Juliana Passos Kirsten
O Brincar no Contexto de Adoecimento e suas
Implicações na Melhora das Crianças.
Juliana Passos Kirsten
O Brincar no Contexto de Adoecimento e suas
Implicações na Melhora das Crianças.
Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação do curso de psicologia, sob a orientação da Profª Célia Maria de Souza Terra.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus, pelas conquistas que me permitiu alcançar e por ter despertado em mim o amor e o fascínio pelo exercício da psicologia.
Em segundo lugar, agradeço a meus pais, que sempre me apoiaram durante toda a minha formação, principalmente na faculdade. A meu pai, muito obrigada por todo o esforço e por apostar em mim, nas minhas escolhas e nas futuras conquistas e por estar sempre presente de um jeito que lhe é próprio. A minha mãe querida gostaria de agradecer por toda a sua paciência, carinho e encorajamento, manifestações de seu amor que me possibilitaram seguir em frente e sempre superar os desafios.
A meus irmãos, Rafael e André, “meus companheiros de aventuras”, por sempre estarem presentes e torcendo por minha felicidade, cada um a sua maneira.
A meu namorado, por sua presença em minha vida, por seu apoio mais que essencial, inclusive na realização deste trabalho.
Agradeço também à professora Célia Maria de Souza Terra, por me orientar neste trabalho com sua dedicação e primorosas contribuições a minha formação.
A minhas queridas professoras Sandra Pavone e Marisa Penna, por aumentarem em mim o fascínio pela clínica com crianças e pelo trabalho da psicologia hospitalar, respectivamente, e por serem para mim modelos de profissionais sérias e apaixonadas pela profissão que escolhemos. Muito obrigada!
A Associação Pró-Hope, pelo apoio e confiança dedicados a mim para a realização deste trabalho.
Área: Psicologia: 7.07.00.00-1
Juliana Passos Kirsten: O Brincar no Contexto de Adoecimento e suas Implicações na Melhora das Crianças, 2007.
Orientadora: Profª Célia Maria de Souza Terra. Palavras chave: brincar, adoecimento, psicanálise.
RESUMO
SUMÁRIO
I INTRODUÇÃO... 06
1.1 Associação Pró-Hope... 10
II O BRINCAR... 11
2.1 A Criatividade: a passagem da passividade para a atividade... 14
2.2 A Troca de Papéis: as identificações e o uso de objeto... 16
III A BRINQUEDOTECA... 19
3.1 O Espaço potencial... 20
3.2 A brinquedoteca no contexto do adoecimento... 22
IV METODOLOGIA... 24
Procedimento... 24
a. Sujeitos... 24
b. Coleta de Dados... 26
c. A Brinquedoteca Terapêutica da Associação Pró-Hope... 26
d. Análise dos Dados... 28
V ANÁLISE... 29
VI DISCUSSÃO... 50
VII CONSIDERAÇÕES FINAIS... 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 54
I
INTRODUÇÃO:
Para a realização deste trabalho escolhi um tema que me interessou desde muito antes de escolher a psicologia como a minha área de atuação profissional: o ambiente hospitalar e as transformações do mesmo onde a cura pode se desenvolver. Todo este interesse está ligado as minhas observações do ambiente hospitalar, tanto em atividades acadêmicas quanto pessoais, e ao fato de perceber e saber, pelo conhecimento teórico da psicanálise que pude aprender até aqui, quanto o adoecer e o privar-se do ambiente familiar para tratar de uma enfermidade pode alterar as relações sociais, afetivas e psíquicas do paciente e deixá-lo muito mais vulnerável a situações que comprometam ainda mais seu estado de saúde.
repetição do momento de separação do recém nascido de sua mãe, pois, segundo a autora, “... a criança ao nascer perde o ambiente seguro e protetor do útero para fazer parte de um ambientedesconhecido” (1999), exatamente como acontece com uma criança que é hospitalizada e tem que deixar em sua casa seus familiares, seus brinquedos, ou seja, seu ambiente afetivo que já havia sido garantido por diversas relações de confiança.
Com todo este quadro de medos e inseguranças configurado no ambiente hospitalar a criança precisa de instrumentos para conseguir lidar melhor com seus sentimentos em relação a esta fase de sua vida, e uma vez que toda esta fase apresenta elementos totalmente novos para o mundo da criança, o que ela precisa neste momento é de algum elemento familiar, de sua linguagem específica, para expressar-se e enfrentar este desafio: o brincar – que se configura como um recurso que a criança possui para se expressar e elaborar os sentimentos hostis e de dor psíquica.
O brincar está presente desde o início da vida de uma criança e segundo Winnicott, é um elemento universal, próprio da saúde e facilitador do crescimento do indivíduo, dos relacionamentos grupais e da comunicação. O autor ainda afirma que “... é com base no brincar que se constrói a totalidadedaexistência experiencial do homem”. (1975 p.93).
Chateau refere que, para Claparède o brincar é
“... a única atmosfera na qual seu ser psicológico pode respirar e,
conseqüentemente, agir”. Portanto, em crianças hospitalizadas, situação que o
agir psicológico se faz necessário, o brincar se torna ainda mais decisivo e
importante neste processo que vai do adoecimento até uma possível cura. A
brincadeira fornece uma organização para a iniciação de relações emocionais e
assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais que antes não eram
possíveis. “(1987).
Para Chateau a criança brinca para repetir tanto situações prazerosas quanto situações traumáticas e dolorosas como forma de elaboração. No hospital quando a criança se encontra enferma, suas fantasias inconscientes da enfermidade e até mesmo suas fantasias inconscientes da cura podem se fazer presentes através da brincadeira. É neste sentido que Lindquist (1993) diz que as crianças hospitalizadas não conseguem verbalizar seus desejos e necessidades e uma das formas mais eficazes para esta verbalização é através da prática lúdica. Segue dizendo que ao brincar, as crianças se vêem absorvidas pelas atividades criativas, ”esquecendo“ que estão enfermas.
Por outro lado, por se tratar de um período de muitos conflitos, pode acontecer de crianças não conseguirem se colocar neste lugar criativo, participativo pelo fato de não suportarem tamanha angústia gerada por estes acontecimentos. É neste sentido que Winnicott afirma que a brincadeira se torna impossível: “É sobejamente conhecido que, quando a angústia é relativamente grande, (...) a brincadeira se torna impossível” (1982 p.164). Portanto, a criança perde a chance de dar vazão à sua angústia e efetivamente produzir algo a partir dela, por que o ambiente e a situação em que está imersa impossibilitam-na e não oferecem a oportunidade de realizar a atividade que talvez mais a represente como sujeito: o brincar.
1.1 Associação Pró-Hope: Histórico:
A Associação Pró-Hope - apoio à criança com câncer, mais conhecida como Casa Hope, foi fundada em 1996 com o objetivo de dar a crianças carentes oriundas de todo país em tratamento em São Paulo condições de permanecer na cidade e continuar seu tratamento após a alta hospitalar.
A Casa Hope é, portanto, uma entidade sem fins lucrativos que dá assistência social integral a crianças e adolescentes portadores de qualquer tipo de doença e seus acompanhantes em qualquer estagio do adoecimento, desde que o paciente venha encaminhado de hospital publico ou atendimento gratuito.
A Casa Hope conta, atualmente, com uma estrutura composta de três Casas de Apoio, um Bazar e uma Casa administrativa. São nas casas de apoio que as crianças e seus acompanhantes recebem toda a atenção necessária no período que precedem ou sucedem o período de internação hospitalar.
As três casas de apoio oferecem aos pacientes e acompanhantes a moradia, alimentação supervisionada por um serviço de nutricionistas, higiene e limpeza, medicação, transporte até os hospitais e locais de exames, assistência medica, assistência social e psicológica, brinquedoteca terapêutica, apoio pedagógico e educacional, assistência jurídica, fonoaudióloga, fisioterapia, curso de informática, entre outros serviços.
II O BRINCAR
Neste capítulo pretendo abordar as questões relacionadas ao brincar que o faz um instrumento de suma importância para a comunicação da criança com o mundo dos adultos a partir de uma linguagem que lhe é própria além de ser imprescindível para o desenvolvimento e a constituição da criança como sujeito no mundo, ativo e produtor de sua subjetividade. Abordarei também duas características existentes no brincar, sendo elas a passagem da passividade para a atividade através da construção de um brincar criativo, e a brincadeira envolvendo a troca de papéis, construída através das identificações e uso do objeto.
Para Winnicott (1975) o brincar é algo natural do sujeito, algo que é
“universal e que é próprio da saúde (p.63). E diz ainda que é o brincar que
“conduz aos relacionamentos grupais” (p.63). Neste sentido, Bomtempo (1992) vai
dizer também que é o brincar que qualifica a criança como um ser humano, e assim o possibilita a viver em uma sociedade e num mundo culturalmente simbólico. Winnicott (1975) ainda diz que a importância do brincar se encontra entre a troca e o interjogo que existe entre a realidade psíquica individual e a experiência do controle que se faz com os objetos reais, e de acordo com ele, esta troca é uma troca precária. Esta precariedade é uma precariedade da própria magia, originária na intimidade, em um relacionamento que está se constituindo como algo digno de depositarmos nossa confiança. Este sentimento de segurança ao brincar, a se deixar levar pelos aspectos imaginários e reais do jogo só é possível se existiu em um estágio anterior de confiança e motivação na relação mãe-bebê.
ainda não reconhece uma separação entre ele e a mãe e a visão que ele tem deste objeto ainda é subjetiva. O trabalho da mãe neste ponto é de tornar mais concreto aquilo que seu bebê já está pronto para encontrar.
A próxima fase para tornar possível o desenvolvimento da criança é quando o bebê passa por uma fase de repudiar este objeto e depois retorna-lo a ele, significando de maneira objetivamente percebida este processo pelo qual passou. Esta fase complexa depende muito da mãe agüentar que seu filho expresse este não desejo por ela e depois possa reintegra-la novamente. Se a mãe consegue responder a esta fase de maneira satisfatória, retirando-se e voltando-se a seu bebê de acordo com o que ele lhe mostra, o bebê poderá experimentar com ele o que Winnicott chama de experiência do “controle mágico” que é vivida através da onipotência na descrição daquilo que acontece intrapsíquicamente e, além disso, adquire confiança em sua mãe por ter possibilitado que ele pudesse transitar entre as experiências da “onipotência” e o controle do real.
A confiança, neste momento estabelecida, cria o que Winnicott (1975) chama de “playground intermediário”, estado onde a magia se origina. Por este
motivo o autor diz que é neste ponto do desenvolvimento da criança que a brincadeira pode começar. Winnicott (1975) ainda diz que “o playground é um espaço potencial entre a mãe e o bebê, ou que une mãe e bebê”. (p.71).
O estádio seguinte proposto por Winnicott para a construção da capacidade do brincar é quando a criança pode ficar sozinha, brincando, na presença de alguém. A criança brinca agora partindo do pressuposto de que a pessoa a quem ama e confia está disponível e continua disponível quando é lembrada, mesmo após ter sido esquecida pela criança. É como se essa pessoa fosse um espelho (refletisse de volta) o que acontece durante a brincadeira.
colocando-lhe seu modo de brincar, mas tomando o cuidado cabível para se adequar às necessidades do bebê quanto às atividades lúdicas que estão realizando. A partir daí, a criança pode introduzir seu próprio brincar e se permitir aceitar ou não as instruções ou idéias que lhe são propostas. Desta maneira a criança encontra-se pronta para iniciar uma brincadeira em um meio social e de relacionamento.
Winnicott (1975) ainda relaciona, no mesmo trabalho, a atividade criativa e o brincar com o desenvolvimento da personalidade, pois enxerga no brincar uma das vias, senão a única, mais importantes para a liberdade de criação tanto para a criança quanto para o adulto, possibilitando o aparecimento desta criatividade (ou seja, criar uma atividade, portanto não mais se colocar em uma posição passiva) e a utilização da personalidade de uma maneira integral.
Ainda em relação a isso o autor diz que a criança pode expressar os sentimentos através da brincadeira, sendo eles sentimentos relacionados a acontecimentos saudáveis quanto a acontecimentos traumáticos (como uma experiência de hospitalização, agressão, por exemplo) permitindo que a mesma possa ser elaborada e que esta vivência com aquilo que emerge na brincadeira pode acontecer sem conseqüências negativas posteriores ao meio e a criança.
muito importantes no desenvolvimento psíquico da criança e na elaboração de cenas traumáticas, como a que focaremos no presente trabalho, como pôde ser observado pelos autores anteriormente evocados.
2.1 A Criatividade: a passagem da passividade para a atividade.
Segundo Freud (1920) o brincar possibilita que a criança adquira um certo controle do mundo, dominando-o a seu modo e da maneira com que consegue elaborar os conteúdos envolvidos na temática da brincadeira. Uma vez que o brincar corresponde ao instinto da criança de dominar suas experiências, as crianças passam, durante a brincadeira, de sujeitos passivos a sujeitos ativos e produtores de sua subjetividade.
Winnicott (1975) vai dizer que talvez seja apenas no brincar que a criança ou o adulto deixa fruir a sua capacidade de criação. E para Winnicott isto se faz de tamanha importância a ponto de o autor afirmar no mesmo trabalho que uma psicoterapia infantil só é possível quando o paciente pode brincar, pois é na brincadeira que o paciente manifesta toda a sua criatividade. (1975). Se a angústia do paciente é tão grande a ponto de impossibilita-lo a manifestar a sua criatividade, isto é, o brincar, Winnicott (1975) propõe que o trabalho da psicoterapia neste caso deve começar com o objetivo de capacitar a criança à brincadeira, a se manifestar criativa e individualmente, e só assim, o trabalho psicoterápico pode ter continuidade. Segundo o mesmo autor (1975), é no ato criativo, possibilitado pelo brincar, que o individuo pode utilizar sua personalidade integral e descobrir o seu eu (self).
contrapartida, existem pessoas em que a criatividade não pode estar presente, são pessoas que muito provavelmente vivem submetidas as suas realidades externas, como se a adaptação aos acontecimentos do mundo fosse a única maneira de se continuar vivo. Winnicott (1975) diz ainda que esta submissão traz consigo uma idéia de inutilidade, de passividade, de que nada importa e de que nada se pode fazer, construir ou produzir que lhe seja próprio em seu viver.
Muito comumente associamos a atividade, a criatividade a uma condição mais saudável de ser e à submissão, passividade, uma condição menos saudável de viver e se fazer ser no mundo. Em relação a isso Winnicott (1975) vai dizer que a criatividade o interessa tanto em sua teoria por estar relacionada ao estar vivo, fazer-se presente no mundo. E um dos instrumentos mais eficazes de chegarmos a esta vivencia criativa, principalmente quando estamos falando de crianças, é o brincar.
Segundo Novelle (2001), em um ambiente hospitalar, ou durante um tratamento, os pacientes se vêem inteiramente submetidos às prescrições de toda a equipe médica e acabam se sentindo expectadores de suas próprias vidas podendo expressar pouco suas vontades, individualidades, enfim sua criatividade em um ambiente onde a coletividade e ao mesmo tempo a assepsia se fazem tão presentes. No caso de hospitalização ou tratamento de crianças isto se torna ainda mais grave. As crianças são submetidas a uma serie de regras e procedimentos hospitalares e raramente conseguem se comunicar e expressar todos aqueles eventos, muitas vezes traumáticos pelos quais estão passando. É através do brincar, linguagem própria e familiar a criança, que esta pode se expressar criativamente e retornar como alguém ativo e produtor de sua própria vida, constituindo, assim, um estado mais saudável de viver, imprescindível nestes casos de hospitalização ou tratamento de enfermidades.
2.2 A Troca de Papéis: as identificações e o uso de objeto.
O conceito de uso de objeto foi descrito por Winnicott (1975) em “O Brincar e a Realidade”. Neste trabalho o autor diferencia o uso de objeto do relacionar-se com o objeto, sendo que o primeiro seria decorrente do segundo, quando o sujeito consegue não mais depender de um relacionamento com objetos exclusivamente internos e subjetivos e pode relacionar-se com os objetos de seu mundo compartilhado, ou seja, objetos reais que podem ser usados pelo sujeito de maneira real e objetiva.
Para poder fazer uso do objeto a criança necessita primeiro se relacionar com o objeto, encontrá-lo no mundo e se interessar por ele. Após esta fase de encontrar o objeto que permite ser encontrado, ao invés de ser criado pelo sujeito e ter surgido magicamente no mundo, o sujeito precisa destruir este objeto, ou seja, se certificar que o objeto irá sobreviver a seus ataques destrutivos para que depois, vendo que o objeto sobreviveu a seu uso, confiar neste objeto e a partir daí o sujeito pode começar a viver uma vida no mundo dos objetos.
Para Winnicott (1975), é só a partir deste momento que o sujeito pode chegar a estágios iniciais de seu crescimento emocional, uma vez que , atingindo este estágio, o sujeito pode usar de seus mecanismos projetivos para identificar quais objetos estão efetivamente “lá” (que possam ser destrutíveis e consumíveis) e portanto podem ser usados pelo sujeito, que após ter se identificado com o objeto fará suas projeções e o “transformará” em algo que é próprio para si e para o momento em que está vivendo.
O sujeito é capaz de “transformar” o objeto a partir do uso e das
identificações que faz com o mesmo, e isto possibilita que o sujeito encontre neste objeto instrumentos para continuar a viver, continuar a se relacionar com o real, ultrapassar situações que lhe são ameaçadoras.
criança pode efetivamente usar o objeto real) identificando-os com seu mundo externo e muitas vezes repetindo cenas do mesmo, cenas que lhe são familiares, traumáticas, intensas, a fim de tentar elaborá-las a partir da re-vivência da mesma.
Neste sentido, Freud (1920) diz que o brincar também é determinado por desejos, e o de ser grande ou adulto pode ser um deles, e esta é a razão pela qual as crianças imitam a vida dos adultos em seu brincar. Para o autor o brinquedo e a fantasia são formas de realização dos desejos, diferenciadas pelo fato de que a criança sabe distinguir o brincar da realidade, embora “brinque’” com objetos reais, e assim costuma ligar os objetos e situações imaginadas a elementos do mundo real.
Esta troca de papéis realizada pelas crianças em seu fazer criativo (brincar) pode ser vista com grande freqüência. Em um ambiente hospitalar, por exemplo, é comum que se perceba uma criança brincando de ser médico ou enfermeira e reproduzindo, da maneira em que vive e sente individualmente esta situação, em um boneco, urso de pelúcia ou até mesmo em um adulto aqueles procedimentos e cuidados aos quais ela própria é submetida.
Outras brincadeiras deste tipo também não são incomuns, para as
meninas, brincar de casinha, para os meninos, ser bombeiro, policial, piloto, entre outros e as brincadeiras usando fantasias de personagens também representam uma troca de papéis entre o real e o fantástico, permitindo que a criança seja ali, naquele momento, uma figura que não pode ser cotidianamente, e isto permite que ela se expresse de uma maneira muito particular, muito sincera e que pode auxiliá-la a se relacionar com o mundo externo do jeito que lhe é próprio e que por alguma razão não estava sendo possível anteriormente.
Neste sentido, Aberastury (1992) entende o brinquedo como uma
que a criança represente situações prazerosas ou perturbadoras, podendo expressar, portanto, no brincar, os seus sentimentos e idéias.
Em suma, é fazendo uso do brincar que a criança cria um mundo próprio ou pode rearranjá-lo a seu modo, podendo viver ou reviver situações que lhe marcam emocionalmente, de forma positiva ou não, criando um espaço onde estes
III
A BRINQUEDOTECA
Winnicott (1975) diz que “o brincar tem um lugar e um tempo” (p.62) para
acontecer e para poder se dar de forma criativa propiciando as elaborações e a constituição do sujeito como foi dito no capítulo anterior. A brinquedoteca, como se tem hoje em dia, é também um destes espaços que podem propiciar o brincar se for utilizada da maneira pela qual foi pensada e criada. Segundo Novelle (2001) a brinquedoteca é este espaço de brincadeira “(...) onde a ação da criança é valorizada, onde a afetividade é acolhida, onde se busca cultivar a sensibilidade e
a criatividade”.
Segundo Cunha (1992) a primeira brinquedoteca teria surgido em Los Angeles em meados de 1934, com o caráter exclusivo de empréstimo de brinquedos e a partir daí esta idéia acabou se disseminando a diversos países, mais fortemente a partir da década de sessenta, mas a partir daí com diferentes objetivos, dependendo de cada região, como aprendizagem, orientação educacional e à saúde, resgate da cultura lúdica, entre outros. Ainda para a mesma autora o surgimento da brinquedoteca se deu no sentido de garantir a infância, uma vez que lhe proporcionou elementos indispensáveis ao seu crescimento e desenvolvimento saudáveis e a partir da idéia de que a criança necessita de uma filosofia de educação que se volte ao respeito às suas individualidades e potencialidades e que precisam de um espaço adequado para que isso possa se manifestar indo além do mero acesso ou empréstimo de brinquedos possibilitou que as crianças pudessem ser vistas como seres humanos em constituição possuidoras de uma linguagem própria, a do brincar. (Cunha, 1992).
ser observado em Cunha (1994), a brinquedoteca no Brasil tem um trabalho mais voltado para o brincar propriamente dito, se diferenciando das ludotecas, por exemplo, que têm como objetivo o empréstimo de brinquedos. Além das diferenças ocasionadas pelo local físico e cultural em que cada brinquedoteca se encontra elas podem variar quanto a seu enfoque ou objetivo, mesmo estando em um mesmo país, dependendo do lugar institucional em que a brinquedoteca se encontra. Existem brinquedotecas em hospitais, escolas, creches, abrigos, centro comunitários, universidades, clínicas psicológicas, por exemplo, e seus objetivos específicos vão variar, portanto, de acordo com as finalidades, necessidades e características da população a que a brinquedoteca se destina. (Friedmann, 1992, apud Novelle 2001).
Apesar de as brinquedotecas possuírem objetivos e vantagens diferentes a depender da finalidade a qual se destina, Bomtempo (1992) aponta vantagens “universais” que a brinquedoteca proporciona às crianças que a freqüentam, sendo elas, a oportunidade que a criança tem de experimentar o brinquedo antes de escolhê-lo; permitir a possibilidade de se observar as preferências das crianças de diferentes faixas etárias pelos diferentes brinquedos; e o fato de a manipulação de vários brinquedos por uma mesma criança permitir que a criança se lance ao mundo da ação e da representação, que ela possa agir e imaginar, podendo simbolizar o que está sentindo através de suas representações durante o brincar.
3.1 O espaço potencial
Tomando a teoria de D. Winnicott como base para este pensamento, o espaço potencial seria uma terceira área do viver humano, que não seria uma simples junção das outras duas (o mundo interno e o mundo compartilhado), mas sim, esta terceira área de experiência humana seria extremamente variável de individuo para individuo e seria “produto das experiências da pessoa individual (...)
no meio ambiente que predomina”.(Winnicott, 1975, p.148). Além disso, é nesta
terceira área que a experiência cultural ou o brincar criativo pode se desenvolver. Desta maneira, ainda no mesmo trabalho, Winnicott (1975) esclarece um pouco mais sobre a idéia anteriormente colocada, se refere ao espaço potencial, local da brincadeira e da cultura, como um espaço existente entre mãe-bebê, dizendo ainda que está se referindo à:
“(...) área hipotética que existe (mas pode não existir) entre o bebê e o
objeto (mãe ou parte desta) durante a fase do repúdio do objeto como não-eu,
isto é, ao final da fase de estar fundido ao objeto”. (p.149).
Com isso, Winnicott nos diz que após este estado em que o bebê se sente fundido à mãe, ele passa a um espaço de separa-la de seu eu (self), enquanto a mãe, em resposta a isso e até para que isso seja possível, diminui seu grau de adaptação as necessidades de seu bebê, como se estivesse permitindo que ele pudesse partir, se separar dela, e isso se faz de extrema importância para a constituição do sujeito. É quando há esta separação e este espaço entre mãe-bebê proporcionada por um vazio que se forma a partir desta separação que é possível que tanto a criança, o adolescente ou o adulto preencham este espaço criativamente com o brincar, o que levará que, com o tempo, isto se transforme em uma fruição da herança cultura, tal como temos hoje e que constantemente se transforma. Em contrapartida, é possível também dizer que a separação pode ser evitada “pelo uso do espaço potencial com o brincar criativo, com o uso dos
símbolos e com tudo o que acaba por se somar a uma vida cultural”. (1975 p.151).
herdado e sim é construído e pode existir somente a partir das experiências do viver do indivíduo (Winnicott, 1975).
Ainda segundo Winnicott (1975), o brincar e a experiência cultural são especialmente valorizados por serem “coisas” que vinculam o passado o presente e o futuro e por ocuparem o mesmo tempo e o mesmo espaço. De esta maneira o brincar se mostra como uma ferramenta do viver humano muito importante para a elaboração dos sentimentos e vivências do individuo ligadas a seu presente, como um processo de hospitalização, por exemplo, mas também em relação a integração de suas experiências já vividas e a preparação para aquelas que ainda virão, assim a existência de um lugar, não somente existente na subjetividade, mas um lugar físico em que estas experiências possam ser trocadas e construídas se faz de tamanha importância para o ser do indivíduo, e a brinquedoteca, tal como podemos observar nos dias atuais, pode ser um lugar muito propício para que as potencialidades do ser se mostrem e se transformem em um agir novo, sendo que só é dado a partir de experiências vividas, e social, uma vez que estas relações acontecem nos relacionamentos grupais.
3.2 A brinquedoteca no contexto de adoecimento
sua casa. Além disso, para Nascimento (1999) o brincar transforma o ambiente hospitalar e vem preencher a lacuna, causada pela internação ou tratamento, presente entre a criança, seus familiares e a equipe hospitalar, aliviando o estresse causado por esta situação e apresentando-se como instrumento de superação dos sentimentos dolorosos.
Segundo Novelle (2001), as brinquedotecas em contextos de adoecimento surgiram no Brasil com o intuito de humanizar o atendimento à criança em processo de hospitalização. A princípio sua finalidade estava ligada a utilização do jogo como atividade terapêutica, tendo como base à idéia de que “(...) ao brincar a criança se expressa e se recupera mais rapidamente” (p.75).
IV
METODOLOGIA
O presente estudo caracteriza-se por uma pesquisa qualitativa por se tratar de, segundo Thomas e Nelson (2002), um exame detalhado e rigoroso de um único caso, não com o intuito de investigar um único indivíduo, mas também, podendo se estender a investigações que envolvem programas, organizações, estruturas sociais e pessoais e comunidades. Os dados serão analisados seguindo os conceitos teóricos da psicanálise.
Procedimento:
O local escolhido para a presente pesquisa foi a Associação Pró-Hope onde foi solicitada uma autorização para a diretora técnica da Instituição escolhida por meio do Termo de Autorização de pesquisa para ter acesso aos relatórios de observação da brinquedoteca terapêutica bem como aos prontuários das crianças freqüentadoras desta atividade. Devido à impossibilidade de um Termo de Consentimento Informado a todos os pacientes, será utilizado um Termo de Utilização de Dados que foi assinado por todos os pesquisadores responsáveis com o consentimento da diretoria técnica da Instituição.
a) Sujeitos:
tratamento em hospitais da cidade de São Paulo (vide quadro abaixo)1. Estas crianças e seus acompanhantes são encaminhados pelos próprios Hospitais onde fazem tratamento para a Casa Hope, uma vez que são provenientes dos mais variados estados do País e têm a Casa Hope como uma casa de apoio durante o período de tratamento e lá recebem todo tipo de assistência necessária, seja no período pré-tratamento ou pós- tratamento Hospitalar, que vai desde serviços de primeira necessidade como alimentação e moradia até assistência social, jurídica e psicológica, por exemplo.
Nome* Idade Diagnóstico Quantas vezes
foi a brinquedoteca
Data de entrada na Casa Hope
Carla 3 anos Retinoblastoma 5 25/11/2004
Ana Cristina
3 anos Teratoma maduro
2 03/03/2005
Felipe 5 anos e 1 mês
Atresia das vias biliares
2 03/04/2006
Caio 5 anos e
7 meses
Hepatite 1 20/11/2004
Vitor 7 anos e 7 meses
Tumor cerebral 1 11/08/2004
Paulo 3 anos Atresia das vias biliares
2 07/04/2004
* Os nomes utilizados das crianças presentes neste trabalho foram trocados para que se possa preservar a identidade das mesmas.
1
b) Coleta de Dados:
Após o consentimento da instituição por meio do Termo de autorização para a realização da pesquisa foram recolhidos sete relatórios de observação da brinquedoteca terapêutica feito por duas estagiárias de psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo entre o período de 08/2006 a 12/2006. Estes relatórios são documentos pertencentes à Casa Hope e que consistem em uma descrição detalhada das atividades realizadas por cada criança em cada sessão. O recolhimento destes dados foi feito na própria instituição sob supervisão da psicóloga responsável pela brinquedoteca terapêutica, e também pela coordenadora técnica da Instituição.
c) A Brinquedoteca Terapêutica da Associação Pró – Hope:
A brinquedoteca da Casa Hope é um espaço aberto disponível a todas as crianças e adolescentes usuários da Casa e possui uma série de atividades supervisionadas por diferentes profissionais dependendo do horário e do dia em que acontecem. A atividade da brinquedoteca terapêutica acontece de segunda a sexta-feira no período da manhã e está destinada a crianças de zero a quatro anos, uma vez que neste o horário as demais crianças e adolescentes estão em atividades pedagógicas ou em reforço escolar.
Planta Baixa da Brinquedoteca:
Abaixo, a planta baixa da brinquedoteca onde foram realizadas as observações utilizadas com a descrição detalhada do lugar de cada brinquedo, possibilitando que o leitor possa ter melhor clareza do ambiente da brinquedoteca e das possibilidades que o espaço oferece.
Carrinhos
Bonecas e carrinho de compras
Carro de Bombeiro Bancada de Mecânico Cozinha de Brinquedo Arara de fantasias Espelho
Ar
má
rio
Baú de Fantoches FazendinhaMaleta de médico e telefones
Bonecos para bebês Encaixe educativo
Brinquedo educativo de madeira
Brinquedo de encaixe
d) Análise dos Dados:
Cada sessão da brinquedoteca foi analisada verificando a presença ou não das duas características do brincar anteriormente colocadas (a passagem da passividade para a atividade e a troca de papéis) e como elas se desenvolvem durante as atividades lúdicas de crianças em processo de hospitalização, bem como as possíveis implicações dessas atividades, dependendo da forma com que foram realizadas, no prognóstico e no andamento do tratamento dessas crianças que tiveram acesso a um ambiente lúdico durante seu tratamento.
V- ANÁLISE
Primeira Sessão Análise
23/08/06
Crianças presentes: Carla
Para começar a atividade na
brinquedoteca as estagiárias foram
chamar as crianças presentes e naquele
dia só estava a Carla.
Carla chegou a brinquedoteca um
pouco arredia e, a princípio, recusava
os brinquedos que lhe eram oferecidos,
mas aos poucos, foi ganhando
confiança no ambiente e nas
estagiárias e foi se soltando. Carla foi
se sentindo mais a vontade na
brinquedoteca e começou a aceitar e
brincar com brinquedos que a
principio lhe eram oferecidos.
Iniciou brincando com a boneca,
que havia lhe sido sugerida pela
estagiária, foi brincando de ninar a
boneca e até chegava a tentar imitar a
musica que a estagiária cantava para
que a boneca dormisse.
Nesta primeira sessão com Carla, pode-se perceber que ela chegou demonstrando certa agressividade e desconfiança no ambiente. Foi a partir do momento em que Carla se sentiu segura dos objetos e das pessoas que estavam a sua volta que aquele espaço pôde se caracterizar para ela como um lugar seguro em que ela pudesse agir e se expressar a seu modo.
Carla passou de uma posição mais resistente e de reconhecimento de espaço para um pouco mais aberta, recebendo as sugestões das
Depois de um tempo, Carla viu
uma bola, largou a boneca e foi buscar
a bola, com a qual brincou quase todo
o tempo, até o término da atividade na
brinquedoteca. Carla ficava
escondendo a bola atrás de seu corpo e
dizendo “abo” (acabou) e depois a
mostrava e a jogava, interagindo
pouco a pouco com as estagiárias. A
brincadeira de jogar a bola para as
estagiárias não seguia muito, uma vez
que Carla queria a bola de volta para
ela para que continuasse com a
brincadeira de esconder. Brincava com
as estagiárias para que elas
descobrissem onde estava a bola e
quando as estagiárias diziam algo a
respeito de que a bola estava atrás
dela, Carla dava um sorriso, mostrava
a bola e a jogava novamente.
No final da atividade Carla
estava mais ativa e até comunicativa.
Começou a tentar a falar (Carla
costumava fazer poucas verbalizações)
enquanto guardava os brinquedos e
repetia as frases que eram ditas pelas
estagiárias ao guardar os brinquedos,
como por exemplo, a boneca fica aqui,
vamos guardar a bola, etc.
boneca dormir.
No próximo passo de seu jogo, pode-se perceber que Carla torna-se mais ativa frente a sua própria
situação. Carla cria seu próprio jogo. Ela consegue eleger um objeto que lhe chama atenção e pode, desta vez sim, fazer uso dele.
Na brincadeira anterior, Carla estava se relacionando com o objeto
(boneca), mas não podia, naquele momento, explorá-la a sua maneira e usá-la propriamente, pois ainda não devia estar se sentindo
completamente segura física e emocionalmente.
Foi quando Carla sentiu-se mais segura naquele que para ela tornou-se um espaço potencial de criação e de vida que ela pôde criar sua própria brincadeira e se tornou tão mais ativa que isto se refletiu na maneira como saiu da brinquedoteca, feliz, sorrindo e se comunicando com as estagiárias e com a psicóloga.
Ao término no tempo a mãe de
Carla foi buscá-la na brinquedoteca e
esta saiu sorridente e aparentando estar
satisfeita e feliz.
familiar, brincando, Carla pôde liberar alguns dos sentimentos e tensões que deveriam estar guardados por conta de seu adoecimento, diagnóstico e todo o tratamento que estava passando, fazendo com que esta expressão também se desse de maneira concreta, uma vez que Carla passou a se comunicar verbalmente e a se expressar fisicamente de forma mais alegre e viva.
Segunda Sessão Análise
06/09/06
Crianças presentes: Carla e
Felipe.
Quando as estagiárias se dirigiam
a casa III para pegar as crianças, o
Felipe entrou na sala mostrando que já
havia tomado toda a sua mamadeira e
que, portanto, já poderia ir para a
brinquedoteca. As estagiárias
combinaram que pegariam as outras
crianças e voltariam para nos encontrar
com ele. A Carla já estava esperando no
pátio.
Já na brinquedoteca, cada criança
escolheu um brinquedo e com a ajuda das
estagiarias e da psicóloga começaram as
brincadeiras.
Felipe por sua vez brincou de
maneira mais autônoma, era ele quem
escolhia os brinquedos e chegou até a
“entrar” em uma das brincadeiras
que tinha sido proposta para outra
criança, brincando com os bonecos da
família e colocando-os dentro da casinha
para que dormissem. Felipe ficou
bastante tempo nesta brincadeira e queria
garantir que todos os bonecos entrassem
na casa e tivessem um espaço para dormir
e chegou a se mostrar um pouco irritado
quando não conseguia fazer isto. No final,
acabou apertando alguns bonecos dentro
da casa e conseguiu o que queria.
Depois disso pegou um ursinho e
disse que ele fazia muito coco, tanto que
até fazia na calça, e após brincar um
pouco mais com ele disse que precisaria
levá-lo ao médico por que o ursinho
estava muito doente. Felipe subiu no
carrinho do bombeiro, que neste momento
era uma ambulância, e levou o ursinho
estavam esperando o momento para se dirigirem ao espaço e começarem o seu trabalho.
Nesta sessão as duas crianças se mostraram ativas ao poder escolher do que iriam brincar e cada uma, já se sentindo seguras no ambiente e com os objetos, escolheu os brinquedos com os quais queria trabalhar sem dificuldades aparentes.
Apesar de se mostrar autônomo e seguro de suas escolhas, Felipe se utilizou de uma brincadeira que havia sido proposta para a outra criança e ao que parece já estava em andamento para se colocar de forma mais ativa. Após este momento, entretanto, Felipe parece ter se envolvido emocionalmente na brincadeira o que possibilitou que estes sentimentos fossem expressos externamente, como quando ficou bravo por que parecia que os seus objetos internos, representados pelos brinquedos, aparentavam não seguir ou respeitar suas vontades.
para o hospital. Chegando ao hospital
(que era na mesa de atividades infantil) o
próprio Felipe fez o papel de médico e
uma das estagiarias era a mãe do bebê.
Nesta brincadeira Felipe pôde
falar um pouco sobre sua história de
internações e de cirurgias. Durante toda
brincadeira demonstrou-se como um
médico sério e um pouco mandão e falava
sempre que a mãe do bebê não poderia
ficar na mesma sala que o seu bebê,
fazendo até com que a estagiária mudasse
de lugar. Felipe dizia ao bebê que as
injeções iriam doer e que ele (bebê) teria
que ficar bem quietinho senão o médico
não iria deixar mais o bebê ver a mãe
dele. A estagiária fazia a voz do bebê
chorando e Felipe fazia cara ainda mais
séria e dizia que era para o bebê parar de
chorar.
A estagiária, fazendo papel da
mãe do bebê, perguntava se o bebê iria
ficar bem, e Felipe respondeu
primeiramente que não. A estagiária
começou a fingir que estava chorando e
disse estar bastante preocupada com seu
filho. Neste momento Felipe disse que o
bebê iria ficar bom, mas teria que fazer
várias cirurgias.
Felipe começou então a operar o
ficassem contidos dentro de si (da casinha) e que insistiam em continuar
aparecendo, causando-lhe aborrecimento, e que, após tanto
trabalho conseguiu que ficassem onde gostaria, aparentemente, Felipe decide por outra brincadeira, que, a meu ver, veio como que denunciar muitos dos sentimentos e vivências que Felipe estava guardando dentro de si e que antes não era possível expressar.
Felipe começa a realizar então um jogo que traz como princípio a troca de papéis. Sendo, neste jogo, o
médico e não mais o paciente, papel que é obrigado a realizar quase que diariamente, Felipe consegue comunicar como está se sentindo em seu tratamento. Como se sente cuidado, ou não, pelos médicos e quais são suas verdadeiras esperanças de cura de sua enfermidade.
bebê. A cirurgia era bastante demorada e
após o termino desta a estagiária
perguntava se agora o bebê estava bom e
Felipe dizia que ainda não, que teria que
fazer outra cirurgia. Felipe mostrava-se
bastante compenetrado na brincadeira,
principalmente quando realizava a
operação. Após três cirurgias Felipe disse
que o bebê iria ficar bem, mas que teria
que ficar um tempo na UTI para depois
sarar.
Felipe colocou o ursinho em um
dos bancos da mesinha de atividades
(onde seria a UTI) e se dirigiu para
brincar com os carrinhos.
Após uma conversa com a
psicóloga da instituição, ela contou às
estagiárias que antes de chegarem à Casa
Hope, Felipe já havia brincado com outro
bicho de pelúcia e havia feito nele todos
os procedimentos invasivos pelos quais
ele próprio já havia passado.
Carla ficou brincando com a
cozinha e com os objetos de montar e
ficou mais próxima da outra estagiaria.
Ela estava bem à vontade na
brinquedoteca e brincou de maneira
bastante autônoma, diferente da primeira
sessão em que chegou mais desconfiada e
foi se soltando aos poucos.
com o sujeito que tem agora, no papel de médico, a função de cuidar e até de curar.
Felipe está nos mostrando desta maneira, entre outras coisas, quais são as possibilidades reais de ele se curar a si próprio de todo o sofrimento interno, emocional, psíquico que esta vivência de adoecimento e tratamento está causando nele.
Felipe nos mostra, portanto sua possibilidade de cura, de vida, que ele entende como algo demorado, que vai exigir muito dele, como exigiu do médico que ele foi, mas que depois de muita luta, de muitos cuidados especiais (representados pela UTI) ele iria ficar bem e poderia re-
significar esta vivência.
Nesta sessão Carla também estava bem mais independente e diferentemente da sessão passada já iniciou suas atividades se apropriando do espaço e de maneira bastante ativa e criativa.
Primeiramente Carla brincou de
fazer “comidinha” para a estagiária e
saía com o carrinho de feira para
comprar os ingredientes de seu almoço.
Colocava todas as frutas e verduras de
plástico que encontrava dentro do
carrinho e dava uma volta com ele pela
brinquedoteca até chegar novamente à
cozinha para preparar o almoço.
Carla colocou todos os
ingredientes dentro da panela, ficava um
tempo mexendo com a colher e
experimentava dizendo que faltava
pimenta. A estagiária pegou um potinho
dizendo que ali tinha pimenta, Carla
pegou o pote, fingiu colocar a pimenta,
experimentou novamente e disse: “agora
está gostoso”. Carla falava com um
pouco de dificuldade, mas se fazia
entender. Depois colocou um pouco do
conteúdo das panelas em um prato e deu
para que a estagiária comesse. A
psicóloga também ganhou um prato e as
três ficaram “almoçando” e dizendo que
a comida estava muito boa.
Depois desta brincadeira, Carla
pegou os objetos de montar e os juntava
em forma de uma guirlanda e colocou em
seu braço dizendo que era sua bolsa e
começou a andar pela brinquedoteca com
brincadeira de faz de conta que leva em conta a troca de papéis. Carla era
nesta brincadeira muito provavelmente a mãe que teria que
suprir de carinhos e alimentos os seus filhos, que nesta sessão foram representados pela estagiária e a psicóloga.
Carla agia propriamente como um adulto, fez compras, produziu o alimento e foi bastante criativa quando sentiu falta da pimenta na comida e posteriormente transformou um objeto que poderia ter inúmeros significados em uma bolsa e começou a agir como uma mulher adulta, uma mãe. Neste momento Carla estava se identificando, estava sendo a sua mãe interna, a mãe que ela gostaria de ter e que tem internalizada a partir das suas relações com sua mãe real. Esta brincadeira de Carla é
o novo adereço. Depois, por sugestão da
estagiária, este adereço virou uma coroa
e depois uma pulseira, mas Carla
agüentou pouco esta brincadeira e
preferiu ficar brincando de destruir as
peças que montava.
As duas crianças ficaram na
brinquedoteca durante todo o período e
saíram quando suas mães chegaram para
Terceira Sessão Análise
13/09/06
Crianças presentes: Caio, Felipe e Vitor.
As estagiárias chegaram a casa e
após se encontrarem com a psicóloga se
dirigiram a casa III para pegarem as
crianças.
Chegando a casa para buscar as
crianças para participarem da atividade
na brinquedoteca a monitora da casa
contou às estagiárias que todas as
crianças pequenas estavam no hospital.
Quem estava na sala de espera da Casa
III era Caio. Ele já tem idade para ir à
escola, mas como estava muito resistente
a psicóloga fez um combinado com ele de
que iria à brinquedoteca somente naquele
dia e que depois voltaria a freqüentar a
escola. Já o Vitor fica na casa IV e tem
sete anos. A mãe dele contou às
estagiárias que ele estava passando mal
naquele dia por causa dos remédios e ao
ser convidado para ir até a brinquedoteca
ele aceitou e demonstrou ter ficado muito
feliz com o convite.
Na brinquedoteca, o Caio
começou a brincar de espada e a matar
todo mundo, enquanto o Vitor colocava
Nesta sessão além da troca de papéis e de uma construção de brincar criativo, também pode ser observada uma grande expressão de agressividade por parte dos meninos e em especial em Caio que foi quem iniciou a brincadeira. Segundo Winnicott (1979) a criança encontra no brincar o prazer experimentado tanto emocional quanto fisicamente e ao expressar sentimentos como a agressividade, por exemplo, este sentimento pode aparecer e ser elaborado pelo sujeito na brincadeira sem maiores danos para o meio externo.
A brincadeira dos meninos começou de uma maneira mais agressiva, espaço no qual puderam expressar seus conteúdos agressivos e que
estavam completamente adequadamente localizados, uma vez
uma fantasia de super- herói. Depois
disso, eles começaram a lutar entre si e
brincaram bastante de luta com uma das
estagiárias utilizando os boliches e as
espadas.
Na metade no tempo Felipe
chegou do Hospital. Ele tinha acabado de
fazer a cirurgia para retirar uma tela que
havia sido colocada para facilitar a
cicatrização de sua cirurgia. Ele chegou
bem disposto e conversou sobre o que
acabara de acontecer no hospital. Logo
ele se juntou aos meninos e começaram
todos a vestir fantasias e brincar de
super-heróis, nem as estagiárias
escaparam desta.
A brincadeira de super-herói
acabou se transformando em uma de
médico paciente quando os “heróis”
feriram uma das estagiárias. Neste
momento os três meninos
transformaram-se em doutores, colocaram os
“capacetes” de médico, pegaram as
maletas com os instrumentos médicos e
começaram a fazer uma série de
cirurgias. O Felipe chegou até a “cortar
a barriga” da estagiária e a colocar e
depois a tirar uma telinha da barriga
dela. Os três deram muita injeção e
anestesia nela de maneira bem agressiva
estagiárias). Esta brincadeira expressa e nos comunica a maneira
com a qual estas crianças conseguem responder a ataques de situações ou sentimentos que lhe são ameaçadores, como uma situação de tratamento de uma enfermidade, por exemplo.
Após este momento de elaboração dos conteúdos internos e ameaçadores por meio da agressividade, os meninos transformaram uma brincadeira que
tinha como essência predominantemente a morte para uma
brincadeira com um caráter de vida, a brincadeira de médico paciente.
e dolorida e a estagiária dizia que estava
doendo muito e eles continuavam a dar as
injeções de maneira bem forte. Depois de
tudo isso eles disseram que ela iria se
curar.
Após este momento Felipe disse
que ele seria o paciente, entrou no baú de
brinquedos que dizia ser a UTI, fechou a
tampa do baú e ficou lá dentro por um
tempo. Depois saiu sorridente e meio
saltitante dizendo: “pronto, agora eu vou
ficar bom”.
Quando o tempo já havia se
esgotado, ajudaram-nos a guardar os
brinquedos e voltaram com as suas mães.
Somente o Carlos não quis nos ajudar e
ainda saiu da brinquedoteca sozinho e foi
para a casa III.
como todos os sentimentos de impotência que sentem durante uma internação, por exemplo.
Neste momento, as crianças estavam ativas, sendo elas próprias autoras de suas histórias e de seus futuros e ao mesmo tempo em que estavam se curando, através deste gesto de reparação ao objeto que antes destruíam, estavam podendo comunicar a maneira como sentem de maneira dolorosa todos os procedimentos invasivos pelos quais têm que passar durante o tratamento e que sentem como se não tivessem voz nem lugar para expressar este sentimento, uma vez que durante a brincadeira continuaram a “aplicar as injeções e anestesias de forma bem dolorida mesmo quando a estagiária, que era o paciente, apontou que estava doendo.
Quarta Sessão Análise
11/10/2006
Crianças presentes: Carla e Ana Cristina.
As estagiárias foram pegar as
crianças na casa III junto com a
psicóloga.
As duas crianças estavam
dispostas a ficar na brinquedoteca,
embora a mãe da Ana Cristina insistisse
que ela não ficaria.
Ao chegar à brinquedoteca, cada
uma já procurou os brinquedos que mais
as interessava. A Ana Cristina quis a
maleta de maquiagem e começou a
maquiar a si própria e as estagiarias.
Seguiu com esta brincadeira por bastante
tempo. Cada vez que se maquiava Ana
Cristina se dirigia até o espelho para ver
como tinha ficado e pedia que as
estagiárias fizessem a mesma coisa.
Depois de ter se maquiado Ana Cristina
foi até a arara de fantasias e escolheu
uma bolsa com a qual ficou o resto do
período em que esteve na brinquedoteca.
A Carla escolheu os instrumentos
musicais e ficou sentada tocando cada um
deles. A Ana Cristina demonstrou gostar
Nesta sessão, embora cada criança tenha escolhido inicialmente um tipo de brincadeira que mais lhe interessava houve uma interação entre as crianças durante as brincadeiras, fato que foi pouco observado durante este trabalho, talvez por conta da maioria das crianças ainda serem pequenas.
muito de musica e depois que havia
terminado a sua brincadeira com a
maquiagem ficava cantando e batendo
palma o tempo todo, embora não fale
direito ainda. Enquanto a Carla ficava
brincando com os instrumentos musicais a
Ana Cristina ficava dançando e emitindo
sons que acompanhavam o que Carla
fazia.
Foi a primeira vez que a Carla
veio a brinquedoteca com as estagiárias
depois da cirurgia para retirada do
segundo olho por conta de seu
diagnóstico de retinoblastoma. Durante
todo o trajeto até a brinquedoteca, ela
veio sentindo o caminho com a ajuda de
uma estagiária que sinalizava pra ela o
que iria encontrar pela frente.
Dentro da brinquedoteca foi a
mesma coisa. Ela foi re-descobrindo cada
brinquedo e gostou muito de brincar com
os instrumentos musicais. Ela estava
calma e ficou brincando sentada com uma
das estagiarias, não se incomodou com a
presença da outra criança,
comportamento comum antes de realizar
a segunda cirurgia. Ela foi se soltando
aos poucos, mas só no final desta sessão
começou a falar com as estagiarias e a
Ana Cristina demonstrou maior facilidade em se integrar com a Carla e com as estagiárias em sua brincadeira e as incluiu desde o primeiro instante.
Carla por sua vez estava um pouco mais introspectiva, pelo fato de sua cirurgia de retirada do olho esquerdo, estava muito mais voltada para seu interior e ficava “tateando” o ambiente e os objetos a seu redor como se quisesse ter certeza de que podia confiar neste novo mundo que se colocava diante dela por conta de sua nova condição (de não mais enxergar).
Como na primeira sessão Carla precisa novamente se sentir segura neste espaço, que para ela é mais uma vez uma novidade. Precisa se sentir segura para criar dentro deste espaço e precisa descobrir novamente as possibilidades do mesmo, para saber até onde pode ir sem maiores danos para si internamente.
psicóloga e a comentar o que estava
fazendo, que ia tocar o chocalho forte,
que ia tocar “devagarzinho” e assim foi
até o término da sessão.
mais sociável e no final, semelhante ao que aconteceu na primeira sessão, pôde começar a se expressar verbalmente, colocando naquele lugar as suas vontades, a sua marca, podendo passar de uma atitude uma pouco mais introspectiva e passiva para uma um pouco mais ativa.
Quinta Sessão Análise
18/10/06
Crianças presentes: Carla
Quando as estagiárias foram
buscar as crianças só havia a Carla,
todas as outras tinham ido aos hospitais.
Levamo-la para a brinquedoteca, sempre
descrevendo o caminho, pois ela não
enxerga, devido à cirurgia de retirada dos
olhos por que passou recentemente,
conseqüência do retinoblastoma.
Ela estava alegre e disposta a
brincar, porém não falava, fazendo com
que as estagiárias lhe dessem os
brinquedos. Carla chegou trazendo uma
Esta sessão pode ser vista como continuação da anterior no que diz respeito ao desenvolvimento da segurança e atividade de Carla após a sua segunda cirurgia.
boneca, então lhe foi oferecida outra
boneca, que ela pegou, analisou com as
mãos, e resolveu tirar sua roupa, e então
colocá-la de volta, gesto que repetiu
algumas vezes. Fez tudo sem ajuda,
apenas com algumas instruções.
Quando parou de brincar com a
boneca lhe foi dado a guitarra e os
chocalhos. Quando terminou de
“conhecê-los” com as mãos quis tocar, e
foi acompanhada pelas estagiárias, que
tocavam junto com ela, parando quando
ela parava e reiniciando quando ela
reiniciava, Carla pareceu gostar de
comandar a atividade.
No final da sessão Carla ajudou
de boa vontade a guardar os brinquedos
com apenas um pedido. Neste dia ela se
mostrou calma, disposta, concentrada, e
as estagiárias consideraram sua
participação na brinquedoteca excelente,
especialmente levando em conta as
sessões anteriores.
Sua mãe foi buscá-la e ela falou
que ia “papar” e quando saiu falou
“tchau” para as estagiárias diversas
vezes.
Nesta sessão fica bem claro o que Winnicott diz sobre o brincar criativo. É apenas quando a criança consegue sentir segurança no ambiente em que está se relacionando, segurança esta que foi construída através das primeiras relações com a figura materna, que ela consegue agir no mundo e se expressar de uma maneira que lhe é própria, criativa e é nesta criatividade que a criança encontra saúde, vida.
Na criatividade, no seu fazer criativo, a criança vivencia um momento de prazer por estar ativa, produzindo, no comando da situação, como o sentimento sentido por Carla quando as estagiárias começaram a segui-la em sua brincadeira, mas deixando com que ela ficasse no comando. Em um ambiente de hospitalização isto é ainda mais importante.
Sexta Sessão Análise
01/11/06
Crianças presentes: Ana Cristina, Pauloe
Carla
Ao chegar a Casa Hope, as
estagiárias foram buscar as crianças que
estava na casa III, a Ana Cristina e o
Paulo. Depois chegou a Camila com a
psicóloga.
As crianças ficaram brincando
praticamente individualmente ou com as
estagiárias e a psicóloga, com algumas
interações entre elas. A Carla ficou mais
isolada, estava bem sozinha explorando
os brinquedos com as mãos e brincando
bastante com as bonecas, eventualmente
tentava falar alguma coisa. No fim não
quis ajudar a guardar os brinquedos e
chorou muito quando sua mãe foi
buscá-la, pois não queria ir embora.
O Paulo e a Ana Cristina
brincaram mais ativamente e interagiram
mais. Brincaram bastante com o carro de
bombeiro, com carrinhos, com o piano e
com as casinhas e fazendinhas.
Foi o Paulo quem ficou a maior
Nesta sessão pode-se perceber que o conceito atividade estava bem presente, exceto no que diz respeito a participação de Carla.
parte do tempo com o carro de bombeiro
e ficava dando várias voltas pela
brinquedoteca. Ana Cristina também
queria brincar com o brinquedo, mas
Paulo não quis emprestá-lo a colega. Ana
Cristina, então, pegou os outros carrinhos
e começou a brincar com eles,
interagindo com o seu colega bombeiro e
os dois diziam estar passeando, ora até o
zoológico, ora para o supermercado, ora
para o parque.
Depois disso Paulo estacionou seu
carro e disse que iria tocar um pouco te
piano. Enquanto Paulo “tocava” piano
Ana Cristina ficava ao lado dele cantando
e batendo palmas no ritmo da música.
Depois de um tempo Paulo também
começou a cantar algumas músicas e eles
seguiram bastante tempo nesta
brincadeira conjunta.
Depois foi a vez de Ana Cristina
sugerir uma brincadeira. Ela pegou as
fazendinhas e começou a brincar com os
animais. Paulo também se interessou pela
brincadeira e quis pegar alguns animais
de Ana Cristina. Foi preciso que as
estagiárias interviessem para que eles
conseguissem dividir os animais e
continuarem a brincadeira. A brincadeira
com a fazendinha consistia basicamente
teoria de Winnicott, Carla se encontra na fase anterior a qual o uso de objeto é possível. Carla está (novamente) na fase do relacionamento do objeto, mas desta vez está se relacionando com seus objetos internos de maneira diferente do que aconteceu quando era menor. Assim que Carla conseguir se relacionar com este objeto e passar pelas fases de destruí-lo para depois confiar neste objeto por ter sobrevivido a seus ataques ela poderá usá-lo propriamente dito e assim estenderá seu uso, suas identificações e suas expressões
através de seu agir criativo que lhe será possível em um ambiente possibilitador de tais ações como o é a brinquedoteca em questão.
Paulo e Ana Cristina estavam se apropriando de suas possibilidades de criação e brincaram de maneira bastante ativa e criativa, conseguindo expressar suas vontades e os conteúdos que precisavam ser melhor elaborados durante a atividade lúdica como foi o caso de Paulo com a questão da figura materna.
em colocar os animais para dormir, mas
Paulo dizia quem era a mamãe e quem
era o filhinho e sempre colocava o
filhinho perto da mamãe, pois dizia que se
não fizesse isso o filhinho ia chorar muito,
por que gostava de ficar bem pertinho de
sua mamãe.
O Paulo falava bastante e exigia
atenção para o que estava fazendo. A Ana
Cristina somente às vezes chamava, mas
se integrava bem nas brincadeiras que
eram propostas por seus colegas e
começava a dançar com qualquer musica
que ouvia.
Sétima Sessão Análise
08/11/2006
Crianças presentes: Paulo.
Quando as estagiárias
chegaram a Casa para pegar as crianças
para irem até a brinquedoteca
perceberam que Paulo já estava as
esperando para a atividade, e não quis
nem terminar de tomar seu lanche.
Logo que chegou a brinquedoteca,
como fez na sessão anterior (mas por
algum motivo não está relatado), pediu
que as estagiárias pegassem uma casinha
para que ele pusesse em cima da mesinha
de atividade, o interessante é que ele não
brinca com a casinha, apenas pega e a
deixa perto dele para que ele possa
começar suas brincadeiras.
Paulo interagiu bastante com as
estagiárias e com a psicóloga e brincou
de carrinho, fazendinha e instrumentos
musicais, mais ou menos como havia
brincado na sessão anterior.
Primeiramente pegou o carro de
bombeiros e começou a fazer entregas
com as frutas e legumes que estavam no
carrinho de supermercado. Perguntava
Acho que o tema que chama mais atenção nesta sessão é o fato novo que Paulo só consegue começar a brincar quando o brinquedo em forma de uma casinha é colocado a seu alcance, em lugar em que ele tem acesso e pode controlar o que está acontecendo com este objeto.
para as estagiárias e para a psicóloga o
que elas queriam para comer e depois
saía distribuindo os pedidos, “dirigindo”
seu carro de maneira bastante rápida.
Depois Paulo estacionou o carro
em frente ao piano e disse ter que
descansar, pois estava bastante cansado.
Paulo sentou no banco do pianinho e
começou a tocar. Neste momento as
estagiárias pegaram os chocalhos e
começaram a acompanhar Paulo em sua
música. Paulo tocou umas quatro músicas
acompanhado das estagiárias e da
psicóloga até parar e partir para outra
brincadeira.
Quase no final da sessão Paulo pediu que s estagiárias pegassem uma das fazendinhas que havia sido guardada em uma prateleira no alto que ele não alcançava enquanto ele pegava a outra que estava no seu alcance. Quando pegou a fazendinha que estava no alto percebeu que um dos animais (a galinha) não estava lá e ficou desesperado achando que o objeto havia se perdido. Na brincadeira da sessão anterior Paulo tinha dito que a ovelha era a mamãe da galinha e então disse que a ovelha estaria muito
preocupada, pois seu filhinho havia sumido. Depois de procurar um pouco
O tema da morte se faz presente em um ambiente de adoecimento e as fantasias criadas em cima do mesmo podem ser aterrorizadoras. Um ambiente como a brinquedoteca possibilita que temas como estes possam emergir para serem trabalhados com a criança na própria sessão da brinquedoteca ou individualmente.
VI- DISCUSSÃO
Em todas as sessões apresentadas pôde-se perceber uma maior atividade por parte das crianças durante as atividades lúdicas. Por mais que iniciassem a sessão de uma maneira uma pouco mais introspectiva e passiva, como foi o caso de Carla nas primeiras sessões, elas iam se soltando à medida que as brincadeiras iam progredindo e podiam até construir elas próprias suas brincadeiras de maneira ativa e criativa.
Em geral durante o tratamento o sujeito tem poucas possibilidades de se mostrar da maneira como é, de ser ativo e de comandar situações. Em um período de tratamento hospitalar o sujeito acaba ficando mais passivo (paciente) e dependente de outras pessoas. Um ambiente que lhe proporcione se expressar, comunicar e agir está proporcionado-lhe vida, possibilidade de cura e de volta a experiências que tinha antes do aparecimento de dada enfermidade. E o que pôde ser observado é que o ambiente da brinquedoteca terapêutica da Casa Hope proporcionou este tipo de ação às crianças participantes desta atividade, permitindo-lhes uma maior comunicação dos assuntos referentes a sua enfermidade possibilitando sua expressão e elaboração.