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Contributo para uma tipologia de concepções de ensino de física

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Departamento de Educação da Faculdade de Ciências Universidade de Lisboa

CONTRIBUTO PARA UMA TIPOLOGIA

DE CONCEPÇÕES DE ENSINO DE FÍSICA

Ana Maria V. L. Martins da Silva Freire

B I B L I O T E C A

de Qê«ci« áe L b S M E S T R A D O E M E D U C A Ç Ã O

1991

(2)

RESUMO

Identificar e comparar as concepções de ensino de professores de Física e Química do 3® ciclo do ensino básico constituiu o objectivo deste trabalho. Seleccionou-se um conjunto de professores de forma a permitir uma diversidade de formação científica e pedagógica e de experiência profissional. Pretendeu-se levar esses professores a reflectir sobre relatos fictícios de aulas de Física para alunos do 8® ano, representando diferentes perspectivas de transformação do currículo formal em currículo de ensino. Esses relatos constituem ocorrências da sua vida profissional e por essa razão a entrevista foi designada entrevista sobre ocorrências. Este modelo de entrevista revelou-se como metologia que possibilita também a intervenção na formação de professores.

A análise das respostas dadas permitiu a identificação de diferentes concepções de ensino que incluem as seguintes componentes:

i) os alunos e o seu papel na aprendizagem, ii) o professor e o seu papel no ensino,

iii) a disciplina científica de ensino — Física — e os aspectos relevantes do seu ensino (os conceitos e generalizações, os processos científicos, as aplicações e as imphcações sociais), e

iv) o contexto do ensino englobando o programa oficial, a natureza das turmas e ds condicionalismos das escolas.

A entrevista sobre ocorrências mostrou-se uma técnica poderosa para a identificação das concepções de ensino, pois, através dela foi possível fazer uma radiografia profissional dos sujeitos entrevistados. O processo analítico-sintético no sentido de uma maior abstracção possibilitou a comparação entre concepções de ensino e o esboçar de uma tipologia. Identificaram-se quatro tipos de concepções de ensino: tradicional, experimentalista, pragmático e social.

Este estudo inclui ainda a estrutura conceptual para a elaboração de um instrumento que permita, em investigações futuras, testar a validade da tipologia de concepções de ensino de Física proposta.

Palavras çhave: desenvolvimento curricular, pensamento dos professores, concepção de ensino das ciências.

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Departamento de Educação da Faculdade de Ciências Universidade de Lisboa

CONTRIBUTO PARA UMA TIPOLOGIA

DE CONCEPÇÕES DE ENSINO DE FÍSICA

Ana Maria V. L. Martins da Silva Freire Licenciada em Química — Ramo Educacional

Universidade de Lisboa

Tese apresentada para obtenção do grau de Mestre em Educação

Metodologia do Ensino das Ciências

Professor Orientador: Professora Maria de Fátima Chorão Sanches

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INDICE

Resumo iii índice vii índice de Tabelas xi

índice de Figuras xiii

CAPÍTULO 1 Introdução 1

1.1. Contexto e.definição do problema 1 1.2. Linhas orientadoras do estudo realizado 5

CAPÍTULO 2 Currículo Formai e Currículo de Ensino 7

2.1.Currículo formal g 2.1.1. Perspectivas teóricas de desenvolvimento curricular 8

2.1.2. Perspectiva histórica sobre a evolução dos currículos de ciências

com ênfase nos currículos de Física 15 2.1.3. As finalidades do ensino das ciências nos anos 80 25

2.2. Currículo de Ensino 31 2.2.1. O conceito de ensino. As componentes do ensino e o seu significado 31

2.2.2. Concepção de ensino de ciências 35

(5)

2.2.3. O papel do professor na transformação do currículo formal em

currículo de ensino 40

CAPÍTULO 3 O Pensamento dos professores como área de investigação 43

3.1. Algumas perspectivas sobre a evolução da investigação no ensino 43 3.1.1. Descrição de estudos realizados na área dos pensamentos dos

professores

3.1.2. O conhecimento profissional dos professores 55 3.1.3. Investigações sobre os processos de pensamento de professores

de ciências no ensino secundário 60 3.2. Descrição de metodologias usadas nesta área 64

CAPÍTULO 4 Metodologia 67

4.1. A entrevista sobre ocorrências 68 4.1.1. Objectivos da entrevista 69 4.1.2. Características da entrevista 69 4.1.3. Fundamentação dos relatos de aulas 70

4.1.4. Protocolo da entrevista 81 4.1.5. Estrutura dos relatos de aulas 87

4.1.6. Validação dos relatos 91 4.1.7. Quadro de categorias para análise das. entrevistas 91

4.1.8. A utilização do esquema de análise 97 4.2. Fases de desenvolvimento do modelo de entrevista 98

4.3. Fundamentos da selecção dos sujeitos intervenientes neste estudo 102

4.4. Fases de aplicação da entrevista sobre ocorrências 108

CAPÍTULO 5 Resultados da Inve^igação e sua Análise 111

5.1. Resultados globais descritos em função dos relatos 111 5.2. Resultados globais referentes à argumentação organizados por

componente da concepção de ensino 118 5.2.1. Natureza da argumentação referente à componente aluno 118

5.2.2. Natureza da argumentação referente à componente professor 129 5.2.3. Natureza da argumentação referente à componente disciplina

(6)

científica de ensino — Física 137 5.2.4. Natureza da argumentação referente à componente contexto

de ensino 153 5.3. Concepções de ensino e sua comparação 161

5.3.1. Identificação da concepção de ensino de um sujeito 162

5.3.2. Comparação entre concepções de ensino 178

CAPÍTULO 6 Discussão e Perspectivas Futuras 187

Referências ^ 197

Anexo I Guião da entrevista 227 Anexo II Argumentos apresentados pelos sujeitos 231

Anexo III Globalidade dos argumentos sustentados pelos sujeitos 255 Anexo IV Concepções de ensino dos sujeitos entrevistados 267

(7)

índice de Tabelas

Tabela 4.1. Estrutura do Relato A "Concepções Alternativas" 88 Tabela 4.2. Estrutura dos Relatos B e F "Ciência, Tecnologia e Sociedade" 89

Tabela 4.3. Estrutura dos Relatos C e G "Processos Científicos" 89 Tabela 4.4. Estrutura do Relato G "Demonstração Experimental" 90

Tabela 4.5. Estrura do Relato E "Perspectiva Histórica" 90 Tabela 4.6. Estrutura do Relato H "Aplicações da Física no Dia a Dia" 90

Tabela 4.7. Frequências Relativas aos Tipos de Formação Científica

dos Sujeitos Entrevistados 105 Tabela 4.8. Frequências Relativas à Natureza da Formação Pedagógica

dos Sujeitos Entrevistados 105 Tabela 4.9. Frequências Relativas aos Anos de Prática Lectiva

dos Sujeitos Entrevistados 106 Tabela 4.10. Frequências Relativas às Idades e Anos de Prática Lectiva

dos Sujeitos Entrevistados 107 Tabela 4.11. Frequências Relativas às Idades e Formação Científica

dos Sujeitos Entrevistados 107 Tabela 5.1. Frequência das Respostas Dadas às Questões Colocadas

para a Totalidade dos Relatos 112 Tabela 5.2. Posicionamento dos Sujeitos Face à Questão: "Pode Constituir

a 1® Aula de Corrente Eléctrica para os alunos do 8*^ ano?" 114 Tabela 5.3. Posicionamento dos Sujeitos Face à Questão: "Costuma Pôr em

Prática Este Tipo de Aula?" 115 Tabela 5.4. Posicionamento dos Sujeitos Face à Questão: "O Professor Descrito

no Relato Está a Ensinar Física?" 116 Tabela 5.5. Síntese dos Argumentos Sobre a Componente Aluno Para a

Globalidade dos Relatos 126 XI

(8)

Tabela 5.6. Síntese dos Argumentos Sobre a Componente Professor

Para a Globalidade dos Relatos 135 Tabela 5.7. Síntese dos Argumentos Sobre a Disciplina Científica de

Ensino — Física, Para a Globalidade dos Relatos 151 Tabela 5.8. Síntese dos Argumentos Referente à Componente Contexto

de Ensino Para a Globalidade dos Relatos 158 Tabela 5.9. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato A 164 Tabela 5.10. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato B 166 Tabela 5.11. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato C 167 Tabela 5.12. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato D 169 Tabela 5.13. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato E 171 Tabela 5.14. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato F 173 Tabela 5.15. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato G 175 Tabela 5.16. Componentes da Concepção de Ensino de P4 Segundo o

Relato H

Tabela 5.17. .Concepção de Ensino do Sujeito P4 178

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índice de Figuras

Figura 5.1. Posição Relativa dos Quatro Sujeitos Face ao Papel do Aluno

na Aprendizagem 181 Figura 5.2. Posição Relativa dos Quatro Sujeitos Face às Finalidades do Ensino 182

Figura 5.3. Posição Relativa dos Quatro Sujeitos Face ao Ensino da Física 183 Figura 5.4. Posição Relativa dos Quatro Sujeitos Face a Factores Contextuais 184

Figura 5.5. Posição Relativa de Quatro Sujeitos Face aos Relatos 185 Figura 6.1. Modelo Representativo das Interligações Entre Concepções de Ensino 191

(10)

CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

1.1. CONTEXTO E DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

Os currículos de ciências têm sofrido grandes alterações nestes últimos 40 anos, como consequência da evolução da ciência e de factores sócio-culturais, políticos e económicos. Essas alterações decorrem também de resultados obtidos no campo da investigação educacional, coexistindo entre os educadores em ciência diferentes pontos de vista quanto ao papel que lhes é atribuído na formação dos alunos. Na realidade, existem perspectivas diversas entre os educadores em ciência, os autores dos currículos e os legisladores e reformadores acerca do significado, na época actual, de uma educação em ciência.

Reconhece-se hoje que o insucesso na implementação dos projectos de desenvolvimento curricular dos anos 60, em diferentes países, com relevo para os EUA, foi devido a incompatibilidades entre os objectivos e actividades propostas e as convicções e concepções de ensino dos professores. Esses projectos tiveram pouco impacto entre os professores, que continuaram a privilegiar práticas tradicionais, contrariando deste modo as ideias inovadoras e as elevadas expectativas dos seus autores e proponentes. Os professores parecem, pois, desempenhar um papel primordial na transformação do currículo formal em práticas lectivas,

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interpretando-o à luz das suas teorias pessoais sobre o ensino.

O sucesso na implementação de práticas inovadoras e de novos programas poderá depender, em grande parte, do valor que os professores atribuírem a essas inovações, do seu sentido de auto-eficácia para ensinar e da natureza da formação recebida. Na realidade, uma formação de professores que vise apenas a competência científica no domínio teórico e que não acautele a sua receptividade à mudança e à inovação, conducente a uma nova praxis educativa e que não induza modificações de atitudes e comportamentos, pode levar ao fracasso de toda uma reforma educativa (Valente, 1988).

Está em curso em Portugal uma reforma curricular e novos programas de ensino estão à disposição dos professores para serem experimentados em turmas piloto. Na fase de discussão pública, que antecedeu a experimentação, foram já notórias, nas opiniões expressas em reuniões de professores, as implicações das suas próprias concepções, contribuindo para modificações das propostas curriculares. Todo o processo de mudança pode ficar comprometido, .. se nesta fase de experimentação curricular as perspectivas individuais dos professores se sobrepuserem às ideias inovadoras expressas nos novos programas.

Em suma, toda a reforma educativa eficaz passará pela capacidade de se desenvolverem mecanismos de mudança, visando uma alteração das práticas dos professores. Contudo, de acordo com a literatura sobre a mudança das práticas dos professores, esta tarefa parece mostrar-se difícil, pois eles têm convicções e concepções de ensino fortemente arreigadas, mostrando-se resistentes às mudanças propostas.

Huberman (1973) defende que uma alteração das práticas lectivas só é possível se elas forem preparadas a partir do conhecimento das concepções de ensino dos professores, das práticas por eles valorizadas e da sua vontade deliberada de mudança. Toma-se por isso

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essencial identificar as concepções de ensino dos professores, pois todos eles participam ""de

facto"* num processo de desenvolvimento curricular, tomando decisões cruciais sobre "o que""

e "o como*" ensinar. Essas decisões, evidenciadas, por exemplo, na escolha de determinadas actividades lectivas, resultam de interpretações do currículo formal as quais derivam das suas convicções e concepções de ensino bem como do seu conhecimento profissional que é essencialmente de cariz pessoal e prático.

Os professores são, de facto, os agentes primordiais no desenvolvimento da sua própria prática, usando um conhecimento especializado nas decisões que guiam as suas acções em situações particulares. Assim, o estudo dos pensamentos dos professores tem-se mostrado crucial para a compreensão do contexto psicológico do ensino, constituindo hoje um campo fértil de investigação educacional (Clark e Peterson, 1986). Neste novo domínio sobressai o estudo dos pensamentos subjacentes às decisões curriculares.

Existem, portanto, razões suficientes para um interesse crescente na caracterização deste

"lado oculto"* do ensino. O enquadramento científico para os estudos no domínio dos

pensamentos dos professores é facilitado, por um lado, pelos novos dados da investigação educacional, que fornecem as bases teóricas e metodológicas para o estudo do modo de pensar e actuar dos professores. Por outro lado, as orientações cognitivas no campo da psicologia e as correntes interpretativas no domínio da sociologia contribuem também, do ponto de vista teórico, para fundamentar as investigações no campo dos pensamentos dos professores.

Compreender os professores, a partir do que eles pensam e das opiniões manifestadas sobre o significado do ensino da Física para todos os alunos de um ciclo terminal da escolaridade obrigatória, constitui um elemento importante a considerar na implementação de novos currículos inseridos numa reforma com perspectivas inovadoras na praxis educativa.

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o conhecimento das concepções de ensino reveste-se, também, de importância para os educadores preocupados com a formação de professores, seja esta uma formação em serviço ou uma formação inicial.

Identificar e comparar as concepções de ensino dos professores de Física e Química constituiu o objectivo do presente trabalho. Mais especificamente, pretendeu-se investigar possíveis diferenças relativamente às seguintes componentes do ensino: i) os alunos e o seu papel na aprendizagem, ii) o professor e o seu papel no ensino, üi)a disciplina científica de ensino — Física — e os aspectos relevantes do seu ensino, e iv) o contexto do ensino englobando o programa oficial, a natureza das turmas e os condicionalismos das escolas. Optou-se por restringir o campo de estudo aos professores de Física e Química do 3® Ciclo do ensino básico, de modo a constituir um grupo mais homogéneo, caracterizado por uma formação científica comum e leccionando as mesmas matérias — Física.

A diversidade, quer na formação científica e pedagógica quer na experiência profissional constituiu um elemento detèrminante na selecção dos sujeitos intervenientes neste estudo.

\

Dada a natureza do objectivo deste trabalho privilegiou-se uma investigação de natureza qualitativa, com entrevistas em profundidade, valorizando-se as interpretações realizadas pelos professores e o significado por eles atribuído às actividades lectivas apresentadas. Esperava-se, portanto, que os dados obtidos permitissem distinguir concepções de ensino, substancialmente diversificadas, talvez mesmo paradigmáticas.

O presente trabalho situa-se, por isso, no contexto das preocupações actuais relacionadas com a implementação da reforma curricular, visando contribuir para um melhor conhecimento das diferenças que possivelmente existem entre os professores de Física e Química.

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1.2. LINHAS ORIENTADORAS DO ESTUDO REALIZADO

O estudo realizado assenta em duas áreas de investigação educacional distintas: uma no âmbito da educação em ciência, com relevo para o campo do desenvolvimento curricular; a outra no âmbito das cognições dos professores, com relevo para as relações entre os pensamentos e as práticas lectivas.

Deste modo, nos capítulos 2 e 3 faz-se uma análise da literatura referente a cada uma destas áreas. Pretende-se salientar, não só o estado actual dos conhecimentos em cada uma delas, mas também os aspectos que mais directamente se prendem com o objectivo deste estudo.

No capítulo 4 descreve-se a metodologia seguida neste trabalho, abordando especialmente os seguintes pontos:

i) A conceptualização do esquema de entrevista, focando os objectivos e as características da entrevista, bem como a fundamentação, a descrição e a estrutura dos relatos de aulas apresentados. Especificam-se também as categorias de análise, assim como o modo de utilização do esquema proposto.

ii) O desenvolvimento do modelo de entrevista. iii) A selecção do grupo de professores a entrevistar. iv) O modo de aplicação da entrevista.

No capítulo 5 descrevem-se os resultados obtidos e faz-se uma análise qualitativa dos mesmos. A análise crítica do processo de entrevista utilizado, o exame da sua coerência e pertinência de forma a assegurar

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i) que não houvesse redundância das respostas

ii) que as questões permitissem categorizações e classificações rápidas dos tipos identificados, e

ii) que a reflexão dos professores se dirigisse a aspectos fundamentais, evitando o acessório

constipem o essencial do capítulo 6. A análise das respostas apresentadas pelos sujeitos, interpretadas à luz da literatura neste domínio, permitiu elaborar uma primeira tentativa de tipologia de concepções de ensino de Física.

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CAPÍTULO 2

CURRÍCULO FORMAL E CURRÍCULO DE ENSINO

Este capítulo está organizado em duas secções distintas. Na primeira secção focam-se os aspectos teóricos no campo do desenvolvimento curricular, que influenciaram a conceptualizaçâo dos relatos de aula e que serviram de base para a realização da entrevista sobre ocorrências. Pretende-se também nesta secção apresentar o contexto histórico no qual evoluiram os currículos de ciências nos últimos 40 anos. Pensa-se que as diferentes perspectivas orientadoras de um currículo formal na área das ciências podem influenciar as interpretações que os professores fazem ao transformar o currículo formal em currículo de ensino. Na segunda secção aborda-se o currículo de ensino dando ênfase às componentes do ensino e ao seu significado. Deflne-se concepção de ensino de ciências e o papel do professor na transformação do currículo formal em currículo de ensino.

Distingue-se, portanto, currículo formal de currículo de ensino e identifica-se o primeiro com o oficialmente aprovado pelas autoridades responsáveis pelo sistema educativo e o segundo com aquele que os professores põem em prática com base em interpretações feitas sobre o currículo oficialmente estabelecido.

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2.1. CURRÍCULO FORMAL

o currículo formal é aqui entendido como um conjunto de planos de aprendizagem sobre determinados assuntos, apresentado sob a forma de documentos de modo a guiar a aprendizagem nas escolas (Glatthom, 1987).

2.L1. PERSPECTIVAS TEÓRICAS DE DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

No século XK o conceito de currículo evoluiu como resultado de mudanças de perspectiva sobre o papel da escola na sociedade, os processos de aprendizagem e a natureza do conhecimento (Tanner e Tanner, 1980).

De acordo com os especialistas de desenvolvimento curricular, a justificação de um currículo assenta em três pilares básicos: os alunos, o conteúdo a ensinar e a sociedade a servir. No entanto, diferentes perspectivas curriculares revelam a influência de factores políticos, económicos, sociais, culturais, morais e éticos, que dominam no país onde se pretende desenvolver um currículo. De facto, um currículo, ou programa educativo, ao seleccionar objectivos, conteúdos culturais, experiências educativas representa sempre uma afirmação, pelo menos implícita,.de determinados valores de uma época e sociedade.

Existem orientações várias para o desenvolvimento curricular e dependentes do peso atribuído a cada um dos pilares básicos em que assenta o currículo. De acordo com Eisner e Vallence (1974) existem cinco orientações que podem condicionar o desenvolvimento curricular. Essas orientações constituem um quadro teórico a partir do qual se pode pensar e reflectir criticamente sobre os conteúdos e as finalidades dos currículos, orientando, de certo

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modo, a caracterização dos currículos de ciências desenvolvidos, nestes últimos 40 anos, tanto nos Estados Unidos da América como na Grã-Bretanha (Eisner, 1985).

Nos debates conduzidos pelos especialistas em currículo emergem muitas vezes perspectivas diversas, resultado de um confronto de ideologias em competição, com implicações várias sobre questões práticas específicas. Assim, Eisner e Vallence encontraram as seguintes orientações para o desenvolvimento curricular

i) Desenvolvimento de Processos Cognitivos ii) Auto-Actualização

iii) Racionalismo Académico

iv) Currículo como Tecnologia Educacional v) Relevância para a Reconstrução Social,

descrevendo-se em seguida as principais características de cada uma das orientações citadas, i) Desenvolvimento de Processos Cognitivos

Nesta orientação para o desenvolvimento curricular a função principal da escola é a de: - Ajudar os alunos a aprender a aprender, e

- Proporcionar oportunidades para que as crianças possam desenvolver a diversidade das suas capacidades intelectuais, nomeadamente as de pensar e de pensar sobre o pensar.

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o currículo escolar aparece centrado, entre outras abordagens, na resolução de problemas e os alunos são encorajados a definir os problemas que desejam investigar. O professor actua como um guia, fornecendo aos alunos o material que necessitem para a resolução dos problemas. Alguns destes problemas podem ser definidos individualmente pelos alunos, enquanto que outros podem resultar da escolha da turma ou de grupos de alunos.

A justificação de um currículo, baseado na resolução de problemas, parte da suposição que definir e resolver problemas é uma das capacidades intelectuais mais importantes que a escola pode proporcionar.

Nesta orientação, os professores podem ensinar como aprender, a par de ensinar conhecimentos factuais e processuais, criando situações de aprendizagem e colocando questões que dirijam a atenção dos alunos para níveis de análise mais complexos e que não poderiam ser atingidos sem a ajuda do professor.

A ênfase desta orientação está na criança e no processo de aprendizagem. A sua finalidade é desenvolver nos alunos a autonomia intelectual que os tome aptos a resolver problemas que se lhes depararão, no futuro, fora do contexto da escola.

Esta visão tem as suas raízes na perspectiva de currículo preconizada por Dewey (1938), no princípio do século, e na qual chamava a atenção para o papel potencialmente relevante que a resolução'de problemas poderia desempenhar no processo educativo. No entanto, as suas recomendações não ecoaram, de imediato, na área do desenvolvimento curricular. Somente nesta-última década foi adoptada como orientação para o desenvolvimento curricular, em diversos países, onde estão a ocorrer reformas curriculares, nomeadamente nos Estados Unidos da América e na Venezuela.

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ii) Auto-Actualização

Esta orientação tem as suas raízes nas teorias humanísticas da' aprendizagem e Summerhill (Neill, 1967) é um bom exemplo de implementação deste tipo de currículo.

Assim, as finalidades da educação são definidas em termos do crescimento do aluno, enquanto pessoa, da sua autonomia e integridade, contribuindo tanto para o seu desenvolvimento pessoal como cognitivo e para a satisfação das suas necessidades de.nível.superior (Maslow,

1970). A educação é vista como um processo de libertação que pode fornecer os meios para que as qualidades únicas dos seres humanos possam ser desenvolvidas.

A função do currículo é fornecer a cada aluno experiências gratificantes que contribuam para a sua realização pessoal, para o desenvolvimento da auto-estima e da auto-actualização, atingindo, assim, as finalidades fundamentais da vida.

As actividades de aprendizagem devem ser organizadas de modo a que os alunos se sintam seguros e motivados para aprender, estimulando a curiosidade e a auto-confiança. Os conteúdos e as experiências de aprendizagem desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do aluno, não só do ponto de vista cognitivo, mas também do ponto de vista afectivo, social, moral, encorajando o respeito por si próprio e pelos outros.

O aluno desempenha um papel fundamental na determinação dos assuntos a estudar, estando o ensino centrado no aluno (Rogers, 1977). O professor, não querendo e não podendo mudar os talentos básicos que cada aluno possui, cria o ambiente necessário ao desenvolvimento das suas potencialidades. É pois um facilitador da aprendizagem, um colega e um amigo dos seus alunos, proporcionando condições para que o aluno possa escolher as exf)eriências educacionalmente mais produtivas (Combs, 1965). Deste modo, espera-se que o professor

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estimule, guie e dê a conhecer aos alunos novos materiais e ideias, desenvolvendo com eles uma relação de amizade e camaradagem.

iii) Racionalismo Académico

Nesta orientação a finalidade principal da escola é encorajar o crescimento intelectual dos alunos através da estmra das disciplinas, tendo para isso acesso ao conhecimento criado pelos homens, de geração em geração.

•O currículo deve ser organizado em tomo das disciplinas, pois é através delas que os jovens-podem adquirir as ferramentas necessárias para compreender a cultura da sociedade em

que vivem e a estrutura de conhecimento subjacente a cada uma delas, percebendo o que "distingue umas em relação às outras. É através de cada uma das disciplinas e da estrutura peculiar de cada-uma delas, que os jovens poderão adquirir mais conhecimento e uma maior aproximação à verdade, como crença justificada racionalmente.

Alguns investigadores têm-se debruçado sobre a relevância da estrutura das disciplinas para fins educacionais (Schwab, 1978), pois é a partir dela que se extraem os conhecimentos e as destrezas que, através do currículo, se pretendem comunicar aos alunos. A estrutura da disciplina pode ser considerada quer substantivamente, em termos da sua estrutura lógica, quer sintacticamente, atendendo aos métodos que são usados na investigação. Muitos currículos dos anos 60 foram desenvolvidos com base na estrutura da disciplina; dizem-se, por isso, centrados na disciplina.

As actividades de aprendizagem derivam da estrutura da disciplina e funcionam como importante fonte de conhecimentos.

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iv) Tecnologia Educacional

Esta orientação para o desenvolvimento curricular centra-se mais nos aspectos de '"como

ensinar'' do que "no que ensinar".

O currículo é visto como um processo eficiente para atingir determinados objectivos,

que são previamente estabelecidos por entidades diferentes daqueles que fazem o desenvolvimento curricular. Nesta perspectiva, a elaboração de um currículo é um projecto desenvolvido por especialistas, ou por professores guiados por especialistas, conduzido fora do contexto escolar, cumprindo, sem questionar, as directrizes daqueles que tomam decisões -políticas acerca das finalidades educacionais. O produto final, o currículo, considerado

apolíticoe neutro, será depois distribuído aos professores para o implementarem. Este tipo de currículo não dá enfâse aos valores sociais, aos interesses.em competição, e ignora as condições em que, na prática, irá ser implementado. Esta orientação para o desenvolvimento curricular sugere que o currículo é composto por componentes discretas, tal como objectivos, conteúdos e recursos instrucionais, elaborados separadamente, muitas'vezes numa sequência linear, e posteriormente agregados de modo a produzir um todo coerente.

Neste tipo de cürrículo, os objectivos educacionais são descritos em termos comportamentais, especificando os produtos da aprendizagem de modo a que possam ser observados e medidos. Os objectivos educacionais são descritos detalhadamente e orientados para determinadas habilidades, reforçando aspectos cognitivos e a divisão tradicional dos conteúdos correspondentes às várias disciplinas. A aprendizagem é vista como um processo de reagir aos estímulos e há recompensa para os comportamentos considerados apropriados, baseando-se, por isso, numa pedagogia por objectivos.

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v) Relevância para a reconstrução social

Esta orientação para o desenvolvimento curricular está centrada na sociedade, pois que as finalidades e o conteúdo do currículo derivam de uma análise das necessidades da sociedade onde a escola está inserida e que deve servir. Assim, os aspectos sociais sobrepõem-se aos individuais. Nos desenvolvimentos curriculares centrados na sociedade existem pelo menos duas linhas distintas de pensamento, uma mais adaptativa e outra mais reformista, no sentido da

1

intervenção e da reconstrução social (McNeil, 1981).

Os autores que defendem este tipo de abordagem pretendem que os alunos utilizem conceitos emergentes das ciências sociais e estéticas para identificar e resolver problemas sociais. A escola é vista como o local de socialização dos alunos, onde estes aprendem a viver e a participar na sociedade, compreendendo como ela modela as pessoas. As actividades lectivas deverão ser organizadas em tomo de grandes questões que orientem investigações, não só através da pesquisa bibliográfica ou do trabalho experimental, mas envolvendo também experiências de intervenção na comunidade. Os cursos devem ser organizados em tomo de pontos de discussão sobre temas de relevância social.

Este tipo de desenvolvimento curricular prevê também actividades de treino vocacional e ocupação de tempos livres, dando assim resposta às necessidades sociais. Esta orientação para o desenvolvimento curricular parece ser a preferida de alguns especialistas e educadores em ciência que, trabalhando actualmente em currículos para a escola secundária, defendem que as imphcações sociais da ciência e da tecnologia devem fazer parte de um currículo de ciências para todos os alunos (Ziman, 1980).

Algumas destas orientações para o desenvolvimento curricular, descritas e propostas por

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especialistas neste campo, correspondem de facto a perspectivas encontradas nos currículos de ciências.

2.1.2. PERSPECTIVA HISTÓRICA SOBRE A EVOLUÇAO DOS CURRÍCULOS DE CIÊNCL\S COM ÊNFASE NOS CURRÍCULOS DE FÍSICA

Nesta secção descreve-se, de um modo sucinto, a evolução histórica dos currículos de ciências, assim como os factores que influenciaram, a partir de meados do século passado, essa evolução. Ná realidade os currículos de ciências, nomeadamente os de Física, sofreram grandes alterações nestas últimas décadas. Essas transformações decorrem de perspectivas diversas, quanto ao modo de encarar um desenvolvimento curricular na área das ciências, derivadas quer de resultados obtidos no campo de investigação educacional quer de factores económicos e sócio-políticos. Na verdade, razões de ordem histórica, psicológica, filosófica ou sócio-política têm contribuído para o repensar dos currículos de ciências (Lawton, 1978). Hodson (1983), reflectindo sobre a ciência que no século passado se ensinava nas escolas elementares inglesas, identifica pelo menos duas perspectivas opostas em competição:

"A Ciência das Coisas Comuns" e a "Ciência Laboratorial Pura". O mesmo autor advoga que

factores sociológicos e políticos levaram ao abandono de uma, a Ciência das Coisas Comuns, em benefício da outra, a Ciência Laboratorial Pura. Na primeira metade do século passado, a

"Ciência das Coisas Comuns" começou a ser implementada na escola elementar com resultados

positivos. As crianças revelavam interesse pelos temas abordados e obtinham bons resultados. Contudo, reformas educacionais ocorridas nessa altura acabaram por retirar a disciplina de ciências do currículo da escola elementar. A partir de 1882, a ciência voltou a fazer parte dos

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currículos da escola elementar, mas agora na sua forma pura e abstracta: a "Ciência

Laboratorial Fura".

Hodson (1983) considera que a decisão de excluir do currículo o estudo da "Ciência

das Coisas Comuns" deveu-se mais a questões de ordem sociológica do que a problemas

académicos relacionados com o insucesso escolar dos alunos. Assim, aprendendo todas as crianças ciências e sendo todas igualmente bem sucedidas, a escola não continuaria a reproduzir a hierarquia social existente, mas contribuiria para uma igualdade social, que a classe dominante não podia aceitar. Começou depois a surgir entre a classe dominante a ideia de que a ciência, a ser ensinada na escola elementar, deveria sê-lo na sua forma pura e não com o aspecto utilitário ou prático (Lawton, 1973). Pensava-se na altura que só a ciência abstracta e pura poderia contribuir para refinar e melhorar os sentimentos humanos.

A "Ciência Laboratorial Fura"* começou, então, a ser vista como a abordagem correcta para o ensino da ciência nas escolas elementares, afastando, desta forma, a grande massa estudantil de uma educação científica, pois a maioria dos alunos não tinha sucesso escolar com este tipo de currículo. Deste modo, uma das fmalidades do ensino da ciência passou a ser a formação de indivíduos que teriam acesso às universidades e que, mais tarde, iriam ocupar lugares de chefia. Segregava-se assim a grande massa estudantil, que não tinha acesso às universidades e ficava cientificamente iletrada. Pretendia-se, nesta época, formar uma elite de acordo com a imagem racionalizada defendida pela classe dominante. Também nos Estados Unidos razões de ordem histórica e política contribuíram para modificações nos currículos de ciências, as quais tiveram grande impacto no ensino das ciências noutros países.

O ensino da Física foi introduzido no currículo das escolas secundárias dos Estados Unidos em 1821 e o trabalho experimental começou a ser implementado a partir de 1886, após

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a Universidade de Harvard ter decidido inclui-lo nas suas provas de acesso. Pensava-se que a utilização do trabalho experimental aumentaria o interesse e a motivação dos alunos para o estudo da Física (Hurd, 1970). No virar do século, a maioria dos alunos, que terminava a escola secundária, tinha estudado Física. Contudo, a partir daí houve um declínio de alunos matriculados nesta disciplina científica e o programa de Física foi sofrendo modificações.

Durante a Guerra Mundial, os currículos de Física davam ênfase à tecnologia relacionada com as comunicações, transportes e indústria, bem como. às aplicações da Física. De acordo com a análise de Hurd, ao fim de 50 anos de modificações e alterações, sem qualquer suporte numa teoria de desenvolvimento curricular, os currículos de Física pareciam

"wmtí manta de retalhos". As críticas da comunidade científica punham em relevo a desactualização e organização deficiente dos currículos, os quais se mostravam incapazes de satisfazer as necessidades reais do país. Assim, os cientistas, que ocupavam uma posição de prestígio, viam no campo educacional uma área de potencial influência.

No início dos anos 50, a comunidade científica americana começou a pressionar o Congresso e as autoridades no sentido de se reformarem os currículos de ciências da escola secundária e, efectivamente, em meados dos anos 50 decretava-se o estado de crise no ensino das ciências (Hurd, 1969). Saliente-se que o lançamento do 1® Sputnik Soviético não foi alheio a este facto. Para a comunidade científica da altura, a principal justificação para a inclusão das ciências no ensino secundário e a reformulação dos seus currículos era a preparação de alunos para estudos mais avançados. Pensava-se que a preparação de futuros cientistas deveria começar na escola secundária, onde a ciência pura seria ensinada, retomando deste modo a ideia defendida, tanto em Inglaterra, cem anos antes, bem como nos Estados Unidos da América, no início do século.

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Sentida a necessidade de uma reforma curricular, o congresso dos Estados Unidos pediu à "National Science Foundation" para escolher os cientistas mais qualificados com a finalidade de melhorar os currículos de ciência da escola secundária. Sendo os investigadorés e cientistas quem melhor conhece a estrutura da ciência, eles estariam na posição ideal para desenvolver um currículo de ciências que desse a conhecer aos jovens alunos da escola secundária essa estrutura, e que permitisse iniciar os alunos na racionalidade cientifica, contribuindo deste modo para a formação, dos futuros cientistas e engenheiros de que a nação carecia. Os novos currículos de ciências eram ""centrados" na disciplina, reflectindo a natureza da ciência tal como ela é entendida pelos cientistas, mostrando tanto os modelos conceptuais coríio os processos investigativos utilizados nas disciplinas científicas. Nesta época, os currículos de ciências desenvolvidos foram então influenciados pelo racionalismo académico. Consequentemente, na sala de aula, deveriam praticar-se os processos científicos e, "aprender

fazendo", Tcsumisi a grande meta a ser atingida nas aulas de ciências, por oposição a métodos

mais tradicionais de transmissão de conhecimentos.

As descrições anteriores constituem os antecedentes nacionais para a reforma global dos currículos de ciências nos Estados Unidos da América. O esforço para melhorar o ensino da Física começou com a formação de um grupo, em 1956, Physical Science Study Committee, o qual culminou com a elaboração de um currículo de Física para os alunos da escola secundária — PSSC (Physical Science Study Committee). As exigências da sociedade e da comunidade científica, derivadas das transformações políticas e sociais da época, as quais reflectiam uma perspectiva inovadora de encarar o ensino — centrado na disciplina —, originaram os novos currículos de ciências.

Tyler (1949/1978) surge, então, como o grande mentor das novas perspectivas de

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desenvolvimento dos novos currículos (incluindo PSSC e outros) que assentavam na teoria de desenvolvimento curricular proposta. Segundo ele, um currículo deve ter em atenção os objectivos educacionais que a escola pretende alcançar e a selecção das experiências de aprendizagem devem ser úteis à consecução desses objectivos. Essas experiências devem ser organizadas de modo a contribuir para um ensino eficaz, sendo necessário por isso avaliá-las.

Os esforços para mudar o ensino das ciências envolveram transformações curriculares que foram objecto de investigação científica, de modo a responder a questões relacionadas com as propostas de inovação e o seu impacto na aprendizagem dos alunos, recaindo, assim, a ênfase de pesquisa na avaliação dos resultados por eles obtidos. Contudo, dez anos após a

«

implementação destes novos currículos, dados referidos pelos investigadores indicavam que os alunos, que frequentavam esses cursos poderiam- até saír-se pior, , nos exames;de aptidão às Universidades. Verificou-se, nesta altura, que o número de alunos que escolhia um curso de Física não aumentava, havendo até um decréscimo, indicando o desinteresse dos alunos por este currículo (Hurd, 1970). Apontavam-se como causas deste desinteresse a falta de preparação dos professores, a má preparação dos alunos em Matemática e a própria dificuldade do curso em si, pois que, fazê-lo, significava parâ esses alunos correr o risco de não entrar na Universidade. Tomou-se evidente que o PSSC nào era a melhor maneira de atrair um elevado número de alunos. Era, por isso, necessário repensar um novo currículo de Física.

Começa -se a esboçar, na década de 60, uma nova visão para o ensino das ciências. Os jovens tomam-se mais sensíveis às interacções da ciência com a sociedade, exigindo que a sua discussão seja feita nas aulas de ciência. Surgiram então as primeiras reuniões que levaram à realização de ""Projecto Física", cuja edição aparece nos Estados Unidos em 1970.

Este currículo de Física para a escola secundária teve a colaboração dè professores,

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educadores, filósofos da ciência, historiadores e psicólogos de todo o país. Uma grande meta deste currículo de Física era aliciar o maior número de alunos, tanto os que quisessem seguir cursos de Física, como aqueles que não pensavam continuar estudos superiores e, ainda, os que, na universidade, se dedicavam às humanidades ou às ciências sociais. Outra finalidade do projecto era desenvolver-um curso de Física orientado humanisticamente, de modo a ajudar os alunos ã interpretar a Física como uma actividade humana plurifacetada. Deste modo, os temas são apresentados riúma perspectiva cultural e histórica, mostrando que as ideias em Física têm, não só uma tradição, mas também evoluem, adaptando-se às mudanças operadas na sociedade. Nos anos seguintes, o "Projecto Física"* foi testado em escolas secundárias e até no 1° ano da Universidade. Foi divulgado, traduzido e testado em um grande número de países, entre ós quais Portugal. A versão portuguesa do "Projecto Física" apareceu em 1978 e foí-am realizados vários cursos de divulgação para professores do ensino secundário. Entre 1956 è 1975, nos Estádos Unidos, foram elaborados outros currículos na área das ciências e Matemática, envolvendo á sua feitura um custo substancial, pois incluiam, além dos livros de texto, os materiais instrucionais de suporte, bem como verbas para a correspondente formação de professores. Duas ideias serviram de fundamento teórico, psicológico e filosófico para a elaboração dos currículos de ciências nesses anos:

i) A perspectiva dos cientistas, segundo a qual a ciência será interessante para os alunos, se for apresentada segundo o ponto de vista dos cientistas e

ii) A perspectiva de alguns psicólogos defendendo que qualquer assunto pode ser . ensinado eficazmente, de uma forma intelectualmente honesta aos alunos

independentemente do seu nível de desenvolvimento cognitivo.

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De facto, nos Estados Unidos, na década de 60, pedia-se uma melhoria da educação em ciência, isto é, uma ciência mais rigorosa, que produzisse mais cientistas e engenheiros de modo a preencher as necessidades da sociedade. A comunidade científica fornecia as directrizes na determinação dos conteúdos, situando-se estes mais próximos das investigações científicas levadas a cabo pelos cientistas nos seus projectos de investigação. Os cientistas, empenhados na elaboração dos currículos de Física, preocupavam-se com o ensino da estrutura dessa disciplina e foi essa insistência que estimulou os estudiosos do campo da aprendizagem a examinar os processos fundamentais implicados na compreensão da estrutura da disciplina (Bruner, 1960). De acordo com Bruner, interessava o domínio das ideias fundamentais da disciplina, implicando não só o captar dos seus princípios gerais, mas também desenvolver uma atitude face à investigação, buscando soluções e resolvendo, por si só, os problemas. A comunidade dos psicólogos e os estudos sobre os processos de aprendizagem abriam campo, fornecendo os fundamentos psicológicos para o desenvolvimento de currículos de ciências baseados

nos processos científicos, em que a descoberta e pesquisa científica ocupavam um papel preponderante.

Nos anos 70, a ""National Science Foundation'* (NSF), que até aí tinha financiado os projectos de desenvolvimentos de currículos de ciências, ficava sujeita a pressões políticas e sociais, pois esses projectos eram apoiados por fundos públicos e questionavam-se os resultados obtidos na prática com a sua implementação. Em 1976 cessaram todos os financeamentos a projectos de desenvolvimento curricular e nesse mesmo ano, que se revelou essencial para uma avaliação da educação em ciência (Yager, 1982), a NSF financiou três investigações sobre a educação em ciência a fim de analisar o impacto que aqueles projectos exerceram na população que tinha frequentado a escola nos últimos 20 anos e que tinha recebido uma formação

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científica (Blosser, 1986).

De acordo com Yager (1982), diversas perspectivas orientaram essas investigações, as quais passarão a ser descritas. Helgeson, Blosser e Howe (1978) reviram toda a literatura / publicada durante esse período, nos aspectos relacionados com as práticas na escola, os materiais instrucionais, a formação de professores, o controlo administrativo ou financeiro e as necessidades de uma educação em ciência desde o jardim de infância até ao 12° ano. Weiss (1978) conduziu uma investigação a nível nacional, questionando professores, administradores, supemsores. Os questionários foram usados para recolher informação sobre os currículos dos alunos, os diferentes cursos oferecidos pelas escolas, os métodos de ensino, a população escolar, os serviços de apoio a alunos e professores e uma informação demográfica sobre a população escolar. Stake e Easley (1978) fizeram um estudo em profundidade, com base em estudos de caso de 11 escolas diferentes, cada uma representando um tipo de comunidade diferente. Os resultados destas investigações mostraram que, apesar de todos os esforços desenvolvidos, o ensino das ciências continuava a processar-se de modo tradicional, observando-se em algumas escolas um ensino mais centrado nos alunos e a utilização de uma maior diversidade de meios alternativos de ensino. Os professores, tal como há 20 anos atrás, ainda constituíam um obstáculo a um ensino mais eficiente da ciência (Blosser, 1986).

Os dados obtidos foram analisados por 9 organizações profissionais, tais como a Associação Americana para o Avanço da Ciência, a Associação dos Professores de Ciência, a Associação dos Professores de Matemática, a Academia Nacional das Ciências, etc, e dessa análise surgiram vários relatórios, que foram posteriormente analisados. A informação recolhida foi sistematizada e daí nascia o denominado "Projecto Síntese" onde se chamava a atenção para as discrepâncias entre a realidade e o desejável, fazendo recomendações para acções futuras

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a desenvolver no âmbito do ensino Ó2is ciências. Os participantes no ""Projecto Síntese''

salientaram as mudanças ocorridas na sociedade, mostrando que, nos anos 80, a sociedade era muito diferente daquela para a qual tinham sido elaborados os currículos dos anos 60 e, como tal, concluíram que era necessário repensar os currículos de ciências e as finalidades do ensino das ciências para a década de 80 (Yager, 1982). Com a publicação do ""Projecto Síntese""

inicia-se outro período fundamental para a evolução do ensino das ciências.

Para Hurd (1987), um currículo de ciências terá que ser entendido no contexto da ciência, tecnologia e sociedade. Na sua opinião, estes currículos contribuem para um maior empenhamento dos alunos na resolução de problemas para os quais terão de recolher informação e fazer juízos válidos sobre assuntos pessoais e do mundo real. Para Solomon (1986), uma educação em ciência para todos os futuros cidadãos deve ser baseada numa perspectiva de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Assim, a ciência e a tecnologia, bem como as implicações que têm na sociedade, devem fazer parte de uma educação em ciência de todos os alunos, pois vive-se hoje numa sociedade altamente tecnológica, onde cada vez mais os cidadãos são chamados a intervir e a tomar posições sobre as implicacões sociais da ciência e da tecnologia.

Na década de 80 assiste-se, nos diversos países, a reformas curriculares que têm muito em comum: uma educação científica para todos de modo a contribuir para o desenvolvimento individual e que simultaneamente traga benefícios para a sociedade, para a economia, para a democracia e para o desenvolvimento da ciência (Watts e Gilbert, 1989).

A partir dos anos 80 são desenvolvidos currículos onde são evidenciadas as implicações sociais, económicas e ambientais da ciência e da tecnologia, pois vive-se numa sociedade dominada pela ciência e tecnologia e muitas das decisões pessoais e políticas tomadas neste

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campo não são neutras, envolvendo niuitas vezes interesses económicos e sociais. Como Hurd (1987) salientou recentemente, é importante que os jovens,, através do currículo de Física, compreendam os problemas socms causados pelo avanço da' ciência e da tecnologia. Os currículos de Física também têm sido desenvolvidos no sentido de mostrar que a Física coTistitui um meio excelefité pára a compreensão do nosso'meio "envólvénté, quer ele seja o natural ou o tecnológico'e nesta perspectiva pòssibilita-"se uma formação que permita a compreensão e resoluçãtfdas questões do dia a dià, utilizàndo princípios científicos.

Nas' discussões "e debates relacionados cóm as reformas educacionais, Ciência, Técnologia e Sociedãiié tem sido sugèridò cómb uma altemátiva para a organização conceptual de*^ currículos, promovendo uma educação em ciência. Unia investigação realizada a nível mundial com questionários enviados para educadores em ciência de 41 países, entre os quais o nosso, conclui que problemas relacionados com a ciência e tecnologia e sociedade devem ser considéràdós líúniá ^ucação em'ciêiicià (By

" ' lía descrição apresentada sobre a evolução histórica dos currículos de ciências nos últimos quarenta anos ressalta a èxisténcia de 3 grandes períodos distintos, correspondentes a perspectivás diferentes para o desenvolvimento curricular. Assim, até meados dos anos 50 pfedóminávam os cuirículòs de ciências que punham em evidência as aplicações da ciência e a sua relação com questões do dia a dia. Nessa época prétendia-se transmitir informação científica aos alunos, apresentando conceitos e fenómenos, descrevendo aparelhos e objectos, enfim, dava-se a conhecer aos alunos o produto da ciência. Entre a década de 50 e 70, os currículos de ciências davam relevo à estrutura da ciência, tanto no seu aspecto conceptual como nos processos científicos envolvidos para a construção do conhecimento científico. Vivenciar o método científico, passou a ser a palavra de ordem e os alunos no laboratório

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realizavam actividades de pesquisa científica. As aplicações da ciência, bem como a sua relação com questões do dia a dia, foram abolidas dos livros de texto. A ciência era então apresentada de um ponto de vista formal. Nesta época a ciência era o centro e aos alunos era pedido que trabalhassem como os cientistas. A partir da década de 80 a sociedade começou a ser um-factor dominante para a elaboração dos currículos de ciências. São exemplos desta perspectiva, o "SISCON"', "Science in a Social Context", projecto de desnvolvimento curricular na área das ciências, elaborado por Solomon (1983), na Grã-Bretanha, e nos Estados Unidos aparece o "Projecto 2061", desenvolvido sob égide da American Association . for the Advancement of Science - AAAS. A elaboração deste currículo envolve um elevado número de pessoas, organizadas em 5 grupos: Ciências Biológicas e Médicas; Ciências Física e Engenharia; Ciências Sociais e do Comportamento; Matemática; Tecnologia. Colaboram também como estes grupos, consultores e revisores incluindo cientistas, professores e outros educadores, historiadores e filósofos, que participam nos trabalhos e, reflectem sobre a ciência e o seu papel nos assuntos humanos. Este projecto está a ser elaborado e tem subjacente a perspectiva Ciência, Tecnologia e Sociedade (Rutherford e Ahlgren, 1988).

Verifica-se uma evolução nos currículos de ciências e as fmalidades do ensino de ciências na década de 80 são bem diferentes daquelas preconizadas na década de 60. Esta análise será desenvolvida na secção seguinte.

2.1.3. As FINALIDADES DO ENSINO DAS CIÊNCIAS NOS ANOS 80

A escola desempenha hoje, nas nossas sociedades, um papel fundamental em muitos

aspectos, pois todos os jovens deverão frequentá-la, tendo o direito de aí receber uma

25. B I B U O T E G A

RAWO EDUCACIONAL

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educação. É através da escola e da educação que se dá a conhecer às gerações vindouras a sociedade onde nasceram e vivem, mostrando aos jovens a ligação entre presente e passado de modo a que não se rompa o elo da tradição. Como Arendt (1971) refere, a escola contribui, deste modo para a continuidade do "mw/wío" e para.alertar os alunos para a responsabilidade que terão na construção da sociedade onde viverão as suas vidas. A escola^ mais do que qualquer outra instituição social, é.responsável pela educação formal da geração jovem, desempenhando nas sociedades contemporâneas um importante conjunto de funções e contribuindo para a inserção do jovem aluno na_sociedade.

' A-educação em ciência faz parte da nossa cultura e constitui uma necessidade, pois a sobrevivência de uma sociedade resulta da sua capacidade de resolver problemas práticos. A prosperidade social resulta da capacidade de aplicação do conhecimento à resolução dos problemas que se lhe deparam (Dewey, 1938), não esquecendo a necessidade de se repensar ou reflectir sobre as soluções propostas e aplicadas anteriormente e suas implicações nessa mesma sociedade. Nos tempos actuais sente-se a necessidade de incluir os problemas sociais numa educação em ciência. Dewey nota que um dos maiores problemas da educação é o isolamento do currículo das experiências de vida. Hoje em dia a dependência da sociedade em relação à ciência e à tecnologia é tão grande, que um jovem precisa adquirir um conjunto de conhecimentos básicos e desenvolver um conjunto de capacidades, habilidades e atitudes que lhe permitam entender o mundo à sua volta. Dar a todos os jovens uma educação cientifica é uma finalidade impor^te da educação, de modo a que possam compreender o mundo em que vivem. Os problemas .de sobrevivência com que nos confrontamos hoje são complicados e difíceis de resolver, adivinhandó-seno futuro outros ainda mais complexos. Esses problemas não poderão ser resolvidos por especialistas de um camjx) muito restrito nem por indivíduos

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com um conhecimento muito superficial. É preciso que sejam analisados por pessoas com visão

geral do mundo em que vivemos e do lugar que o homem ocüpa nele, de modo a assegurar que a ciência continue a ser a serva e não o mestre (Valente, 1988).

Ciência para todos tomou-se o "slogan" dos anos 80 (Hodson e Reid, 1988; Frazér, 1986). É hoje aceite que a ciência deve ser ensinada a todos, mas nãò existe concordância entre òs educadores e professores sobre o que deve ser uma educação científica para todos. Pára Hurd (1987) ajudar os jovens a aprender a viver na sociedade democrática e tecnológica, dominada pela informação e comunicação, é uma das fmalidades -clo ensino dás ciências. Segundo Yager (1982) e como resultado de conclusões do "Projecto Síntese", as finalidades do ensino das ciências distribuem-se por 4 grandes grupos:" - ' - "

i) -Desenvolvimento Individual " ^ - ' •

Uma educação em ciência deve preparar os indivíduos para utilizar a ciência de modo a melhorar as'suas vidas e possibilitar a sua relação com um mundo altamente tecnológico:

ii) Resix)nsabilidade Social

A educação em ciência deve contribuir" para a formação de cidadãos informados e preparados para enfrentar as responsabilidades ení problemas sociais relacionados com a ciêncií.

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iii) Escolha de Profissão

A educação em ciência deve proporcionar a todos os alunos um conhecimento sobre a variedáde dè cari^irãs relacionadas com a ciência e a tecnologia. . . . .

: . iv);.; Preparação Académica.^ ... . L .. / .. . CM. -, •^•-'i.i^í - -t ? ' ... -, .. ; f: " V • " - •

'. A educação em ciência deve permitir aos alunos que queiram continuar os seus estudos na área de ciências,, que o possam fazer, fomecendo-lhes por isso conhecimentos científicos apropriados às suas necessidades. ; „ : . . _

Outros autores apresentam sobre esta problemática perspectivas semelhantes às descritas anteriormente. Hodson e Reid (1987, 1988) consideram, por isso, que os. futuros cidadãos devem compreender a ciência e a tecnologia e a sua interacção com a sociedade, de modo a tomarem-se participantes responsáveis nos processos de tomada de decisão de uma sociedade democrática, pois a ciência e a tecnologia são responsáveis pelas mudanças que ocorrem na sociedade. É importante que os cidadãos tenham uma opinião acerca das vantagens ou inconvenientes de mudanças tecnológicas particulares, pois aqueles que são, na sociedade moderna, científica e tecnologicamente iletrados ficam à mercê de propagandistas não escrupulosos. Assim, para estes autores, as fmalidades do ensino das ciências para todos devem centrar-se em três grandes grupos: indivíduo, ciência e sociedade.

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i) Indivíduo

Em relação ao indivíduo o ensino das ciências deve contribuir para o seu desenvolvimento pessoal e social em termos de capacidade de comunicação de ideias e sentimentos, para a aquisição de auto-estima através de experiências de aprendizagem bem sucedidas, para o estabelecimento de um sentido de identidade pessbal e social, incluindo a confiança na sua habilidade para resolver problemas, para o desenvolvimento de capacidades relacionais com os colegas e com os adultos e para simultaneamente, aceitar a responsabilidade das suas acções e a capacidade de trabalhar cooperativamente com os oiitros.

ii) Ciência

Em relação à ciência, o ensino dás ciências deve proporcionar o conhecimento de factos e a compreensão de teorias e conceitos científicos, "o desénvólvimento dè habilidàdes," capacidades e atitudes científicas, bem como a capacidade para utilizar o" conhecimento científico e os processos científicos na exploração de fenómenos físicos è na resolução de problemas. •

iii)' Sociedade

Em relação à sociedadé, o ensino das ciências deve proporcionar uma compreensão das sociedades tecnologicamente avançadas e das complexas interacções entre ciência, tecnologia e sociedade, tendo em consideração o mundo contemporâneo e os problemas nacionais, não

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perdendo de vista os problemas locais e as perspectivas histórias, bem como uma compreensão de que, na tomada de decisão, os critérios científicos e tecnológicos devem ser balanceados com considerações económicas, éticas e sociais.

As mudanças operadas nestes últimos anos na sociedade, bem como as novas maneiras de se encarar a natureza do conhecimento e os processos de aprendizagem, têm conduzido a diversas visões de desenvolvimento curricular (Tanner e Tanner, 1980). Problemas relacionados com o que, o porquê e o como ensinar numa época de elevada .tecnologia e informação, são questões da área curricular em que os especialistas têm um papel importante a desempenhar (Schubert, 1986). Os currículos escolares transportam informação que muitas vezes não é relevante para a vida e para a missão tradicional da escola de dar a conhecer aos jovens a sociedade onde vivem, para que mais tarde possam contribuir para uma sociedade melhor.

As. finalidades expressas na Lei de Bases do Sistema Educativo e no Projecto de Reforma Curricular deverão, por isso, orientar a elaboração dos currículos formais, nomeadamente o currículo de Física para os alunos do 3° ciclo do ensino básico.

O Projecto de Reforma Curricular, em curso no nosso país, aponta, como finalidades de uma educação básica para todos os alunos, o desenvolvimento pessoal incluindo a dimensão individual e social, a aquisição de conhecimentos básicos sobre a natureza, a sociedade e a cultura, bem como o desenvolvimento de atitudes e valores que contribuam para a formação de cidadãos conscientes e participativos numa sociedade democrática — a dimensão para a cidadania (Fraústo da Silva et al, 1987).

A implementação do currículo formal, expressando as ideias inovadoras de toda uma reforma do Sistema Educativo, é feita por professores que desempènham um papel fundamental

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na interpretação e transformação em currículo de ensino (Wilson, Shulman e Richert, 1987). Na secção seguinte far-se-á uma análise sobre o significado do ensino e o currículo de ensino, focando o papel fundamental desempenhado pelos professores na implementação do currículo formal.

2 . 2 . C U R R Í C U L O DE E N S I N O

O currículo de ensino corresponde ao currículo posto em prática pelos professores, após a interpretação e transformação do currículo formal. Esta secção tem como objectivo mostrar como os professores desempenham um papel fundamental na transformação do currículo formal em currículo de ensino. Analisa-se o conceito de ensino, para se enunciar as componentes do ensino, descrevendo-se o significado atribuído a cada uma delas. Define-se concepção de ensino das ciências, sugerindo que, à luz de toda uma evolução dos currículos de ciências, é legítimo supor que os professores de ciências apresentem diversas concepções, as quais se pretendem identificar neste trabalho.

2.2.1. o CONCEITO DE ENSINO. As COMPONENTES DO ENSINO E O SEU SIGNIFICADO

O ensino tem sido estudado e analisado por investigadores de diversas áreas com o objectivo comum da sua caracterização. Contudo, isso tem-se mostrado tarefa delicada em virtude da diversidade de factores envolvidos e das interacções estabelecidas.

Hirst (1971) e Fenstermarcher (1986) desenvolveram análises sobre o conceito de ensino as quais, conjuntamente, fornecem uma estrutura conceptual que permite caracterizar o ensino.

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De acordo com estes autores, o ensino consiste em tarefas ou actividades organizadas com a intenção de serem aprendidas. As tarefas ou actividades de ensino sobre determinado conteúdo são pensadas pelo professor com o propósito de serem aprendidas pelos alunos, estabelecendo-se deste modo uma relação entre o professor e os alunos através do conteúdo de ensino. Este conteúdo de ensino vem expresso no currículo formal. O ensino envolve uma interacção entre o profes^r e os alunos, mediada pelo currículo formal (Fenstermarcher, 1986). Assim, na opinião deste autor, o ensino envolve uma relação entre duas ou mais pessoas, em que uma, possuidora de um saber ou saber-fazer, o professor, cria situações para que os alunos se possam apropriar do conteúdo, que foi pensado e preparado com a intenção de que seja, por eles, aprendido. O ensino aparece, assim, de algum modo, associado à aprendizagem, pois que ao discutir sobre um surgem questões relacionadas com o outro.

Fenstermarcher considera que a relação entre ensino e aprendizagem não é causal mas sim ontológica. Por um lado, pode haver ensino sem que haja aprendizagem, se o aluno não tivér a intenção de aprender. Por outro lado, não existe obrigatoriedade que a aprendizagem ocorra ao mesmo tempo e no mesmo local onde decorre o ensino. Contudo, o ensino contém sempre, a priori e subjacente, o conceito de aprendizagem.

O conceito de" ensino apresentado por estes autores inclui necessariamente uma relação entre estas três componentes, mas não foca outros aspectos que devem ser considerados quando discutimos problemas de ensino. Por um lado, nada é dito acerca dos métodos que o professor deve usar para promover a aprendizagem, sobre a adequação ao nível etário dos alunos ou sobre a aprendizagem dos conteúdos. Por outro lado, também não menciona as tarefas realizadas pelos alunos na sala de aula, possibilitadoras de aprendizagens. Nada é dito sobre a natureza do conteúdo a ser ensinado, isto é, o currículo formal que, sem dúvida, influencia as

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actividades lectivas e as tarefas propostas. Nem sequer são abordados factores contextuais, que impõem constrangimentos ao ensino e por isso o influenciam, tais como a dimensão das turmas, o meio social e cultural onde a escola está inserida, a existência de recursos educativos, quer estes sejam material experimental, audio-visual ou bibliográfico, bem como a existência de salas de aula onde possam ser realizadas determinadas actividades lectivas. A análise do conceito de ensino considerada anteriormente contribui para uma concepção de ensino apropriada ao ensino das ciências, forma particular de ensino, que se insere nesta problemática geral.

O conceito de ensino das ciências, de acordo com Hewson e Hewson (1988) deverá ser acrescido dos factores contextuais pois estes certamente influenciarão as actividades lectivas. Especificamente o ensino das ciências consiste em actividades lectivas, pensadas pelos professores, com a intenção de que os alunos realizem determinadas tarefas de modo a aprender os conteúdos científicos, num determinado contexto de ensino.

Em conclusão, o professor, os alunos, o cunículo de ciências e contexto de ensino constituem as componentes a considerar quando se pensa numa apropriada concepção para o ensino de ciências.

Preocupado com a resolução de problemas práticos no âmbito do desenvolvimento curricular, Schwab (1978, 1983) considera o aluno, o professor, o currículo e o contexto de ensino como elementos essenciais ao desenvolvimento curricular, Numa perspectiva convergente, Schubert (1986) desenvolveu um quadro conceptual que designou por paradigma

prático"* para analisar a problemática do desenvolvimento curricular. Por paradigma prático,

Schubert entende as estruturas conceptuais através das quais os problemas curriculares são percebidos e analisados. Deste modo, ao arialisar o currículo de ensino, aquele que na prática

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é implementado, Schubert propõe que se utilizem os elementos essenciais do desenvolvimento curricular. Depara-se, então, com os mesmos elementos que tinham sido considerados no conceito de ensino de ciências analisado anteriormente, o que leva a concluir serem estas as componentes pertinentes a considerar quando se pretende estudar o ensino das ciências, partindo de uma perspectiva da prática.

Ao pensar em ensino das ciências está sempre subjacente o currículo de ciências que visa satisfazer determinadas finalidades educacionais, estabelecidas e pensadas por especialistas e políticos de modo a satisfazer e solucionar problemas colocados no âmbito da sociedade. Assim, o currículo formal, neste caso o currículo de ciências, pensado fora da escola, vai ser implementado por professores que vivenciam um determinado ambiente, num certo espaço físico, a sala de aula, com dimensões sociais, psicológicas e culturais — o contexto de ensino (Schubert, 1986). As interacções que ocorrem no contexto de ensino desempenham primordial importância nas decisões e acções dos professores e, em última instância, influenciam o ensino e a aprendizagem.

O professor, posto perante a tarefa de ensinar o currículo formal, interpreta-o e transforma-o em currículo de ensino. Esta função é desempenhada com o auxílio do seu conhecimento científico, pedagógico ou contextual, englobados no seu conhecimento profissional (Shulman, 1986, 1987; Schön, 1983, 1987) e com base nas suas convições e teorias de ensino ou concepções de ensino (Clark e Peterson, 1986; Feiman-Nemser e Floden,

1986).

Os aspectos relacionados com o conhecimento profissional e as convicções e teorias de ensino dos professores serão desenvolvidos no capítulo seguinte onde se abordará a problemática sobre as cogniçõe.s dos professores.

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Na secção seguinte analisa-se o significado de uma concepção de ensino das ciências.

2.2.2. CONCEPÇÃO DE ENSINO DE CIÊNCIAS

Segundo Hewson e Hewson (1989) o constructo concepção de ensino de ciências engloba um conjunto de ideias sustentadas pelos professores sobre as componentes de ensino, que foram analisadas na secção anterior. São essas concepções que primeiro influenciam a interpretação do currículo formal e fundamentam depois a sua transformação em currículo de ensino.

E razoável pensar que haja diversidade de concepções de ensino entre os professores de ciências. Anderson e Smith (1987) investigaram as práticas dos professores de ciências do ensino elementar e secundário e encontraram quatro modelos gerais de pensamento e comportamento relacionados com o ensino e aprendizagem de ciências. Hewson e Hewson (1989), investigando concepções de ensino de ciências (Física, Química e Biologia) entre estudantes universitários de licenciaturas em ensino, confirmaram também a hipótese inicial. Por outro lado, Roberts (1982, 1988) considera que a Física ensinada aos alunos do ensino secundário é perspectivada de modo diverso pelos professores. Esta afirmação pode ser interpretada pressupondo que os professores têm diferentes concepções de ensino de Física.

De acordo com Roberts existe uma vasta gama de currículos utilizados para o ensino da Física, correspondendo a diferentes ênfases curriculares. Aqui, ênfase curricular refere-se a um conjunto de mensagens, quer implícitas quer explícitas acerca da Física, do professor e do seu papel no ensino, do aluno e do seu papel na aprendizagem e da sociedade (Roberts, 1988). Estas ênfases curriculares traduzem-se numa diversidade de perspectivas para o ensino

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desta disciplina e foram encontradas após uma investigação realizada por. aquele autor sobre os currículos de Física, postos à disposição dos professores, nos Estados Unidos da América. Enumeram-se a seguir essas ênfases curriculares, descrevendo-se as suas características principais.

i) Questões do dia a dia

O ensino da Física é orientado de modo a que os alunos utilizem o conhecimento científico na compreensão de fenómenos, objectos e acontecimentos com importância para o dia a dia. Dá-se ênfase às aplicações da Física, mostrando-se como funcionam os aparelhos de uso caseiro. Esta ênfase para o ensino da Física foi muito comum nos Estados Unidos da América, nas décadas de 30 e 40.

Esta ênfase também dominou o ensino da Física em Portugal. Assim no Diário de Governo de 22 de Outubro de 1948, pode-se ler, objectivo Jundamental do ensino da Física

no ciclo e anos, correspondente aos 13, 14 e 15 anos) deve ser familiarizar o aluno com os mais vulgares e importantes fenómenos físicos e com o material de uso corrente. Acima de tudo a Física tem de ser ligada à vida diária, para que o aluno não desarticule os conhecimentos adquiridos na aula da sua esfera de interesses e não tome a ciência do compêndio à conta de coisa estranha à realidade''.

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Tabela 4.1, Estrutura do relato A
Tabela 4.3, Estrutura dos relatos C e G
Tabela 4.4. Estrutura do relato D

Referências

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