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Eixo Temático – Religiosidade, educação, história e teorias literárias – sala nº 06

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Academic year: 2021

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XVI ERIC – (ISSN 2526-4230)

Eixo Temático – Religiosidade, educação, história e teorias literárias – sala nº 06 (ARTIGOS)

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XVI ERIC – (ISSN 2526-4230) O ENSINO DE RAZÃO E PROPORÇÃO E A INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA NA

EDUCAÇÃO BÁSICA

Rosemeire Aparecida Leal Bolognezi- UEM- rosemeire.bolognezi@gmail.com Márcia Inês Schabarum Mikuska - UFPR- mat.mikuska@gmail.com

Sidney Lopes Sanchez Junior- UFPR- sid.educacaocp@gmail.com COMUNICAÇÃO ORAL Resumo:

O presente trabalho relata uma proposta de ensino de Matemática para os anos finais do Ensino Fundamental utilizando a abordagem da Investigação Matemática a fim de oportunizar experiências de ensino e aprendizagem de conteúdos de razão e proporção, regra de três e escalas que foi implementada em uma turma de 7º ano de uma escola pública situada no norte do Estado do Paraná. Para a realização desta proposta foram desenvolvidas atividades como: seminários; resolução de problemas em grupos; e a construção de uma maquete da escola. Essas estratégias compõem um plano de ensino de conteúdos matemáticos que oportuniza situações em que o aluno protagonize seu aprendizado, de modo que a professora partiu dos conhecimentos que os estudantes possuíam e utilizavam em seu cotidiano para que a aprendizagem se tornasse mais significativa e efetiva. Assim, considera-se que a Investigação Matemática é uma abordagem que pode favorecer as práticas de ensino de Matemática na Educação Básica, especialmente pelo envolvimento de todos os estudantes evidenciando aprendizagem destes conteúdos matemáticos. Palavras-Chave: Razão e proporção; Investigação Matemática; Ensino Fundamental.

Introdução

A sociedade está em constante transformações, Pimenta (1999, p. 18) aponta que ao longo dos anos algumas profissões “[...] não chegam a desaparecer, mas se transformam adquirindo novas características para corresponderem às novas demandas da sociedade”. O professor é um desses profissionais que teve seu papel modificado. Há tempos mais remotos era tido como o único detentor do conhecimento e os alunos eram indivíduos que iam à escola para ouvir o que o professor tinha a dizer e aprender os conteúdos. O avanço tecnológico e o acesso à internet trouxeram novas maneiras de se acessar a informação, e assim o professor e o aluno tiveram seus papéis ressignificados no ambiente escolar.

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O estudante tem acesso a diversas informações, Pimenta (1999, p. 21) pontua que informação não é conhecimento, “conhecer é uma segunda etapa que consiste em trabalhar as informações, classificando-as analisando e contextualizando-as”, de modo que o professor é aquele que participa do processo de ensino e de aprendizagem como mediador dos conhecimentos já adquiridos em contato com análise e exploração dessas novas informações, sejam aperfeiçoados e modificados, tornando-se novos conhecimentos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997) já apontavam para

[...] a necessidade de reverter um ensino centrado em procedimentos mecânicos, desprovidos de significados para o aluno. Há urgência em reformular objetivos, rever conteúdos e buscar metodologias compatíveis com a formação que hoje a sociedade reclama (BRASIL, 1997, p. 15).

Dessa forma, para ensinar Matemática o professor reflete implicitamente a sua concepção de ensino em suas práticas pedagógicas. Concepção essa que foi construída, modificada e aperfeiçoada ao longo de sua vida. Fiorentini aponta que:

[...] o professor que concebe a Matemática como uma ciência exata, logicamente organizada e a-histórica ou pronta e acabada certamente terá uma prática pedagógica diferente daquele que a concebe como uma ciência viva, dinâmica e historicamente sendo construída pelos homens, atendendo a determinados interesses e necessidades sociais (FIORENTINI, 1995, p.4). É importante mostrar aos professores que ainda mantém essas concepções, de que é possível associar novas metodologias em suas práticas pedagógicas buscando com que o ensino e aprendizagem da Matemática sejam mais dinâmicos e significativos. Desta maneira, esta proposta tem como objetivo apresentar um relato de experiência de uma intervenção pedagógica no contexto de aula de Matemática no 7° ano do Ensino Fundamental ao ensinar conteúdos matemáticos a partir da abordagem da Investigação Matemática.

A Investigação Matemática em sala de aula

O PCN (1997, p. 42) orienta que diferentes métodos de ensino podem ser utilizados em sala de aula e cabe ao professor conhecer e fazer o uso de diversos

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recursos para tornar o ensino da Matemática mais efetivo e a aprendizagem mais significativa, de maneira que os conhecimentos adquiridos no contexto escolar sejam utilizados na vida cotidiana. Assim, a abordagem da Investigação Matemática possibilita ao estudante traçar caminhos para chegar ao conhecimento, podendo este encontrar diversos caminhos para percorrer.

No campo da Educação Matemática, a Investigação Matemática se configura como campo de pesquisa que objetiva desenvolver no aluno uma viagem ao desconhecido, dando a oportunidade de fazer Matemática do mesmo modo que os matemáticos fazem, ou seja, decidindo o caminho para percorrer (LANGDON; SNAPE, 1993).

Ponte, Brocardo e Oliveira (2013) defendem o uso das investigações matemáticas no contexto escolar a fim de proporcionar aos estudantes o espírito da atividade matemática genuína, para que os alunos formulem questões, conjecturas ao realizar suas provas e refutações, além da oportunidade de discussão com os pares e o professor. Nesse sentido uma atividade que se oriente pela base da Investigação Matemática, permite ao aluno fluir naturalmente em suas tentativas de erros e acertos.

Um outro aspecto que se destaca com a utilização da Investigação Matemática em sala de aula é a valorização dos conhecimentos prévios que os alunos trazem. Nunes, Carrather, Schliemann (2011) apontam que:

O ensino de Matemática se faz, tradicionalmente, sem referência ao que os alunos já sabem. Apesar de todos reconhecermos que os alunos podem aprender sem que o façam na sala de aula, tratamos nossos alunos como se nada soubessem sobre tópicos ainda não ensinados (NUNES, CARRATHER, SCHLIEMANN 2011, p. 38).

Para Braumann (2002) a aprendizagem da Matemática não se reduz apenas em compreender o que já foi feito e descoberto, mas pela Investigação Matemática o aluno é capaz de investigar a natureza matemática, de modo que compreenda o mundo e seja capaz de agir sobre ele de maneira consciente e significativa. Para tanto, aprender Matemática nessa perspectiva consiste em fazer Matemática em um processo ativo que envolve o estudante em todo processo e não apenas como mero espectador.

Assim, não se faz Matemática sem praticá-la, de modo que investigar matemática é formular questões que nos interessam, para as quais não temos

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respostas prontas para que os estudantes procurem as respostas de maneira fundamentada e rigorosa, o que para Brocardo (2001) se aproxima consideravelmente da Metodologia de Resolução de Problema proposta por George Pólya (2006).

A partir desta compreensão, o aluno exposto ao ensino meramente expositivo não tem oportunidade de criar hipóteses, resolver desafios, problemas, especialmente exercitar o pensamento crítico em situações que envolvem diferentes conhecimentos da vida social. Para tanto, nessa perspectiva o estudante é ativo no processo, de modo que se envolva com a sua aprendizagem. Nesse sentido, Braumann (2002) compara a aprendizagem da Matemática com uma criança aprendendo a andar de bicicleta.

Aprender Matemática sem forte intervenção da sua faceta investigativa é como tentar aprender a andar de bicicleta vendo os outros andar e recebendo informação sobre como o conseguem. Isso não chega. Para verdadeiramente aprender é preciso montar a bicicleta e andar fazendo erros e aprendendo com eles (BRAUMANN, 2002, p. 5).

Assim, ao planejar as aulas utilizando de metodologias que dão ao aluno uma maior autonomia, o professor oportuniza ao aluno a aprendizagem efetiva da matemática, mostrando-a como uma criação humana. Os autores Ponte, Brocardo e Oliveira (2013, p.23) apresentam a metodologia da Investigação Matemática que “[...] como atividade de ensino aprendizagem, ajuda a trazer para a sala de aula o espírito da atividade matemática”. Para Ponte (2003):

[...] a realização continuada de investigações, num quadro de discussão e reflexão sobre o significado dos resultados obtidos e dos processos empregues, é susceptível de influenciar de modo muito significativo as concepções dos alunos. Estes podem alterar a sua visão do trabalho investigativo, das características da Matemática, do modo de aprender Matemática e dos papéis do professor e do aluno, desenvolvendo o gosto pela disciplina e a sua confiança neste tipo de trabalho (PONTE, 2003, p. 38).

Concentino (2019) elaborou um esquema (figura 1) de como o professor pode planejar suas atividades utilizando a abordagem da Investigação Matemática. A autora indica que “[...] observamos que o professor pode optar por desenvolver atividades já elaboradas, adaptar ou construir algo novo, sempre considerando as características de sua turma, o objetivo e o grau de familiaridade da mesma” (CONCENTINO, 2019 p. 33).

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Figura 1 - Investigação Matemática como abordagem de ensino

Fonte: Concentino (2019, p. 34).

A próxima seção apresenta os procedimentos metodológicos para a realização das atividades.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa apresentada consiste em um relato de experiência que aconteceu no contexto de uma turma do 7° ano do Ensino Fundamental em uma escola Estadual situada em uma cidade do Norte do Paraná, em uma aula de Matemática, com a participação de 25 alunos, no ano de 2019.

Para a devida aplicação da proposta, utilizou-se a abordagem de Investigação Matemática, que consiste na “[...] seleção das propostas e o estabelecimento de objetivos para sua realização” de modo que considere as especificidades da turma e o contexto em que surgem na aula (PONTE; OLIVEIRA; CUNHA; SEGURADO, 1998, p. 12), a fim de favorecer o entendimento e despertar interesse pela conteúdo.

Segundo os autores supracitados, ao preparar a aula, o professor deve selecionar o conteúdo, propor os encaminhamentos para que os alunos tenham condições de progredir com autonomia diante das situações problemas do seu cotidiano e de modo que definam os objetivos que pretendem alcançar.

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Relato da Experiência

O conteúdo matemático envolvido na atividade foi Razão e Proporção, selecionado para proposta intitulada “Escola na escala”. Posteriormente, a proposta foi organizada de maneira que os estudantes tivessem acesso ao conteúdo antes de chegarem na sala de aula, a fim de que pudessem debater sobre o tema com os pares e professor.

Assim, a realização da proposta foi organizada em três etapas: ● Etapa 1 - Elaboração de seminário.

Nesta etapa, os alunos foram levados ao laboratório de informática e organizados em grupos de 5 estudantes, de modo que cada grupo se responsabilizou em elaborar uma apresentação, com as questões que abordavam a temática conforme o quadro 01 a seguir. O tempo de elaboração, pesquisa, investigação compreendeu 15 horas/ aulas.

Quadro 01 - Organização dos grupos e conteúdos para o seminário. Grupos (G) Conteúdos G1 Razão G2 Proporção G3 Escala G4 Regra de três G5 Mapas Fonte: Autores (2020)

Durante todo o processo a professora orientou, mediou os conflitos e o conteúdo, de maneira que procurava esclarecer as dúvidas dos estudantes, sem que entregasse as respostas prontas. Nos momentos de pesquisa no laboratório a professora disponibilizou vídeos pré selecionados sobre os temas propostos, para que os alunos pudessem acessar outras referências posteriormente. É importante destacar que nesta etapa a professora orientou a pesquisa em livros dispostos na biblioteca da escola, para que pudessem explorar, discutir, planejar e escolher a melhor maneira de expor o conteúdo no seminário.

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O seminário foi apresentado pelos grupos e teve envolvimento e participação de todos os estudantes na realização da atividade.

A utilização de seminário, como proposta de ensino, representa uma inovação educacional, desde que haja a participação de todos os envolvidos, sem que ocorra apenas engajamentos momentâneos para que cada um estude e planeje apenas “a sua parte”. No momento em que os estudantes interagem em todas as etapas do trabalho, a saber: planejamento, execução e avaliação, o seminário possibilita a aprendizagem para todos os envolvidos (BALZAN, 1995). A figura 2 ilustra a preparação do seminário pelos estudantes e uma das apresentações.

Figura 2 - Preparação e Apresentação do Seminário

Fonte: Autores (2020)

● Etapa 2 - Resolução de problemas em grupo:

Cada equipe elaborou 3 situações problemas sobre o conteúdo da apresentação do seminário, de modo que pudessem instigar nos demais o espírito investigativo e conjecturar possíveis soluções. Ao final, 15 situações problemas foram propostas à turma que foram solucionados pelos grupos de maneira que todos pudessem discutir, conjecturar, elaborar respostas, hipóteses, defender suas ideias e raciocínio.

Apesar das dificuldades, todos os grupos conseguiram resolver os problemas propostos, seguidos da orientação da professora regente.

● Etapa 3 - Elaboração da maquete - “Escola na escala”

Nessa etapa os alunos construíram a maquete do colégio, conforme ilustra a figura 3, usando os conhecimentos matemáticos compreendidos sobre a razão; a

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proporção; a escala; e a regra de 3. A construção da maquete oportunizou colocarem em prática os conhecimentos que adquiriram e aprimoraram durante as aulas, tornando a aprendizagem mais significativa e os estudantes ativos durante o processo de ensino e aprendizagem.

Figura 3: Construção da maquete da escola

Fonte: E Autores (2020)

Embora os conhecimentos trabalhados com os alunos fossem os anteriormente citados, com a construção da maquete resgata-se outros conhecimentos matemáticos, o PCN expõe que “construir maquetes e descrever o que nelas está sendo representado é também uma atividade muito importante, especialmente no sentido de dar ao professor uma visão do domínio geométrico de seus alunos” (BRASIL, 1997, p. 128).

A maquete pode representar com fiel aproximação, por meio de escalas, o espaço em que vivemos. A construção de uma maquete permite trabalhar conceitos

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de diferentes disciplinas, e sua representação possibilita discutir questões iniciais sobre projeção (perspectiva) e proporção (escala) (ALMEIDA; PASSINI, 2002).

Após concluírem as 3 etapas da proposta, os alunos tiveram a iniciativa de criar um perfil na rede social (facebook), a fim de disponibilizarem em um ambiente interativo os trabalhos realizados pela turma, bem como tecer comentários e compartilharem conteúdos relacionados à Matemática.

Considerações Finais

As atividades desenvolvidas se inserem ao campo da Educação Matemática no que tange a abordagem da Investigação Matemática, que tem por objetivo desenvolver no sujeito a capacidade de pensar soluções, investigar, pesquisar, se envolver de forma ativa no seu processo de ensino e de aprendizagem. Desta forma, a proposta foi organizada em três etapas de modo que os estudantes se envolveram na elaboração e apresentação de seminários; resolução de atividades e construção de maquete para aplicar os conhecimentos adquiridos durante o percurso investigativo.

A abordagem da Investigação Matemática proporcionou aos estudantes a oportunidade de conhecer, vivenciar, pesquisar, explorar, refletir sobre os conhecimentos matemáticos, bem como possibilitou elaborarem problemas, conjecturas, hipóteses, dúvidas, erros e acertos, que envolvem o processo de aprendizagem da Matemática.

A avaliação da aprendizagem se deu no processo e não ficou restrito a um único instrumento, o que pode-se considerar que o professor ao utilizar desta abordagem de ensino proporciona ao estudante um fazer Matemática muitas vezes diferente do que comumente estão acostumados, o que permite os conteúdos terem mais significados. Destarte, salientamos que a Investigação Matemática consiste em uma excelente abordagem para potencializar o ensino e a aprendizagem da Matemática na Educação Básica.

Referências

ALMEIDA, R.D., PASSINI, E. Y. O Espaço Geográfico: Ensino e Representação. S. Paulo: Contexto, 1989.

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BALZAN, N. C.. Sete asserções inaceitáveis sobre a inovação educacional. In: GARCIA, Walter E. (Org.). Inovação Educacional no Brasil: problemas e perspectivas. (pág. 287-300) Campinas: Editora dos Autores Associados. 1995. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRAUMANN, C. Divagações sobre investigação matemática e o seu papel na aprendizagem da matemática. In: PONTE, J. P.; COSTA, C.; ROSENDO, A. I.; MAIA, E.; FIEGUEIREDO, N.; DIONÍSIO, A. F. As atividades de investigação na aprendizagem da matemática e na formação de professores. Lisboa: SEM-SPCE, 2002. p. 5 – 24.

BROCARDO, H. As investigações na aula de Matemática: um projecto curricular no 8º ano, 2001. 621 f. Tese de Doutorado em Educação – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2001.

CONCENTINO, J. Caminhos a percorrer: desafios no processo de Investigação Matemática. (Dissertação de Mestrado) UTFPR, 2019, 102 p. Disponível em:

http://riut.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/4036/1/LD_PPGMAT_M_Concentino%2C%20

J%C3%A9ssica_2019.pdf. Acesso em 24/06/2020.

FIORENTINI, D. Alguns Modos e ver e conceber o ensino da matemática no Brasil. In: Zetetiké, ano 3, nº. 4, 1995, p.1-37.

LAGDON, N., SNAPE, C., Viva a matemática, Gradivajunior, 1993

NUNES, T; CARRATHER, D.; SCHLIEMANN, A. L. Na vida dez, na escola zero. São Paulo: Cortez, 2011.

PONTE, J. P., OLIVEIRA, H., CUNHA, H., & SEGURADO, I. (1998). Histórias de investigações matemáticas. Lisboa: IIE.

PONTE, J. P. Investigação sobre Investigações Matemáticas em Portugal. Investigar em Educação,n. 2, p. 93-169, 2003.

PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, Selma Garrido. (Org). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

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XVI ERIC – (ISSN 2526-4230) COEXISTÊNCIA E CONFLITOS: CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS PACTOS

E DA CONVIVÊNCIA ENTRE CRISTÃOS E MUÇULMANOS NA PENÍNSULA IBÉRICA MEDIEVAL.

Autora: Brenda Marques Salinas; Faculdade Santa Maria da Glória;

brendamarquesalinas@gmail.com

Orientador: Augusto João Moretti Junior; Faculdade Santa Maria da Glória;

augustomorettijr@gmail.com

COMUNICAÇÃO ORAL

Resumo: Em 711, muçulmanos no Norte da África adentraram a Península ibérica e rapidamente tomaram o território do domínio visigodo. Esse contato originou um importante e longo acontecimento histórico que ficou conhecido como Reconquista. Durante oito séculos ocorreram disputas políticas, militares e religiosas, além da convivência entre judeus, cristãos e muçulmanos. A justificativa para desenvolver o presente trabalho, deve-se ao fato de que durante os séculos de convivência essas comunidades, sem que tivessem deixado de lado suas diferenças, desenvolveram no território ibérico as mais diversas e complexas relações, das quais tende-se a interpreta-las como relações de tolerância. Contudo, é preciso nos atentarmos, pois, acreditar em uma tolerância pacífica entre esses povos, é se referir apenas a uma realidade parcial. Desta maneira, este trabalho tem por objetivo compreender como se desenvolveram as relações entre cristãos e muçulmanos no território ibérico. Para tal, iniciamos o nosso trabalho com um panorama geral a respeito da presença islâmica no território, e posteriormente, veremos as implicações e possibilidades proporcionadas pelo uso de pactos neste território. Para este fim, nesta pesquisa exploratória, utilizamos enquanto suporte bibliográfico as proposições de Alejandro García Sanjuán (2015), Francisco García Fitz (2002) e Maribel Fierro (2020). Assim concluímos que a utilização de pactos não foi um desejo de proteção para com as comunidades judaicas e cristãs, mas sim, uma estratégia que possibilitou uma longa coexistência cultural, política e religiosa no território ibérico.

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Introdução

Nos primeiros anos do século VIII, iniciou-se a conquista muçulmana da Península Ibérica e a tomada desses territórios do domínio cristão. Em um curto período de tempo os muçulmanos dominaram quase toda a Hispânia, que recebeu o nome de Al-Andalus1.

A partir desta investida, os muçulmanos marcaram a história de todo o território, construindo nele um reino rico e poderoso, com estruturas políticas suficientemente flexíveis que foram capazes de desenvolver uma convivência singular entre judeus, cristãos e muçulmanos que perdurou por oito séculos.

Durante os séculos dos quais os povos das três religiões monoteístas compartilharam do território ibérico, construiu-se nele as mais diversas relações, de modo que tentar classifica-las atualmente se torne uma tarefa arriscada, pois como Alejandro García Sanjuán nos lembra, “es obvio que a lo largo de un lapso temporal tan prolongado hubieron de darse situaciones y circunstancias muy diversas” (GARCÍA SANJUÁN, 2015, p. 94).

Veremos que a convivência entre judeus, cristãos e muçulmanos no território ibérico se fez possível, em grande parte, por meio do estabelecimento de pactos que estipulavam a maneira com a qual essas comunidades se comportariam, resultando em momentos de relações harmoniosas, que por vezes são vistas como relações de tolerância e integração.

Constatamos no decorrer deste trabalho ser inegável uma relação harmoniosa entre as comunidades, entretanto como Francisco García Fitz (2002) nos mostra, esses comportamentos correspondem somente a uma história parcial. Veremos que essas relações, na maioria das vezes, foram mantidas através de acordos, sustentados por interesses e trocas, que por muitas vezes custou a marginalização das comunidades submetidas (GARCÍA FITZ, 2002, pp. 14-15).

Deste modo, este trabalho procura compreender a complexidade das relações estabelecidas entre cristãos e muçulmanos no território ibérico. De forma

1 Nome dado pelos muçulmanos ao território ibérico pertencente ao Islã a partir do século VIII. O

termo Hispânia se manteve nos domínios cristãos, ainda que fizesse referência a tempos em que havia unidade política sob o domínio dos monarcas visigodos (BARUQUE, 2006, p.68).

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mais específica analisar os pactos e as diversas alianças realizadas entre esses grupos, como uma ferramenta de extrema importância para a manutenção desta convivência, sendo capaz inclusive, de colocar comunidades opostas para lutar lado a lado em prol de um interesse em comum.

Desta forma, verificamos que, ainda que essas comunidades não tenham se integrado, os diversos acordos realizados entre elas serviam também como uma ferramenta prática, que era capaz de perpassar as ideologias religiosas presentes no território e possibilitar um longo dialogo cultural, político e religioso.

Reconquista: as implicações de um longo passado no presente

O conceito de Reconquista encontra-se tão enraizado e difundido, que quando vamos nos referir a história ibérica medieval automaticamente nos remetemos a ele. Contudo, este termo traz consigo diversas implicações, e por esta razão decidimos por iniciar este trabalho com algumas breves, mas importantes, considerações a seu respeito.

Para compreendermos as implicações presentes na utilização deste conceito, é necessário entendermos o período histórico pelo qual o mesmo foi cunhado, e segundo García Fitz:

Reconquista se consolidará en la historiografía hispánica durante la segunda mitad del XIX. Desde un principio, la noción aparece asociada a la formación de la identidad nacional española, asegurando una empresa y un pasado común a todas las regiones y ofreciendo al mismo tiempo una singularidad esencial frente a otros países europeos: la reconquista, entendida como una lucha armada contra el Islam que se extendería a lo largo de ocho siglos y que permitiría a los “españoles” la recuperación del solar patrio que les había arrebatado por los “extranjeros” musulmanes, se convertía a partir de entonces en el elemento nuclear de la formación de la identidad de España como nación y patria común de todos los españoles (GARCÍA FITZ, 2009, pp. 144-145).

Como nos mostra Francisco García Fitz (2009), o conceito de Reconquista se consolidou no auge do nacionalismo, contribuindo para a formação de uma identidade espanhola a partir de sua luta contra o Islã. E ao longo da história está carga nacional cravada ao termo no século XIX continuou presente, exercendo influencias até o momento atual.

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No século XX, esta mesma conotação ideológica foi também utilizada como estandarte do nacionalismo franquista. E chegando ainda mais próximos de nós, encontramos este “espirito” de Reconquista presente nas eleições espanholas de 2019, propagadas pelo partido Vox2, de extrema direita, que iniciou suas campanhas eleitorais sob o simbolismo de Covadonga3, importante símbolo para a legitimação de uma Reconquista (MAGALLÓN, 2019, p.1-7).

Casualmente utilizamos o conceito de reconquista para sintetizar os séculos de convivência entre judeus, cristãos e muçulmanos na Península Ibérica, que vai de 711 a 1492. Contudo, para além das implicações ideológicas que esboçamos, esta é uma outra utilização do termo para a qual devemos ter cuidado. Com ela corremos o risco de converter a história da Espanha a conflitos militares entre cristãos e muçulmanos, enquanto marginalizamos outros aspectos igualmente relevantes, realizando uma explicação simplista para uma realidade histórica muito mais ampla e complexa. Assim, nos alerta García Fitz:

Sin duda, resumir toda la complejidad histórica de un período con un solo término tiene el riesgo evidente de simplificarla y deformarla, y así puede ocurrir si queremos incluir a toda la Edad Media, a todos los caracteres y evoluciones de las sociedades cristianas peninsulares, bajo una noción, la de Reconquista, que inevitablemente apela a una realidad militar, como hemos visto (GARCÍA FITZ, 2009, pp. 158-159).

Para finalizar, acrescentaria que resumirmos toda a complexidade das relações ibéricas durante toda a sua extensão temporal e territorial, em uma história de guerras ou tolerâncias plenas, seria como nós, medievalistas, resumirmos todos os feitos extraordinários ou obscuros da Idade Média a uma negativa concepção de idade das trevas, da qual sabemos que não o foi.

Limitamo-nos a esboçar neste trabalho apenas duas das implicações presentes na utilização do conceito de Reconquista, mas salientamos que são diversas as suas interpretações. E por ser este ser um conceito tão enraizado ao se tratar da história medieval ibérica, acreditamos ser indispensável o seu entendimento, por este motivo, indicamos a obra, aqui utilizada, de Francisco García Fitz; La Reconquista: un estado de la cuestión, 2009.

2 https://www.youtube.com/watch?v=FGP_9PHAq2M

3A batalha de Covadonga, 722, é considerada o início da “Reconquista” cristã sob os muçulmanos.

Contudo, o Professor da Universidade de Zaragoza, José Luis Corral, faz alguns apontamentos que deslegitimam a veracidade esta batalha (MAGALLÓN, 2019, p.1).

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A conquista muçulmana e o sistema de pactos

Em 711, atraídos por acirradas disputas e conflitos internos que fragilizavam a Hispânia, muçulmanos do Norte da África adentram a Península Ibérica, e rapidamente retiram praticamente todo o território do domínio visigodo. De acordo com Júlio Valdeón Baruque (2006), em 714 os muçulmanos já haviam conquistado quase toda a Península, que no decorrer dos séculos passou por um espetacular progresso, no qual podemos destacar os campos da cultura, economia, matemática, medicina e astronomia (VALDEÓN BARUQUE, 2006, pp.40-49).

Além desta investida se concretizar em pouco tempo, como nos mostra Valdeón Baruque, ela também aconteceu sem um derramamento excessivo de sangue. María Isabel Pérez de Tudela Velasco (2007), explica que este êxito muçulmano se deve, em grande parte, a utilização do sistema de pactos regulamento pela religião islâmica, que contempla a existência das comunidades monoteístas em um território muçulmano (TUDELA VELASCO, 2007, p. 8).

Essas prescrições sugerem aos muçulmanos respeitar e proteger os povos monoteístas. Desta maneira, os pactos, na maior parte das vezes, possibilitaram que as comunidades vencidas permanecessem em suas terras. Francisco García Fitz (2002), nos mostra que salvo em alguns casos excepcionais em que houve resistência armada, a maior parte da Hispânia visigoda foi incorporada ao novo estado muçulmano através de capitulações e acordos que, em troca de submissão política e do pagamento de impostos específicos, recebiam uma garantia da sua vida, propriedades e crenças (GARCÍA FITZ, 2002, p.17).

Cabe ressaltar que grande parte das conquistas foram intermediadas por acordos, mas nem todas. Do mesmo modo que nem sempre esses acordos concederam o direito do vencido continuar em suas terras. Em ocasiões de grande resistência, por exemplo, o acordo poderia ser simplesmente permitir o inimigo deixar as suas terras, preservando a sua vida.

Deste modo, salvo em casos excepcionais, após a conquista muçulmana, judeus e cristãos puderam continuar em suas terras, mantendo inclusive suas crenças e seu modo de vida. Contudo é necessário nos atentarmos, pois, esses acordos não buscavam a integração das distintas comunidades, e nem garantiam a

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elas as mesmas liberdades, de modo que os povos submetidos acabavam tornando-se marginalizados, conforme nos mostra Maribel Fierro (2020):

[...] El pacto de la dhimma, por la cual los musulmanes no buscaron convertir a su fe a los no musulmanes que vivían en los territorios conquistados por ellos, sino que les permitieron mantener su religión, sus lugares de culto y las normas jurídicas por las que se regían internamente. Ello naturalmente siempre y cuando esas normas no interfiriesen con las islámicas que estaban por encima: el sistema de la dhimma no implicaba persecución, pero sí discriminación. Los no musulmanes pertenecientes a las religiones dotadas de una Escritura revelada tenían un lugar en las sociedades islámicas, pero ese lugar era —para entendernos— el de ciudadanos “de segunda clase” (FIERRO, 2020, p.1).

De acordo com Raimundo Meneghello Matte (2015), os muçulmanos ofereciam os pactos como uma forma de submissão do território, colocando cristãos e judeus na categoria de dhimmies, desta forma, estes gozavam de certo respeito e liberdade, mas tinham suas práticas religiosas limitadas (MATTE, 2015, p.65).

As relações que foram desenvolvidas no território ibérico estavam relacionadas a necessidades praticas, sendo estritamente determinadas e limitadas, Brian A. Catlos (2020) as define como relações de conveniência. A efetivação desses acordos necessitava também de uma certa adaptação e flexibilidade das comunidades envolvidas, de modo de Alejandro García Sanjuán, as chame de relações contratuais, pois, nelas ambas as comunidades se encontravam obrigadas ao cumprimento de certas obrigações (GARCÍA SANJUÁN, 2015, p.96).

Os pactos e a convivência no território ibérico.

Muitos são os debates a respeito dos comportamentos desenvolvidos no território ibérico, e dentre eles estão as questões de tolerância, convivência e coexistência. Contudo, torna-se difícil defini-los. Primeiro porque esses termos apresentam problemas ao tentar embarcar a complexidade e dualidade com as quais esses povos desenvolveram suas relações, segundo, porque essas atitudes não se desenvolveram a partir de uma busca por harmonia, mas sim foram motivadas, em grande parte, por questões políticas e econômicas.

Em sua obra “Las minorías religiosas y la tolerancia en la Edad media Hispánica: Mito o Realidad” Francisco García Fitz (2002) afirma que a partir de uma

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visão geral torna-se difícil falarmos de uma tolerância e convivência plena entre as comunidades, ao menos em nossos termos:

[...] resulta difícil hablar de tolerancia y convivencia, al menos en los términos en que hoy en día entendemos estos conceptos. Es indiscutible que hubo prestamos e influencias culturales, pero no convivencia y tolerancia, si por ello entendemos relaciones en plano de igualdad y plena aceptación de las diferencias (GARCÍA FITZ, 2002, p.55).

Para Raimundo Matte, a presença muçulmana na Hispânia deu origem a duas sociedades particulares que disputaram pelo controle do território e construíram nele uma dupla modalidade de convivência: “Por un lado una vida fronteiriza con intercambios comerciales y culturales frecuentes, y por otro, periódicas campañas militares en las que los cristianos llevaron la iniciativa en forma casi permanente a partir del XI” (MATTE, 2015 p. 61).

Apesar da longa convivência, ou coexistência, as diferenças entre as comunidades permaneceram, juntamente com o desejo de manter, ou recuperar seus territórios. Para Matte, poderia haver coexistência, mas não aceitação entre as comunidades, e o mouro sempre foi visto como um invasor, “que injustamente había usurpado las tierras de sus ancestros y cuyo fin último era ser expulsado de las tierras peninsulares” (MATTE, 2015, p. 61).

García Fitz nos mostra que ao nos aproximarmos das concessões que se tende a interpretar como tolerância, atreladas a elas encontraremos diversas limitações, que marca o desejo de impor a superioridade de uma comunidade sobre a outra e ressalta a exclusão do diferente.

O comportamento para com as comunidades opostas no território ibérico tratou-se de um cálculo político e econômico (GARCÍA FITZ, 2002, p.17).

Do mesmo modo, Brian Catlos (2020) destaca que:

El motivo no tiene nada que ver con una ideología de “tolerancia,” era una cuestión de pragmatismo. Las conquistas sólo son valiosas si generan ingresos, y esto implica que hay que mantener la economía activa. Si se dispone de un gran número de colonos es posible eliminar a la población nativa, pero incluso en los casos en que esto es posible, no acostumbra a ser lo preferible (CATLOS, 2020, p. 4). García Fitz nos mostra que cristãos e judeus de Al-Andalus ainda que pudessem ocupar cargos importantes, permaneceram marginalizados a respeitos

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das grandes parcelas de poder, como dos altos cargos políticos-administrativos. Cristãos e judeus pagavam também impostos mais altos que os muçulmanos, além de pagarem tributos específicos, como a yizya, um imposto pessoal, e a jaray, uma contribuição territorial. (GARCÍA FITZ, 2002, pp. 17-24).

Ainda, os matrimônios entre comunidades opostas eram autorizados, contudo, com limitações. O casamento poderia acontecer, desde que o casal fosse composto por um homem muçulmano e uma mulher cristã, sendo que obrigatoriamente a criança fruto desta relação deveria ser muçulmana, ainda que a educação cristã pudesse ser transmitida pela mãe. O contrário, era proibido. (GARCÍA FITZ, 2002, p. 24).

Como dito, os pactos asseguravam que as comunidades monoteístas pudessem continuar mantendo as suas crenças sob território muçulmano. Contudo, a isso também se encontrava diversas limitações. Dentre elas está a proibição em realizar rituais e práticas religiosas em público. Do mesmo modo que poderiam conservar os seus templos, mas estavam limitados quanto a construção de novos. Essas práticas marcavam a exclusão e a inferioridade de judeus e cristãos:

La prohibición de realizar rituales o prácticas religiosas que tuvieran una vertiente pública, como el teñir de las iglesias o las procesiones, las burlas a las que eran sometidos los sacerdotes católicos por parte de sus vecinos islámicos o los cristianos que se atrevían a conducir sus cortejos fúnebres por lugares concurridos por musulmanes, las limitaciones impuestas a la construcción de nuevos templos o la negativa a que portasen armas o montasen a caballo. [...] el uso de determinados distintivos en las ropas para separar claramente a los dimmíes de los musulmanes (GARCÍA FITZ, 2002, p.25).

Deste modo, Derek W. Lomax (1984) definiu esta situação geral dos dhimmies em Al-Andalus como uma “Tolerância discriminatória”, pois, neste contexto admite-se a presença da tolerância e se reconhece certa liberdade, mas não gozavam os submetidos plenamente do direito, e sobretudo, haviam determinadas normas e sinais externos que os colocavam em uma posição de inferioridade a respeito dos muçulmanos. Mas o autor destaca que está foi uma característica do período Omíada, anterior as dinastias berberes, que as transformaram a partir do século XII (LOMAX, 1984, p.34).

Francisco García Fitz nos mostra que durante o governo das dinastias berberes que se iniciou em 1086, a convivência entre as comunidades monoteístas

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tornou-se mais difícil com uma nova discriminação e pressão, até então desconhecida. Neste momento, um muçulmano não podia ao menos realizar tarefas que demonstrassem inferioridade:

En ningún momento un musulmán podía aceptar tareas que implicaran sometimiento o servicio a cristianos o judíos, como masajearles, guiar a sus bestias o sujetarles el estribo, ni tampoco realizar para ellos otras actividades, como sacar la basura o limpiar las letrinas, puesto que eran aquellos los que debían ocuparse de los “trabajos viles” (GARCÍA FITZ, 2002, p.28).

Contudo, essas relações sustentavam a convivência entre as distintas comunidades no território ibérico, além de gerarem benefícios políticos e econômicos a que as dominasse. Deste modo, esta mesma forma de se relacionar que se desenvolveu no território a partir da dominação muçulmana, se repetiu durante boa parte da dominação cristã, que em um outro momento tiveram as comunidades judaicas e muçulmanas sob seu domínio (GARCÍA FITZ, 2002, p.30).

Como podemos observar, as comunidades monoteístas floresceram e compartilharam do território ibérico sem grandes esforços para se integrarem, de modo que para García Fitz, a visão de uma Hispânia tolerante seja uma utopia dos bens intencionados que, “pueden sentirse cómodos al imaginar que hubo una época en la que hombres de distintas religión y cultura convivieron pacíficamente y en relativa armonía” (GARCÍA FITZ, 2002, p. 15).

Conclusão

Como apresentado pelos autores, os pactos realizados entre as comunidades monoteístas da Península Ibérica medieval, apesar de ser uma prescrição corânica, estavam também muito relacionados a realidades práticas para as quais ambas as comunidades conseguiam usufruir de determinados benefícios.

Apesar desses pactos, aos nossos olhos, não ser agradável a comunidade submetida, eles possibilitaram que esses povos monoteístas mantivessem suas relações por oito séculos. E a causa para tal, é que esses acordos não se tratavam de uma busca por harmonia, ou algum tipo de tolerância, da qual geralmente buscamos atribuir a essas relações, mas sim a soluções para problemas práticos, utilizados até o momento em que se mostrou viável de alguma maneira.

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Deste modo, é clara a divisão entre as comunidades, que não buscavam uma maior integração, de forma que ainda que tenham compartilhado durante séculos o mesmo território, não deixaram de lado as suas diferenças, e a vontade de manter, no caso muçulmano, ou retomar, no caso cristão, os seus territórios, mas ainda assim, encontraram maneiras de se relacionar e estabelecer diálogos.

Além disso, a utilização desta ferramenta, apesar de por muitas vezes ressaltar a diferença entre as comunidades, necessitava de um momento de adaptação mutua, e impôs limites a ambas as comunidades, apresentando-se desta forma, com uma grande importância para o desenvolvimento das relações entre judeus, cristãos e muçulmanos de Al-Andalus ou da Hispânia.

Bibliografia:

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CATLOS, Brian A. Conveniencia en tiempos de los Reinos Taifas. In: Al-Andalus y la historia, 2020. Disponível em: https://www.alandalusylahistoria.com/?p=2097 . Acesso em: 23/10/2020

FIERRO, Maribel. Convivencia: ¿un concepto útil?. In: Al-Andalus y la historia, 2020. Disponível em: https://www.alandalusylahistoria.com/?p=2163. Acesso em: 23/10/2020

GARCÍA SANJÚAN, Alejandro. Coexistencia y conflictos minorías religiosas en la Península Ibérica durante la Edad Media. Granada: Editorial Universidad de Granada, 2015.

GARCÍA FITZ, Francisco. La Reconquista: un estado de la cuestión. Universidad de Extremadura, 2009.

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MAGALLÓN, Eduardo. La Reconquista que no existió. La Vanguardia. 08 de dez.

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MATTE, Raimundo Meneghello. Tópicos y continuidades en el discurso sobre la expansión y en reafirmación de la monarquia castellana (siglos XII y XIII): una propuesta de anãlise de la cronística en la reconquista. Dissertação (doutorado em história) – Universidad de Salamanca, 2015.

TUDELA VELASCO, M. I. P. La consideración ética de la guerra y el uso de la violencia en la España Medieval. In: En La España Medieval, vol. 30, 2007.

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XVI ERIC – (ISSN 2526-4230) REFLEXÕES HABERMASIANAS NA PANDEMIA

BEDÊ, Judith Apda de Souza FAFIMAN- FACULDADE ANDREOTTI

judithbede@gmail.com

COMUNICAÇAO ORAL RESUMO: O momento mundial de pandemia possibilitou a todos uma série de questionamentos sobre a organização da sociedade contemporânea, o domínio por meio da linguagem, os discursos antidemocráticos e de ódio, o uso das tecnologias, o papel do Direito neste contexto desconhecido da humanidade nos últimos quinhentos anos. Habermas ofereceu à modernidade o conceito de racionalidade comunicativa subjacente às sociedades capitalistas avançadas; entretanto, o momento atual pende para a irracionalidade e deixa entrever o perigo que a manipulação do discurso é capaz de fazer em nome do poder calcado no ódio e na negação dos direitos fundamentais consolidados.

PALAVRAS-CHAVE: Habermas. Pandemia. Direitos Fundamentais. INTRODUÇÃO

A maior preocupação do pensamento filosófico de Habermas4 está na Teoria do agir comunicativo, a qual tenta explicar racionalmente o mundo de modo a tornar os indivíduos capazes de compreender o universo do conhecimento fora do campo metafísico. Todos os problemas da vida, assim, poderiam ser focados a partir desta teoria, fossem aspectos principiológicos, políticos, sociais ou de direito. Isto seria possível à medida que o suporte teórico deste modo de agir (e pensar) comunicativo encontra-se pautado na Filosofia, tida como a ciência que fundamenta o saber. O pensador se vale da linguagem, do discurso, dos meandros ideológicos subjacentes aos textos que exercem um papel de dominação no meio social.

Habermas admite a precedência dos aspectos cognitivos e intelectuais, utilizados para comunicação, entendimento, troca de ideias; mas atribui à linguagem, papel fundamental no processo de interpretação semântica exercida de um ser humano sobre o outro. Para ele, a linguagem fundamenta o discurso e intermedia o conhecimento.

4 De acordo com o Filósofo Paulo Ghiraldelli Jr.4, Habermas é um dos principais filósofos europeus da

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Os indivíduos podem, por meio da linguagem, adquirir conhecimento e desvencilhar-se de possíveis armadilhas ideológicas, estando plenamente aptos a compreender o mundo pela via da cognição, despertando para o aspecto racional fundamental que constrói a cultura e que faz as ciências. Para ele, não haveria porque falar-se em interpretação porque, não há verdade escondida a ser revelada, não há algo a ser descoberto para além da efetividade do discurso, da fala ou do evento. Tudo é (ou não é) descrito a cada vez, segundo diversas perspectivas.

Note-se que a primeira publicação da teoria habermasiana é de 1981; o que, instintivamente remete-nos ao livro 1984 de George Orwell.

Orwell criou um universo próprio, talvez fruto do espírito criativo; mas muito mais possivelmente, resultado de seu apurado instinto observador jornalístico. O livro do ensaísta, romancista e jornalista britânico já foi traduzido para quase todas as línguas e publicado em mais de sessenta países, misturando a posição do autor_ contrário ao totalitarismo e em luta contra as injustiças. A simples existência da obra e do mundo distópico ali descrito foi suficiente para a polêmica e a disseminação da obra e das ideias; contudo, em 1999, a produtora holandesa, Endemol, valeu-se de uma entidade do livro: o “Big Brother” para criar um reality show que viralizou (e banalizou) a ideia da liberdade vigiada.

Vive a contemporaneidade um momento “Big Brother”? O discurso governamental vale-se de uma linguagem persuasiva ou intimidatória? Esta linguagem garantirá a sobrevivência humana pós-pandemia? Que agir comunicativo seria este? Se os aspectos cognitivos e intelectuais são elementos essenciais à comunicação; realizada, preponderantemente, por meio da linguagem; como poderia ser explicada/aplicada a teoria do agir comunicativo durante a pandemia advinda do Coronavírus (SARS-19)?

Se a linguagem fundamenta o discurso e intermedia o conhecimento; quais seriam os possíveis reflexos nas políticas públicas (saúde, educação, meio ambiente etc.) em face deste processo discursivo (mundial) voltado não apenas aos cuidados básicos com a saúde, mas também ligados a inúmeras áreas da vida humana (trabalho, vida coletiva, produção e consumo, isolamento, hipossuficiência econômica)? Note-se que se está diante do total desconhecimento a respeito desse vírus (e de toda a gama de consequências); logo, poderia ser dito que este tempo se vale do discurso do desconhecimento?

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E como o universo jurídico absorverá o desconhecido na legislação com reflexos na vida de todos? Há muita linguagem a considerar.

1. BREVE ESCORÇO DOS ESTUDOS DE HABERMAS

Jürgen Habermas, nasceu em 1929, sendo considerado o principal estudioso da segunda geração da Escola de Frankfurt5. Estudante e assistente de Adorno, lecionou Filosofia e Sociologia na Universidade de Frankfurt em 1956. Posteriormente, em 1972, mudou-se para o Instituto Max-Planck em Starnberg, mas em meados de 1980, retornou para o seu posto de professor em Frankfurt.

Considerado como o pensador mais influente na Alemanha desde a última década (1970-80). "Como filósofo e sociólogo articulou criativamente uma extraordinária produção literária especializada nas ciências sociais, teorias sociais e a história das ideias com uma provocativa teoria crítica do conhecimento e interesses humanos. As raízes de suas teorias originam-se na tradição do pensamento alemão de Kant a Marx, e também dos teóricos críticos da Escola de Frankfurt , pioneira no estudo do relacionamento das ideias de Marx e Freud”.

Habermas, analista de comunicação, busca promover normas para a relação de não dominação sobre os outros e uma noção mais ampla de razão, donde adveio a Teoria Crítica de Habermas.

De acordo com Maria Soares de Medeiros e Maria Auxiliadora de Resende Braga Marques (2000, p.2), é com Habermas que a racionalidade moderna ganha uma nova dimensão, cuja amplitude deve-se ao seu conceito de racionalidade comunicativa. Também é com este teórico que a compreensão das sociedades capitalistas avançadas adquire uma interpretação cuja maior patologia detectada é a colonização do mundo vivido.

Conforme as autoras, Habermas não nega as crises do capitalismo, mas sim as entende como crises de racionalidade, de legitimidade e de motivação. Trata-se de um conceito polissignificativo de crise. Assim, pode-se dizer que “A

5 Um grupo de filósofos, críticos culturais e cientistas sociais associados com o Instituto de Pesquisa

Social, fundado em Frankfurt em 1929. As figuras comumente associadas com a escola são Horkheimer, Adorno, Marcuse, Fromm e o próprio Habermas. A Escola de Frankfurt é conhecida por seu programa de desenvolver uma " teoria crítica de sociedade". A Teoria Crítica é principalmente um modo de fazer filosofia que integra os aspectos normativos de reflexão filosófica com as realizações explicativas das ciências sociais. A última meta de seu programa é unir teoria e prática.

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compreensão de crise a partir dos sintomas polissignificativos faz de Habermas, segundo nossa opinião, um dos teóricos mais inovadores e mais completos na interpretação das crises que afetam as sociedades atuais (MEDEIROS, 2002, p.65)”. Se comparada a Teoria Crítica de Habermas com as teorias de Marx e Freire evidenciam-se alguns pontos de coincidência, assim como aspectos particulares de afastamento6. A teoria crítica concorda com Marx quando este salienta que a pessoa deve ficar consciente de como um ideologia reflete ou distorce a realidade, fator que influencia a falsa consciência sobre os poderes da dominação. A perspectiva ou consciência transformada de Habermas é semelhante a de Marx, e é similar aquelas observadas por outros pesquisadores na maneira pela qual fatores sexuais, raciais, religiosos, educacionais, profissionais, políticos, econômicos, tecnológicos e ideológicos criam ou contribuem para nossa dependência. Mas, o filósofo de Frankfurt difere-se de Marx naquilo que este reformulou do pensamento de Hegelian, que a reivindicação de uma consciência transformada deveria conduzir a uma forma previsível de ação, por exemplo, a abolição de propriedade privada.

Já em comparação a Paulo Freire, entende-se que a Pedagogia do oprimido está centrada no conceito de consciência, mas é dedicado a fortalecer o oprimido. (pobres da América Latina) utilizando uma variedade de métodos, inclusive a educação autodirigida. Ele também se refere à falsa consciência do opressor, e enfatiza a necessidade de convencer o opressor a ver como a reificação desumaniza tanto o opressor como o oprimido. O ponto principal da Teoria de Freire está relacionada com a transformação social das oligarquias políticas, educando tanto o opressor como o oprimido, através da autorreflexão crítica (conscientização).

Habermas diferencia três áreas cognitivas genéricas primárias nas quais o interesse humano gera conhecimento: trabalho, interação e poder. Estas áreas determinam categorias relevantes para o que nós interpretamos como conhecimento, quer dizer, são conhecimentos constitutivos, que determinam o modo de descobrir o conhecimento e como podem ser garantidas as necessidades desse conhecimento.

O Conhecimento do Trabalho refere-se ao modo como a pessoa controla e manipula o seu ambiente. Isto é comumente conhecido como ação instrumental. O conhecimento é baseado em investigação empírica e governado por regras técnicas.

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O critério de controle efetivo da realidade define o que é ou não é uma ação adequada. As ciências empírico-analíticas que usam teorias hipotético-dedutivas caracterizam este domínio. Muito daquilo que consideramos por domínio da pesquisa científica, por exemplo Física, Química e Biologia (ciências exatas) são classificadas por Habermas como pertencendo ao domínio de Trabalho.

O Conhecimento Prático identifica interação humana social ou ação comunicativa. O conhecimento social é governado por normas consensuais as quais definem expectativas recíprocas sobre o comportamento entre os indivíduos. Normas sociais podem ser relacionadas a proposições empíricas ou analíticas, mas sua validade é fundamentada só na intersubjetividade da compreensão mútua de intenções. O critério de clarificação de condições para a comunicação e a intersubjetividade (o entendimento do significado em lugar da causalidade) é usado para determinar o que é uma ação apropriada. Muitas das disciplinas hermenêuticas, como a ciência social descritiva, a história, a estética, a literatura etnográfica e assim sucessivamente são classificadas por Habermas como pertencendo ao domínio do Prático.

Por fim, o Conhecimento Emancipatório significa autoconhecimento ou autorreflexão. Isto envolve reconhecer o modo como a história e a biografia de alguém vê a si próprio e suas expectativas e papeis sociais. A emancipação tem relação com as forças institucionais ou ambientais, que limitam nossas opções e o controle racional sobre nossas vidas, mas que podem ser encaradas como além do controle humano (reificação). Percepções obtidas através de autoconhecimento crítico são emancipatórias, na medida em que, no mínimo, uma pessoa pode reconhecer as razões para seus problemas. Conhecimento é obtido através de autoemancipação, ocorrendo por meio da reflexão que conduz a uma consciência ou perspectiva de transformação. Exemplos de ciências críticas incluem a teoria feminista, psicanálise e a crítica de ideologia, de acordo com Habermas.

1.1 AS TRÊS IDEIAS FUNDAMENTAIS DE HABERMAS

A esfera extra residencial, a reintegração entre Hermenêutica e Positivismo, e a ação comunicativa são as três ideias fundamentais de Habermas. A esfera pública compreende aspectos que estão fora da vida doméstica, fora da igreja, e fora do governo, existe um espaço para as pessoas discutirem sobre vida.

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Habermas chama isto de esfera pública, onde ideias são examinadas, discutidas e argumentadas. O espaço desta esfera pública tem diminuído sob a influência das grandes corporações e do poder da mídia. Uma implicação óbvia é que isto é uma estratégia de divisão e conquista. Um recente evento interessante é o surgimento da Internet como uma nova esfera pública. Na rede mundial de computadores é visível o uso da linguagem como ferramenta de poder e durante a pandemia isto ficou claro a todos os cidadãos, bastando trocar a postagem (ou o canal)

O ilustre pensador deixa claro que há uma realidade objetiva, e que as ferramentas das ciências naturais são bem preparadas para explorá-las; também fica claro que a lógica das ciências naturais não é a mesma lógica que se aplica às ciências humanas. Isto ocorre porque a sociedade e a cultura são domínios estruturados ao redor de símbolos, os quais exigem interpretação. Qualquer metodologia que, sistematicamente, negligencie o esquema interpretativo pelo qual a ação social acontece, está destinada ao fracasso. Ele desenvolve uma hipótese de um terceiro nível de lógica: o de poder e dominação, que serão entendidos usando a lógica da teoria crítica.

Habermas, por fim, argumenta que qualquer usuário da linguagem, pode justificá-la em quatro níveis de validade: a) o que é dito é inteligível, ou seja, a utilização de regras semânticas inteligível pelos outros; b) que o conteúdo do que é dito é verdadeiro; c) que o emissor se justifica por certos direitos sociais ou normas, invocadas no uso de idioma; d) que o emissor é sincero no que diz, não tentando enganar o receptor. Isto é o que o Habermas classifica como comunicação não distorcida. Quando uma das regras é violada, a comunicação resta distorcida. Esta teoria de comunicação tem muitas implicações, inclusive uma definição de verdade com caráter universal.

1.2 OBJETIVOS PRINCIPAIS DA TEORIA DE HABERMAS

É possível dizermos que a teoria de Habermas tem três objetivos principais: 1. Demonstrar que o conhecimento é necessariamente definido pelos objetos da experiência e por categorias e conceitos que o sujeito traz a todo ato de pensamento e percepção. Até mesmo espaço e tempo, que são noções científicas básicas, não são unicamente providas pela experiência. Elas não fazem sentido

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quando desprovidas de conceitos, ideias dadas a priori, independentemente de toda a experiência. Ideias e conceitos são determinados por categorias e formas que levam ao ato de percepção.

2. Provar que o conhecimento é social e que, de acordo com os fundamentos da Sociologia, não há conhecimento sem cultura e que todo ele é mediado pela experiência social. Para Habermas, os processos de conhecimento e compreensão são fundamentados em padrões de linguagem usual dos quais nos valemos na comunicação interativa do dia a dia.

3. Estabelecer a "validade da reflexão", estabelecer um fundamento não metafísico. Para este filósofo, o poder da razão fundamenta-se no processo de reflexão; acreditando, inclusive, que uma ciência "ruim" tem sua raiz na atitude cognitiva de cientistas positivistas. A cultura da moderna ciência, enraizada no positivismo, não pode transformar-se em reflexiva sem abandonar a ideologia da objetividade.

Além disso, Habermas vê a teoria crítica como um modo de reconhecer os objetivos de uma sociedade. Esses objetivos seriam o fim da coerção e a busca da autonomia pelo viés da razão, o fim da alienação através da harmonia consensual de interesses, e o fim da injustiça e da pobreza pela administração racional da justiça.

1.3 TEORIA DA OPINIÃO PÚBLICA

A abordagem de Habermas sobre a opinião pública surge a partir de sua obra clássica sobre a Publicidade Burguesa. Ele se baseia nas condições comunicativas nas quais pode ocorrer uma formação discursiva da vontade e da opinião de um público formado pelos cidadãos de um Estado. A noção de opinião pública como processo não pode se limitar unicamente às bases empíricas de uma teoria, deve também enfocar a posição que essa noção ocupa na interpretação da sociedade.

Habermas retoma o projeto histórico-filosófico da modernidade, atribuindo à opinião pública a função de legitimar o domínio político por meio de um processo crítico de comunicação, sustentado nos princípios de um consenso racionalmente motivado. Assim, o consenso social deriva da Ação Comunicativa, ou seja, uma orientação que responde ao interesse cognitivo por um entendimento recíproco e ao

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interesse prático pela manutenção de uma intersubjetividade permanentemente ameaçada. Em conseqüência, o objetivo de uma Teoria Crítica da Democracia, fundamentada normativamente, consiste em explicar se as sociedades complexas admitem a existência de uma opinião pública (opinião esta baseada na garantia de condições gerais de comunicação, que assegurem uma formação discursiva da vontade). Ou seja, trata de analisar se as Democracias Contemporâneas contém a possibilidade de estruturar uma praxis argumentativa pública, que vincule as validades das normas de ação a uma justificação racional, oriunda da livre discussão dos cidadãos.

No plano teórico de Habermas, os procedimentos dominantes de legitimação das democracias de massa modernas estão relacionado a um processo de legitimação dirigido a nível administrativo: "o sistema político assegura o consentimento da população tanto por via positiva, quanto por via seletiva; positivamente capitalizando as expectativas de comprimento dos programas próprios do Estado Social ; seletivamente excluindo determinado assuntos da discussão pública. E isso pode ser feito por meio de filtros estruturais no acesso à esfera da opinião pública-polítca, por meio de deformações burocráticas das estruturas da comunicação pública, ou por meio de um controle manipulativo dos fluxos de informação".

Por outro lado, deve também ser transposta a lógica dos processos de formação, circulação e expressão da opinião pública ao quadro de categorias fundamentais elaborado por Habermas. Deste modo, deve-se pensar sobre a relação entre os fenômenos de opinião pública e os processos de racionalização, historicamente conectados entre si, mas diferenciados por categorias conforme propõe Habermas.

Segundo o ponto de vista habermasiano, a linguagem é concebida como garantia da democracia, isto é, uma forma política derivada de um livre processo comunicativo dirigido a conseguir acordos consensuais em decisões coletivas.

Finalmente, os conceitos básicos da Teoria Democrática de Habermas garantem um marco teórico adequado no que diz respeito à Teoria Crítica da Opinião Pública, fundamentada em duas variáveis:

1. Um programa de investigação que analise processos concretos de formação de opinião no contexto das interações entre sistema e modo de vida. Só

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assim é possível corrigir empiricamente os excessos normativos da teoria. Sem dúvida, as metodologias de investigação qualitativas constituem os instrumentos adequados para as finalidades dessa análise.

2. Desenvolver uma noção de espaço público que integre os três atores principais da vida social: o sistema político, o sistema dos meios de comunicação de massa e a opinião pública dos cidadãos.

Nesse diapasão, o pensamento de Habermas deseja ver envolvida a vida privada e a vida pública num sistema significativo coletivo, o qual deveria permitir aos indivíduos valerem-se da linguagem para ter acesso ao conhecimento e como meio de libertação dos fatores metafísicos, os quais oferecem apenas uma verdade universal, e não perspectivas variadas e reais formas de acesso ao pensamento filosófico que a humanidade vem desenvolvendo há séculos.

2 MODELOS DE RACIONALIDADE: DE WEBER A HABERMAS

Os estudos de Galileu na persecução da cientificidade, as grandes transformações da vida material do homem, ocorridas em função da Revolução Industrial, levaram ao triunfo dos métodos das ciências naturais, com a consequente extensão para os fatos estudados pelas ciências humanas e sociais. Embora ainda houvesse resistência e busca de métodos próprios. Assim, a história do pensamento filosófico delimita meados do século XIX como aquele em que o estudo científico dos fatos humanos começou a se constituir.

O modo explicativo, característico das ciências naturais, busca a relação causal entre os fenômenos; enquanto a compreensão é o modo típico de proceder das ciências humanas, que visam aos processos vivos da experiência humana, buscando neles seu sentido. O estudo do método da compreensão dos fatos humanos coube, na Sociologia, a Max Weber.

Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebeu o objeto da sociologia como a busca do conhecimento do fenômeno social, a tentativa de se extrair o conteúdo simbólico da ação humana. Mais do que explicar os fatos em termos de causas e efeitos, é necessário compreendê-los na sua carga de significado, pois um fato aponta para outros fatos em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.

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O método compreensivo, defendido por Weber, busca a compreensão do sentido das ações, o fato em si não é relevante, mas a motivação que o determina, tal motivação envolve um complexo rol de possibilidades no seio social.

Embora Weber reconheça a necessidade de rigor metodológico na observação dos fatos, defendida pelo método das ciências naturais, não aplica exatamente a mesma fórmula, pois as leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais através de probabilidades de comportamento e de sentido, servindo tanto para casos gerais como para casos particulares.

Weber dicotomiza o racional e o irracional, para ele, uma ação é racional à medida que é orientada para um objetivo claramente formulado, ou, ainda, a escolha dos meios demonstra adequação à persecução do objetivo colimado. E, evidentemente, o objetivo almejado está diretamente ligado à perspectiva histórica e suas singulares combinações.

Importante observar em Weber os conceitos de autoridade e de legitimidade, para ele, a própria existência do Estado pressupõe uma população que obedece à autoridade, reconhecida como legítima, seja ela concedida ou tomada, dos detentores do poder. O pensador esmiúça o tema, apontando para os diversos tipos de dominação, e os meios como se estabelece.

Talvez nesse ponto esteja a aproximação mais óbvia com Habermas, a concentração nos motivos que regem/determinam a configuração social na busca pela democracia.

Juliana Martins Barbacena (2006, p. 01) tratando da racionalidade em Habermas e Weber, entende que a democracia, ocupante de um lugar privilegiado no cenário político do século XX, continua a ser a chave da situação paradoxal de nosso presente:

Jürgen Habermas, em sua tentativa de responder ao desafio weberiano sobre a democracia, pretende demonstrar que o povo pode fazê-la de modo justo e racional, malgrado as tensões do processo de racionalização que marcam o mundo ocidental, pois que a implementação democrática dos direitos é um processo no qual os indivíduos, com base na igualdade de participação, chegam a um consenso acerca das regras que desejam institucionalizar.

Afirma a autora que o pensamento de Jürgen Habermas, vem exercendo significativa influência entre teóricos e profissionais das Ciências Humanas,

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