A IGREJA NO CONTEXTO ATUAL E A EDUCAÇÃO CRISTÃ COMO
PONTE DE DIÁLOGO COM A SOCIEDADE
Roney Ricardo Cozzer Mestrando em teologia pela FABAPAR roneycozzer@hotmail.com
RESUMO
O presente texto considera algumas características que delineiam nosso tempo e que também incidem sobre ele. Utilizando-se da expressão “pós-modernidade”, para
caracterizar nossa era, discorre sobre fatores que são observáveis e perceptíveis na realidade da vivência social. Reconhece, contudo, que o termo “pós-modernidade”,
por si só, já indica a complexidade que é definir nosso tempo, afinal, existem várias expressões e conceitos que são também tentativas conceituais. Com relação à isso, não há unanimidade, como é sabido. A igreja, como espaço educador, deve assim considerar a realidade que a cerca e produzir um diálogo, com vistas a contribuir com a sociedade em suas demandas. Isso porque a igreja não apenas está na sociedade, mas é, ela mesma, parte integrante e até fundante da sociedade. Sua presença deve ser não apenas religiosa, mas também social e integradora, assumindo assim uma postura de empatia com as necessidades do outro, e não uma postura apática a isso. O conhecimento de nosso tempo e da maneira como pensa o homem pós-moderno poderá ser assim usado para reduzir o abismo que existe entre a igreja e a sociedade, abismo esse que contribui para a criação de caricaturas de ambas as partes, o que impede uma visão mais completa, integral e precisa para ambos os lados. A educação cristã será assim uma importante aliada na redução, senão remoção, desse espaçamento.
INTRODUÇÃO
Pós-modernidade é um assunto que toca áreas vitais da realidade humana: sociedade, Igreja, família, educação, religião, filosofia, cosmovisão, saúde, etc. A
expressão “pós-modernidade”, escolhida aqui como uma forma de identificar “o tempo em que vivemos”, abarca todos esses temas, perpassa todas essas
realidades da vida, dando-lhes forma e sendo formatada por elas. A pós-modernidade é um movimento cultural, marcado pela rejeição de valores absolutos, princípios universais. Vê com desconfiança os dogmas e tem um senso extremamente crítico, rejeitando uma postura apenas passiva, inerte. É orientada
assim, em grande medida, por uma “hermenêutica da suspeição”. Lança raízes no Iluminismo, uma era que deu grande ênfase à racionalidade.
O Iluminismo, também referido como “Esclarecimento”, teve Paris (França) como principal centro de suas ideias e pensadores. Ele inicia-se em fins do século 17 e desenvolve-se durante o século 18.
Os iluministas defendiam a criação de escolas para que o povo fosse educado e a liberdade religiosa. Para divulgar o conhecimento, os iluministas idealizaram e concretizaram a ideia da Enciclopédia (impressa entre 1751 e 1780), uma obra composta por 35 volumes, na qual estava
resumido todo o conhecimento existente até então1.
Foi essencialmente um movimento filosófico, intelectual e cultural europeu que procurou romper com:
a. O absolutismo europeu que tinha como características as estruturas feudais, b. A influência cultural da Igreja Católica e seu domínio sobre a ciência, as artes,
o comércio, a política e o pensamento e,
c. A censura das assim chamadas “ideias perigosas”2.
A base do Iluminismo foi a valorização da razão humana. Os franceses referiam-se ao Iluminismo como Siècle dês Lumières ou apenas Les Lumières (“século das
luzes” ou “as luzes”), enquanto que os alemães o traduzem como Aufklarung, que
1 Site
InfoEscola. Disponível em: <www.infoescola.com/historia/iluminismo/> Acesso em 27 out. 2013.
2
significa “filosofia das luzes”3. A base do Iluminismo era que através do uso da razão
o homem teria condições de aperfeiçoar sua própria condição. Entre os grandes pensadores do Iluminismo, destacam-se Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784), Rousseau (1712-(1694-1778), entre outros.
Não devemos ignorar o fato de que o Iluminismo, embora sobrepondo a razão à fé, o que inclusive se viu depois na aplicação do método racional à própria religião (vemos aí as raízes do Liberalismo teológico), trouxe contribuições notáveis à humanidade, dentre elas o fato de quebrar o monopólio da Igreja Católica sobre as artes, a religião, o pensamento, a filosofia. Mas, como explica Gregory J. Miller,
Durante a Era da Razão (1650-1789), as descobertas sobre o mundo natural incentivaram a visão de que o progresso pela ciência e tecnologia era inevitável. Os lideres do Iluminismo acreditavam que a razão humana podia retirar o véu da ignorância e superstição e revelar um universo
formosamente ordenado4.
Todavia, mesmo com todos os avanços técno-científicos que marcaram o século 20 e continuam agora no início do século 21, os problemas da humanidade persistem
1. CARACTERÍSTICAS DE NOSSO TEMPO
A pós-modernidade possui muitas características distintivas que vêm sendo indicadas pelos estudiosos do assunto. Para Zygmund Bauman (2003), nosso tempo é marcado por uma fragilização, uma liquefação e de esfacelamento de relações e estruturas, outrora seguras, estáveis, firmes. Na pós-modernidade, não há solidez,
as relações são “líquidas”, isto é, se desfazem, se amoldam facilmente aos
contornos propostos. Edgar Morin talvez tenha percebido esse sintoma da pós-modernidade ao escrever sobre a importância de considerar o elemento
“compreensão” como um saber necessário à educação do futuro.
A situação é paradoxal sobre a nossa Terra. As interdependências multiplicaram-se. A consciência de ser solidários com a vida e a morte, de agora em diante, une os humanos uns aos outros. A comunicação triunfa, o
3
Enciclopédia Barsa, ed. Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações Ltda, vol 9, 1993, p. 177.
4
planeta é atravessado por redes, fax, telefones celulares, modems, Internet.
Entretanto, a incompreensão permanece geral. Sem dúvida, há importantes e múltiplos progressos da compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior. [...] (MORIN. Edgar. p. 93).
A pós-modernidade também é um tempo difícil de ser definido. Isso é refletivo inclusive na multiplicidade de termos e conceitos que são aplicados. Com efeito, Luiz Roberto Benedetti afirma:
Não há nada mais ambíguo do que o termo Pós-Modernidade. Expressão usada a torto e a direito, no pressuposto de que o interlocutor participe de um mundo comum no interior do qual a linguagem adquire significado. Essa ambiguidade constitui, entretanto, a sua marca. Ela é o pós-moderno da Modernidade: indefinível, fluido e inconsciente.
Ninguém ousa definir a Pós-Modernidade. A tentativa de definição é, por si só, uma atitude que contraria seus cânones (se é que existem). Situá-la no espaço e no tempo segundo características marcantes é a única atitude plausível... (BENEDETTI, 2003, p. 53).
Outor grande desafio frente à proposta da igreja é o individualismo, outra dessas marcas de nosso século. Importante aqui é não confundir individualismo com individualidade. Esta última é o conjunto das características distintivas individuais de cada pessoa. Seu bojo intelectual, opiniões, cosmovisão, etc. A individualidade não pressupõe isolamento social ou afastamento do outro; pelo contrário, ela é formada a partir do outro. De fato, muito de nossa individualidade desenvolve-se a partir do outro. Uma vez que a proposta do evangelho considera fortemente a outridade, o individualismo de nossa era constitui fator de grande desafio (a ser superado pela igreja). A sociedade, ao longo dos anos, vem criando mecanismos que favorecem esse individualismo. Os meios de entretenimento e lazer hoje, direcionados a crianças, favorecem o egoísmo e a falta de solidariedade com o semelhante.
Os resultados de todo esse processo são preocupantes, senão alarmantes. Os efeitos ou resultados dessas condutas sociais e individuais que dão forma à pós-modernidade estão causando um tremendo impacto negativo à vida coletiva, familiar, psicológica e emocional das pessoas. A educação cristã, como propagadora de valores eternos, sente maior resistência nessa era de existencialismo,
hedonismo, individualismo e tantos outros “ismos” considerados assim nocivos. Diversas instâncias dos relacionamentos humanos são afetadas: a educação, o casamento, a família, o trabalho, dentre outras.
II. A IGREJA FRENTE À PÓS-MODERNIDADE
Nos dois últimos séculos tem havido um interesse muito grande do Ocidente pelas
religiões e filosofias religiosas orientais. Estamos contemplando uma “orientalização”
do Ocidente5, guardando-se as devidas proporções, é claro6. E isso se percebe em maior ou menor grau até mesmo no ambiente eclesial. Algumas denominações vêm adotando, por exemplo, práticas judaicas, como a inserção de objetos e práticas do judaísmo em suas liturgias de culto. Há igrejas evangélicas que estão tocando
shofar e carregando réplicas da arca da aliança, além de pronunciarem nomes e termos bíblicos em hebraico e usar adornos e outros objetos típicos da cultura hebraica, tudo isso como condição para o culto. Se percebe uma espécie de adaptação dos conceitos pós-modernos, aqui mencionados, ao ambiente eclesial, dando-se a eles uma roupagem teológica. Com o avanço das teologias da prosperidade e da confissão positiva por meio do neopentecostalismo, além de outras práticas que mesclam elementos de outras religiosidades ao contexto evangélico, a igreja vem assumindo novos contornos que devem ser considerados e também criticados.
A Educação Cristã no Contexto da Pós-Modernidade
Nesse momento, compete perguntar como pode a educação cristã produzir um diálogo entre a igreja e a sociedade, criando assim um elo que permita uma
5 Assim também como se percebe uma “ocidentalização” do Oriente.
6 A referência aqui é à absorção de muitos conceitos, práticas e paradigmas do Oriente pelo Ocidente. Um
contribuição, mútua inclusive, em alguns aspectos. A igreja precisa estar em diálogo com a sociedade, justamente numa era em que, como bem pontua Stott (1989, p. 9),
“o abismo entre a igreja e o mundo secular já é tão grande que restam poucas pontes pelas quais estes dois mundos possam entrar em contato”. Assim, a educação cristã pode ser assim usada como meio de interligar a igreja e a sociedade. A produção de conhecimento e de criticidade, oferecida pelo ambiente educacional cristão, em sua maneira de encarar o mundo, é uma das maneiras como isso pode ser feito. Os discentes precisam ter condições de avaliar o seu entorno existencial, as vicissitudes que o cercam, bem como as formas como ele pode responder à essas demandas, não apenas compartilhando o evangelho, mas produzindo uma ação evangelizadora que seja também seguida por uma ação concreta no mundo. Com efeito, a vida cristã precisa ser seguida por uma práxis cristã, diária e fundante de uma ética bíblica e cristã.
É salutar entender que a educação cristã não está restrita ao conhecimento bíblico dominical de determinada comunidade, mas ela possui a importante tarefa de mostrar que o conhecimento real ou verdadeiro procede de Deus e tem sua causa última nele; com isso, explicita que essa é a educação que permite ao homem de fato conhecer Deus, a si mesmo e ao mundo, o que resulta na glorificação a Deus. É óbvio que somente a abordagem cristã da educação terá condições de cumprir essa finalidade (LOPES, 2010, pp. 109,10).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zigmund. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
CURY, Augusto. Nunca desista de seus sonhos. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. Enciclopédia Barsa, ed. Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. vol 9, São Paulo: 1993.
KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. São Paulo: Círculo do Livro.
LOPES, Edson. Fundamentos da educação cristã. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.
MORIN, Edgar. Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Cortez: 2000. RICARDO, Roney. Família Cristã: Projeto e Criação de Deus. Vila Velha: SENET, 2014.