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As características da crítica de videojogos em Portugal

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Academic year: 2021

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i Resumo

O presente relatório de estágio visa conhecer as características da crítica de videojogos em Portugal, ou seja, quais os elementos, temas e especificidades que compõem este género jornalístico aplicado aos videojogos.

Esta investigação surgiu a partir do estágio realizado na Adagietto, onde durante o período inerente ao mesmo houve um contacto diário com os principais meios de comunicação portugueses através da marca PlayStation, uma das principais marcas da indústria dos videojogos.

A partir da revisão da literatura, procurou-se perceber primeiramente quais as características e conceitos de cultura e jornalismo cultural, focando o género jornalístico da crítica cultural. De seguida investigou-se sobre jornalismo de videojogos, com especial destaque para o género jornalístico da crítica e para o contexto português. Finalmente, investigou-se os videojogos como um fenómeno sociocultural, bem como alguns detalhes sobre a sua indústria e mercado.

A parte do trabalho empírico consistiu na aplicação da metodologia do estudo de caso através da análise de conteúdo, tendo como base uma amostra de peças selecionadas que representam o universo em estudo. Foram criadas grelhas de análise de categorias de forma a inferir conclusões relativas às mesmas.

Palavras-chave:

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ii Abstract

The following investigation was developed with the aim of studying the characteristics of the videogames critique in Portugal, detailing which means, what features, and themes compose this journalistic genre particularly applied to the videogames.

This investigation started during an internship made in Adagietto, where a direct contact was established with the main Portuguese media outlets through the PlayStation brand, one of the main brands in the videogames industry.

With the literature review, the objective was to first understand the elements and concepts of culture and cultural journalism, focusing on the journalist genre of the cultural critique. The investigation proceeded with the study of video games journalism, with special detail of the videogames critique in the Portuguese context. Afterwards, the videogames were investigated as a social and cultural phenomenon, as well as some details about the videogames industry and market.

The empirical work consisted in the application of a case-study methodology through content analysis, working with a sample of selected articles that represented the universe in the study. The analysis tables were created to retrieve conclusions for the investigation.

Keywords:

Videogames, Journalism, Culture, Critique, Review

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iii Dedicatória

Ao meu pai, Jorge Cardoso

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iv Agradecimentos

Aos meus pais e irmã, Jorge Cardoso, Cristina Santos e Beatriz Cardoso, por fazerem de mim a pessoa que sou hoje e a quem agradeço o constante apoio e paciência ao longo da vida.

À minha namorada Sofia Correia, que me apoia em todos os momentos e que está sempre ao meu lado, qualquer que seja a situação, tendo sido uma fonte de motivação e força para a realização deste relatório de estágio.

Aos meus amigos Nuno Martinho e João Pardal, que me acompanharam desde o primeiro dia da licenciatura até hoje, mostrando apoio e amizade constante.

Ao Rui Edmond, Vanessa Osório, Sara São Miguel e João Nunes, da Adagietto, que contribuíram de forma muito positiva para a minha experiência nesta empresa

A toda a minha família e amigos, porque todos me apoiaram em algum momento. À minha orientadora, Professora Cátia Ferreira, pelos conselhos e orientação.

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v Índice Resumo...i Palavras-chave...i Abstract...ii Key-Words...ii Dedicatória...iii Agradecimentos...iv Índice...v Índice de Figuras...vii Índice de Tabelas...viii Introdução...1

Parte I - Revisão da Literatura...6

1. Conceito de Cultura ...6

2. Jornalismo Cultural...14

2.1. Conceito de Jornalismo...14

2.2. Conceito de Jornalismo Cultural...16

2.3. Características do Jornalismo Cultural...21

2.4. Jornalismo Cultural Digital...24

2.5. Géneros jornalísticos - a crítica...29

3. Videojogos - um fenómeno sociocultural...32

3.1. Conceito e características dos videojogos...32

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3.3. Videojogos enquanto expressão artística...35

3.4. História dos videojogos...37

3.5. Indústria e mercado dos videojogos...43

3.6. Videojogos e o ensino...46

4. Jornalismo de Videojogos...48

4.1. Conceito de Jornalismo de Videojogos...48

4.2. Características do Jornalismo de Videojogos...51

4.3. Crítica de Videojogos...53

4.4. Contexto Português...57

5. Memória Descritiva do Estágio...60

Parte II - Investigação Empírica...62

6. Metodologia...62

6.1. O estudo de Caso...62

6.2. Análise de Conteúdo...63

6.3. Descrição e Análise de Resultados...66

Conclusão...75

Bibliografia...81 Anexos...CD

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vii Índice de Figuras

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viii Índice de Tabelas

Tabela 1 - Estrutura editorial das revistas (Fonte: Tennant, 2009)………...CD Tabela 2 - Estrutura editorial dos sites (Fonte: Tennant, 2009)…….……..…...…………CD Tabela 3 – Uso de terminologia em inglês………..………….…..CD Tabela 4 – Uso de pontuação/classificação no final da crítica……….……….….CD Tabela 5 – Extensão do artigo………..………...………CD Tabela 6 – Tipo de publicação……….….………..CD Tabela 7 – Referências a outros videojogos ou obras culturais………..CD Tabela 8 – Utilização de diferentes tipologias de conteúdos………..…CD Tabela 9 – Gráficos………...…..CD Tabela 10 – Efeitos sonoros…….……….…..CD Tabela 11 – Mecânicas de jogo……….………..…....CD Tabela 12 – Duração do jogo………..…CD Tabela 13 – Narrativa……….CD Tabela 14 – Referência ao género do videojogo……….CD Tabela 15 - Classificação do artigo pela publicação………..……….CD

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1 Introdução

O jornalismo vive de notícias. O jornalismo cultural ajuda-nos a compreender melhor a vida humana, no que ela tem de criativo, artístico e sublime.

Mesmo quem, na senda da etologia, olhe para o homem à luz do estudo comparado de padrões de comportamentos animais, aceitará que o que nos distingue na natureza é também a nossa capacidade de criação cultural.

A música, as artes visuais, a arquitetura, a dança, a literatura, o teatro, são manifestações essencialmente humanas – mesmo que noutros animais se possam identificar padrões de comunicação, rituais de acasalamento ou outros comportamentos relacionáveis com o canto ou a dança, por exemplo.

Lembramos o início da introdução de A História da Arte de E. H. Gombrich: “Não existe realmente algo a que se possa chamar Arte. Existem apenas artistas” (15). Também por isso, a cultura e a arte são medidas do humano.

E, à medida que o homem conseguiu fazer evoluir as tecnologias disponíveis, outras formas de produção cultural foram surgindo: a fotografia, o cinema, a rádio, a televisão, os videojogos.

Desde meados do século vinte, vivemos a passagem dos processos de produção tecnológicos de raiz mecânica e analógica para a era digital.

Depois da Revolução Agrícola e da Revolução Industrial, a Revolução Digital vem mudando o mundo e a vida do homem.

O conceito de cultura mudou. Também o jornalismo não ficou indiferente a essa revolução: beneficia dela e sofre-lhe os efeitos.

Assim, o jornalismo enfrenta várias mudanças na forma como é lido e encarado pela sociedade, registando algumas dificuldades no modo como se sustenta e como se adapta face à constante evolução do panorama digital.

Neste relatório, analisaremos as características do jornalismo cultural e as várias perspetivas em que o mesmo é considerado, não esquecendo a evolução do conceito de cultura, a diversidade de culturas e ideia de herança cultural.

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Veremos o modo como o jornalismo cultural foi sendo alvo de desenvolvimentos diversos, abrangendo hoje matérias como a moda, a gastronomia, até a psicologia (aquilo a que se chamou jornalismo lifestyle), mas também as novas tecnologias ou as viagens (jornalismo de serviço).

Consideraremos o modo como, nesta interpenetração, se foram esbatendo categorias e conceitos – sempre a propósito do jornalismo cultural - veja-se, como exemplo, a dicotomia “cultura superior vs. cultura popular” que parece ter vindo a tornar-se obsoleta.

Veremos igualmente como o exercício da crítica ganhou nova dimensão ao surgir também como guia de consumo de produtos culturais. Não obstante, é ainda possível afirmar o predomínio das chamadas artes tradicionais no jornalismo cultural.

Analisaremos a dependência existente entre este e as indústrias culturais, muito por causa da dependência económica da própria atividade jornalística.

Ainda assim, é possível afirmar que o jornalismo cultural mantem as suas características: vai além da cobertura noticiosa e factual, é opinativo e analítico.

Analisaremos em que medida estas ideias se projetam num novo meio de comunicação: o jornalismo cultural digital.

A passagem para o meio digital globalizou o jornalismo e tornou-o permeável à participação dos cidadãos na transmissão de informações e opiniões. Veremos os desafios que a este respeito se colocam, designadamente no jornalismo cultural, onde a crítica assume papel de destaque.

Como aproximação ao tema do presente relatório, procuraremos identificar as principais características da crítica, enquanto género jornalístico, uma vez que o jornalismo de videojogos é uma forma de jornalismo cultural.

E, para compreender o jornalismo de videojogos, importa conhecer a importância destes enquanto fenómeno sociocultural, presente na cultura contemporânea.

Com efeito, desde o seu aparecimento que os videojogos exerceram um fascínio cada vez maior sobre crianças, jovens e adultos. Na atualidade, a idade média do consumidor de videojogos é de 34 anos. Seja numa perspetiva lúdica ou pedagógica, o gaming foi-se

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instalando com tal força nos hábitos sociais que é possível afirmar que os videojogos fazem parte da nossa cultura há várias décadas.

A disseminação da prática dos videojogos é tal que se chega a discutir a sua influência na vida dos consumidores e da sociedade. Vejam-se, por exemplo, certos comentários procurando ligar episódios noticiados de violência e tiroteios com certos videojogos.

Alguns estudos, como os realizados pela Associação Americana de Psicologia, em 2013, e, já este ano, pela Universidade de Oxford, contrariam aquela ligação. A verdade é que, tais comentários, apenas pelo facto de existirem, validam a incontornável afirmação dos videojogos na cultura contemporânea.

Daremos notícia da evolução histórica dos videojogos, desde o seu aparecimento até à atualidade, dando origem a uma nova, competitiva e poderosa indústria que gera receitas astronómicas.

A produção de videojogos acompanhou a evolução dos meios tecnológicos disponíveis. E provocou essa evolução. Foi-se aperfeiçoando a ponto de se tornar uma arte (ainda que, por enquanto, não avalizada socialmente como tal). E, enquanto arte, tornou-se objeto de crítica.

Na verdade, nos anos 80, com o crescimento da sua popularidade, também o jornalismo começou a abordar esta temática, nascendo assim uma imprensa especializada em videojogos.

No início dos anos 80, com o aparecimento da Internet, muitas revistas especializadas deram lugar a websites. O jornalismo de videojogos foi-se tornando cada vez mais um tipo de jornalismo digital.

Para fazermos uma caracterização mais precisa do jornalismo de videojogos, pareceu-nos adequado escolher um género jornalístico específico: a crítica, que naquele tipo de jornalismo é um dos géneros jornalísticos mais utilizados na grande maioria das publicações especializadas, quer impressas quer online.

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Procuramos o que há de específico no jornalismo de videojogos, e o papel e a importância do jornalista de videojogos, que muitas vezes assume uma função de mediador entre a produção e o consumo, averiguando as exigências que tal posição comporta.

Depois, aprofundamos a nossa investigação sobre a crítica de videojogos, por oposição ao que se costuma designar como uma review dos mesmos: o que aproxima e distingue estes géneros e de que modo se podem confundir.

Veremos também como evoluiu o jornalismo de videojogos em Portugal, analisando as várias publicações que têm chegado ao mercado.

No que toca à revisão da literatura, considerámos a forma e o conteúdo de várias peças jornalísticas para entender o tipo de linguagem e os elementos presentes neste tipo de jornalismo, especialmente na crítica, de forma a conseguir nomear as características do mesmo.

Finalmente, apresentamos a nossa investigação empírica sobre o tema escolhido. Seguimos o método do Estudo de Caso, uma metodologia qualitativa que possibilita a caracterização de algo, neste particular, de um género jornalístico de videojogos no mercado português.

Dentro do Estudo de Caso foi selecionado o tipo Análise de Conteúdo que, trabalhando com comunicações ou mensagens, e não propriamente com documentos, evidencia os indicadores que permitem inferir sobre uma outra realidade que vai além da mensagem em si.

Foi utilizada a técnica Análise Categorial, que permite a criação de várias categorias para analisar os artigos em estudo e retirar ilações sobre os mesmos.

Apresentaremos também a memória descritiva do estágio que realizámos na empresa Adagietto.

Ali foram assumidas funções de assessoria de imprensa e relações públicas da marca PlayStation, uma das marcas mais relevantes no mercado de videojogos, incluindo o mercado português, o que nos permitiu o contacto diário com os vários meios de comunicação que abordam os videojogos, dos mais generalistas aos mais especializados.

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Desta forma, a leitura e o acompanhamento dos trabalhos de jornalismo de videojogos, durante aquele período, foi fundamental para a escolha do tema e para a elaboração deste relatório de estágio.

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6 Parte I – Revisão da Literatura

1. Conceito de Cultura

“É provável que nunca na História se tenham escrito tantos tratados, ensaios, teorias e análises sobre a cultura como no nosso tempo. O facto é ainda mais surpreendente tendo em vista que a cultura, no sentido que tradicionalmente se deu a esse vocábulo, está nos nossos dias prestes a desaparecer. E talvez já tenha desaparecido, discretamente esvaziada do seu conteúdo e este substituído por outro, que desfigura o que teve”. (Llosa, 2012, 11)

Ao longo da história ocidental a noção de cultura teve diferentes significados e matizes. Para Llosa (2012), cultura sempre significou um conjunto de matérias que a sociedade reconhecia como fazendo parte daquele conceito: “um património de ideias, valores e obras de arte, de conhecimentos históricos, religiosos, filosóficos e científicos em constante evolução”, bem como “o fomento da exploração de novas formas artísticas e literárias e da investigação em todos os campos do saber” (61).

Contudo, ao contrário das ciências naturais, onde o passado é superado por novas descobertas e invenções, “as letras e as artes renovam-se, não progridem, elas não aniquilam o seu passado, constroem sobre ele, alimentam-se dele e ao mesmo tempo alimentam-no” (Llosa, 2012:68). Por isso, o autor considera Velázquez tão vivo como Picasso, e Cervantes tão atual como Borges ou Faulkner. Daí que afirme terem sido as letras e as artes o denominador comum da cultura.

Llosa (2012) critica a cultura contemporânea, que considera vítima da especialização e da massificação, e onde o desaparecimento do papel das chamadas minorias cultas conduziu ao desmoronamento do que até hoje era considerado cultura.

O autor vê na especialização a que chegaram as ciências a causa do perigo de destruição do planeta num holocausto bélico ou numa catástrofe ecológica, perdido que foi aquele denominador cultural comum.

Na introdução à mesma obra, Llosa (2012) passa em sumária revista alguns ensaios que nas últimas décadas abordaram o conceito de cultura e o seu conteúdo, num percurso que parece orientado para o desenlace catastrofista que o autor anuncia.

Note-se que essa panorâmica começa já num período histórico a que se convencionou chamar de modernidade e exclui todos os séculos em que cultura e religião se mantiveram

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profundamente interligadas, em que a cultura era de alguma forma um sistema de ordenação da vida humana.

Essa visão da cultura, hierarquizada e com referências estáveis começa a ser posta em causa com o iluminismo, a revolução francesa e o aparecimento das democracias modernas. Trata-se agora de erguer o mundo sob o signo da razão, livre das hierarquias e de poderes hereditários, do primado da Igreja e todas as tradições e superstições.

A modernidade cultural tem uma fé inabalável na ciência, nas conquistas técnicas e no progresso ilimitado, e identifica-se com os novos modelos de organização social e política das sociedades

Este liberalismo cultural e artístico tem um objetivo expresso: “a emancipação dos homens em relação aos constrangimentos e às pertenças tradicionais (...) ao antigo universo da hierarquia, do herdado e do imutável” (Lipovetsky e Serroy, 2017:17).

Em 1948, T.S. Eliot publica Notes Towards the Definition of Culture. O seu pensamento está sintetizado num artigo intitulado Os Três Sentidos de Cultura, que viria a ser objeto de publicação autónoma. À volta do conceito de cultura, Eliot (2019) defende que o mesmo tem associações diferentes consoante esteja relacionado com o desenvolvimento de um indivíduo, de um grupo ou classe ou de toda uma sociedade, estabelecendo uma relação de dependência entre aqueles três níveis.

Por isso, entende que é a cultura em relação a toda uma sociedade que deve merecer a nossa atenção, reconhecendo que, quando aplicamos o termo “cultura” ao “aperfeiçoamento do intelecto e do espírito humanos, é menos provável que concordemos em relação ao que a cultura é” (129).

Seja considerando a mera urbanidade ou civilidade, seja pensando em matérias mais vastas como o conhecimento, a filosofia ou as artes, tudo se integra no conceito de cultura.

Eliot (2019) adverte para os riscos de o progresso civilizacional vir a originar grupos de cultura cada vez mais especializados. “A desintegração cultural pode seguir-se à especialização cultural: e é a desintegração mais radical que uma sociedade pode sofrer. (...) é a mais séria e a mais difícil de reparar” (133).

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O autor apresenta uma definição de cultura o mais sintética possível: “A cultura pode mesmo ser descrita simplesmente como aquilo que torna a vida digna de ser vivida” (134).

Eliot (1962) não confunde cultura com religião, mas, enquanto cristão, não considera separáveis aqueles conceitos, tanto mais que foi o cristianismo que fez da Europa o que ela é:

“As nossas artes desenvolveram-se dentro do cristianismo, as leis até há pouco tinham as suas raízes nele e foi tendo o cristianismo como fundo que o pensamento europeu se desenvolveu. Um europeu pode não acreditar que a fé cristã seja verdadeira e, no entanto, aquilo que diz, acredita e faz provém da fonte do legado cristão e depende dela o seu sentido. Só uma cultura cristã podia ter produzido Voltaire ou Nietzsche. Eu não acredito que a cultura da Europa pudesse sobreviver ao desaparecimento da fé cristã” (122).

Importa ainda referir a ideia de “alta cultura”, conceito que frequentemente foi posto em oposição ao de cultura popular e que, como veremos adiante, gerou uma oposição que hoje muitos consideram diluída.

Para Eliot (1962), a alta cultura é património de uma elite e esta é indispensável à preservação daquela. Porém, é necessário esclarecer que a elite não se confunde, não coincide com a classe privilegiada ou aristocrática, ela é aberta ou permeável a outras classes e grupos – mesmo que não seja essa a regra.

Em 1971, George Steiner publicou o ensaio No Castelo do Barba Azul, Algumas Notas para a Redifinição da Cultura.

O autor começa por dedicar a sua atenção ao século XIX e defende que, após o período que vai da Revolução Francesa de 1789 até à derrota de Napoleão, em 1815, a cultura europeia foi sendo marcada por um sentimento de tédio. E deteta nesse estado de espírito o anseio pela dissolução violenta que a Primeira Guerra Mundial trouxe consigo.

Steiner (1992) considera que “poucas tentativas se fizeram no sentido de ligar a barbárie do século XX a uma teoria geral da cultura” (39,40), e isto não obstante ser sua convicção que aquela barbárie reflete em muitos pontos “a cultura de onde brotou e quis profanar.” (idem)

A verdade é que, “o que fora erro de cálculo e acidente incontrolável na Primeira Guerra Mundial tornou-se em método na Segunda”. Perante o Holocausto, qualquer reflexão ou análise sobre a cultura exige a compreensão “da fenomenologia do assassínio de massa

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nas modalidades em que se materializou na Europa, do Sul de Espanha às fronteiras da Rússia asiática, entre 1936 e 1945” (Steiner,1992: 43).

Por isso, Steiner (1992) critica Eliot por este ter publicado a sua obra sobre cultura, três anos após a Segunda Guerra Mundial, sem relacionar o tema com a carnificina que o mundo acabava de viver e, sobretudo, omitindo uma reflexão sobre o Holocausto, onde, segundo ele, desemboca uma longa tradição antissemita da cultura do ocidente. E sublinha:

“Uma teoria da cultura, uma análise da nossa situação de hoje, que não logre considerar no seu eixo as modalidades do terror que levou à morte, por meio da guerra, da fome e do massacre deliberado, cerca de setenta milhões de seres humanos na Europa e na Rússia, entre o início da Primeira Guerra Mundial e o fim da Segunda, não pode deixar de me parecer irresponsável.”(40).

Steiner (1992) analisa as raízes do antissemitismo na cultura ocidental, de modo a alcançar a compreensão do Holocausto. E considera que foi com o cataclismo bélico que varreu o século XX que a cultura acabou e começou a era do que é designado por pós-cultura. O eixo organizador da cultura transferiu-se para a América e na Europa desenvolveu-se um desenvolveu-sentimento de autocensura e de perda da centralidade (Steiner, 1992).

Perdidas as utopias que poderiam constituir o núcleo da cultura, perdeu-se a noção de que a História tinha um sentido ascendente. Perdeu-se o conceito caro ao iluminismo e à educação liberal, segundo o qual as humanidades geravam humanismo (quanto mais culto e informado o homem for, mais humano se torna).

Na verdade, “as bibliotecas, museus, teatros, universidades, centros de investigação, nos quais e através dos quais a transmissão das humanidades e das ciências tem (...) lugar, podem prosperar na vizinhança dos campos de concentração” (Steiner,1992: 84). A História dá-nos exemplos de carrascos amantes de Bach e Mozart e de génios que não se impressionaram com a barbárie: a recetividade literária ou a sensibilidade estética “podem coexistir num mesmo indivíduo com comportamentos característicos da barbárie e politicamente sádicos” (idem).

A consciência deste fracasso da educação e da cultura gera o pessimismo que caracteriza a pós-cultura. “Que bem trouxe a tradição humanista às massas oprimidas da comunidade? De que serviu ela quando a barbárie se fez anunciar?” (Steiner,1992: 92). O autor sugere que não há resposta adequada para a questão da fragilidade da cultura.

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Importa também salientar que Steiner (1992) entende, tal como Eliot, que a religião está vinculada à cultura, ainda que sem a estreita relação com o cristianismo. Segundo ele, o aspeto religioso da cultura revela-se na vontade que torna possível a grande arte e o pensamento profundo dos quais nasce um desejo de durar, uma aspiração de transcendência – o que é posto em causa pela pós-cultura.

As perspetivas de futuro da pós-cultura, na sequência dos colapsos das hierarquias que caracterizavam o modelo clássico de cultura, têm, segundo Steiner (1992) algumas marcas relevantes. Desde logo, o recuo da palavra e do discurso falado, rememorado e escrito que “constituía o esqueleto da consciência” (115) e a sua substituição, cada vez mais notória, pela imagem. Por outro lado, e pelo facto de, graças às tecnologias disponíveis, “toda a música poder ser hoje ouvida a qualquer hora” (122), a generalização da presença musical determina aquilo a que o autor designa como “musicalização da nossa cultura” (123).

Aliás, porque ao contrário da leitura, que reclama silêncio e isolamento, a música apela à partilha e à sociabilidade, Steiner (1992) arrisca dizer que, de alguma forma a música é quem garante hoje a “poesia da emoção religiosa” (124): muitas vezes detetamos a mentira na linguagem, mas a música “não mente” (125).

Adicionalmente, e “sob pena de abandonar o campo da razão” (Steiner, 1992: 130), qualquer conceito de cultura atual ou tese sobre a pós-cultura terá de considerar novas áreas do saber, designadamente, o conhecimento das matemáticas e das ciências da natureza, a evolução das ciências biomédicas, os desenvolvimentos da informática ou as alterações ecológicas em curso.

Afinal, “a relação do homem com a verdade é uma relação de persistência na busca” (Steiner, 1992: 137), abrindo sempre novas portas ao saber.

Outro ensaio a ter em conta quando refletimos sobre o conceito de cultura é A Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, publicado em 1967.

Trata-se de uma obra elaborada em teses ou proposições numeradas, algumas como aforismos, muitas de difícil compreensão, e de inspiração marxista.

Para Debord (2012) “a cultura é a esfera geral do conhecimento e das representações do vivido na sociedade histórica dividida em classes” (117) e “a ideologia é a base do pensamento de uma sociedade de classes no curso conflitual da história” (133).

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Na senda do pensamento marxista, “o espetáculo, tomado na sua totalidade, é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente” (10) e “submete a si os homens vivos, na medida em que a economia já os submeteu totalmente. Ele não é mais que a economia desenvolvendo-se a si própria. É o reflexo fiel da produção das coisas” (13). Debord (2012) designa como espetáculo aquilo a que Marx chamava alienação e se reflete no consumismo: o que afasta os cidadãos dos problemas sociais e políticos: o trabalhador alienado deixa de ser um antagonista para a classe dominante.

Llosa (2012) considera que a tese central de Debord é que:

“na sociedade industrial moderna, onde triunfou o capitalismo e a classe operária foi (pelo menos temporariamente) derrotada, a alienação – a ilusão da mentira convertida em verdade – dominou a vida social, convertendo-a numa representação em que tudo o que é espontâneo, autêntico e genuíno – a verdade do humano – foi substituído pelo artificial e pelo falso. Neste mundo, as coisas – as mercadorias – passaram a ser os verdadeiros donos da vida, os amos a que os seres humanos servem para assegurar a produção que enriquece os proprietários das máquinas e as indústrias que fabricam essas mercadorias” (22)

Llosa (2012) admite alguma proximidade com alguns “achados e intuições” do livro de Debord, mas afasta-se do manifesto fundamento marxista das suas teses. Afirma que não entende a cultura “como um mero epifenómeno da vida económica e social”. Antes proclama que a cultura é uma:

“realidade autónoma, feita de ideias, valores estéticos e éticos, e obras de arte e literárias que interagem com o resto da vida social e são frequentemente, em vez de reflexos, fonte dos fenómenos sociais, económicos, políticos e até religiosos.” (23).

Entre os trabalhos que nos últimos anos procuraram “definir os traços característicos da cultura do nosso tempo no contexto da globalização, da mundialização do capitalismo e dos mercados e da extraordinária revolução tecnológica”, Llosa (2012) destaca o já citado ensaio de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, A Cultura-Mundo. Resposta a Uma Sociedade Desorientada.

Segundo os autores, e na sequência do que atrás referimos, a cultura transformou-se numa cultura-mundo “do tecnocapitalismo planetário, das indústrias culturais, do consumismo total, dos media e das redes digitais.” (Lipovetsky e Serroy, 2017: 11).

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Passou o tempo em que a cultura significava um sistema coerente de explicação do mundo. Igualmente se mostram ultrapassadas as épocas de oposição entre cultura popular e alta cultura.

Vivemos num mundo em que o universo da comunicação, da informação e da mediatização conheceu uma expansão planetária. Através de todas as novas tecnologias disponíveis, a cultura passou a estar intrinsecamente ligada à indústria mercantil, atravessando todos os sectores da sociedade e com manifesta vocação global. Esta remodelação do mundo é feita na lógica do individualismo e do consumismo. (Lipovetsky e Serroy, 2017)

Deste novo mundo sai uma imagem de inspiração geométrica, que sintetiza o pensamento dos autores: “A cultura transformou-se num mundo cuja circunferência passou a estar em todo o lado e o centro em lugar nenhum” (Lipovetsky e Serroy, 2017: 12)

E, a propósito das chamadas indústrias culturais, esclarecem:

“Nos antípodas das vanguardas herméticas e elitistas, a cultura de massas procura oferecer novidades produzidas com a maior acessibilidade possível e para distrair o maior número de pessoas. Trata-se de divertir, de dar prazer, de permitir uma evasão fácil e acessível a todos, não requerendo nenhuma formação, nenhuma referência cultural específica e erudita. O que as indústrias culturais inventam não é senão uma cultura transformada em artigos de consumo de massas.” (2017: 89).

Estas transformações no universo cultural acabaram por provocar alguns fenómenos dignos de registo, desde logo, o profundo desenvolvimento da dimensão económica da cultura.

A par, à medida que “o capitalismo absorve cada vez mais a esfera cultural, esta sofre a erosão das antigas fronteiras simbólicas que hierarquizavam a alta e a baixa cultura, a arte e o comercial, o espírito e o divertimento” (Lipovetsky e Serroy, 2017: 32).

Por outro lado, assiste-se a um retorno à politização da cultura, seja como consequência dos conflitos étnicos, do fanatismo religioso, do regresso das culturas regionais e nacionais e de todos os conflitos que lhes estão associados.

A par do que parecia ser a criação de uma cultura global, assiste-se a uma nova relação entre cultura e política, no que os autores designam como “a vingança da cultura” (Lipovetsky e Serroy, 2017: 31).

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Em 2010 foi publicado em França, o livro do sociólogo Frédéric Martel Cultura Mainstream que acentua as características da cultura do nosso tempo, na sequência do que foi descrito por Lipovetsky e Serroy.

Segundo Llosa (2012) o livro debruça-se sobre aquilo que designa como “cultura do entretenimento” e reúne “centenas de entrevistas feitas em diversos países sobre o que, graças à globalização e à revolução audiovisual, é hoje em dia um denominador comum, apesar da diferença de línguas, religiões e costumes, entre os povos dos cinco continentes” (27).

Do mesmo emerge a ideia de que, a nível global, a “cultura do passado”, entendida como a que se era constituída pela literatura, pela pintura ou escultura, pelo teatro, pela música erudita, pela dança clássica ou pela filosofia e as humanidades tem vindo a ser substituída pelo cinema, pela televisão, pelos videojogos, por concertos de música popular, etc., a que grande maioria do género humano dá especial atenção (Llosa, 2012).

Esta nova cultura não visa transcender o presente e perdurar, é uma cultura de diversão e os seus produtos resultam de uma produção industrial massiva para consumo imediato, visando o êxito comercial.

Podemos constatar como, num espaço de cerca de sessenta anos, o conceito de cultura sofreu mutações profundas e evoluiu permanentemente em função do devir histórico e do progresso económico, científico e tecnológico.

Sempre a cultura refletiu tal progresso. Pensemos na revolução cultural que a prensa de caracteres móveis de Gutenberg iniciou, com todas as suas consequências históricas, designadamente, a nível político, religioso e científico.

Vargas Llosa parece ver na evolução das últimas décadas sinais de catástrofe cultural, por considerar que a democratização da cultura empobrece a chamada alta cultura e torna-a cada vez mais comercial. Outros, como Lipovetsky, Serroy ou Martel, sublinham o aumento do acesso aos bens culturais.

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14 2. Jornalismo Cultural

2.1. Conceito de Jornalismo

“Jornalismo, independentemente de qualquer definição académica, é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores telespectadores e ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa uma arma de aparência extremamente inofensiva: a palavra” (Rossi, 1980:1)

Dadas as características da nossa investigação, é importante começar por definir alguns conceitos relacionados com o jornalismo.

Sendo difícil definir o conceito de jornalismo numa breve descrição, é necessário investigar vários conceitos e teorias.

Segundo Nelson Traquina (2005), autor que estudou as teorias do jornalismo, o jornalismo é uma “atividade intelectual” (22) na qual a principal tarefa dos jornalistas é relatar os acontecimentos que surgem na atualidade, tratando-se assim de “uma atividade criativa, plenamente demonstrada, de forma periódica, pela intervenção de novas palavras e pela construção do mundo em notícias”. (22)

A principal matéria prima do jornalismo é a informação e sua partilha com os leitores. “O propósito primário do jornalismo é providenciar aos cidadãos a informação que eles precisam para ser livres e autónomos” (Kovach e Rosenstiel, 2007:12).

Ou seja, o jornalismo é essencial numa sociedade democrática e apenas nesta consegue ser imparcial e livre, pois num estado totalitário, como aconteceu em Portugal durante o período do Estado Novo, o jornalismo acaba por ser “propaganda a serviço do poder instalado” (Traquina, 2005: 23).

Se procurarmos por uma definição mais prática e abrangente aos vários meios, trata-se do ato de “reportar, escrever, editar, fotografar ou transmitir notícias” (Soler, 2014: 4).

Para Burns e Matthwes (2018) o jornalismo contém o “potencial de encorajar as pessoas a compreenderem o mundo à sua volta” (4) e Mark Deuze (2005) considera que o jornalismo “providencia um serviço público” (447) e que deve ser sempre “neutro, objetivo, justo e credível”. (448)

Lage (2014) descreve que o jornalismo é uma “prática social que se distingue das outras pelo compromisso ético peculiar e pela dupla representação social”, onde os

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jornalistas podem ser considerados “de maneira ampla, como intermediários no tráfego social da informação ou, de maneira estrita, como agentes ao serviço de causas consideradas nobres” (20).

Para Gradim (2000), um jornal tem como função a de informar os seus leitores e, como tal, considera que “a coisa mais importante do jornal, a única coisa importante, são as notícias” (17). A autora faz ainda a importante distinção entre o jornalista e a notícia, afirmando que o autor da mesma não deve ser confundido com o conteúdo da notícia.

O nascimento do jornalismo escrito e da partilha de notícias está intrinsecamente relacionado com o aparecimento da prensa, no século XV, que criou condições para a impressão e circulação de notícias.

No entanto, o primeiro exemplo de um boletim para transmitir notícias foi a Acta Diurna, um registo que era feito diariamente através de gravações em pedra com informações e comunicados relevantes. A primeira Acta Diurna surgiu em Roma durante o império de Júlio César em 59 A.C.

Contudo, as primeiras definições de jornalismo surgem no século XVII e estavam relacionadas com o relato e registo de acontecimentos. Segundo Coelho (2013) a definição de jornalista enquanto profissão aparece apenas no século XIX, estando “associada a um conjunto de transformações sociais, económicas, políticas e tecnológicas” (33). O autor considera ainda que a notícia é o “elemento que serve de motor ao jornalismo e à profissão de jornalista e que lhes é anterior (…) O conceito de notícia está diretamente relacionado com o novo, com o que rompe as baias que delimitam o quotidiano” (34).

Barbie Zelizer (2004) considera que o jornalismo existe “desde que as pessoas reconheceram a necessidade de partilhar informação sobres elas e os outros” (2).

Para Wahl-Jorgensen e Hanitzsch (2009), as notícias e, por consequente, o jornalismo, moldam a maneira como vemos o mundo. As notícias são uma “forma importante e singular de cola social” (3). Além disso, “o jornalismo está intrinsecamente ligado à democracia. Tem um papel fundamental na forma como molda as nossas identidades enquanto cidadãos, possibilitando as conversações e deliberações entre os cidadãos”. (3). Os autores consideram ainda que “se o jornalismo tem um papel tão relevante na sociedade,

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estudá-lo é muito importante para quem pretenda compreender a cultura contemporânea” (4).

No que toca à evolução e transformação de que o jornalismo tem sido constantemente alvo, Pavlik (2001) aponta para uma série de fatores económicos, regulatórios e culturais que têm vindo a moldar a forma de se fazer jornalismo, além da Internet.

Como tal, o jornalismo conta com várias definições que são igualmente aplicáveis nas suas várias vertentes, como por exemplo, o jornalismo cultural. Além disso, e apesar das mudanças que o jornalismo tem sofrido ao longo dos anos com o aparecimento de novas formas de comunicar, este tem, felizmente, mantido estas bases que são fundamentais para o seu bom exercício.

2.2. Conceito de Jornalismo Cultural

“Todo o jornal que se preze tem uma secção dedicada à cultura, o chamado suplemento cultural” (Schwanitz, 2004: 460).

O jornalismo cultural conta atualmente com várias definições e tendências. Para compreender melhor as especificidades deste tipo de jornalismo, é importante recolher e entender várias definições de diferentes autores de forma a caracterizar o mesmo com a maior precisão possível.

Para Vítor Belanciano (2010), o jornalismo cultural não deve apenas focar-se no “lançamento de discos, livros, exposições ou filmes (…) deve examinar mais as implicações das obras na sociedade do que limitar-se à agenda de eventos”.

Ou seja, antes de definir o que é jornalismo cultural, é essencial perceber que a dimensão deste tipo de jornalismo não deve ficar reduzida apenas ao campo das artes. Jornalismo cultural e cultura, “são conceitos fluidos, complexos, e híbridos, cujo âmbito se redefiniu consoante a própria evolução da sociedade” (Silva e Silva, 2017: 89).

Tal é a complexidade de definir estes conceitos que Kroeber e Kluckhohn, numa obra de 1952, apresentaram 164 definições de cultura. Desta forma, não podemos ter em conta apenas as definições e conceitos passados, sendo necessário contextualizar e atualizar de forma constante estes dois conceitos tão complexos.

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A origem do jornalismo cultural conta com mais de 400 anos. Segundo Isabel Mello (2007), os primeiros artigos sobre obras culturais datam do século XVII, mais concretamente em 1665 e 1684, através dos jornais The Transactions of the Royal Society of London e News of Republic of Letters.

Contudo, a publicação mais “marcante do Jornalismo Cultural” (2) chegaria em 1711, em Inglaterra, pelas páginas do The Spectator, que tinha como ideal “trazer a filosofia para fora das instituições académicas para ser tratada em clubes e assembleias, em mesas de chá e café” (2). Esta publicação diária visava fazer a cobertura de temáticas “desde questões morais e estéticas até a última moda das luvas” (Burke, 2004;78)

Jorge Rivera (2003) conceptualiza o jornalismo cultural como uma vasta área onde o que importa é o “propósito” cultural deste tipo de jornalismo.

“ É uma zona complexa e heterogénea de meios, géneros e produtos que abordam com propósitos criativos, críticos, reprodutivos ou de divulgação, os territórios das belas artes e das belas letras, as correntes de pensamento, as ciências sociais e humanas, a chamada cultura popular e muitos outros aspetos que têm a ver com a reprodução, circulação e consumo de bens simbólicos, independentemente da sua origem ou do seu destino” (19).

Existe, assim, uma duplicidade dimensional no que toca ao jornalismo cultural. Por um lado, temos este tipo de jornalismo associado a uma “lógica de mercado e ao entretenimento” (Silva e Silva, 2017: 91). Por outro, é visto como “um espaço de produção cultural, com uma forte presença autoral, opinativa e analítica que extravasa as fronteiras da mera cobertura noticiosa” (91).

“O jornalismo cultural constitui-se em um território de práticas jornalísticas que tanto reiteram os signos, valores e procedimentos da cultura de massa quanto discursos que revelam tensões contra-hegemónicas características de conjunturas históricas específicas” (Faro, 2006:149)

Para Teresa Maia e Carmo (2006), o jornalismo cultural nasceu no século XVII, conjugando três acontecimentos basilares para a sua formação: o aparecimento dos panfletos literários e de revistas direcionadas a um público essencialmente feminino francês, as mudanças sociais e culturais que o iluminismo trouxe e, mais tarde, o desenvolvimento do capitalismo industrial, onde a imprensa viveu um crescimento exponencial, dando assim oportunidade para o aparecimento de mais publicações especializadas em jornalismo cultural.

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A autora destaca ainda a importância que publicações como a revista inglesa The Spectator, fundada em 1828, ou a New Yorker, revista norte-americana, fundada em 1925, tiveram como principais impulsionadores do jornalismo cultural, demarcando uma “explosão de novas formas de cultura e suas figurações nos media” (5).

Dietrich Schwanitz (2004) defende que o chamado suplemento cultural nasceu por volta de 1800 pelo “abade Geoffroy para o Journal des Débats e destinava-se originalmente à crítica de teatro” (461) passando mais tarde a conter conteúdo sobre tudo o que diz respeito aos “media, às artes, à literatura, à música e à ciência” (461).

“A cultura continua a fazer parte da ementa diária da imprensa portuguesa, mas em doses mais pequenas e com menor variedade temática” (Baptista, 2017: 8).

Definir o conceito de cultura, como já referido, é algo que tem sido feito ao longo dos séculos e vários autores dão ideias e conceções diferentes para a mesma palavra. É um dos termos com mais definições e conceitos, tendo ainda uma grande ambiguidade adjacente (Bustamante, 2017). De certo modo, é também correto afirmar que “a cultura está em tudo, é de sua essência misturar assuntos e atravessar linguagens” (Piza, 2013:7).

“No caso do jornalismo cultural português, pensamos que a mudança se fez mais pela aproximação a uma conceptualização alargada de cultura, associado ao entretenimento, ao lazer e ao consumo, do que propriamente pelo favorecimento de um jornalismo mais contextual, de causa ou ensaístico. Mas as duas posições coexistem, e são motivo de alguma bipolarização entre os profissionais.” (Baptista, 2017:52)

Mariana Pícaro Cerigatto (2015) destaca igualmente a mudança de paradigma naquilo que se considera como cultural, referindo a distinção da chamada “cultura alta”, onde se inseriam as artes mais nobres como a pintura, escultura ou literatura, e a “cultura baixa”, que estava mais ligada a costumes e tradições populares e que deu origem à chamada cultura popular. A autora defende precisamente que esta distinção entre estes dois tipos de cultura tem perdido força e que a “cultura popular mediatizada representa uma continuidade da arte anônima produzida em contato com o público” (42).

“Os media e o jornalismo cultural são peças chave fundamentais para a valorização da diversidade cultural, da cultura popular e a promoção de diálogo entre culturas diferentes (…) É importante que a mídia e o jornalismo reúnam esforços para a preservação da diversidade cultural, contribuindo para que a temática tenha maior notoriedade de forma adequada” (Cerigatto,2015;48)

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É igualmente necessário referir os cutural studies para descrever a relação da comunicação com a cultura. Esta corrente crítica teve origem em 1957 em Inglaterra e “era formado por um grupo de teóricos empenhados em mudar a sociedade, e que para isso adoptou uma teoria de acção” (Santos, 2015:68).

Para Stuart Hall (2005), as diferenças sociais, de classe, raça ou género não eram um entrave na construção de uma cultura nacional, defendendo assim a importância de todos os indivíduos serem representados como “pertencendo à mesma e grande família nacional” (59). Além disso, “Hall descreveu os meios de comunicação de massas como produtores e reprodutores de ideologias” (Santos 2015:65).

Contudo, Richard Hoggart e Raymond Williams não consideravam a cultura como uma ideologia, sendo que “Hoggart chegou mesmo a substituir a noção de divisão de classes baseada nos interesses económicos por uma divisão baseada na cultura” (Santos, 2015:65). Williams (1982) destacava ainda a relevância da cultura no estudo das comunicações, bem como o papel fundamental que as comunicações têm na sociedade.

Quanto ao paradigma da “alta cultura” e “baixa cultura”, Santos (2015) refere que Raymond Williams acusava a comunicação social de “fazer uma lavagem ao cérebro da sociedade ao obrigar a população a gostar de westerns e de filmes violentos, em detrimento dos programas culturais que ele considerava mais elevados” (66).

Isabel Capeloa Gil (2019) refere que a ligação entre a comunicação e a cultura é “natural e necessária”, pois esta “pressupõe a transmissão de valores culturais” (9).

“Olhar para a comunicação como modo de produção cultural pressupõe desde logo o cultivo de um modelo dialógico e semiótico de interpretação dos media enquanto estruturas de representação, produtos culturais situados e, como tal, sujeitos a uma análise cultural, também ela pautada por mecanismos de diferenciação, construtividade e contingência.” (Gil, 2006;10)

Desta forma, tem-se assistido nos últimos anos a um alargamento daquilo que é considerado e conotado como jornalismo cultural, havendo alguma confusão e aproximação com o jornalismo lifestyle, onde se inserem as “viagens, entretenimento, prazer, estilo de vida, comida, música, artes e jardinagem” (Hanusch, 2012:2).

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Para Fursisch (2012), o jornalismo de lifestyle conta com três características basilares: é um tipo de jornalismo que fornece conselhos, dá opinião sobre um produto ou objeto e tem um caráter comercial.

Contudo, no caso do jornalismo cultural português, a tendência para juntar o jornalismo lifestyle e cultural tem origem nas “direções editoriais desprovidas de sensibilidade ou interesse nos temas culturais, pressupondo que a cultura está do lado das “notícias leves”, enquanto a política e economia são os “bairros duros” do jornalismo” (Baptista, 2017: 56).

“As principais preocupações do jornalismo cultural são a divulgação das artes e do trabalho criativo” (Jaggi, 2017). Além disso, aquele tem ainda em conta o trabalho dos artistas, autores e instituições para o desenvolvimento da cultura. O jornalismo cultural cobre várias áreas sendo as principais a literatura, artes visuais, música, cinema, teatro, dança, fotografia, arquitetura e design.

É ainda feita a distinção entre aquilo que se considera a alta cultura, ligada às formas mais tradicionais de produção artística, e a cultura popular, que abrange a maior parte das artes mais populares. Contudo, a cultura aborda ainda várias áreas do entretenimento como a rádio, televisão e os videojogos, o nosso objeto de estudo. Algumas definições mais alargadas, incluem ainda a gastronomia ou a jardinagem na área cultural. (Jaggi, 2017).

Existem autores que optam por definições mais simples e generalistas, como é o caso de Nete Kristensen (2010), que considera que o jornalismo cultural se situa entre a “arte, cultura popular, lifestyle e consumo” (69).

Kristensen foi também uma das várias autoras que sugeriu o uso do conceito de journalism on cultural, que Silva e Silva (2017) traduziram para “jornalismo sobre cultura” (92), e que visa precisamente chegar a mais áreas fora do espectro cultural e que se aproximam do lifestyle e do jornalismo de serviço, um tipo de jornalismo que tem como objetivo levar o leitor a tomar uma ação como resultado da leitura (Autry, 1978). Ou seja, o jornalismo de serviço “proporciona assistência, atenção e ajuda ao leitor” (Nieto, 1993:118).

Outra função interessante de destacar neste tipo de jornalismo, é a sua capacidade de fazer refletir sobre a sociedade e atualidade, pois “quanto mais informação detivermos sobre

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outras culturas mais facilmente poderemos compreender determinados acontecimentos políticos, económicos e sociais” (Franco, 2013;30) a uma escala mundial.

Kathryn Olmstead (1991) defende que o jornalismo cultural fornece ferramentas para entender melhor outros países e que este chega a todo o tipo de classe social e a todas as culturas, “identificando a importância da herança cultural em eventos políticos e sociais” (154). Esta herança cultural é fundamental para encontrar “ideias e informação relevante para o presente e o futuro” (154).

2.3. Características do Jornalismo Cultural

Dora Santos Silva e Marisa Torres da Silva (2017) conceptualizaram, na obra Cultura na Primeira Página, aquelas que são as quatro correntes que caracterizam o jornalismo cultural em Portugal, tendo como termo de comparação, o jornalismo cultural internacional. Apesar deste estudo ter sido feito apenas tendo como base jornais e revistas, é possível verificarmos algumas tendências que marcaram o jornalismo cultural em Portugal nos últimos anos.

Em primeiro lugar, surge o conceito de jornalismo “híbrido” e que atravessa várias fronteiras, tendo por base a definição de Kristensen (2010), que refere uma mistura entre arte, lifestyle, consumo e cultura popular.

Um exemplo desta mistura e relação de áreas passa pela multiplicidade de artigos que são possíveis de escrever, por exemplo, sobre um álbum de música. Este pode ser alvo de uma crítica, integrar uma lista ou ranking ou ainda ser feita a notícia sobre o seu lançamento, existindo assim várias formas de abordar o mesmo objeto cultural. Desta forma, é difícil restringir a cultura ao seu conceito mais lato, havendo assim necessidade de a enquadrar noutros campos, onde surgem novas categorias de temas culturais.

“No jornalismo contemporâneo, as fronteiras entre o jornalismo de lifestyle (sobre moda, gastronomia ou psicologia), o jornalismo cultural (sobre cinema, música e teatro) e o jornalismo de serviço (sobre tecnologias ou viagens) estão a esbater-se, tornando difícil a categorização de alguns temas que podem pertencer a uma ou outra categoria jornalística: por exemplo, as redações cobrem música e gastronomia como manifestações culturais equivalentes.” (Kristensen & Form, 2012: 26).

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Esta polivalência e mistura de géneros jornalísticos demonstra ainda que a oposição da “cultura superior vs. cultura de elite” possa ser considerada obsoleta. “A maior parte dos media continua a aceitar a importância cultural das artes tradicionais, mas eleva ao mesmo estatuto a cultura de massa (como o cinema ou a música popular)” (Silva e Silva, 2017:94).

R.D. Scott (1999) sintetiza bem esta abrangência e a pertinência de colocar áreas distintas da cultura no mesmo lugar, evitando uma separação entre a cultura popular e a cultura erudita, concluindo que ambas se podem agrupar sobre a mesma definição.

“Se a ópera e o rock & rol, o teatro e a televisão, o cinema e a poesia são todos pratos do mesmo buffet cultura, estas áreas podem ser discutidas e mediatizadas, recorrendo ao mesmo léxico de avaliação” (51).

A segunda corrente que carateriza o jornalismo cultural português está relacionada com o seu papel performativo, ou seja, a importância e “dinamização das ideias em torno da criação artística” (Faro, 2012:194). A crítica cultural serviu, ao longo da história do jornalismo cultural, como elemento pelo qual as pessoas se informavam sobre determinados objetos culturais, confiando assim na opinião e na análise de agentes especializados nestas áreas.

Contudo, Franco (2013) aborda o aparecimento de uma nova dimensão dentro do jornalismo cultural que se aproxima do jornalismo de serviço, através de guias de consumo de produtos culturais. Assim, o público é cada vez mais visto como um consumidor e não apenas como um leitor que pretende informar-se (Amaral, 2005).

A diferença no jornalismo cultural na forma como são abordados os bens de consumo e bens culturais é, assim, cada vez menor. Desta forma, a critica, que é o “género jornalístico mais nobre de carácter performativo” (Silva e Silva, 2017: 96), vai perdendo força, dando lugar à chamada review, termo inglês bastante utilizado no jornalismo de videojogos e que pode ter um significado diferente de crítica, tal como veremos mais à frente neste trabalho, e ao roteiro, que está relacionado com a “programação e listas de teatros, filmes e outros eventos”. (Silva, 2014:43)

Estes géneros híbridos têm vindo a crescer no jornalismo português e marcam presença nas mais diversas publicações em Portugal, como é o caso do suplemento “Fugas”, no jornal Público, “Tentações”, na revista Sábado ou em publicações esporádicas como “Boa Cama Boa Mesa”, do jornal semanal Expresso. “Nesta nova dimensão, os jornalistas

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sugerem, numa lógica de lifestyle, o que os leitores devem ler, ouvir, mas, ao contrário da crítica, não o fazem com argumentação de juízo de valor” (Silva, 2017:96).

A terceira corrente mostra-nos, com base em várias investigações a nível nacional e internacional, que os media ainda dão importância às artes, principalmente a música, cinema ou literatura. Contudo, os media mais tradicionais também se têm focado cada vez mais em outras áreas da cultura e lifestyle, como a gastronomia, design, moda e património, quebrando assim a tal fronteira entre a cultura e outros conceitos. (Silva, 2017).

A quarta e última corrente, aborda a dependência que existe do jornalismo cultural com as indústrias culturais. Este conceito evidencia a existência de uma série de áreas que estão integradas na oferta, produção e distribuição de bens ou serviços culturais. Ou seja, tende a acentuar-se uma perda de qualidade no jornalismo cultural, por culpa da dimensão económica do jornalismo, que não é mais do que o reflexo da própria globalização e da dependência económica que o jornalismo sofre. “Embora o jornalismo cultural tenha duas dimensões – uma mais económica e outra do domínio da esfera cultural – o problema é o predomínio da económica” (Silva, 2017: 97).

No jornalismo cultural, acentuou-se a tendência para ir além do facto, da cobertura noticiosa, surgindo o trabalho do jornalista marcado pela sua análise e opinião (Faro, 2006). Assim, o jornalismo cultural acaba por, à semelhança do jornalismo desportivo, político ou económico, revelar características próprias e uma linguagem específica.

Gadini considera que a crítica de produtos culturais é quase sinónimo de jornalismo cultural, na medida em que “não se limita a informar” e existe sempre algum acréscimo qualitativo por parte do autor. (Gadini, s.d:8)

Para Jean Chalaby (1996), esta tendência teve origem no século XIX, com o aparecimento da “penny press”, em que os jornais começam a ser “encarados como um negócio que pode render lucros, apontando como objetivo fundamental o aumento das tiragens” (Traquina, 2004;34).

Assim, foi possível estabelecer uma série de normas e regras estilísticas que serviram de referência entre os jornalistas e que ainda hoje são visíveis na imprensa atual (Silva, 2017).

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No que diz respeito a uma linguagem específica, o jornalismo cultural conta com um “campo de constituição discursiva complexa, com um léxico e um modo de ver/reconhecer distinto” (Silva, 2017:98) que é muitas vezes direcionada para o seu público. Ou seja, os autores de artigos deste tipo de jornalismo usam muitas expressões e classificações com as quais os leitores já estão familiarizados, pois fazem parte de uma comunidade que segue estes autores ou outros subgéneros dentro do jornalismo cultural.

Jaakola (2012) defende que o jornalismo cultural define-se sobre dois paradigmas: o jornalístico e o estético.

Nunes (2011) estudou a diferença entre estes dois conceitos aplicados ao jornalismo de música, que se insere dentro do jornalismo cultural. O paradigma jornalístico tem que ver com os deveres profissionais do jornalista, enquanto que o paradigma estético está relacionado com os interesses e gostos pessoais do mesmo. Tendo por base mais de 30 entrevistas realizadas a vários agentes da música em Portugal, como jornalistas, promotores ou editores, o autor conclui que os profissionais desta área estão cientes de que podem escrever ou criticar um tipo de música que gostam, o que pode originar conflitos com as editoras.

Podemos então concluir que o jornalismo cultural goza de características próprias que o distingue dos outros tipos de jornalismo, tornando-o único, rico e complexo. O seu caráter opinativo e analítico que vai para além da cobertura noticiosa e factual, e “os códigos linguísticos específicos, favorecendo a compreensão por parte de uma comunidade seletiva e conhecedora” (Nunes, 2003), são elementos essenciais e caracterizadores do jornalismo cultural.

Tal como Kristensen (2010) definiu, o jornalismo cultural é “um contínuo entre arte, cultura popular, lifestyle e consumo” (69).

2.4. Jornalismo Cultural Digital

É cada vez mais uma realidade que o jornalismo digital está em franco desenvolvimento e é pelo meio digital que passa não só o futuro do jornalismo cultural, como o de outras áreas da informação e comunicação. O conceito de jornalismo digital regista

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ainda diferentes definições por parte de diversos autores, sendo um objeto de estudo relativamente recente.

São vários os termos escolhidos para nomear este tipo de jornalismo, mas todos eles dizem respeito ao mesmo conceito. “Jornalismo online, jornalismo multimédia, webjornalismo, jornalismo digital, jornalismo convergente, ciberjornalismo, etc” (Bastos, 2010: 11).

Trata-se de um tipo de jornalismo “polivalente, capaz de utilizar os instrumentos que tem ao seu alcance em benefício da produção de estímulos sensoriais” (Fernandes, 2015:12). Kawamoto (2003) considera que é difícil definir de forma precisa o conceito de jornalismo digital e apresenta uma possível definição para este tipo de jornalismo: “o uso de tecnologias para pesquisar, produzir e entregar notícias e informação a uma crescente audiência especializada em computadores” (4).

No que toca ao efeito da Internet no jornalismo, Deuze (1999) considera que este está a mudar o jornalismo em três formas: torna o papel do jornalista enquanto intermediário democrático mais supérfluo, oferece um leque de recursos e possibilidades tecnológicas prontas a utilizar, e criou num novo tipo de jornalismo, o chamado jornalismo digital ou online.

Relativamente às diferenças entre o jornalismo digital e o tradicional, Deuze (1999) aponta para três características que diferenciam estes dois tipos de jornalismo: a interatividade, a personalização ou individualização, e a convergência. Estes três elementos são fundamentais na prática do jornalismo digital.

No que toca à interatividade e, apesar de existirem outros meios onde é possível o público interagir, como na rádio, é no jornalismo digital que esta interação é mais direta e natural. Esta interatividade faz com que o leitor sinta que faz parte da experiência noticiosa. Deuze (1999) enumera ainda várias maneiras de o leitor interagir com o meio, por exemplo “através da troca direta ou indireta de emails entre o jornalista e o utilizador, por um painel presente no site da publicação ou através de comentários na própria notícia” (377).

No que diz respeito à personalização ou individualização, “a tecnologia da internet permitiu, não só, uma maior interação entre jornalista, organização e utilizador, mas também entre as preferências individuais do utilizador e o jornalista” (Deuze, 1999: 378). O autor

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fala da capacidade que o jornalismo digital tem de chegar de uma forma única a cada um dos utilizadores, permitindo ao leitor procurar de forma livre pelos conteúdos e artigos que mais o interessam. Ao contrário do jornal em formato físico, que foi previamente editado e cujo conteúdo foi escolhido pelo corpo editorial, num jornal digital podemos personalizar a nossa experiência enquanto leitores. Deuze (1999) destaca ainda a capacidade de personalizar a página inicial do site de um determinado meio, dando o exemplo da CNN, que possibilitava aos leitores selecionarem os tópicos que mais apreciavam para serem impactados pelos artigos correspondestes.

Relativamente à convergência, o autor explica que no jornalismo digital é possível reunir várias formas de media tradicionais, como texto, imagem ou som, num único espaço.

“Imagine uma história com imagens e links para um vídeo do evento descrito, excertos de entrevistas e links para outras histórias, bem como informações de tópicos relacionados. Este é o momento em que se pode argumentar que o jornalista online está diretamente a competir com o jornalista de televisão. Contudo, há uma diferença: o contexto da web oferece ao utilizador a liberdade de escolha sobre o que ler no artigo, e permite ao jornalista “brincar” com todos estes elementos: cada história pode ter um ângulo diferente, uma forma diferente de contar a história.” (Deuze, 1999:379)

Assim, o elemento que conta nesta questão da individualização é a opção de escolha, quer seja sobre o que ler dentro de um jornal online ou dentro de um determinado artigo.

Para Ramón Salaverría (2014), existem três características fundamentais para definir o jornalismo cultural digital: é um tipo de jornalismo multiplataforma, ou seja, que pode ser lido em mais do que um tipo de dispositivo ou objeto, é polivalente, através da combinação de formatos e combina várias linguagens, seja de escrita, áudio ou vídeo.

No entanto, Kawamoto (2003) propõe seis características essências e típicas no jornalismo digital: hipertextualidade, interatividade, não-linearidade, multimédia, convergência e customização ou personalização. O autor descreve o jornalismo digital como “um alvo em movimento” (4) e que, tal como a tecnologia e o conceito de jornalismo muda, também a definição de jornalismo digital se altera.

Silva (2015) refere a capacidade de interação que está presente na própria notícia, isto é, “o hipertexto permite que o leitor leia a informação que interconecta a outra informação – seja através de hiperligações ou imagens” (21).

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Por hipertexto, entenda-se uma “construção discursiva multilinear baseada na interconexão de blocos de texto digitalizados (Rost, 2002: 5). O autor considera ainda que o hipertexto permite uma “extensão da intertextualidade, oferece novas formas de aceder a conteúdos disponíveis, promove a interatividade e, por isso, dá ao leitor mais poder na construção da realidade” (5).

A “digitalização está a mudar as práticas jornalísticas, culturas e instituições” (Steensen and Ahva, 2015:1) e o jornalismo cultural não é exceção.

Esta passagem para o panorama digital originou uma globalização do jornalismo e tornou muito ténue a linha entre profissionais e amadores, originando o aparecimento do conceito de jornalismo participativo. Este conceito pode ser definido pela “participação dos cidadãos na transmissão de informações, em diferentes formatos e com recurso a diferentes processos” (Rodrigues, 2008:2).

Contudo, a possibilidade de qualquer cidadão conseguir publicar na Internet qualquer conteúdo que queira, chegando a um grande número de pessoas, “desafia a especificidade do jornalismo enquanto profissão, que não pode ser reduzido aos meios tecnológicos utilizados ou ao público a quem se dirige” (Rodrigues, 2008:1).

Desta forma, é importante questionar se esta participação por parte de um cidadão pode ser considerada jornalismo, visto que estas pessoas não estão sujeitas aos deveres e direitos dos jornalistas, nem contam com a formação específica (Rodrigues, 2008).

Neste sentido, outro fenómeno que foi reflexo da globalização do jornalismo foi o aparecimento dos blogs, que vão “desde o simples diário pessoal na Internet, até a uma ferramenta de expressão, comunicação e socialização” (Fumero e Roca, 2007: 36).

Os blogs “revelaram ser uma forma de fazer ouvir novas vozes sobre diferentes temáticas, tão variadas quanto os autores envolvidos, permitindo ainda a interacção entre utilizadores através de comentários” (Rodrigues, 2013:44).

Assim, qualquer pessoa tem hoje em dia acesso a uma série de ferramentas na Internet que possibilitam de uma forma imediata a “partilha de ideias, a divulgação de informações, a participação no espaço público ou o simples entretenimento” (Rodrigues, 2013: 44).

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Além dos blogs, também as redes sociais vieram ampliar a difusão de opiniões e informações, sendo que “deixaram de ser apenas uma ferramenta de interação interpessoal e ganharam uma função social mais abrangente e determinante” (Carvalho, 2018:5).

As redes sociais são cada vez mais relevantes para a partilha de ideias, aumento do conhecimento e a troca de informação em tempo real, independentemente da localização dos seus utilizadores (Carvalho, 2018).

Com o aparecimento das redes sociais e blogs, e as suas respetivas difusões, deu-se ainda o aparecimento do influenciador digital, uma pessoa que tem a capacidade de afetar outras pessoas com as suas ideias e opiniões através de vários pontos de comunicação.

Para isso, o influenciador digital tem de ter credibilidade e relevância suficiente, bem como uma determinada audiência de seguidores (Ryan,2016). Os influenciadores digitais acabam por criar uma relação com as marcas, que os utilizam para partilhar ou promover um determinado produto, sabendo que este vai chegar a uma audiência específica de uma forma mais direta e rápida, através das redes sociais ou blogs.

Tem-se assistido, assim, a uma quantidade e diversidade de opiniões que são partilhadas e debatidas nos media digitais, dando origem à necessidade de redefinir o conceito de crítico ou jornalista, e a forma como este se distingue do amador, como é o exemplo de uma pessoa que cria conteúdo para um blog. (Kristensen, 2015).

No fundo, a digitalização tem um impacto profundo no jornalismo cultural que é praticado nos dias de hoje, afetando não só o papel do crítico como o do próprio leitor, que tem na sua frente uma quantidade de informação cada vez maior (Kristensen, 2015).

Os processos de profissionalização, digitalização, globalização e comercialização foram cruciais no renascer do jornalismo cultural na sociedade.

Por outro lado, estes mesmos fenómenos, vieram dificultar a definição de jornalismo cultural, devido à hibridação dos conteúdos criados, onde uma crítica jornalística e uma crítica feita num blog podem ter elementos comuns, apesar de serem escritas em meios diferentes, onde os autores têm responsabilidades diferentes.

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Figura 1 - Tipos de estudo de caso 6.2. Análise de Conteúdo
Tabela 1 - Estrutura editorial das revistas

Referências

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