falar era uma tarefa árdua. Apesar de disciplinarmente exemplares estes alunos evidenciavam, na sua maioria, desinteresse pela matéria.

1.2.3. 10.º SE (ESEQ – 2015/2016)

A minha descrição do 10.º SE (ESEQ – 2015/2016) baseia-se tanto em dados recolhidos a partir da observação direta dos alunos, quanto em informações partilhadas pela professora cooperante encarregada desta turma.

O 10.º SE da Escola Secundária Eça de Queirós, no ano letivo de 2015/2016, contou com 32 alunos. Com idades entre os quinze e os dezasseis anos, estes alunos formavam um conjunto homogéneo. A imaturidade etária da generalidade dos alunos era conducente a alguns problemas disciplinares. Embora fossem muito agitados, chegando mesmo a ser desordeiros, estes alunos eram muito perspicazes e rápidos na absorção da matéria. As perguntas que colocavam eram pertinentes e interessantes. As discussões conjuntas foram muito proveitosas com os alunos a recorrer imenso à sua experiência pessoal e integrando-a em perfeita harmonia com os conteúdos lecionados.

As descrições do 10.º LH (ESAN – 201572016) e do 10.º SE (ESEQ – 2015/2016) ao contrário da descrição do 10.º SE (ESPA 2015/2016) pecam por

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escassez. Infelizmente esta foi toda a informação que consegui recolher na minha breve passagem por estas escolas.

1.3. As aulas

A primeira dificuldade que tem a vencer o professor desta disciplina resulta da má vontade dos alunos por que a reputam desprovida de todo o valor utilitário. 9

- Programa de Filosofia de 1931

As aulas que servem de base a esta investigação foram lecionadas às três turmas em cima descritas. Ao 10. º SE (ESPA – 2015/2016) foi lecionada toda a matéria do subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade, acrescida de um conjunto de três aulas acerca do conceito de comunidade. Estas três aulas pretendiam testar a aplicabilidade da sugestão desenvolvida na segunda parte do relatório; os seus resultados serão mais adiante discutidos. Na ESAN, devido a restrições de tempo, foram apenas apresentadas as teorias de Thomas Hobbes e de John Locke. Na ESEQ, pelo mesmo motivo, foi apenas apresentada a teoria de John Rawls. As aulas na ESAN e na ESEQ são posteriores às aulas lecionadas na ESPA e, por isso, encontram-se melhoradas. A minha experiência prévia na ESPA permitiu-me identificar algumas lacunas e inconsistências na preparação das aulas, que me levaram a ser mais criativo na escolha dos materiais disponibilizados aos alunos e mais intuitivo na abordagem aos conteúdos. Aquando da apresentação das aulas lecionadas na ESAN e na ESEQ destacarei as melhorias efetuadas que também serão visíveis nos próprios roteiros e slides de aula em anexo.

1.3.1. Objetivos Gerais

Começarei por apresentar os objetivos gerais que serviram de base, não só às aulas que constituem objeto deste relatório, mas também a todas as outras aulas que lecionei no decorrer do estágio. Estes objetivos não têm qualquer ligação à matéria lecionada e estão além da especificidade de qualquer tema. Através deles, pretendo mostrar a forma como concebo o ensino da filosofia no secundário.

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No conjunto de aulas que mais adiante justificarei pedagogicamente optei sempre por um método expositivo dialogante. Através deste método dialético procurei manter a turma sempre em atividade. Procurei igualmente fazer, sempre que possível, com que os alunos chegassem “sozinhos” aos resultados pretendidos. De forma a suscitar o seu interesse em participar, recorri regularmente a exemplos do seu quotidiano. A experiência pessoal dos alunos é um recurso, a meu ver, imprescindível para a docência. Importa “apelar às vivências dos alunos de modo a que sejam criticamente assumidas”10. Se atentarmos nos Programas de Filosofia que antecedem o atual reparamos que é prescrita uma especial atenção à integração das vivências dos alunos na abordagem filosófica levada a cabo pelo professor. No Programa de 1948 é-nos descrita “a vantagem que há em recorrer à experiência pessoal dos alunos (…)”11. No Programa de 1992 é-nos aconselhada a “utilização da experiência vivencial dos alunos, justificada não só porque se considera que as questões filosóficas brotam do próprio chão da realidade vivida, mas também porque muitos dos termos propostos têm uma estreita conexão com o mundo quotidiano (…) E se o recurso à experiência pessoal do aluno, corretamente utilizado, revela potencialidades filosóficas e educativas, o meio pode ser a “aula aberta” que estimula a curiosidade indagadora, o desenvolvimento da inteligência, a abertura de espírito, (…)”12. Integrar, sempre que possível, as vivências dos alunos na abordagem aos conteúdos filosóficos tem como consequência o reforço da consciência crítica dos alunos. Obriga-os a assumir e a rever com rigor as suas posições. Obriga-os também a “desenvolver atitudes de discernimento crítico perante a informação e os saberes transmitidos.”13. O desenvolvimento destas atitudes resulta num “pensamento autónomo e emancipado”14, indispensável para desenvolver um projeto de vida próprio15.

Nas aulas, de forma geral, procurei agir de forma a desmistificar a ideia preconcebida de que algumas das noções lecionadas são inacessíveis ao espírito dos

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Ibid., Programa de Filosofia de 1979-80, p. 215 11

Ibid., Programa de Filosofia de 1948, p. 200 12

Ibid., Programa de Filosofia de 1992, pp. 270-271 13

Almeida, M., Barros, M., Henriques, F., Vicente, J., Programa de Filosofia para o 10.º e 11.º Anos, p. 9

14

Ibid., p. 9 15

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alunos16. Ainda que reconhecendo que certas noções são mais exigentes do que outras, concentrei-me sempre em torna-las acessíveis. O grau de dificuldade dos conteúdos depende em grande parte da forma como é transmitido. Dizer que um tema é difícil para os alunos é o mesmo que dizer que o professor que o transmite não almejou o melhor ângulo para o apresentar. O grau de dificuldade das matérias depende do professor alcançar ou não a melhor formulação; ou seja, depende em larga medida da graciosidade do professor. Claro que os fatores que influenciam o grau de dificuldade de uma certa matéria não se esgotam no docente, é evidente que os discentes têm também alguma responsabilidade. A sua falta de atenção, de dedicação ou mesmo a renitência em participar nas atividades realizadas nas aulas prejudicam a sua compreensão. Porém, num primeiro momento, o professor deve sempre assumir que a culpa é sua e, consequentemente, rever a sua posição.

Como se apresenta na epígrafe desta secção, a maior dificuldade do professor de filosofia é demonstrar a utilidade da disciplina. A meu ver, esta dificuldade encontra-se estreitamente conectada com a necessidade de provar que a filosofia não é apenas um mero exercício formal, mas antes algo real, concreto. É fundamental mostrar aos alunos que a filosofia existe, que as teorias que analisamos nas aulas resultam de problemas reais. Por outras palavras, que a raiz da filosofia é real. Esta preocupação aparece expressa no Programa de 1936: “Não será difícil mostrar aos educandos que o que vão estudar é qualquer cousa que existe, que lhes é inerente e de possível compreensão; a surpresa, nunca o desalento, deve surgir quando o desenrolar do curso mostrar que os problemas estão precisamente onde se julgava existirem factos simples.”17. Apesar de não achar que “não será difícil”, como os autores deste programa, também eu estou convicto de que esta tarefa é alcançável. A esta junta-se uma outra, que consiste em mostrar aos alunos a atualidade de algumas teorias filosóficas. Seguindo-se da primeira, esta tarefa é igualmente importante para assegurar o interesse dos alunos pela disciplina visto que, tendencialmente, por vício, os alunos atribuem maior utilidade às coisas mais atuais. O seu interesse deixa-se guiar por modas. Dar conta da atualidade da filosofia não implica, no entanto, que o próprio professor tenha de seguir as modas de forma a gratuitamente cativar os alunos. Fazê-lo levaria à banalização da filosofia. O professor deve, portanto, ser

16

Cf. Programa de Filosofia de 1931 in Ensino Público da Filosofia: Perspectivas Programáticas e Ideológicas, p. 190

17

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cuidadoso quando abordar questões contemporâneas, nunca perdendo de vista a tradição filosófica.

No parágrafo anterior recorri ao termo mostrar para clarificar o carácter da tarefa proposta. Aquilo que é mostra-se. Nas aulas utilizei sempre o termo mostrar em vez de ensinar. A expressão “Vou mostrar-vos” foi, a par da pergunta “Porquê?”, proferida inúmeras vezes. A primeira para dar conta aos alunos de que os vou fazer ver uma coisa, coisa essa que existe e que apesar de já estar presente eles ainda não conseguem ver; a segunda para lhes exigir que me façam ver algo, que me mostrem algo que da minha posição não é ainda possível ver, um motivo, um desejo ou um argumento. Este método acentua a utilidade da filosofia.

Ensinar os alunos a ler um texto filosófico foi outro dos objetivos perseguidos nas aulas. Ainda que não haja uma forma de ler textos filosóficos, há formas de ler que impossibilitam, ou pelo menos dificultam, a sua compreensão. Em sentido inverso, podemos afirmar que existem certos hábitos de leitura que facilitam a compreensão de qualquer texto. Sublinhar as frases que consideramos mais importantes; circundar os termos ou conceitos nucleares do texto; assinalar a repetição de expressões ou conceitos; tomar nota das ideias que nos ocorrem no espaço adjacente ao texto, são apenas algumas das técnicas que podem ser utilizadas. É também fundamental que os alunos se habituem a “analisar a estrutura lógico-argumentativa de um texto, pesquisando os argumentos, dando conta do percurso argumentativo, explorando possíveis objecções e refutações.”18.

Procurei ainda, alertar os alunos para a existência de um vocabulário especializado da filosofia. Cada filósofo tem o seu jargão. O mesmo vocábulo pode, para filósofos diferentes, ter significados diferentes. Muitas vezes, um termo desempenha uma função dentro de um sistema e, por isso, adquire características inerentes a esse sistema. Muda-se o sistema, muda-se o significado. As diferenças de significado têm também muitas vezes que ver com diferentes períodos. Para que os alunos possam tratar os autores estudados com rigor e cientificidade é fundamental que adquiram o vocabulário que possibilita um tal trato. É também crucial que os alunos se habituem a memorizar os principais conceitos dos sistemas filosóficos com que são confrontados.

18

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1.3.2. Estratégias e recursos

(…) privilegiando uma lógica da aprendizagem relativamente a uma lógica de ensino.19 - Programa de Filosofia 2001

A escolha das estratégias e dos recursos visa uma relação meio-fim. Esta escolha é em tudo semelhante à escolha de alguém que pretende fazer algo e que para tal tem de eleger uma ferramenta e uma forma de a utilizar. As estratégias e os recursos visam a melhor transmissão de um certo conteúdo. A relação entre ambas é evidente; certos recursos possibilitam/impossibilitam certas estratégias e certas estratégias pedem certos recursos. A racionalidade prática subjacente a esta escolha depende do conteúdo que pretendemos transmitir e dos alunos que temos diante de nós. As características da matéria e, sobretudo, dos alunos são o fator que mais deve pesar na nossa escolha.

Assumindo que a filosofia se constrói sobre a sua tradição textual, podemos afirmar que a mesma depende do encadeamento de ideias. De forma a que os alunos pudessem desenvolver um raciocínio articulado, indispensável para uma vivência crítica e aberta, decidi eleger como método regulador o princípio da progressividade das aprendizagens sugerido no Programa. Este princípio não só facilita a compreensão dos conteúdos como reforça a importância do encadeamento de ideias.

A prioridade atribuída à progressividade das aprendizagens fez com que os avanços na matéria dependessem sempre da compreensão dos conteúdos prévios. Esta progressividade foi aplicada ao ensino de teorias onde a ordem sequencial dos diferentes componentes influenciava a compreensão do todo, tornando-se assim imperativo definir precedências. A progressividade foi também tida em conta na eleição das atividades a desenvolver.

Este método fez com que as aulas começassem sempre, salvo raras exceções em que transitávamos de unidade, com uma breve revisão da aula anterior. “Relembrem-me lá…” foi muitas vezes a expressão eleita para começar a aula. A partir dos contributos dos alunos construía progressivamente a nova aula.

19

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O contributo dos alunos foi sempre altamente valorizado. Várias das estratégias utilizadas partem ou procuram promover a participação espontânea dos alunos. Apesar de esta ser fundamental, há que não esquecer a participação solicitada, que cumpre uma função igualmente importante. A participação solicitada serve muitas vezes de corretivo. Solicitar aos alunos distraídos que participem é uma forma de repreensão. Importa também impelir os alunos mais tímidos a participar visto não terem o ímpeto para o fazer voluntariamente. A participação solicitada serve ainda, de forma geral, para ajudar os alunos a desenvolver a sua capacidade de resposta sob pressão. Ao contrário da participação espontânea, a participação solicitada garante ao professor uma rotatividade nas respostas que é essencial para o desenvolvimento da aula, não só por garantir uma maior variedade opinativa e, por isso, um âmbito de resposta mais alargado, mas também por garantir que todos terão a oportunidade de contribuir para a aula. A exposição oral é um aspeto muito importante da formação dos alunos que não deve ser descurado.

Uma das estratégias mais utilizada nas aulas foi o recurso a exemplos. Como havia dito aquando da explicitação dos objetivos de aprendizagem, tentei sempre através dos exemplos aludir à experiência dos alunos, dando-lhes, desta forma, conta da condição real da filosofia e incitando-os a participar. Optei sempre por exemplos abertos, semelhantes a casos hipotéticos. Ou seja, em vez de usar expressões como “como por exemplo”, remetendo para um caso em particular, recorri antes a expressões como “vamos imaginar que…” ou “ e se…”, de forma a que os alunos pudessem contribuir para a elaboração dos exemplos.

O poder imaginativo dos alunos, característico da sua idade, e o seu entusiasmo por este tipo de casos fizeram com que esta estratégia fosse recorrentemente utilizada. Penso que o apelo destes cenários hipotéticos se deve ao facto de existir entre os alunos um certo receio de sistematizar ideias. Se dermos aos alunos a falsa ideia de que estamos apenas a falar de uma hipótese e de que, por isso, podem participar sem qualquer compromisso, muitos sentem-se mais desinibidos, não só ao nível da participação, como também do pensamento. Neste tipo de exercício imaginativo os alunos não se coibiam de ser críticos, o que infelizmente não acontecia tanto quando falávamos mais concretamente de teorias filosóficas. Inconscientemente, os alunos iam-se familiarizando com a matéria, o que facilitava a sua compreensão. Reparei também que os alunos não se apegavam tanto às minhas

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formulações ou mesmo ao manual. Muitas vezes os alunos têm intuições fortes e corretas acerca dos conteúdos lecionados, mas por sentirem que não são capazes de se expressar numa linguagem semelhante à do manual ou do professor coíbem-se de expressá-las. No entanto, neste tipo de exercícios há alguns cuidados a ter. No final da conversa com os alunos é fundamental contextualizar os seus contributos, ou seja, mostrar-lhes as ligações entre o que disseram e a matéria. É também importante saber gerir a conversa e intervir nos momentos certos, evitando dessa maneira que a conversa se torne banal, inapropriada ou simplesmente descontextualizada. Esta estratégia não se aplica a todas as temáticas previstas pelo Programa. A Lógica é um exemplo claro da inadequação desta estratégia, pois exige um rigor que este tipo de exercício não permite.

A imaginação foi também crucial na gestão dos exercícios escritos. Alertado pela professora cooperante para o risco de utilizar em demasia o manual, tive o cuidado de neste conjunto de aulas alternar entre exercícios do manual e exercícios concebidos por mim. A principal vantagem de concebermos os nossos próprios exercícios é garantir a sua absoluta adequação, não só no que respeita aos conteúdos, mas também à sua exigência. Além disso, existe uma vantagem ao nível da gestão temporal, pois temos uma noção mais precisa do tempo que o exercício requer.

A gestão do tempo representa uma das maiores dificuldades na planificação de uma aula. Existe uma grande quantidade de incógnitas que podem atrasar o desenvolvimento de uma aula. Por este motivo, não estaremos errados se afirmarmos que as estratégias dependem do tempo e de que muitas vezes nos vimos obrigados a optar por estratégias alternativas de forma a inverter esta dificuldade programática. O Programa sugere catorze aulas de noventa minutos para a terceira parte – Dimensões da acção humana e dos valores – do segundo módulo – A acção humana e os valores –, o que deixa entre três a quatro aulas de noventa minutos para a seção 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade. Duzentos e setenta a trezentos e sessenta minutos de aula é manifestamente pouco tempo para apresentar e comparar as teorias de Hobbes e Locke e de Rawls e Nozick. Dada a natureza do meu projeto, a professora cooperante concedeu-me o dobro do tempo previsto mais um conjunto de três aulas nas quais pude falar do conceito de comunidade.

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Não obstante as dificuldades de tempo, optei por realizar com os alunos um trabalho de grupo. Habitualmente, os trabalhos de grupo implicam alguma confusão e consequente perda de tempo. Até os grupos se estabelecerem, se sentarem em conjunto e começarem a realizar a tarefa requerida passam sempre, inevitavelmente, alguns minutos. A opção de realizar um trabalho de grupo deveu-se à natureza do próprio tema. Ou seja, uma vez que falávamos de contratualismo, igualdade e comunidade, pareceu-me benéfico dar aos alunos a oportunidade de, num ambiente controlado, realizarem uma tarefa conjunta que implicava agirem de acordo com os valores que discutiam. O trabalho de grupo encontrava-se dividido em três partes, cada uma correspondente a uma competência discursiva que pretendia que os alunos desenvolvessem.

Inicialmente tinham de discutir o tema entre eles e chegar, apesar das opiniões individuais, a uma opinião conjunta. Este primeiro momento promovia o desenvolvimento da capacidade de persuasão dos alunos e a sua abertura às posições alheias.

Depois, num segundo momento, tinham de escrever as suas respostas numa folha de cartolina. Este momento visava testar a capacidade organizativa dos alunos, obrigando-os a ordenar graficamente uma ideia de forma a facilitar a sua compreensão por terceiros. Ou seja, pretendia-se que os alunos se confrontassem com as dificuldades características de expor algo. Os alunos podiam optar por escrever a sua resposta por extenso, o que ex post facto se confirmou, ou apresentar a sua resposta de uma outra maneira, através de um esquema ou por tópicos, por exemplo. Esta fase do exercício pretendia ainda promover o desenvolvimento da expressão escrita.

Por fim, os alunos tinham de apresentar oralmente a sua resposta a partir do cartaz. No decorrer da apresentação era suposto os colegas dos diferentes grupos apresentarem objeções e fazerem perguntas. Ou seja, era suposto os alunos assumirem uma posição pessoal em relação às teses e aos argumentos apresentados. Este momento pretendia promover o aperfeiçoamento da expressão oral dos alunos, assim como da sua capacidade de argumentação. Pretendia ainda desenvolver práticas de intervenção num debate, levando os alunos a aprender “a apresentar de forma metódica e compreensível as ideias próprias ou os resultados de consultas ou

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notas de leitura.”20. Através deste exercício, os alunos puderam aprender, ao nível das atitudes e dos valores, a “assumir as posições pessoais, com convicção e tolerância, rompendo com a indiferença.”21.

Optei também, como estratégia, por explicar sempre aos alunos por que motivo realizávamos aqueles exercícios e não outros. Fi-lo por diversos motivos. Primeiro, por achar que é desmotivante realizar uma tarefa quando se desconhece o seu propósito. Segundo, por achar que os alunos presam transparência e honestidade, e por achar que um professor deve sempre exibir estes valores. Terceiro, e último, porque esta estratégia me permitia consciencializar a turma para as suas próprias fragilidades, já que o motivo de realizarmos um determinado exercício está muitas vezes relacionado com uma insuficiência que os alunos exibem.

Abordar as fragilidades dos alunos da perspetiva de quem está a fazer algo para as contrariar parece-me o cenário mais motivante, na medida em que dá a sensação, verdadeira, de que aquelas fragilidades são ultrapassáveis. Quando existiam fragilidades gerais, como a dificuldade dos alunos em responder a questões abertas, confrontei-os diretamente como um todo. Mostrar à turma que tem uma fragilidade e um interesse em comum (nomeadamente o de suprimir essa fragilidade), ajuda a motivar os alunos e a desenvolver entre eles um espírito de entreajuda. Esta estratégia faz com que os alunos recebam um feedback constante, fundamental para a avaliação formativa. Fui também sempre claro quanto à urgência em superar as fragilidades identificadas. Expliquei sempre aos alunos que o tempo de corrigir as fragilidades era agora e não depois. A meu ver, esta estratégia fez com que a turma confiasse mais em mim e fê-los também sentir mais motivados para melhorar.

Numa extensão deste ato de transparência, fui também sempre claro quanto às minhas expetativas e critérios de avaliação. Para tal, é necessário que o professor dê conta, sempre que possível, da forma como concebe as aulas e também da forma como perceciona o desempenho dos alunos.

A variedade de recursos prevista na secção 4. Metodologia: princípios, sugestões e recursos do Programa foi também contemplada na preparação das aulas

20

Ibid., p. 10 21

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que mais adiante justificarei22. De textos filosóficos a artigos de jornal, de ilustrações a excertos de intervenções políticas, foram vários os recursos selecionados. Ainda que a exposição oral tenha sido o principal recurso, o quadro e o computador foram também frequentemente utilizados. A variedade de recursos é muito importante para manter os alunos motivados e concentrados. Os diferentes recursos implicam tanto estratégias, como atitudes e reações diferentes. Saber geri-los é essencial para o desenvolvimento da aula. Cada recurso projeta um momento diferente, com um caráter diferente.

O uso do quadro, tal como a exposição oral, tem de ser cuidadosamente gerido. Utilizar o quadro implica uma série de riscos. Talvez pelo grau de exposição, os alunos não só gostam de ir ao quadro como ficam agitados quando o fazem. A um contributo de um aluno no quadro seguem-se sempre, por exemplo, algumas piadas acerca da sua caligrafia. Quando é o professor a escrever no quadro os riscos são outros. Por estar de costas, ou na melhor das hipóteses de lado, a inquietação e a conversa entre os alunos sobem de tom. Como tal, e para que o uso do quadro não se transforme num problema disciplinar, o professor deve saber exatamente o que pretende escrever e fazê-lo com brevidade. O professor deve também ser cuidadoso com a arrumação do quadro. Uma exposição confusa ou menos precisa pode condicionar o entendimento dos alunos. O uso de slides permite contornar esta dificuldade. Dado o tempo de preparação e a ausência de qualquer obstáculo (falta de tinta no marcador, limitações espaciais do quadro, espaço envolvente ao quadro, etc.) torna-se mais fácil expor a matéria de forma elegante e facilitadora num slide do que no quadro. O uso de slides torna ainda a exposição mais célere, dado que não é preciso contabilizar o tempo perdido a escrever, que muitas vezes gera impaciência nos alunos.

Procurei recorrer a estratégias que fossem ao encontro dos princípios metodológicos sugeridos no Programa23. Como tal, a planificação do conjunto de aulas que mais adiante apresentarei tem em conta a progressividade das competências a desenvolver, a individualidade de cada aluno e os diferentes estilos de aprendizagem próprios de cada um. A adequação das estratégias aos conteúdos fez com que a diferenciação de estratégias fosse respeitada. Com a variedade de

22

Cf. Ibid., p. 17-19 23

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estratégias veio também a variedade de recursos. Foram mobilizados os recursos mais adequados às competências que pretendia estimular. Procurei, sobretudo, que houvesse articulação entre objetivos, conteúdos, competências, atividades, recursos e avaliação.

1.3.3. Conteúdos científicos

Nesta secção farei um enquadramento teórico dos temas abordados no conjunto de aulas que servem de base a este relatório. Começarei por apresentar a teoria naturalista de Aristóteles acerca da conceção do Estado. Para o filósofo grego, a formação do Estado por parte dos seres humanos é a única maneira destes cumprirem o destino que a sua própria natureza lhes coloca. Realizar a sua própria natureza é, segundo Aristóteles, a única forma de alcançar a felicidade. Tendo em conta a definição aristotélica de acordo com a qual o homem é um animal racional, o destino último do homem é o desenvolvimento da sua razão: ou seja, o fim que move os homens é o desejo de ver a sua racionalidade aperfeiçoada. Este fim, por sua vez, só se torna possível quando os homens se juntam. Aristóteles diz-nos que é apenas na polis que o ser humano se pode realizar e, consequentemente, que os homens só podem ser felizes na polis, em conjunto.

Assim, a associação de homens que leva a uma sociedade política acontece, segundo Aristóteles, de forma natural. Sendo a vida conjunta a melhor vida possível, os indivíduos acabam por, inevitavelmente, organizar a sua vida em sociedade. O ímpeto para se agruparem está bem presente nos cidadãos, uma vez que, salvo raras exceções, todos crescem em comunidade, nomeadamente no seio de uma família que é, para Aristóteles, a forma mais básica de comunidade. Sendo a mais básica, mas não a única forma de comunidade, as diferentes famílias acabam por se agrupar, formando aldeias. Num terceiro momento, depois de consolidadas as relações que levaram ao aparecimento de diferentes aldeias, estas juntam-se, formando então cidades-estado.

Como animais políticos, os seres humanos sentem a necessidade de se juntar aos seus pares. As relações familiares não são suficientes para satisfazer a realização do homem, sendo, por esse motivo, as diferentes famílias obrigadas a associarem-se entre si. Porém, nem mesmo as aldeias são capazes de assegurar a realização de tal

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destino. Tanto as famílias, como as aldeias, servem apenas para assegurar a existência biológica dos indivíduos que delas fazem parte. É na polis, mediante a responsabilidade que advém das suas escolhas, que o homem se realiza. Na polis, o homem é obrigado a raciocinar, a recorrer ao discurso para se fazer entender, a preocupar-se não apenas consigo, mas também com os outros, e a deliberar, não apenas acerca do seu próprio destino, mas acerca do destino conjunto da comunidade. É a vida na polis, e apenas a vida na polis, que leva ao desenvolvimento das capacidades racionais do homem, e, consequentemente, ao seu fim último: a felicidade.

Olhemos agora para a teoria contratualista de Thomas Hobbes. Ao contrário de Aristóteles, Hobbes defende que a formação do Estado se deve a uma construção humana, a um contrato. De forma a justificar o processo que conduz à criação do Estado, Hobbes descreve como seria a vida humana no estado de natureza, ou seja, antes da criação do Estado e consequente poder político.

No estado de natureza hobbesiano impera a lei natural do mais forte. Como tal, ninguém respeita os direitos dos outros. O conflito é constante, pois todos se julgam no direito de reclamar aquilo a que não têm direito. À vida não é dado valor e, estando sempre ameaçada, pode a qualquer momento cessar sem que hajam consequências negativas para quem lhe põe termo. Num cenário como este, diz-nos Hobbes, é impossível viver. Segundo o filósofo inglês, ninguém que seja racional é capaz de viver num lugar onde a continuidade da sua existência não se encontra garantida. O medo faz com que qualquer pessoa numa situação semelhante esteja disposta a quase tudo para a abandonar.

Desta forma, diz-nos Hobbes, os cidadãos aceitam abdicar de todos os seus direitos, pedindo ao Estado, que em troca, lhes garanta apenas a continuidade de suas vidas. Assim, mediante um contrato, todos abdicam dos “direitos” que, obtidos pela força, detinham no estado de natureza, colocando-os nas mãos de um indivíduo (ou de uma assembleia de homens)24. A atribuição de poder a um indivíduo procura

24

“(…) conferir toda a sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir as suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representantes das suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os actos que aquele que representa a sua pessoa praticar ou levar a praticar, (…) Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos

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evitar uma separação de poderes no interior do Estado que, em última instância, poderia levar à sua dissolução. Idealmente, apenas este indivíduo constitui o Estado que, reunindo em si todo o poder, se torna soberano absoluto. Os cidadãos, por sua vez, perdem todo e qualquer direito de interferir na forma como as suas vidas serão conduzidas.

Os cidadãos aceitam a transferência ilimitada dos seus poderes e direitos para o Estado, pois esta é a única forma de excluir a possibilidade de conflitos entre ambos. Um conflito poria em risco tudo o que fora alcançado, podendo representar um regresso ao estado de natureza, e a consequente perda da tão desejada paz e da segurança, às quais é atribuído valor absoluto. Para garantir a paz e a segurança, o Estado compromete-se a realizar qualquer ato. A manutenção da ordem, como única obrigação do Estado, pode ser cumprida de qualquer maneira e recorrendo a qualquer estratégia, exceto a de retirar a vida aos seus cidadãos.

Embora seja também contratualista, o mesmo não acontece na teoria de John Locke. Para Locke, aquando da transição do estado de natureza para o estado político, os indivíduos não perdem os direitos que antes tinham, sendo o Estado forçado a encará-los como limites do seu próprio poder.

O estado de natureza lockeano é em muito diferente do hobbesiano. Não o retratando como uma luta de todos contra todos, Locke acrescenta que no estado de natureza existem direitos naturais, que os indivíduos respeitam. O direito à vida, à liberdade e à propriedade são assim os direitos que garantem alguma estabilidade na ausência de um poder político.

Apesar destes direitos, é necessário instituir um governo que garanta que sempre que alguém os infringir é castigado. Ou seja, é preciso um poder político que interceda a favor daqueles que, por diversos motivos, não são capazes de se defender. Para tal, os indivíduos apenas têm de concordar em renunciar a fazer justiça pelas próprias mãos. Desta forma, o Estado funcionaria apenas como o defensor dos direitos naturais, ficando a sua atividade restrita à punição de infratores.

os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas acções.” Hobbes, T., Leviatã, p. 146

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Avancemos agora alguns séculos até à teoria da justiça de John Rawls. Para Rawls, tanto a liberdade como a igualdade são valores basilares da nossa existência. A melhor forma de os conciliar não é, no entanto, evidente. Apenas mediante a combinação ideal destes dois valores poderemos almejar à construção de uma sociedade justa.

Para que possamos ter uma sociedade justa, temos de garantir a presença de três princípios: o princípio da liberdade, o princípio da igualdade de oportunidades e o princípio da diferença. Será destes três princípios que o conjunto de direitos fundamentais oferecidos aos membros da sociedade justa resultará.

O princípio da liberdade igual diz-nos que todas as liberdades devem ser respeitadas. Nada justifica o sacrifício de uma liberdade individual, nem mesmo a construção da sociedade justa. O Estado deve garantir a todos a mesma liberdade, ou seja, ninguém deve ter mais liberdade do que os outros.

O princípio da igualdade de oportunidades diz-nos que o Estado deve assegurar a todos as mesmas oportunidades. O sucesso de cada um deve depender apenas do seu empenho e não de fatores externos como, por exemplo, a sua condição financeira.

Este princípio, no entanto, está sujeito a uma dificuldade: existem aspetos que inevitavelmente contribuem para criar diferenças, favorecendo alguns em detrimento de outros. O talento natural é um excelente exemplo disso. Em igualdade de circunstâncias, não só é possível, como é provável que dois indivíduos com talentos diferentes obtenham resultados diferentes. A vantagem de um sobre o outro deve-se ao acaso. Para Rawls, o talento natural funciona como uma lotaria, tendo uns mais sorte do que outros. O mesmo acontece, aliás, em muitas outras circunstâncias da vida humana, em que o acaso é decisivo. Rawls fala-nos também, para além da lotaria genética, na lotaria social.

Para que a sorte de uns não seja o azar de outros, Rawls sugere um princípio regulador que faz com que os mais afortunados não sejam os únicos a beneficiar da sua sorte. Para tal, é necessário redistribuir os rendimentos, fazendo com que estes contribuam para uma melhor existência dos menos afortunados.

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O princípio da diferença vem regular e corrigir as desigualdades, defendendo que a riqueza deve ser distribuída de forma desigual desde que essa desigualdade favoreça os menos favorecidos pelas lotarias genética e social. Para nos provar que estes são de facto os princípios de uma sociedade justa, Rawls recorre a uma experiência mental, que apelida de posição original25.

Um dos principais críticos de Rawls é Robert Nozick, que se opõe à ideia de impor limites à desigualdade económica. Para Nozick, uma sociedade que imponha limites à desigualdade económica não pode ser considerada justa. A conceção de justiça apresentada pelo liberalista radical funda-se na defesa da existência de direitos individuais absolutos, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade.

Para Nozick, a distribuição dos benefícios sociais segundo uma regra implicará sempre, por parte do Estado, o uso ilegítimo da força. O Estado deve, segundo o autor, manter-se o mais afastado possível das escolhas individuais dos seus constituintes, isto é, dos cidadãos. Qualquer redistribuição por parte do Estado representa uma violação de um direito absoluto, nomeadamente o direito à propriedade.

Os bens materiais que adquirimos legitimamente26, seja por herança ou por via do nosso trabalho, são nossos por direito e não temos, segundo Nozick, a obrigação de os partilhar com ninguém.

1.3.4. Justificação pedagógica

Começarei por apresentar e justificar pedagogicamente o conjunto de onze aulas de noventa minutos lecionadas na ESPA ao 10º SE (2015/2016). Relativas ao subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade do Programa, estas aulas apresentam partes das teorias de Aristóteles, Hobbes, Locke, Rawls e Nozick. Além das aulas acerca destes

25

“The idea of the original position is to set up a fair procedure so that any principles agreed to will be just. The aim is to use the notion of pure procedural justice as a basis of theory. Somehow we must nullify the effects of specific contingencies which put men at odds and tempt them to exploit social and natural circumstances to their own advantage. Now in order to do this I assume that the parties are situated behind a veil of ignorance. They do not know how the various alternatives will affect their own particular case and they are obliged to evaluate principles solely on the basis of general considerations.” Rawls, J. A Theory of Justice, p. 118

26

“A distribution is just if it arises from another just distribution by legitimate means. (…) Whatever arises from a just situation by just steps is itself just.” Nozick, R., Anarchy, State and Utopia, p. 151

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autores, reservei ainda algum tempo letivo para apresentar e discutir o conceito de comunidade. Nas aulas dedicadas ao conceito de comunidade optei por não apresentar nenhum autor, tendo antes partilhado com os alunos algumas das preocupações comuns aos chamados ‘comunitaristas’. Nestas três aulas, procurei, mais do que dar matéria, trabalhar as intuições dos alunos acerca deste tema que, como já havia notado no decorrer do primeiro e segundo período, eram em muito semelhantes às de alguns autores comunitaristas.

A primeira aula serviu de introdução ao subponto 3.1.4. Ética, direito e política - liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade. Por ser uma aula introdutória optei por estratégias que promovessem maioritariamente o diálogo e a participação dos alunos. De forma a lançar o debate acerca da ideia de Estado optei por inicialmente interpolar alguns alunos até que as participações espontâneas se tornaram maioritárias. A partir desse momento, pedi-lhes que começassem a complementar as suas participações com breves anotações no quadro que sintetizassem a sua posição acerca da ideia de Estado. Com base nas contribuições dos alunos introduzi, num segundo momento, as ideias de lei e punição e coloquei o seguinte problema: Para que exista Estado e para que este subsista, quem obedece deve aceitar a autoridade dos que mandam. Mas por que devemos obedecer? Há uma justificação para isso? Este problema pretendia provocar uma tomada de posição em relação à ideia de Estado como autoridade. Após uma breve discussão conjunta acerca das ideias de autoridade e obediência apresentei a justificação naturalista do Estado conforme concebida por Aristóteles como uma resposta possível para o problema proposto.

Nos últimos quarenta e cinco minutos de aula consolidei a posição aristotélica acerca do Estado. Expliquei que para o filósofo grego o homem é um animal político e que, por isso, a polis é o único lugar onde a condição humana se pode realizar. Por este mesmo motivo a polis é também o único lugar onde o ser humano pode ser feliz. Enquanto explicava a conceção aristotélica de Estado fui apelando à experiência dos alunos, pedindo-lhes que imaginassem como seria a sua vida fora de uma organização social. Por fim, apresentei aos alunos um excerto da Política de Aristóteles presente na página 142 do manual Filosofia 10º ano. A partir deste excerto introduzi a ideia de vida boa e revi a ideia de felicidade enquanto desenvolvimento das capacidades racionais do homem.

Referências

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