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A organização do trabalho pedagogico em uma escola do MST e a perspectiva de formação omnilateral

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Academic year: 2021

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TESE DE DOUTORADO

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO EM UMA ESCOLA DO MST E A PESPECTIVA DE FORMAÇÃO OMNILATERAL

Autora: Ilma Ferreira Machado

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Catalogação na Publicação elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educação/UNICAMP

Bibliotecário: Gildenir Carolino Santos - CRB-8ª/5447

Machado, Ilma Ferreira.

M18o A organização do trabalho pedagógico em uma escola do MST e a perspectiva de formação omnilateral / Ilma Ferreira Machado. -- Campinas, SP: [s.n.], 2003.

Orientador : Luiz Carlos de Freitas.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação.

1. Trabalhadores rurais – Educação. 2. Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. 3. Educação para o trabalho 4. Prática de ensino. I. Freitas, Luiz Carlos de. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

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TESE DE DOUTORADO

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO EM UMA ESCOLA DO MST E A PESPECTIVA DE FORMAÇÃO OMNILATERAL

AUTORA: ILMA FERREIRA MACHADO ORIENTADOR: LUIZ CARLOS DE FREITAS

Este exemplar corresponde à redação final da Tese defendida por Ilma Ferreira Machado e aprovada pela Comissão Julgadora.

Data: ___/____/______ Assinatura: ______________________________ Comissão Julgadora: ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ ________________________________________ CAMPINAS – 2003 i

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RESUMO

Esta pesquisa foi desenvolvida no período de um ano, em uma escola de assentamento do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra, no interior de Mato Grosso, e teve como objetivo analisar em que medida o processo de organização do trabalho pedagógico dessa escola corresponde aos propósitos de formação omnilateral, identificando as categorias fundamentais de sustentação da proposta educativa do MST, suas dificuldades e contradições, e as possibilidades de se efetivar no seio de uma sociedade capitalista.

A abordagem de pesquisa utilizada foi qualitativa, através da observação das atividades pedagógicas, da participação em atividades políticas do MST, de entrevistas a professores e pais, da produção de textos e desenhos com as crianças, e da análise documental.

Os dados mostram que, embora os professores não tenham, ainda, apreendido o conjunto da proposta pedagógica do Movimento, a escola procura trabalhar conforme os princípios educativos do MST, evidenciados nos seguintes aspectos: diversificação de espaços de aprendizagem, preocupação com a relação teoria-prática, e educação-trabalho, organização de processos pedagógicos coletivos e individuais, valorização do trabalho coletivo, avaliação na perspectiva de desenvolvimento profissional e do aluno, ênfase em valores como solidariedade, companheirismo e luta.

A escola tem enfrentado inúmeras dificuldades na organização e operacionalização do trabalho pedagógico por defender valores antagônicos aos da sociedade capitalista, pela existência de forças políticas opositoras dentro e fora do assentamento, e pela falta de condições estruturais de trabalho. É necessário que os educadores aprofundem teoricamente a proposta do MST, e que se busque maior organicidade interna do Assentamento e do Movimento em MT, para que o setor de educação possa fazer um acompanhamento sistemático às escolas, de modo a fortalecer uma prática educativa assente nos princípios da formação omnilateral.

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ABSTRACT

This research was developed in the period of one year, in a school at nestingof Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), in the interior of Mato Grosso-Brazil, and had had as objective to analyze in what way the process of organization of the pedagogical work of that school corresponds to the intentions of omnilateral formation, identifying the basic categories of sustentation of the proposal educative of the MST, its difficulties and contradictions, and the possibilities to accomplish itself in the middle of a capitalist society. The research boarding used was qualitative, through the comment of the pedagogical activities, the participation in politics activities of the MST, interviews to the teachers and parents, the production of texts and drawings with children, and the documentary analysis. The data show that, even teachers do not have, still, apprehended the set of the proposal pedagogical of the Movement, the school look for to work as the educative principles of the MST, evidenced in the following aspects: diversification of learning spaces, concern with the theory-practical relation, and education-work, organization of collective and individual pedagogical processes, valuation of the collective work, evaluation in the perspective of professional development and of the student, emphasis in values as solidarity, fellowship and fight.

The school has found innumerable difficulties in the organization and operation of the pedagogical work to defend antagonistic values to the ones of the capitalist society, for the existence of forces politics opponents inside and outside of the nesting, and for the lack of work structural conditions. It is necessary that the educators theoretically deepen the proposal of the MST and look for more internal organization of the Nesting and of the Movement in MT-Brazil, so that the education sector can make a systematic accompaniment to the schools, in order to fortify one practical educative assent in the principles of the omnilateral formation.

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AGRADECIMENTOS

Às crianças do MST, sujeitos da história de luta e resistência dos trabalhadores rurais, que sentem prazer nas coisas simples, demonstrando uma contagiante alegria de viver, contribuindo para renovar minhas forças na luta por uma sociedade melhor.

Aos educadores e educadoras do Assentamento Nova Conquista, que se abriram às críticas, forneceram informações, deram sugestões, e possibilitaram uma convivência amistosa, marcada pelo companheirismo e pela solidariedade.

À Coordenação Estadual do MST de Mato Grosso, que aceitou “expor” o trabalho educativo do Movimento a uma avaliação externa, e forneceu os documentos e materiais bibliográficos por mim solicitados.

Aos moradores do Assentamento Nova Conquista, que me acolheram com carinho e respeito, e mostraram o valor que a terra tem para eles: é trabalho, é vida.

Ao meu esposo Valdemir, por compartilhar minhas angústias e esperanças. E ao meu filho João Vitor, que com seus três anos de idade, soube suportar bem as tensões/pressões vividas por uma “mãe-pesquisadora”, mostrando-se completamente integrado ao Assentamento.

Aos companheiros do LOED pelas oportunidades de discussão sobre temáticas na área da educação, em especial à Regiane, pelas palavras amigas e pelos socorros prestados no encaminhamento de minha documentação acadêmica.

À equipe de trabalho da Secretaria de Pós Graduação da Faculdade de Educação, pelo atendimento atencioso e eficiente.

Ao Professor Doutor Luiz Carlos de Freitas, pelas críticas sérias, e pelas orientações sempre seguras, baseadas no princípio da autonomia intelectual de cada orientando.

À Universidade do Estado de Mato Grosso e à CAPES pelo apoio financeiro concedido para a realização do meu curso de Doutorado.

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Introdução 01

A presença do MST em Mato Grosso 09

A educação no MST no pensamento de alguns autores

Aspectos metodológicos da pesquisa

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78

1. Trabalho, educação, escola e as possibilidades de formação omnilateral 2. Percepção sobre a vida na escola e no assentamento

101

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3. A organização do trabalho pedagógico na escola do MST 223 Considerações finais 301 Referências Bibliográficas Anexos 311 317

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INTRODUÇÃO

As aceleradas transformações sócio-econômicas observadas no cenário nacional e internacional nos últimos anos resultam de pequenas mudanças iniciadas há décadas atrás, que paulatinamente vêm se reconfigurando e ganhando força, questionando conceitos de mundo, trabalho, indivíduo e classes sociais. Sob a ótica do capital tais mudanças aparecem como substanciais e radicais, propulsoras do desenvolvimento social e, portanto, benéficas para toda a humanidade.

Os principais argumentos apontam para a flexibilização do modo e das relações de produção, onde a satisfação do cliente e, portanto, o aumento do consumo de mercadorias é buscado via produção diversificada e em pequena escala, expressando o interesse e o gosto de determinados grupos sociais. Diversificação implica em atualização, agilidade e produtividade. Assim, entra em cena a avançada tecnologia e o emprego da “inteligência artificial” que, prescindindo de menos força de trabalho humano do que outrora, apresenta-se como um dos principais símbolos da modernidade, aliada ao princípio de competitividade. O apelo à competitividade e modernização dos setores produtivos e trabalhistas faz prevalecer a máxima “só os melhores triunfam”.

Com o processo de reestruturação produtiva que grande parte do mundo vem vivenciando, o capital internacional procura, ao assegurar a expansão do mercado de consumo, assegurar, também, crescentes taxas de lucro e o poder hegemônico sobre nações menos desenvolvidas. Ao mesmo tempo procura ocultar suas debilidades, sendo uma delas a capacidade limitadora do próprio consumismo (Mészaros 1996), que joga com um enorme contingente de sem empregos, sem tetos, sem terras, enfim de sócio-economicamente excluídos.

O processo de globalização econômica que ora presenciamos é, portanto, assimétrico e contraditório: a organização dos mercados locais vive uma relação conflitante com uma economia oligopólica onde “três, quatro, cinco corporações controlam 50% a 60% dos mercados em que atuam. A ação dos Estados está claramente presente: pouquíssimas empresas - e certamente não as mais importantes - transcendem de fato suas nações de origem e operam desgarradas de uma base nacional” (Benjamim 1998, p.30). O quadro cultural e social também se agrava com a não internacionalização do mundo do

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trabalho, que se apresenta de maneira excessivamente fragmentária, e com a “crise” do Estado de bem-estar social, tornando cada vez mais inacessíveis bens como educação, saúde e lazer. A fragilização dos Estados significa aumento da subordinação às nações concentradoras de capital, aos chamados países do primeiro mundo.

Os representantes e defensores desse sistema societal, cujos princípios norteiam as políticas neoliberais, com o apoio da mídia, saúdam os novos tempos como o nascimento de uma sociedade mais homogênea e humana, sem classes, sem divergência capital/trabalho, sem o predomínio do trabalho assalariado. Contudo, não conseguem eliminar as profundas desigualdades sociais que fazem com que alguns poucos viventes conheçam a riqueza e o bem estar, e outros a miséria, a falta de perspectiva de presente e futuro, de identidade cultural.

As reações dos trabalhadores a essa situação desfavorável, vão da perplexidade e letargia à indignação e resistência. Como exemplo podemos citar o movimento desencadeado por trabalhadores e trabalhadoras francesas contra o tempo parcial de trabalho e a redução salarial (Hirata 1998), o movimento dos trabalhadores bolivianos contra o desemprego, recentemente divulgado pela imprensa, assim como a manifestação na Coréia do Sul, dos trabalhadores da indústria automobilística contra a redução salarial e dos postos de serviços.

No Brasil os reflexos dessas “transformações” podem ser observados de diversas formas. As dimensões continentais de nosso país propiciam a existência de uma heterogeneidade muito grande de organizações sócio-econômicas, de modo que aqui convivem o avançado processo de industrialização da região sul e sudeste, com práticas industriais ainda elementares e ênfase na agricultura e pecuária, a exemplo das regiões Centro Oeste, Norte e Nordeste. Na agropecuária temos, também, muitas nuances: há propriedades agrícolas com altíssimo grau de desenvolvimento tecnológico, e agricultura familiar de meio manual, que ainda faz uso de técnicas rústicas.

A passagem do modelo agropecuário ao modelo agro-exportador se por um lado significou avanços no processo sócio-econômico inserindo o Brasil no contexto internacional, por outro trouxe inúmeros problemas sociais caracterizados pelo êxodo rural e o inchaço das grandes cidades e, principalmente, das capitais dos Estados centrais. O movimento migratório campo-cidade não é decorrente apenas da perspectiva de conquista

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do progresso anunciada nos discursos políticos oficiais e difundida nacionalmente, mas também do processo de expulsão de trabalhadores da zona rural, acarretado pela posse da terra nas mãos de uns poucos proprietários. O latifúndio é um demonstrativo da centralização econômico-financeira, e um fenômeno que não se apresenta apenas no Brasil, estando vinculado ao processo de concentração de renda e capital que ocorre em âmbito internacional, e de maneira mais forte nos países terceiro-mundistas, como no nosso caso.

Em nossa contemporaneidade as gritantes desigualdades econômicas agravam os problemas sociais, produzindo um cem número de excluídos que não têm lugar no campo e muito menos na cidade, vivendo em condições subumanas, muitas vezes, sem forças para lutar e resistir. São os sem tetos, sem emprego, sem terras, sem saúde, etc.

Não tendo a quem recorrer - Estado e governantes - são instados a buscar sobrevivência e dignidade humana pelo mecanismo da auto-organização. Exemplo disso são os sem-teto nas grandes cidades como São Paulo e Rio, e os sem-terra em diversos pontos do país reunidos em torno do MST, que concebe a Reforma Agrária como um importante mecanismo de redistribuição da terra e de redução das desigualdades sócio-econômicas por colocar para milhares de trabalhadores a possibilidade de satisfação de necessidades básicas como moradia e alimentação.

Reforma Agrária é uma temática com a qual o Brasil convive de modo mais sistemático desde o regime militar. E o elemento gerador dessas discussões é a concentração de terras – uma constante desde o Brasil Colônia –, que tem se agravado nos últimos trinta anos, conforme atestam dados do próprio IBGE. Pelas estatísticas da ONU o Brasil é apontado como o segundo país do mundo em concentração de terras (MST, 2000a). No Brasil a atual divisão dos estabelecimentos agrícolas apresenta-se da seguinte forma:

4,3 milhões com áreas inferiores a 100 Ha 470 mil com áreas de 100 a menos de 1.000 Ha 47 mil com áreas de 1.000 a menos de 10.000 Ha

2,2 mil com áreas a partir de 10.000 Ha; e o restante sem declaração. Fonte: Revista Sem Terra Nº 12, 2001.

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de terras privadas, apenas 60 milhões são de lavoura. “O restante das terras estão ociosas, sub-utilizadas ou se destinam à pecuária. Segundo dados do Incra, existem cerca de 100 milhões de terras ociosas no Brasil” (MST, 2001, p.18).

As estatísticas revelam ainda um outro lado crítico da concentração de terras, contra a qual o MST tem se levantado buscando uma lógica de distribuição mais justa:

• Os estabelecimentos inferiores a 100 hectares respondem por 47% do valor total da produção agropecuária, e empregam 40,7% da mão de obra, enquanto os estabelecimentos acima de 10.000 hectares respondem por 4% do valor total, e absorvem 4,2% da mão de obra (Revista Sem Terra Nº12, 2001).

Os números da reforma agrária apresentados pelo Governo Federal e pelo MST são divergentes em relação a quantidade de assentamentos: enquanto o Governo de Fernando Henrique Cardoso diz ter assentado 280 mil famílias no período de 1995a 1999, o MST afirma que esses números não ultrapassam 180 mil famílias. Informações como essas constam de documento do MST intitulado “Balanço do Governo FHC (1995-1998) na Reforma Agrária”. No tocante à demanda da terra para a reforma agrária, dados do IPEA, num estudo encomendado pelo próprio Governo, e baseado no Censo Agropecuário de 1996, atestam que há no Brasil 4,9 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terras, equivalendo a 29 milhões de pessoas situadas a abaixo da linha de pobreza absoluta. Os registros do MST apontavam para 4,8 milhões de famílias, baseados no Censo de 1995; uma simples comparação com os dados oficiais descaracteriza a afirmação feita pelo Governo de que estariam superdimensionados.

A natureza conflitante da questão agrária tem obrigado os governantes a constarem-na em suas agendas políticas por não poderem ignorá-la. De outro lado tem levado os trabalhadores a se mobilizarem no sentido de mostrar a premência de se discuti-la. Assalariados rurais, pequenos proprietários com área inferior a dez hectares, arrendatários, posseiros e famílias que perderam seu pedaço de terra, compõem as caravanas do MST que marcham Brasil afora em busca de terra.

Essas marchas e os movimentos de ocupação não são realizados aleatoriamente, mas a partir de um levantamento das prováveis áreas de assentamento, considerando-se as terras improdutivas e propriedades com mais de mil hectares. Por isso, esse movimento não é localizado, mas abrange todas as regiões do país, atingindo pequenos e grandes Estados

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nos mais diversos estágios de desenvolvimento econômico e social, embora haja uma certa tendência natural de se procurar as regiões com maior volume de terras devolutas ou ociosas, a exemplo das regiões Norte e Centro Oeste, com destaque para os Estados de Rondônia e Mato Grosso.

O movimento dos trabalhadores rurais sem terras intensificou-se no final da década de noventa, quando foi constatada a ampliação das áreas de conflito e de famílias envolvidas. É nesse período que o MST adquire maior força e projeção internacional, mobilizando pessoas e entidades favoráveis à causa agrária e à justiça social. Militantes políticos de esquerda, religiosos, artistas, advogados, são algumas das representações que saem em defesa desse crescente movimento que ganha as manchetes dos jornais, dividindo a opinião pública e comprometendo a popularidade e “estabilidade” do Governo Federal.

Em maio de 2000 o Governo Federal lançou um conjunto de medidas relativas à questão agrária, traduzidas pela mídia como uma forma legal de “ordenar” o processo, pondo fim à “baderna” instalada no país com as “invasões” de terras. Dentre as principais medidas podemos citar a proibição e incriminação das ocupações de terras, com o conseqüente enquadramento dos responsáveis na Lei de Segurança Nacional, a redução de verbas para custeio e produção em áreas de assentamentos, bem como o fim da assistência técnica - antes feita pela EMPAER, EMBRAPA - aos assentados rurais.

Diante desses fatos, parece procedente a afirmação de dirigentes e militantes do Movimento de que tais medidas visavam coibir as ocupações e outras ações coordenadas pelo MST, procurando quebrar sua estrutura pelo mecanismo da massificação de um discurso pacifista e conciliador, no qual difunde-se a idéia de que todos aqueles trabalhadores interessados em adquirir terra poderão concorrer “democraticamente” ao processo de distribuição de terras coordenado pelo Governo Federal, através do INCRA, desde que devidamente cadastrados para tal fim, e que não façam parte de nenhum movimento de ocupação/invasão.

Paralelamente a essas medidas o Governo Federal inicia uma ampla campanha de divulgação de seu projeto de reforma agrária, jogando sistematicamente no rádio e na televisão números e informações no sentido de ganhar credibilidade diante dos trabalhadores rurais e da sociedade como um todo. O MST reage, procurando se contrapor aos argumentos empregados pelo Governo. Com o apoio de outras entidades, tais como,

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CUT, MPA, CPT e outras, divulga no dia seguinte à publicação das medidas governamentais uma nota repudiando a “desvirtuação” do programa de reforma agrária, reivindicando ao mesmo tempo “uma efetiva política de reforma agrária no Brasil combinada com uma nova política agrícola, voltada para os interesses nacionais e para a democratização dos seus instrumentos” (MST 2001, p. 22).

O MST tem denunciado sistematicamente a repressão empregada por forças militares e para-militares contra os trabalhadores rurais sem terra e contra lideranças do Movimento, através de um site na internet, de jornais e revistas dos sem terras e de atos públicos. De acordo com o controle estatístico do MST, de 1987 a 2000 foram assassinados 112 trabalhadores. Denuncia, também, a tolerância do Governo Federal para com os assassinatos e massacres ocorridos - como o de Corumbiara-RO e Eldorado dos Carajás-PA -, cujas apurações e condenações dos culpados tem sido extremamente morosas; alguns casos estão sendo apurados por entidades e organizações não governamentais, no sistema de Júri Popular.

Seria incorreto afirmar que o MST não sofreu nenhum abalo com as firmes investidas do Governo Federal. Em alguns Estados, com movimentos ainda iniciantes, houve um certo arrefecimento da luta, com as pessoas colocando-se de modo mais cauteloso, temendo represálias, e ficando um pouco propensas a acreditar na história da “terra prometida” pelos governantes. Nesse período frutificaram os movimentos de trabalhadores rurais intitulados de independentes ou pacíficos, muitos dos quais obtiveram a terra e verbas para a produção mais rapidamente do que os trabalhadores vinculados ao MST. Outros, porém, permaneceram tanto ou mais tempo aguardando a liberação da terra e de linhas de crédito, numa demonstração de que um dos propósitos do Governo era inibir movimentos reivindicatórios, tipo MST.

Graças à sua estrutura e organização internas o MST vem conseguindo sustentar-se na condição de um dos mais fortes, se não o maior representante dos trabalhadores rurais no Brasil. Prova disso são os acampamentos e assentamentos que seguem organizando-se ano após ano. Os números mostram que:

• De 1990 a 1999 ocorreram 2.194 acampamentos, envolvendo 368.325 famílias; no ano 2000 ocorreram 555, atingindo 76.066 famílias; e em 2001, foram 585, atingindo 75.730 famílias.

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• Até o início de 2001 foram efetivados 1490 assentamentos, abrangendo 108.849 famílias.

No balanço dos dezesseis anos do Movimento, no ano de 2000, contabilizavam-se: • Mais de duzentas mil famílias assentadas em mais de sete milhões de

hectares;

• Nove cooperativas centrais e oitenta e uma locais, de produção, serviço e comercialização;

• Duas cooperativas de crédito, mais créditos específicos para a reforma agrária, como o PROCERA;

• Quarenta e cinco unidades agro-industriais.

“Mas, o mais importante é que em todas as áreas conquistadas do latifúndio e transformadas em Reforma Agrária, agora vivem 20, 30 vezes mais famílias do que antes. Mais famílias com trabalho, mais alimentos sendo produzidos” (MST 2000a, p.04).

A produção é uma temática recorrente no MST. Seus integrantes estão conscientes de que avançar na implementação da Reforma Agrária e no processo de estruturação dos assentamentos implica avançar na forma de produção. Num primeiro estágio do Movimento, falou-se e experimentou-se de diversas formas o sistema cooperativista e associativo, cuja entidade congregadora é a CONCRAB. O associativismo e o cooperativismo que vêm sendo praticados envolvem os aspectos da produção, comercialização e prestação de serviços, objetivando garantir os meios econômicos de sobrevivência dos assentados. E, mais do que isso, garantir a auto-sustentação dos assentamentos procurando evitar que, enquanto pequenas unidades de produção, sejam esmagadas pelo especulativo e excludente mercado capitalista ou obrigados a submeterem-se às suas regras.

Atualmente essa discussão avança para uma perspectiva da produção coletiva, com a constituição dos coletivos de produção nos assentamentos, que são grupos de trabalhadores reunidos por proximidade e afinidade com vistas à organização de atividades produtivas comuns, dividindo responsabilidades e tarefas, e compartilhando o resultado da produção. O horizonte, desde o princípio, foi a construção de novas relações de produção e de trabalho pautadas no fim da exploração da força de trabalho humana e no caráter de

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utilidade dos produtos a serem criados respeitando-se as reais necessidades das pessoas, sem qualquer referência ao consumismo característico da sociedade capitalista.

Logicamente pela inserção mesma dos assentamentos nesse tipo de sociedade, com todas as contradições e conflitos que ela apresenta, a discussão sobre produção coletiva se complexifica e provoca polêmica entre os trabalhadores rurais. As dificuldades neste aspecto são de duas ordens: de compreensão da proposta por parte dos assentados, e das possibilidades de sua efetivação no contexto sócio-econômico em que vivemos.

É em meio às polêmicas e conflitos internos que o MST segue estimulando a prática do trabalho coletivo, concebendo-o como elemento fundamental para a estruturação de um modelo de assentamento pautado em um novo modo de vida rural: o modo de vida coletivo, no qual as ações políticas e técnicas visem o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida de um conjunto de pessoas, e não apenas de alguns indivíduos, isoladamente. Nesse sentido, há um entendimento de que a construção de um novo modelo de sociedade passa pela vivência local dos elementos e das relações que configuram as bases dessa sociedade.

Vinculado ao tema da produção está a questão da defesa do meio ambiente. O Movimento postula o desenvolvimento auto-sustentado, com a preservação dos recursos naturais e a produção de sementes e defensivos agro-ecológicos - as experiências com esse tipo de sementes estão sendo socializadas, inclusive, com organizações camponesas da América Latina.

No documento dos 16 anos do MST são destacadas, também, as conquistas no campo social e político, tais como: ampliação da educação escolar, da educação infantil à universidade, eliminação da fome e mortalidade infantil nos assentamentos, conquista da dignidade de cidadãos, o rompimento da lógica do voto de curral e da dominação política, a recolocação da Reforma Agrária na pauta de discussão da sociedade e do governo, a mudança de algumas leis e o reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal de que “as ocupações massivas de terras são legais, legítimas e necessárias para a Reforma Agrária avançar” (MST 2000a, p.04).

A Presença do MST em Mato Grosso

O Estado de MT, de natureza econômica eminentemente agrícola e portador de uma enorme extensão de terras, presenciou no final da década de setenta, um intenso fluxo

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migratório, sustentado pelo discurso governamental da redistribuição geográfica e física da população, e do desenvolvimento da agroindústria com vistas à exportação. Associa-se a esse contexto o slogan “nesse país, se plantando, tudo dá”.

A exemplo de Rondônia e Pará, Mato Grosso é considerado região de fronteira agrícola. Os movimentos de fronteira existem desde 1870-1880 (cf. Castro 1994), sendo que o primeiro foi empreendido por um grupo de paulistas, através da “Marcha para o Oeste”. A partir de 1920 esses movimentos intensificaram-se. Em 1938 foi estimulado por Getúlio Vargas, em sua anunciada “Marcha para o Oeste”, não numa concepção de desenvolvimento e ocupação de outras partes do país, mas sim como “um instrumento capaz de evitar aglomerações de desocupados nos grandes centros urbanos, capaz de propiciar trabalho aos flagelados da seca” (Castro 1994). Nesse período, as iniciativas na região Amazônica foram modestas, priorizando-se até os anos sessenta o Norte do Paraná, devido à expansão da produção do café.

Com a construção de Brasília na década de setenta aumentou o fluxo de migrantes para a região Centro Oeste. Segundo Castro (1994) o Governo não conseguiu controlar esse movimento através de suas políticas de colonização, pois um “movimento rebelde” se desenvolveu fazendo com que avançasse para as fronteiras grandes proprietários e empresários, mas também os pequenos agricultores e “posseiros”. Vê-se, então, que a fronteira é questão integrante do modelo agrícola capitalista e da modernização no campo.

A fronteira expressa uma relação contraditória que reside no fato de, ao mesmo tempo em que serve de mecanismo de ajustes para o capital, possibilitar o desenvolvimento da pequena agricultura, da agricultura familiar, que só não ocorre de maneira mais intensa porque o próprio capital impede ao operar como o ”regulador” desse processo: os incentivos fiscais oferecidos favorecem a instalação de grandes fazendas voltadas para a pecuária ou simplesmente para especulação. Dessa forma, a terra converte-se em “reserva de valor”, deixando de ser objeto ou instrumento de trabalho, como no caso da agricultura familiar em que produz para a subsistência e para comercialização, significando um “obstáculo à acumulação capitalista” (Castro 1994, p 41).

Partindo da concepção de fronteira, o Governo Federal, através do INCRA, instituiu em décadas passadas os chamados projetos de colonização, utilizados como mecanismo de eliminar ou evitar conflitos com trabalhadores rurais - colonos ou “posseiros” - que

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clamavam por terra em diversos pontos do Brasil. Em Mato Grosso no período 1978 a 1981 foram implantados inúmeros projetos de colonização, principalmente nas regiões norte e sul do Estado, numa iniciativa do Governo Federal, com o apoio de Cooperativas Agrícolas. Essa “parceria” foi adotada como forma de dar credibilidade às ações do Governo perante os pequenos produtores, convencendo-os a participar dos projetos.

Com raras exceções, o que se verificou nessas áreas de “colonização” foi a formação de grandes latifúndios, pois muitos agricultores acabavam “vendendo” ou mesmo abandonando suas propriedades na impossibilidade de continuarem trabalhando a terra em função da falta de máquinas e equipamentos, cujos preços eram inacessíveis à maioria deles. A falta de estradas, de transporte e de apoio técnico foram outras dificuldades enfrentadas. Somava-se a isso o fato de algumas regiões serem inóspitas e propícias ao aparecimento de doenças como a malária e a febre amarela, e de não haver serviço de atendimento à saúde. Fato que expulsava naturalmente os trabalhadores com suas famílias.

Esses e outros fatores contribuíram para a não resolução do problema da distribuição do espaço e de renda em Mato Grosso, que ainda hoje é palco de inúmeros conflitos de terra envolvendo populações indígenas, garimpeiros e outros trabalhadores sem-terras.

O processo de assentamento de famílias em áreas rurais em Mato Grosso ganhou impulso com a organização da luta pela terra via MST, em 1995. Observando a mesma estrutura do Nacional, o MST de Mato Grosso conta com uma Direção Estadual, funcionando numa Secretaria Estadual, sediada em Cuiabá, e com as Coordenações Regionais, ou simplesmente Regionais, com sede em cidades pólos, funcionando na modalidade de Secretarias Regionais. Nessas instâncias maiores organizam-se os setores, tais como: de educação, de saúde, de formação, etc. E em cada setor, organizam-se as frentes de trabalho: equipes que responsabilizam-se diretamente por uma situação ou tema.

De acordo com o próprio MST, a maior parte das famílias que o Governo afirma ter assentado está nas Regiões Norte e Centro Oeste, onde é relativamente mais fácil negociar com os grandes proprietários, e existe grande quantidade de terras públicas. Um exemplo claro disso é o ano de 1999, em que cerca de 68% das famílias assentadas localizavam-se nestas duas regiões.

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Em Mato Grosso, de 1996 até o primeiro semestre de 2001 foram realizados vinte e oito assentamentos comportando 3.283 famílias. Existem ainda cerca de 2.000 famílias em cinco acampamentos no interior do Estado aguardando um pedaço de terra. Os assentamentos estão distribuídos em cinco regiões de Mato Grosso: sudoeste, médio norte, leste, sul e baixada cuiabana, estando a maioria deles situada nos municípios de Rondonópolis, Tangará da Serra, Campo Verde e Cáceres, que distam aproximadamente 300 quilômetros da capital Cuiabá.

MST: princípios, estrutura e normas de funcionamento.

Conforme explicitado em suas Normas Gerais (1989) e em diversos outros documentos internos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é caracterizado como um movimento de massas, aberto a todos aqueles que dele queiram participar, envolvendo diversos setores sociais e entidades. Possui, também, o caráter de um movimento sindical pelo fato de lutar pelos interesses econômicos dos trabalhadores rurais. Nas falas de seus dirigentes, evidencia-se, ainda, o caráter político do movimento na luta pela mudança da sociedade.

A origem do MST está amplamente descrita em trabalhos de autores como (Caldart 2000, Fernandes 1999, Camini 1998, Bezerra Neto 1988), assim como nos documentos internos do próprio Movimento (Normas Gerais 1989; MST: 16 anos de lutas e conquistas 2000). Apontado como uma continuidade das antigas lutas camponesas, existentes desde o Brasil Colônia, surgiu como articulador das lutas isoladas dos trabalhadores rurais em diversos Estados no período 1979-1983, que foi marcado por grandes ocupações de terras, principalmente na região sul do país. Contudo, data de janeiro de 1984 o registro de sua constituição como movimento nacional, a partir da realização do 1º Congresso Nacional, ocorrido no Paraná.

Uma análise histórica das lutas no campo do período da escravidão até os dias de hoje mostra que os conflitos relacionados à questão agrária “são uma das marcas do desenvolvimento e do processo de ocupação do campo no país” (Oliveira 2001, p.11). Processo iniciado com a colonização do Brasil e com o massacre dos povos indígenas, durante o qual a territorialização capitalista do Brasil é forjada em cima da ocupação e destruição do território indígena. “Espaço e tempo do universo cultural índio foram sendo

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moldados ao espaço e tempo do capital” (idem, p.11) numa franca caracterização de uma “luta entre desiguais” que ainda não teve fim em nosso país.

Simultaneamente à luta dos indígenas, nasceu a luta dos escravos negros contra espaços e trabalhos para os fazendeiros. Faz parte dessa história de luta a constituição dos quilombos, símbolo da resistência dos trabalhadores negros contra a exploração, e símbolo de luta pela liberdade, pelo trabalho livre. O Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos, chegou a congregar mais de vinte mil negros; funcionava como uma comunidade autônoma, baseada na propriedade coletiva da terra e na fraternidade entre os seus componentes (ibdem, p.16). Depois de resistir por cem anos, sucumbiu aos ataques de fazendeiros e jagunços, e foi destruído. Porém, a luta dos negros continuou tempo afora, misturando-se à luta dos posseiros/camponeses. Dentre essas lutas destacam-se:

• As lutas de Canudos e Contestado – conflito violento entre camponeses e exército, a primeira ocorrida nos sertões da Bahia, e a segunda no sul do país, considerada a “maior guerra popular da história contemporânea do Brasil... abrangeu 20 mil rebeldes, envolveu metade dos efetivos do Exército Brasileiro em 1914” (Martins, 1981 apud Oliveira 2001).

• A lutas dos colonos na fazenda de café – (interior de São Paulo) como forma de manifestarem-se contra os castigos e multas excessivas impostas pelos fazendeiros e de reivindicar melhores salários, as greves foram os instrumentos adotados pelos “colonos migrantes explorados”. Também foram marcadas pela repressão policial dos fazendeiros sobre os colonos, que apesar de tudo, na maioria das vezes obtiveram sucesso nos movimentos efetivados (cf. Stolke, 1986, apud: Oliveira 2001).

• As lutas camponesas em meados do século XX – seguindo a trajetória de combatividade das anteriores, os movimentos socais de luta pela terra e pela dignidade humana vão se constituindo nesse século, caracterizado por duas formas básicas de luta, que vão comandar os conflitos ocorridos nesse período: a “dos posseiros contra os fazendeiros grileiros” e a dos “parceiros ou moradores contra a expropriação completa no seio do latifúndio” (Oliveira 2001, p.18). O autor destaca a participação efetiva do Partido Comunista nesses movimentos, através de militantes inseridos nas diversas

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áreas de conflito, e a ação ostensiva do Estado e seus governantes contra os camponeses e em defesa dos interesses dos fazendeiros, muitos dos quais autoridades públicas. Cita como exemplo desse processo, nos anos cinqüenta e sessenta, a Revolta de Trombas e Formoso, em Goiás, a guerrilha de Porecatu no Paraná, e a formação das Ligas Camponesas, principalmente no Nordeste brasileiro. Em Goiás há que se destacar, também, o Movimento de Santa Dica 1:

“... Foi um movimento acontecido no município de Pirenópolis, a partir de 1923, em torno de Benedita Cypriano Gomes, ou Dica, e depois Santa Dica. Os membros se chamavam de “Comunidade dos Anjos" ou "Calamita dos Anjos", que se localizava na Fazenda Lagoa, hoje Distrito de Lagolândia. Era um ajuntamento de gente em busca da cura e outros milagres. A base territorial não era propriamente um apossamento. A terra era da avó de Santa Dica, Dª Isabel Borges. Mas, por trás da aparência religiosa, o movimento tinha um claro questionamento da propriedade: "A terra é de Deus..." Por isso a comunidade enfrentava reiteradamente a aversão dos fazendeiros e as batalhas judiciais. Em 1926 o governo pôs fim ao movimento, com forte repressão policial, que resultou em mortes, expulsões e a prisão de Santa Dica." (Pessoa 1999, p. 60).

• A formação das Ligas Camponesas - originárias do processo de organização dos horticultores de Recife, pelo Partido Comunista, face à ilegalidade dos sindicatos na década de quarenta, nasceram em 1954, em Pernambuco, e projetaram nacionalmente a luta camponesa, na medida em que se espalharam rapidamente por todo o Nordeste, apoiadas pelo Partido Comunista e com a oposição da Igreja Católica. As ligas representaram “uma manifestação nacional de um estado de tensão e injustiças a que estavam submetidos os trabalhadores do campo e as profundas desigualdades nas condições gerais do desenvolvimento capitalista no país” (Oliveira 2001, p.23). A violência foi uma marca do processo de luta envolvendo as ligas, registrando-se o assassinato de centenas de lideranças dos trabalhadores.

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De acordo com Oliveira, uma das grandes bandeiras do governo militar foi extirpar as Ligas Camponesas, juntamente com a reforma agrária iniciada pelo presidente João Goulart. No tocante à reforma agrária não atingiu o intento, pois, ao implementar projetos de investimento em grandes propriedades agropecuárias na região amazônica (gerenciado pela SUDAM) acabou estimulando um movimento migratório em busca de terra, em função dos projetos de colonização, gerando enormes conflitos pelo fato de os projetos não contemplarem as necessidades dos pequenos proprietários, ao passo que permitia a grilagem de terra por grandes capitalistas, e a venda escancarada a estrangeiros, principalmente na região amazônica. Aldeia inteira de índios foi massacrada, e muitos posseiros foram perseguidos e mortos por simbolizarem “o atraso”.

Nesse período, década de setenta, a igreja católica, na ala da teologia da libertação, saiu em defesa de posseiros e indígenas. Da mesma forma que as organizações recém-criadas: CIMI e CPT. A violência cresce assustadoramente, atingindo agora, além de índios e posseiros, as lideranças religiosas e sindicais, advogados e políticos aliados2. O ápice

dessa violência acontece na década de oitenta, mais precisamente em oitenta e seis, no Governo Sarney, com a aprovação do Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, atingindo todo o país, embora alguns Estados concentrassem números mais altos, sobretudo as regiões fronteiriças. Chico Mendes e Padre Josimo Tavares foram algumas das pessoas assassinadas nessa época.

Vale registrar que na década de oitenta foi criada a UDR com o claro propósito de defender os interesses dos grandes fazendeiros, que fortalecidos elegeram o presidente dessa entidade, Ronaldo Caiado, ao Congresso Federal, onde se constituiu a chamada bancada ruralista, articulada para legislar em causa própria.

A década de noventa marca o recrudescimento dos conflitos, cuja incidência maior se dá nas áreas de ocupação mais antigas, revelando o problema da concentração fundiária no Brasil, que está na base dos conflitos de terra. As lutas dos trabalhadores rurais se disseminam em várias frentes, tais como, posseiros, nações indígenas, bóias-frias, seringueiros e sem-terra que, embora distintas em alguns momentos, articulam-se no

2Sobre esse assunto ver, também, Fernandes 1999, p.57: as CEBs como espaço de reflexão sobre os problemas

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propósito de lutar contra a “expropriação, exploração e subordinação” pelo e ao capital. Ao mesmo tempo em que enfrentam séria oposição do Estado, recebem apoio de diversas instâncias da sociedade civil. São esses movimentos que chegam ao século XXI, dando continuidade ao processo de resistência iniciado no final do século passado.

“Desta forma, o campo brasileiro vai, no seio das contradições do desenvolvimento capitalista no país, forjando sua unidade de luta na diversidade das suas origens. É, pois este o caminho para sua compreensão e entendimento: diverso e contraditório” (Oliveira 2001, p.54).

Os posseiros em diversos cantos do país têm estado “no centro da luta pela terra”, confrontando-se com os grileiros e com o clássico processo de “grilagem”, onde de posse de documentações, geralmente falsas, de terras “devolutas” (do Estado), a pessoa obtém, através dos institutos de terras, o título definitivo da terra, em cima de uma planta fictícia sem qualquer medição por parte dos agrimensores. Era a “legalização da fraude fundiária” pelo INCRA. “A partir daí acontece o absurdo jurídico: o posseiro e o índio são transformados em “invasores” da propriedade privada titulada” (idem, p.64), passando a sofrer todo tipo de perseguição por parte dos jagunços contratados pelos “proprietários”, de modo a forçá-los a “desocupar” a terra.

Respaldando a ação dos jagunços estava o Exército, numa clara demonstração de que “o processo de territorialização da burguesia industrial veio acoplado ao processo de militarização da questão agrária. Veio acompanhado de um processo de intervenção militar no processo de distribuição das terras no país” (Oliveira 2001, p.89). Um exemplo claro foi a subordinação do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins ao Conselho de Segurança Nacional.

Nesse cenário de conflitos pela terra destaca-se o MST, que “re-inventou” a estratégia de ocupação massiva, se organizando gradativamente em diversos pontos do país, de modo que de 1987 para 1994 o número de ocupações de terra dobrou de 67 para 118, tendo maior índice de ocorrência nas regiões Centro-Sudeste e Nordeste, que nesse período respondeu por 70% das mesmas (Oliveira 2001, p.106). Ao trabalho do MST somou-se a campanha promovida por alguns partidos políticos em favor das ocupações, o que ajudou na elevação desse número.

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“O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra representa no campo brasileiro um avanço em nível de organização nacional e da descoberta de novas formas de luta pela reconquista da terra. Não mais da terra como fonte individual do trabalho, mas como um espaço de trabalho e produção sob o controle coletivo dos próprios trabalhadores” (Oliveira 2001, p.86).

Além de movimento, o MST constitui-se como uma organização, na condição de associação, cuja personalidade jurídica é a ANCA (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), com finalidade de gestão financeira, contábil e patrimonial. O fator “organização” responde, também, à amplitude e ao caráter de perenidade do MST.

Princípios Básicos e Organizativos

Conforme Normas Gerais, aprovadas em 1989, os princípios básicos do MST estão assim expressos:

1- Que a terra esteja nas mãos de quem nela trabalha;

2- Lutar por uma sociedade sem explorados e exploradores: construir uma nova sociedade e um novo sistema econômico;

3- Ser um movimento de massas, autônomo, dentro do movimento sindical para conquistar a Reforma Agrária: os próprios trabalhadores rurais sem terra devem tomar suas decisões, fortalecendo o movimento sindical e conquistando terra para todos os sem terra, e não apenas para aquele que estão dentro do movimento;

4- Organizar os trabalhadores rurais na base: organização nos locais de trabalho e moradia; estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político: a conquista da reforma agrária não depende só da força do MST, e as mudanças da sociedade ocorrerão com a organização das massas em partido políticos;

5- Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores: não é possível fazer a transformação da sociedade sem partir da luta de classes; articular-se com os trabalhadores da cidade e com os camponeses da América Latina.

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Devido à complexidade e amplitude das ações encaminhadas na luta pela terra, o MST joga grande peso na organização interna, exigindo de seus militantes muita responsabilidade e compromisso no trato e encaminhamento de assuntos atinentes ao Movimento, tendo, assim, uma disciplina rigorosa que, por vezes, é objeto de crítica por parte de pessoas externas ao Movimento e mesmo pertencentes a ele. Alguns dirigentes costumam argumentar que a disciplina deve ser entendida como cumprimento de acertos coletivos, o que difere de uma disciplina militar ditada por uma hierarquia. Constituem-se princípios da organização interna do MST:

Direção Coletiva: representação paritária nas comissões, deliberação pelo voto da maioria; Divisão de Tarefas: estimular a participação de todos, evitando a centralização e o personalismo; Profissionalismo: ser militante, especialista, aperfeiçoando-se nas funções e tarefas designadas; Disciplina: respeito às decisões do coletivo, pontualidade, e responsabilidade no cumprimento das tarefas assumidas, auto-organização; Planejamento: tudo deve ser preparado e programado; Estudo: aprofundar as questões de interesse do movimento “quem não sabe não pode dirigir”; implica investir na formação de quadros; Vinculação com as massas: planejar e agir com base nos anseios e aspirações da massa de trabalhadores rurais; Crítica e Autocrítica: avaliação e auto-avaliação das ações, procurando corrigir erros e encontrar solução para os problemas existentes.

No processo organizativo a auto-sustentação e independência financeira coloca-se como um dos maiores desafios impostos ao MST. Desta forma, fica declarada a proibição de se “receber ajudas e contribuições de partidos políticos ou de qualquer outro tipo de organização que venha a comprometer seus princípios e plataforma de lutas” (Capítulo X - Das Finanças). Quem primeiro deve contribuir financeiramente como o Movimento são os próprios trabalhadores rurais, repassando anualmente 2% sobre a produção, o equivalente a um saco de feijão ou a cerca de R$25,00. A contribuição pode ser feita também em forma de prestação de serviços, especialmente no caso dos técnicos/militantes pertencentes ao Movimento.

De acordo com as normas gerais são permitidas doações por parte de pessoas físicas e jurídicas. Existem, também, orientações expressas de que cada instância tenha iniciativas

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sempre os interesses coletivos do Movimento; e ainda para que cada instância organize o seu respectivo setor de finanças.

A exemplo de outros movimentos ou organizações que pleiteiam autonomia financeira, esta não é uma questão fácil de ser administrada dentro do MST por diversos fatores, dentre os quais é possível destacar: a situação de quase penúria a que as famílias ficam submetidas até estruturarem-se minimamente na terra, o que demanda tempo; a dificuldade de cumprimento dos valores estabelecidos - mesmo que possam ser considerados relativamente pequenos - face ao comprometimento da produção ou ganhos das famílias com o pagamento de financiamentos agrícolas junto ao Governo; e desconfiança da parte de algumas famílias quanto à finalidade coletiva dos recursos repassados ao Movimento, o que em alguns casos soma-se ao questionamento da necessidade de manutenção de vínculo com o MST, pós conquista da terra. Constatei a existência de tais visões no Encontro da Regional Sudoeste do MST - MT, em 2000, e também no Assentamento Nova Conquista, durante a realização da presente pesquisa.

Estrutura do MST

A descentralização, além de agilizar questões de interesse dos trabalhadores, é parte integrante dos princípios de democratização das relações sociais e produtivas defendidas pelo MST, conforme se depreende dos discursos proferidos por seus representantes e dos documentos que veiculam seu projeto político-social. Essa descentralização é buscada na prática, via instâncias organizativas e deliberativas, correspondentes à seguinte estrutura:

- Congresso Nacional: instância máxima de discussão e deliberação, onde são traçadas as linhas gerais de atuação do Movimento. Dele participam delegações de todos os Estados;

- Encontro Nacional: onde são fixadas as plataformas de lutas mais imediatas; participam: membros da Direção Nacional, um representante de cada Direção Estadual, e membros dos Coletivos Nacionais;

- Coordenação Nacional: representa publicamente o Movimento, sendo formada por representantes dos Estados, membros da Direção Nacional e Comissão Nacional dos Assentamentos; toma decisões políticas, encaminha as

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deliberações do Encontro e Congresso Nacional, e cuida das finanças do Movimento.

- Direção Nacional: pensa e propõe as linhas políticas do Movimento, procurando garantir a efetivação das mesmas, planeja as estratégias de luta em conjunto com a Coordenação Nacional; seus membros são indicados, pela Coordenação, dentre os “melhores e mais preparados militantes”;

- Comissão Nacional dos Assentamentos: fica subordinada à Direção e Coordenação Nacional, tendo como papel articular os assentamentos, representá-los junto às autoridades e fazer encaminhamentos/proposições específicas sobre eles; é composta por representantes de todos os Estados, escolhidos em seminário nacional;

- Coordenações de Assentamentos: formadas por representantes de núcleos de moradores. São responsáveis pelo encaminhamento das questões políticas e administrativas de cada assentamento;

- Coordenações Estaduais: representam publicamente o Movimento, encaminham as decisões do Encontro e do Congresso Nacional no âmbito de cada Estado, propõem Plano de Lutas para o Movimento de suas respectivas jurisdições, discutindo-os com os Assentamentos nos Encontros Estaduais e Regionais. Ainda na perspectiva descentralizadora, as ações do MST se desenvolvem a partir da definição de frentes de trabalho ou setores. Os principais setores são: de formação, de finanças, de educação, de movimento de massas, de relações internacionais, da juventude, e das mulheres.

Sobre o MST pode se dizer muita coisa. Não existe uma unanimidade quanto a ele, pelo contrário, esse é um tema ainda polêmico, hoje menos que ontem, certamente. Contudo, uma afirmação que não deveria ser feita é a de que o MST é um movimento passageiro, conforme sugere a previsão de alguns analistas apressados. Prova de sua perenidade são os seus dezesseis anos de existência e a sua inserção em vinte e três Estados da Federação, contando em cada um deles com uma Secretaria responsável pelo apoio às atividades dos trabalhadores rurais sem terra vinculados a esses Estados.

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O MST atingiu uma organicidade tal que faz dele na atualidade um dos movimentos populares mais fortes e atuantes em nossa sociedade. A esse respeito Gentili assim se expressa:

“Entre os movimentos sociais que mais impacto político têm tido nas lutas democráticas dos últimos anos, destaca-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), referência fundamental da resistência popular ao neoliberalismo no Brasil e na América Latina... A força dos trabalhadores sem-terra está na força de sua estratégia: as ocupações. Elas são um ato de rebeldia, de desobediência civil. Constituem a recuperação legítima daquilo que foi expropriado mediante a força brutal da negação do direito social a terra, do direito humano à vida... Devemos aprender a lição que dia a dia nos brinda a luta desses milhares de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra... que lutam pela sua dignidade e por recuperar a nossa dignidade social perdida...” (Gentili 1998, p.124). O MST tem como principal estratégia de ação agregar trabalhadores com interesses comuns visando a constituição de grupos (coletivos) de resistência, dispostos a participar de uma luta organizada em função da conquista da terra. Essa luta envolve, grosso modo, três estágios: a ocupação, o acampamento, e o assentamento, com a posse definitiva dos lotes.

As propostas do MST têm como eixo a conquista da terra para plantar, para tirar dela o sustento das famílias, para viver. Por isso mesmo, tais ações não se limitam à aquisição da terra, implicando pensar um projeto de sociedade que comporte um conjunto de procedimentos técnicos e políticos que tenham como finalidade assegurar a permanência do homem no seu pedaço de chão. Em outras palavras, assegurar-lhe um espaço físico e social, pois moradia, alimentação e educação constituem-se elementos fundamentais da condição de ser social.

Viver na e da terra subentende o desenvolvimento de uma teia de relações sociais e econômicas entre sujeitos de diversas gerações, com diferentes aspirações, que buscam melhores condições de vida. Conciliar tais diferenças não é uma tarefa fácil, quando os referenciais de sociedade desses sujeitos são os da sociedade capitalista, onde predomina a força do poder econômico e a idéia de que só vence na vida quem tem capacidade e inteligência, o que explicaria o fato de nem todas as pessoas terem moradia e acesso a saúde, educação, lazer e cultura. E, nesse processo é preciso competir com outras pessoas para ser consagrado o melhor. Mudar essa visão implica provocar uma inversão de valores,

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tema do qual o Movimento não se descuida. Tanto, que editou um caderno exclusivamente sobre esse assunto (Pra soletrar a liberdade Nº 1, 2000).

À medida que os anos avançam, as experiências de ocupação, acampamento e assentamento vão se somando na composição de uma prática amadurecida, avaliada e melhorada. Prática que ajuda no processo de organização de outros cenários de lutas, nos mais variados pontos do Brasil. Todas com uma dinâmica própria, que o MST procura respeitar.

As ações dos sem-terras são meticulosamente organizadas, principalmente nas situações de acampamentos e assentamentos, que requerem uma estrutura física e social capaz de sustentar a permanência das pessoas nesses locais, ou seja, de mantê-las vivas e unidas, primeiramente, e depois para atender ao projeto político do MST. E, isso implica uma série de procedimentos que vão da construção das casas para abrigar as famílias, à alimentação, cuidados com a saúde, organização de cooperativas agrícolas, de espaços para manifestação de crenças religiosas, etc.

A luta travada pelo MST extrapola a conquista da terra pela terra, preconizando a construção de novas relações sociais e de produção, passando pela distribuição da terra e dos instrumentos e equipamentos necessários ao manejo agrícola, pelo estabelecimento de relações cooperativas de produção, e de relações sociais igualitárias e coletivistas, implicando na formação dos trabalhadores para e nessa perspectiva.

Neste sentido, uma das ênfases do Movimento recai no processo educacional e cultural, que não se resume à escolarização, perpassando todas as ações empreendidas pelo coletivo do MST. A escola é vista como um mecanismo primordial de acesso aos conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade, e de produção e sistematização de conhecimentos que auxiliem na compreensão e no aprimoramento do modo de vida dos trabalhadores e trabalhadoras sem terras, dando maior organicidade ao próprio movimento. E, acima de tudo, assegurando aos indivíduos o direito a uma formação ampliada, que alie saber instrumental e pragmático com o saber intelectual e cultural.

No princípio, nos acampamentos a educação escolar das crianças foi marcada pelo caráter voluntarista de pessoas não pertencentes ao movimento (igrejas, universidades) e mesmo do movimento. Com o prolongamento dos acampamentos e, principalmente, com a fixação definitiva na terra, via assentamentos, cresceu a necessidade de estruturação das

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escolas, diante do que se passou a buscar apoio institucional e financeiro dos Governos Municipal e Estadual. Paralelo à preocupação com a educação das crianças está a preocupação com a educação de adultos e com o processo de formação profissional de professores. Formação ampla e continuada que possibilite articular as variadas dimensões que a luta do MST incorpora.

A educação no MST no pensamento de alguns autores.

O tema “Reforma Agrária” apresenta inúmeros registros na literatura brasileira como, por exemplo, Tavares (1993), Martins (1975), Stédile (1993) e Fernandes (1999). Ao passo que a associação entre educação e reforma agrária é algo mais recente, que remete à década de noventa, acompanhando o processo de organicidade e desenvolvimento do MST como um projeto político e social que extrapola a questão da conquista da terra. Dentre esses estudos gostaríamos de destacar e comentar os seguintes autores: Caldart (1997 e 2000), Pizzeta (1997), Camini (1998), Bezerra Neto (1998) e Vendramini (1992).

Em “Educação em Movimento - formação de educadores e educadoras do MST”, Roseli Caldart (1997) aborda o processo de constituição da proposta de educação do MST a partir da formação de educadores e educadoras no período de 1990 a 1996. Essa vinculação é justificada, segundo a autora, pelas situações reais que “obrigaram” o Movimento a pensar a educação em seu interior, impulsionado pela necessidade de dar respostas a perguntas que brotavam das ações educativas, principalmente, no âmbito da escolarização de crianças, e da percepção e intuição de que estas ações deveriam se diferenciar das tradicionais formas de educação da escola oficial burguesa.

O MST em seu nascedouro não tinha uma proposta sistematizada de educação. É a partir do prolongamento do período de acampamentos e da presença de crianças, acompanhando suas famílias, que mães e professoras do próprio Movimento, espontaneamente, começam a organizar atividades educativas e culturais num sentido de cuidado com as crianças e de escolarização, visto que estas se encontravam ausentes das escolas oficiais. A intensificação dessa necessidade se fez observar com a efetivação dos assentamentos das primeiras famílias, de modo que data de meados de 1983 o registro de surgimento da primeira escola de assentamento, em Ronda Alta, no Estado do Rio Grande do Sul (Caldart 1997, p.30).

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As discussões sobre educação vêm num crescente, impulsionadas pelas angústias e ansiedades das pessoas que se encontravam à frente dessa atividade nos acampamentos e assentamentos, e que procuravam socializar o seu fazer educativo, e buscar apoio umas nas outras. Em decorrência desse fator e da própria dimensão que a educação vai assumindo no MST e, ainda, da afirmação deste como movimento social, é que em 1987 se constitui o Setor de Educação - composto pelo coletivo nacional e pelos coletivos estaduais de educação -, visando dar maior organicidade à questão educacional.

Fiel aos princípios sociais e políticos defendidos pelo MST, a proposta educacional vai sendo construída pelos sujeitos diretamente envolvidos nessa tarefa: os educadores e educadoras. A consciência de que uma maior organicidade desse processo implica em uma maior e melhor compreensão do que seja educação e de quais são as posturas e os procedimentos pedagógicos correspondentes ao projeto do MST, foi determinante para a estruturação do primeiro Curso de Magistério do MST, ocorrido em janeiro de 1990, no Rio Grande do Sul. Esse curso é considerado um marco na história de educação do MST por permitir “integrar, incorporar e gerar as novas práticas de formação desenvolvidas nos diversos lugares da luta, bem como ser um espaço privilegiado de experimentação, criação e recriação das concepções e práticas pedagógicas do MST” (Caldart 1997, p.33).

Para entender o sentido da educação no MST é imprescindível compreender o próprio sentido do MST: um movimento social de massa que luta pela Reforma Agrária, entendida como um mecanismo de equalização social via distribuição de terras e de bens, tais como, saúde e educação, demandando a construção de novas relações sociais e produtivas, em outras palavras um novo projeto de sociedade. E a construção de tal projeto exige um permanente educar-se nessas e para essas novas relações; é, portanto, um processo pedagógico que permeia o Movimento como um todo, que é em si mesmo educativo. A educação/formação nesta perspectiva ocorre em diversas frentes, dentro e fora da escola, pelo próprio entendimento que o Movimento tem de educação como “um processo bem mais amplo, que tem a própria dinâmica do movimento social como ambiente de aprendizados por excelência...” (p.39).

Segundo Caldart (1997) a trajetória da história da educação no MST pode ser traduzida em dois eixos complementares: a luta pelo direito à educação - da educação infantil à universidade - e a construção de uma nova pedagogia, que passa por uma

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identificação da escola com o meio rural, pela valorização dos sujeitos, pelo estabelecimento de relações cooperativas e democráticas, enfim uma escola que vise uma formação de caráter omnilateral, na direta acepção da teoria marxiana: que seja capaz de integrar todas as dimensões da vida humana.

O curso de Magistério citado anteriormente foi organizado com base nesses princípios, procurando vincular de modo mais orgânico possível teoria e prática, ou seja, o trabalho real, os problemas característicos das escolas de assentamentos com o estudo das disciplinas do curso, e com a perspectiva de educação buscada. Por isso, uma das atividades fundamentais do curso foram as OCAP’s (Oficinas de Capacitação Pedagógica), um método de formação que visa “consolidar processos de transformação da prática pedagógica em suas diversas dimensões”, e que inclui a capacitação didática com foco na metodologia do ensino e do planejamento escolar.

O desafio do primeiro curso de Magistério para educadores do MST levou a constantes mudanças em seu formato metodológico, de modo a incorporar melhor as dimensões demandadas pela prática ou realidade dos assentamentos. Diferentemente dos cursos oficiais, foi organizado de modo que os alunos assumissem sua gestão administrativa, política e pedagógica. Para tanto, a OFOC (Oficina Organizacional de Capacitação) foi uma metodologia empregada com o objetivo principal de “introduzir num determinado grupo o princípio da consciência organizativa” (idem p.114).

Uma outra diferenciação metodológica diz respeito ao reconhecimento do fator tempo como uma “importante categoria nos processos de formação”, e à distribuição dos tempos de estudo em Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade (TC), sendo que o primeiro refere-se às atividades presenciais do curso, e é desenvolvido no período das férias escolares, e o segundo refere-se às atividades de estudo realizadas nos locais de trabalho dos educadores e educadoras, isto é nos assentamentos, constituindo-se numa forma sistemática de integração na organicidade do Movimento, e, eu diria, de relação educação e trabalho.

A avaliação no contexto da formação de educadores e educadoras é concebida como um poderoso mecanismo de reflexão sobre os diferentes tempos e tipos de atividades desenvolvidas pelo conjunto dos sujeitos que a compõem - professores, alunos, assessores pedagógicos e coordenadores do MST. Abrange desde as atividades de gestão às atividades

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mais especificamente acadêmicas, apresentando como características básicas: o propósito de acompanhamento e superação das dificuldades coletivas e pessoais; a perspectiva coletiva e democrática onde todas as pessoas são avaliadas; a organização de procedimentos que privilegiem a relação teoria-prática; a apresentação dos resultados através de notas combinadas com pareceres descritivos e análise de desempenho.

Segundo a autora o curso de Magistério trouxe contribuições significativas para a formação dos educadores e educadoras, assim como, para o processo de estruturação da prática pedagógica nas escolas. Foi possível extrair dessa prática algumas lições (Caldart 1997, pp.138-147):

- A necessidade de manutenção de um vínculo orgânico entre o curso e o Movimento, o que significa “fazer passar por dentro das instâncias de participação do Movimento suas questões mais relevantes”;

- A importância da inserção dos/as estudantes em processo de formação, no mundo do trabalho: “o estudo desvinculado do trabalho real é pedagogicamente mais pobre, e ainda mais quando se trata exatamente de formar para o trabalho”; - O tempo como categoria fundamental do processo de formação;

- A formação não é um processo individual. É uma prática social e coletiva, o que não significa ignorar a pessoa em sua singularidade;

- A lógica de um currículo em movimento é a que mais corresponde ao curso de formação de educadores e educadoras;

- Não é preciso ter tudo claro antes de agir;

- Um curso de formação de educadores só tem sentido se for para transformar radicalmente a educação e a escola.

Basicamente na mesma linha do curso de Magistério vêm sendo estruturados os cursos de Pedagogia, numa tentativa de construir um currículo mais apropriado à realidade do Movimento. A organização de tais cursos visa atender ao objetivo de formação e qualificação profissional, e de valorização dos educadores, pontos destacados nos princípios educativos e pedagógicos do MST. Apesar da preocupação e das articulações em torno dessa questão, os cursos, ainda em números reduzidos, são insuficientes para atender à crescente demanda de qualificação, que é essencial para assegurar nas escolas de

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assentamento educadores do próprio Movimento, considerando-se que a maioria delas está vinculada ao Poder Público Municipal, e sujeitas às suas normas de contratação.

No livro “Escola é mais do que escola na Pedagogia do Movimento” Caldart (2000) analisa o processo educativo que ocorre no MST, e que se confunde com a sua própria história de formação. Para a autora o MST se constitui como um sujeito educativo, ajudando, através das ações cotidianas (reuniões, ocupações, marchas), a formar as pessoas que dele participam, num amplo processo de formação humana. Este é um ponto de partida para a compreensão da concepção de educação e de escola: entender o sentido educativo do MST. Tal questão remete à análise do seu sentido sóciocultural, ou seja “da produção histórica de um conjunto articulado de significados que se relacionam com a formação do sem-terra brasileiro como um novo sujeito social, que se constitui também, como um novo sujeito sóciocultural, estando nesta condição uma das dimensões da sua força política atual...” (Caldart 2000, p.23).

É um processo complexo e dialético no qual o MST é ao mesmo tempo “produto e agente” dessa formação, significando, para além da simples categorização ou nomeação de “Sem-Terra” ou da reunião de trabalhadores rurais ou camponeses que não têm terra, a constituição de novos sujeitos sociais com uma identidade coletiva que se afirma na luta pela Reforma Agrária, como uma classe e como um projeto de futuro.

Essa abordagem é importantíssima, ajudando a redimensionar o conceito e o papel social do MST. A identificação dos sujeitos como Sem Terra, como membros do MST pode ser observada na continuidade da mobilização e união dos trabalhadores de diversas partes do Brasil mesmo após a conquista da terra, assim como, no cultivo da “mística” do MST. O que atesta sua perspectiva de projeto de transformação da sociedade. Os Trabalhadores reunidos em torno do MST querem mais do que terra. Acreditam na possibilidade de novas conquistas capazes de assegurarem a melhoria de suas condições de vida, e seguem lutando com esse objetivo.

Com sua forma de luta, com seu jeito de ser, os Sem Terra são a expressão de valores e posturas que se contrapõem à ordem social capitalista; ao invés de resignação, a indignação, do silêncio, o grito de ordem, da obediência, a “rebeldia organizada”. Neste contexto deve ser interpretada a dimensão sóciocultural colocada pela autora: de produção

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de “elementos de um novo tipo de cultura que não corresponde aos padrões sociais e culturais hegemônicos na sociedade capitalista atual...” (p.26).

O ser humano na relação com o seu meio e com outros homens produz as condições de sua existência. Podemos dizer, então, que produz um determinado tipo de saber. No caso dos trabalhadores rurais, é interessante nos perguntarmos que tipo de saber eles produzem. Um saber social baseado nos desafios impostos pela ocupação de seu espaço, e essencial ao seu trabalho. O saber social gerado pela prática produtiva decorre de uma aprendizagem sobre o processo de trabalho e das relações de produção, compreendendo a forma com que o trabalhador rural realiza suas atividades domésticas e agro-pastoris, e os instrumentos utilizados para tal.

Portanto, “saber social é um saber gestado no cotidiano do trabalho agrícola e da luta camponesa, é a expressão da consciência desse grupo” (Damasceno 1993). É um saber que ajuda o trabalhador a entender sua própria realidade e ação, e a criar formas próprias de fazer e de intervenção em seu meio. Embora seja um saber prático, possui relação com outras formas de conhecimento no campo político e econômico mais amplo, traduzindo-se, por isso mesmo, em saber social. Contudo, esse saber social prático e “básico” difere-se do saber científico e metódico, que sob o aspecto da produção humana, é, também, uma produção social.

Outra dimensão do saber do trabalhador rural é, sem dúvida, a prática política desencadeada por força da luta travada em função da construção de sua identidade como sujeitos sociais, envolvendo: luta contra exploração do trabalho (assalariamento agrícola), contra expropriação da produção do trabalho e contra expropriação da terra (cf. Damasceno 1993).

Pessoa (In: Anped 1999) identifica três níveis de produção/troca de conhecimentos no espaço rural: o do sistema oficial de ensino (instrução/escola); o saber não-escolar (história e ideologia de grupo); e o dos símbolos, significados e princípios de comunicação. A dimensão do saber não-escolar assemelha-se à do saber social enunciado por Damasceno. Nesse processo a transformação do saber não é algo distinto e separado do objeto do conhecimento. Ela acontece no próprio “gesto de fazer a coisa”. As situações de aprendizagem caracterizadas no convívio social do grupo revelam a existência de um “imbricamento educação-cultura”, numa relação de interpenetração e reciprocidade, onde o

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