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GovERNO DO EsTADO DO PARANÁ ROBERTO REQU IÃO

SECRETÁRIA DE EsTADO DA EDUCAÇÃO YvELISE FREITAS DE SousA ARco-V ERDE

SuPERINTENDENTE DA EDUCAÇÃO ALAYDE MARIA PINTO ÜIGIOVANNI

CHEFE DO DEPARTAMENTO DA DIVERSIDADE WAGNER ROBERTO DO AMARAL

(3)

PESQUISAS SO.BRE

A ESCOLA ITINERANTE:

REFLETINDO O ·.

MOVIMENTO DA ESCOLA

(4)

;

EXPEDIENTE

PRODUÇÃO

Setor de Educação (MST/PR) e Secretaria de Estado da Educação (SEED)

Departamento da Diversidade -Coordenação da Educação do Campo

ELABORAÇÃO Adelmo lurczaki Alexandra Filipak . Ane Carine Meuer

Caroline Bahniuk Cesar De David

Charles Luis Policena Luciano Darlan Faccin Weide

lsabela Camini Moacir Fernando Viegas Neucélia Meneghetti de Pieri

Raquel Inês Puhl Sandra 1. da S. Fontoura

Son ia Bel trame

COORDENAÇÃO lsabela Camini Sandra Luciana Dalmagro

COLABORAÇÃO Alessandro Marian·o Jurema de Fátima Knopf

Natacha Eugênia Janata

REVISÃO Equipe de Elab~ração

DIAGRAMAÇÃO Luciana Rosa

Foro

DA CAPA

(5)

'

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

5

A EscoLA ITINERANTE EM ACAMPAMENTOS DA REFORMA AGRÁRIA NO

RS

Darlan Faccin Weide

9

As CRIANÇAS DA EscoLA ITINERANTE E SUAS CONSTRUÇÕES SIMBÓLICAS

Neucélia Meneghetti de Pieri

29

PROVISORIEDADE E 1 NSTITUCIONALIZAÇÃO NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS DO ACAMPAMENTO

Charles Luiz Policena Luciano e Moacir Fernando Viegas

41

ESCOLA ITINERANTE: UMA EXPERIÊNCIA DE EDuéAçÃo Do CAMPO No

MST

Adelmo lurczaki

55

EDUCAÇÃO, TRABALHO E EMANCIPAÇÃO HUMANA: UM EsTuDo SOBRE AS EscoLAS IT1NERANTES DOS ACAMPAMENTOS DO

MST

Caroline Bahniuk

65

ESCOLA ITINERANTE DO

MST:

o

MOVIMENTO DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Raquel Inês Puhl e Sonia Beltrame

81

ALGUMAS

1

NTERLOCUÇÕES ENTRE A

u

FSM

E A EscoLA ITINERANTE Do

MST

Ane Carine Meuer; Cesar de David; Sandra 1. ~a S. Fontoura

9 5

ESCOLA ITINERANTE CAMINHOS DO SABER (ÜRTIGUEIRA,

PR):

ASPECTOS POLÍTICOS-PEDAGÓGICOS E CULTURAIS NAS EXPERIÊNCIAS DE EDUCADORES E EDUCADORAS DO

MST

Alexandra Filipak

105

EscoLA ITINERANTE Dos AcAM.PAMENTos Do

MST:

UM CONTRAPONTO À ESCOLA CAPITALISTA

(6)

J

. ·

APRESENTAÇÃO

.

ste é mais um caderno da Coleção Cadernos da Escola Itinerante

- lv!ST, porém, sua elaboração difere do processo de sistematização realizado nos anteriores. Este terceiro caderno traz textos oriundos de dissertações e tese, realizadas no período de 1998 a 2009 e que tomam como foco de estudo a Escola Itinerante (EI).

Já há bastante tempó o Movimento tem buscado se apropriar e dialogar com as discussões realizadas nas universidades para refletir e avançar em suas experiências e trajetória enquanto Movimento Social à luz dos problemas e desafios da atualidade. Com a Escola Itinerante não seria diferente, afinal, a importância deste caderno está em possibilitar reunir nove estudos já realizados sobre esta escola, produzidos ao longo de doze anos. Trata-se, portanto, de um referencial importante para analisarmos estas escolas sob vários aspectos. Optamos por organizar os textos pelo tempo cronológico de realização das pesquisas.

O primeiro traball;io é o de Darlan Weide, realizado exatamente nas duas escolas de acampamento que acompanharam a construção da proposta pedagógica da Escola Itinerante e pressionaram sua aprovação no Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, primeiro estado a ter a EI aprovada, no ano de 1996. O texto registra o período de transição da escola de acampamento, então existente, para a Escola Itinerante, dando ênfase à proposta pedagógica desta escola e à formação dos educadores e sua atuação pedagógica.

Neucélia Meneghetti realiza sua dissertação entre 2001e2002 também no RS, período no qual as escolas itinerantes estão bastante consolidadas, em grande número pelo estado, amparadas pela política pública do então governo popular. Ela se debruça sobre a representação gráfica das crianças da Escola Itinerante Primeiro de Agosto, demonstrando que este período de forte organização dos acampamentos no RS, constituiu-se em um importante espaço educativo q_ue.se expressa com força nos desenhos dos Sem Terrinha.

Charles e Moacir, já em 2007, ainda no RS, por meio da pesquisa em duas escolas itinerantes, lidam com as contradições da institucionalização destas escolas e a estabilização dos acampamentos, apontando de um lado sua necessidade e conquistas, e de outro seus limites ao constituírem-se em elementos que fragilizam o potencial da luta pela Reforma Agrária e por avanços nesta experiência de escola.

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No Paraná, o trabalho de Adelmo, desenvolvido entre 2006 e 2007 é o primeiro a abordar a Escola Itinerante aprovada neste cs.tado em 2003. O autor se dedica a compreender o trabalho com Temas Geradores em uma escola, especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Caroline realiza entre 2006 e 2008 a segunda pesquisa sobre El no estado do Paraná. Sua questão é identificar se as EI têm construído uma experiência. de escola distinta da forma burguesa. realizando para tanto a pesquisa na Escola Itinerante Sementes do Amanhã, apropriando-se da história e da proposta da Escola Itinerante.

Raquel e Sonia se debruçam sobre a EI em Santa Catarina, estado que reconheceu as Itinerantes cm 2004. O trabalho concluído em 2008, pesquisa três das onze escolas então existentes e discute cm que elas se diferenciam da escola tradicional, aproximando-se de uma escola do campo.

O sétimo texto tem um caráter distinto dos demais, pois é fruto do trabalho de um grupo de pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (RS), que desde 1996 até os dias atuais vem acompanhando a EI, Elaborado por Ane Carinc, César e Sandra, relata o trabalho de exte~são realizado por estes professores e por estudantes dos cursos de Geografia e Pedagogia principalmente, tendo como eixo a formação profissional articulada a uma experiência inovadora de escola.

Alexandra Filipak também realiza sua pesquisa no Paraná, na Escola Itinerante Caminhos do Saber, entre os anos de 2007 a 2009. Ela se dedica cm compreender essa escola como a expressão de uma política pública conquistada pelo MST, enfocando nessa construção as experiências e ações protagonizadas pelos/as educadores/as dessa escola.

Por último, o artigo de Isabela Camini, sintetiza parte de sua tese defendida em 2009, tendo como questão identificar as possibilidades da EI ser um contraponto à escola capitalista, especialmente a partir das categorias "atualidade" e "auto-organização dos educandos". Observa ainda a criatividade na construção dos ambientes educativos de sala de aula. A autora toma para sua anátise as experiências da Escola Itinerante dos estados do Rio Grande do Sul e Paraná.

Acreditamos que este conjunto de textos é um subsídio importante para avaliar o sentido da escola para o MST, explicitando os limites, avanços e desafios desta trajetória. O próprio volume de pesquisas sobre esta escola em curto espaço de tempo revela a importância desta experiência. Salientamos que os textos expressam o ponto de vista dos autores, na época cm que a pesquisa foi realizada. O que significa dizer que estes textos poderão ser objeto de estudos e críticas dos educadores itinerantes e outros leitores. A universidade por meio destes pesquisadores tem aprendido com a Escola Itinerante ao

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mesmo tempo em que a EI aprende com estes estudos. Não podemos deixar de mencionar a importância que essas pesquisas possuem para as escolas onde foram realizadas.

Outra questão oportuna diz respeito às próprias EI realizarem pesquisa. Ainda que este caderno não s~ debruce diretamente sobre esta questão, esperamos que os textos evidenciem sua importância. A pesquisa é para o MST um princípio e na escola deve estar presente na atividade dos educadores e educandos, interrogando a realidade, questionando as aparências, qualificando as ações individuais e coletivas, impulsionando os sonhos e a construção de uma nova sociedade.

Por fim, não poderíamos deixar de registrar que este caderno está sendo publicado no momento em que o Ministério Público e Secretaria de Estado da Educação do RS, determinaram a dissolução da EI dos acampamentos do MST, após 12 anos de sua aprovação. Contrariando as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo (2002) que orienta a construção e a permanência da esco_la no/do campo, articulada ao desenvolvimento econômico e cultural destes povos, os estudantes são deslocados para outras escolas através do transporte escolar. As pesquisas acima apontam que a EI, ainda que com diversos limites, tem se constituído em uma importante experiência, buscando desenvolver uma educação crítica e participativa, articulada às necessidades da realidade e em sintonia com o desafio do tempo histórico atual. As comunidades acampadas recusam uma escola autoritária, fechada em seus muros, distanciada da vida, que forma para a submissão, perpetuando as desigualdades da sociedade capitalista. Convictos de que nenhuma escola é neutra, os camponeses e trabalhadores organizados, tem refeito a escola. Neste sentido se explica a decisão autoritária do governo Yeda Crusius e Ministério Público gaúcho, para quem a escola deve atender os interesses do sistema capitalista, estando os trabalhadores impedidos de recriar suas formas de vida e educação.

Salientamos que a experiência de 12 anos no referido estado foi tomada como referência para os diversos estados que buscaram reconhecer o direito das- crianças e adolescentes estudarem desde a realidade onde estão inseridos. Lamenta-se que esta experiência tenha sido interrompida, contudo sua história e acúmulo devem continuar, motivando a construção da Escola Itinerante no Brasil e no próprio Rio Grande do Sul, uma vez que o autoritarismo é transitório e a organização do povo reprimida, pode retornar em outro contexto com mai-s força. Neste sentido, as pesquisas aqui apresentadas e os aprendizados proporcionados pela Escola Itinerante ajudarão na construção de um novo tempo histórico.

Bom estudo!

Setor de Educação do MST Abril de 2009

(9)

A ESCOLA ITINERANTE EM ACAMPAMENTOS

DE REFORMA AGRÁRIA NO

RS

1

Darlan Faccin Weide2

INTRODUÇÃO

As experiências educativas construídas nos acampamentos e assentamentos de Sem-Terra estão reunidas em um projeto que o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul aprovou em novembro de 1996, com o nome: "Experiência pedagógica - Escola Itinerante para acampamentos de reforma agrária

~o Rio Grande do Sul", que foi implantado, num período de dois anos, beneficiando crianças de 1ªà5ª série, dos acampamentos dos agricultores Sem-Terra do Estado.

Para implementação do prQjeto piloto, em 1996 e 1997 foi escolhido o "Acampamento Palmeirão" na Fazenda Alvorada, no município de Júlio de Castilhos, nas margens da Br 158 -Região.Central do estado do RS. Nele estavam concentrados aproximadamente de 1,400 famílias3, na grande maioria procedentes de diversas regiões do Estado.

A seguir destacam-se o contexto 'histórico, a origem e o desenvolvimento das atividades da . proposta pedagógica da Escola Itinerante no contexto do Acampamento Palmeirão.

0

ACAMPAMENTO PALMEIRÃO: .

FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA

A organização de um acampamento não é algo que acontece de uma hora para outra. Não basta reunir um grupo de camponeses dizer-lhes que são Sem-Terra. O trabalho é lento e perseverante. Passa por um processo de conscientização dos agricultores, começando muito antes do Acampamento. A condição

· para que se organize um Acampamento é o reconhecimento do homem do campo como um Sem-Terra, o que é difícil. Exige a superação de traços marcantes da ideologia dominante que durante anos foi incutida como vergonhosa, sendo ilegal e subversivo organizar-se em grupos para reivindicar seus direitos.

A organização do acampamento Palmeirão passou por um amplo trabalho de base junto às

1 O artigo é fruto da pesquisa realizada em 1996 e 1997 sobre o processo educativo em acampamentos de reforma agrária do RS. Maiores detalhes da pesquisa e as primeiras atividades da Escola Itinerante, enquanto experiência piloto no Brasil encontram-se na Dissertação de Mestrado "Quefazer Pedagógico em Acampamentos de Reforma Agrária no Rio Grande no Sul", defendida pela UFSM, fev. 1998, orientada pelo Dr Nédison Faria. ·

2 Mestre em Educação pela UFSM, Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Centro-Oeste- UNICENTRO-PR.

darlan@unicentro.br /

3 Dados referentes a março de 1996. Desde setembro de 1997 o Acampamento Palmeirão unificou-se ao Acampamento Santo Antônio.

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comunidades de pequenos agricultores de vários ml.lnicípios gaúchos. Os acampados registram em sua memória o dia 30 de novembro de 1995 como uma data histórica para o Acampamento. Nessa ocasião, segundo Idelsio Modeste4, fez-se um ato público reunindo pessoas de diversos municípios gaúchos. Após a

análise das dificuldades de se viver no campo

e

da impossibilidade de se viver 'na cidade, trocou-se idéias e decidiu-se formar o Acampamento.

Nos primeiros dez dias, os acampados ficaram reunidos no trevo de Sarandi. Depois, deslocaram-se para Palmeira das Missões ( 10 de dezembro de 1995), onde aconteceu um ato público na praça. Discutiu-se a realidade dos acampados entre a preDiscutiu-sença de inúmeras autoridades. p~líticas. A discussão democrática se deteve na questão crucial: vamos voltar para as bases ou vamos acampar?

A decisão em acampar foi unânime, ninguém quis voltar às bases. Éramos mais ou menos 1600 famílias, de aproximadamente 80 municípios, sendo que Trindade do Sul, Nonoai, Palmeiras das Missões e Planalto tinham maior número ... O nome Palme irão se deu por ocasião desse ato em Palmeiras das Missões e por ser o maior

Acampamento a se formar até aquela ocasião. (Depoimento Arsi5)

Em 1997 já completava dois anos de Acampamento. Em sua trajetória, os acampados haviam percorrido milhares de quilômetros por asfalto e por estradas de chão, participando de atos públicos, ocupando fazendas, sofrendo humilhações da polícia, passando fome e frio, mas mantendo-se convictos no que buscavam: reforma agrária, uma sociedade mais justa e humana, onde todos pudessem viver uma vida saudável, tendo o que comer, o que vestir e onde educar seus filhos.

A trajetória dos acampados foi marcada por um série de acontecimentos. Destaca-se a ocupação da Fazenda do Salsa (Palmeira das Missões - 10 de janeiro de 1996) com o objetivo de pressionar e chamar o governo para negociar com os acampados que lá permaneceram durante vinte e quatro dias. Uma vez requerida a reintegração de posse da Fazenda do Salso, o Grupo de Acampados se deslocou em marcha para a Fazenda Alvorada, em Júlio de Castilhos, onde permaneceu de 5 de fevereiro de 1996 até agosto de 1996.

Em 28 de janeiro de 1997, cansados de aguardarem o andamento do processo de demarcação das terras para o assentamento das famílias acampadas e tendo presente que em Santo Antônio se formava um

.

grande Acampamento com aproximadamente duas mil e quinhentas famílias, o grupo do Acampamento Palmeirão, que por hora, estava em Júlio de Castilhos, partiu em marcha rumo à Santô Antônio.

Andando em média três quilômetros por hora. as 1400 famílias de agricultores Sem· Terra que saíram às 7h30 de ontem do Acampamento de Júlio de Castilhos pretendem peregrinar por pelos menos dez dias até às margens da BR 285, na cidade de Santo Antônio das Missões, onde estão acampados outros 2 500 agricultores, desde dia 21 de janeiro. Munidos com toneladas de alimentos, colchões e lonas para improvisar

4 Membro da Coordenação do Acampamento Palmeirão, com o qual se fez entrevista cm 12/08/97, gravada e arquivada por este

pesquisador.

5 Membro dt1 Coordenação do Acampamento Palmeirão, com o qual se fez entrevista em J 2/08/97, gravada e arqui vada por este

pesquisador.

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acampamentos na beira da estrada, os Sem-Terra farão 240 quilômetros dos quais 80 por estrada de chão ... (0 Jornal ARAZÃO, em 30 de janeiro de 1997, p. 7)

A polícia temendo as situações de descontrole e o perigo para os grandes latifúndios da região de Santo Ângelo pôs barreiras nas estradas de acesso a Santo Antônio impedindo que os acampados do Palmeirão pudessem se unir aos demais companheiros.

As barreiras da polícia não intimidaram os Sem-Terra, que rapidamente, mudaram suas estratégicas e no dia 4 de fevereiro de 1997, ocupavam a Fazenda Quabiju em Jóia/RS. Os acampados permaneceram por mais ou menos vinte dias. A saída foi pacífica e mediada por um acordo de construção de um cronograma de reforma agrária, onde até abril deveriam ser assentadas 212 famílias, sendo que ficou estipulado uma quota de famílias a serem assentadas mensalmente. Conforme relato dos acampados dois fatos aconteceram: o não cumprimento do acordo e a humilhação na saída da Fazenda. "Ao sair fomos .humilhados tendo que passar em revista, pois tinham dito que nos estávamos cheio de armas, os homens tinham de sair sem camisa e as mulheres passavam pela revista feminina. Parecíamos animais em fiJa, conduzidos por fortes gritos ... " (Depoimento de Julinho)

Em 25 de julho de 1997, 550 famílias foram para Hulha Negra (RS) com o objetivo de agilizar o processo de reforma agrária e assentar 246 famílias em uma área que já havia sido liberada, mas os proprietários pediram reintegração de posse.

Sem-Terra seguem para Hulha Negra: os 550 membros do MST que estavam acampados ao lado do Fórum de Santa Maria, r e a l ~zaram manifestação em frente à Justiça Federal e deslocam-se em 10 ônibus coletivos para São Sepé, onde também realizam manifestações. O grupo segue para se juntar a 40 famílias assentadas em Hulha Negra, numa área de terra considerada improdutiva e cuja desapropriação , está tramitando na justiça. (Jornal ARAZÃO çie 27 de julho de 1987, p. 3)

Com a realização do sorteio de lotes entre os acampados do Acampamento Palmeirão, o número de farru1ias diminuiu consideravelmente. Numa decisão democrática as famílias que restaram juntaram-se às farru1ias do Acampamento Santo Antônio, onde também se iniciava a implementação do projeto Escola Itinerante. A unificação veio a acontecer no início de setembro de 1997.

O Palme irão foi recebido em Santo Antônio da Missões com muita alegria, bandeiras, gritos de ordem, cantos e música. Era então momento de montar os barracos dos novos moradores que já vinham enrolados e arrumados separadamente em cima dos caminhões. O trabalho /oi intenso e sofrido. Todos se ajudavam porque a chuva e a noite escura se aproximavam. As crianças participaram de todos os momentos. Ali se juntaram as forças de pressão, os sonhos, os sofrimentos e as esperanças.

(Isabela Camini)

A cidade de lonas pretas tornava-se palco de solidariedade acolhendo os companheiros. E juntos, Palmeirão e Santo Antônio, continuaram na luta pela reforma agrária e implementação da Escola Itinerante.

(12)

A

ÜRIGEM DO PROJETO ESCOLA ITINERANTE

A Escola Itinerante é fruto de um processo reflexivo desenvolvido ao longo dos anos nos acampamentos de reforma agrária buscando contemplar um fazer pedagógico diferente das práticas tradicionais, incorporando ao processo educativo à realidade vivenciada pelo aluno, os elementos ligados à realidade do meio rural e à caminhada desenvolvida na luta pela Terra.

Desde os primeiros acampamentos de Sem-Terra (Ronda Alta em 1979) os pais se deparavam com o dilema da falta de escola para os filhos. Algumas famílias optavam em deixar seus filhos na casa de parentes para que pudessem estudar, gerando inconvenientes como o distanciamento da família e o incômodo aos ·parentes. Outras famfüas, não tendo com quem deixar seus filhos, traziam para junto dos acampamentos.

No Acampament9 da Fazenda Anonni tinha-se a preocupação de como preencher o tempo das crianças que estavam ali. Professores e leigos do próprio Acampamento sensibilizados com essa realidade foram desenvolvendo trabalhos alternativos com as crianças na intenção de oferecer-lhes aquilo que o Estado lhes negava: o direito~ educação.

Na direção do campo educativo, com o passar do tempo, algumas experiências foram sendo desenvolvidas, porém não tinham o reconhecimento legal da Secretaria da Educação e, portanto, não tinham reconhecimento formal. Era algo quase subversivo, assim como a realidade dos pais das crianças acampadas. Quando as famílias se assentavam, seus filhos ingressavam nas escolas mais próximas ou se abriam novas escolas nos assentamentos, porém, todo o trabalho de dois ou três anos que havia sido desenvolvido no campo educacional era ignorado pela escola formal, tendo os mesmos que voltar às séries que tinha parado antes de acampar.

Indignados com a situação clara de exclusão e injustiça social, o MST, através do Setor de Educação foi desenvolvendo um amplo processo reflexivo junto as escolas dos assentamentos, com os professores que estavam nos acampamentos de Sem-Terra e com o pessoal do Magistério da Escola de Veranópolis/RS. A ênfase estava. na construção de um fazer pedagógico diferente e na necessidade de formação e qualificação deyrofessores.

O processo de qualificação do professores e a ampliação dos seus horizontes de conhecimento através da leitura de autores corno Paulo Freire, Makarenko, José Marti, Florestan Fernandes e Che Guevara. entre outros, possibilitou, paralelo à luta pela terra ou em conjunto com a luta pela terra, levantar uma bandeira de luta pela educação. Causa que passou a ser abraçada não só pelos professores, mas pela comunidade acampada ou assentada e por simpatizantes, entre eles, vários estudantes e educadores universitários.

Subsidiados pela Cartilha Infante-Juvenil, elaborada pelo pessoal do magistério, as crianças reunidas no Congresso Infante-Juvenil em Porto Alegre, de 10 a 12 de outubro de 1995, discutiram a relação entre a criança Acampada e criança Assentada; e assumiram o desafio de lutarem juntos para ver reconhecido o processo educativo que já vinha acontecendo nos acampamentos.

As crianças Levantaram a proposta de se fazer um projeto para as escolas dol acampamentos de Sem-Terra, pois perceberam que a educação era direito não 1n

das crianças dos assentamentos mas, defendiam que as crianças dos acampamento

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....

de Sem-Terra também tivessem Escola. Os delegados das crianças Levaram o desafio de fazer o projeto a Coordenação do Movimento que abraçou mais esta causa. Das discussões em torno do assunto surgiu a idéia de se fazer uma' escola diferente: daí alguns achavam que tinha que ser uma escola ambulante porque o Acampamento não parava num só Lugar, outros sugeriram viajante. O processo foi de ambulantepassou por ~iajante, andante, até se chegar em Escola Itinerante. (Prof'. Rosãngela)

As discussões dos vários segmentos acampados e assen~ados: pais, alunos, crianças, professores e comunidade, tornou possível a construção do Projeto Pedagógico Escola Itinerante para Acampamentos de Reforma Agrária do Rio Grande do Sul.

0

PROJETO PEDAGÓGICO ESCOLA ITINERANTE

O projeto pedagógico Escola Itinerante foi coordenado pela Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul e pelo Setor de Educação do Movimento Sem-Terra; sustentou-se no trabalho de co-participação da Secretaria Estadual de Educação, da Comissão Interinstitucional de Educação nos Assentamentos, dos acampamentos de Sem-Terra do Rio Grande do Sul, da 27º Delegacia de Educação e da Escola base - Escola Estadual de 1 º Grau Nova Sociedade, localizada na Fazenda ltapuí, no Município de Nova Santa Rita/RS, uma das primeiras Escolas de assentamentos a funcionar no Estado.

Trata-se de um projeto piloto que foi implementado por um período de dois anos (nov. 1996-out.1998) nos acampamentos de agricultores Sem-Terra do Rio Grande do Sul. Processo esse que começou a ser desenvolvido inicialmente no Acampamento Palrneirão, depois expandiu.-se para o Acampamento Santo Antônio, e com o passar dos ands espalhou-se para outros estados. Tinha como clientela as crianças, os adolescentes e os jovens das famflias dos acampamentos de Sem-Terra existentes e dos que viessem a surgir no RS.

O objetivo geral da Escola Itinerante era oferecer às crianças e aos adolescentes das comunidades acampadas o acesso à educação através de uma metodologia diferenciada, correspondente ao Ensino Fundamental de l ª a Y série. Em termos de objetivos mais específicos, a Escola Itinerante desejava: a) articular ações conjuntas com os órgãos e instituições envolvidas com questões educacionais dos acampamentos; b) divulgàr a proposta pedagógica e implantá-la de forma adequada à realidade dos acampamentos; c) desenvolver ações pedagógicas diversificadas e envolventes a partir dos interesses, das. necessidades e dos níveis de conhecimento das crianças, dos adolescentes e dos jovens; d) proporcionar ao aluno oportunidades para construírem-se-como seres capazes de compreender e interpretar o processo histórico, analisando, comparando, interpretando e transformando a realidade.

A proposta pedagógica Escola Itinerante visava desenvo1ver um ensino de qualidade, criando condições e situações desafiadoras para que o educando fosse construtor da sua identidade e de seu conhecimento. O processo era construído visando a interação do aluno com o seu meio, através de experiências concretas, numa relação reflexão-ação sobre a realidade.

A proposta permitia espaço para a vivência de um processo de socialização onde se respeitasse

Coleção Cadernos da Escol a Itinerante

13

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a liberdade de opinião e o diálogo como elementos fundamentais para a participação de cada acampado envolvido no processo. Pois, deseja-se que através da educação os indivíduos se construíssem como sujeitos,

vivenciando seus papéis sociais no contexto e no cotidiano.

O projeto pedagógico Escola Itinerante previa que sua proposta metodológica fosse

[ ... ]embasada no processo dialético, no qual as criações e as construções acontecem após a superação de conflitos. Caberá, portanto, aos educadores considerar o modo de pensar do educandos, para, a partir dele, oferecer espaços para a construção

do conhecimento. É também importante que os educadores sejam sujeitos ativos

e criadores, inclusive em relação ao seu próprio processo de construção de conhecimento (Parecer nº 1.313/96, p.04).

Cabia aos educadores despertar os alunos para os aspectos da realidade que viviam. Surgindo daí a necessidade de que os planejamentos fossem elaborados a partir de conteúdos significativos para os alunos.

'

O ensino, portanto, poderia ser a partir de interesses e questionamentos dos alunos. Assim, a qualidade de vida e as relações sociais dos mesmos seriam necessidades básicas da aprendizagem.

"A satisfação dessas necessidades confere aos alunos a possibilidade e a responsabilidade de desenvolver sua herança cultural, lingüística e espiritual de defender a ~ausa da justiça social e trabalhar pela paz e solidariedade." (Parecer 1.313/96, p.04)

Nessa direção, o lazer (brincar, jogar, recrear-se) estava presente no cotidiano do aluno como forma de assirpilação do conhecimento. O currículo era desenvolvido de forma interdisciplinar, superando a fragmentação do conhecimento através de práticas pedagógicas que uniam a teoria e a prática numa construção que contemplassem aspectos da dimensão humana.

Quanto à organização estrutural, pedagógica e administrativa, o projeto pedagógico - Escola Itinerante contava com a Coordenação da Divisão do Ensino Fundamental, com o Departamento Pedagógico da Secretaria de Educação e com o Assessoramento e o apoio da Comissão Interinstitucional de Educação nos Assentamentos e acampamentos do Estado do Rio Grande do Sul.

A estrutura e o funcionamento desse Projeto diferenciado da escolarização dos acampamentos de Sem-Ten:a era efetivada através de ligação entre a Escola-Base-Escola Estadual de 1 ºgrau Nova Sociedade. em Nova Santa Rita e a(s) Escola(s) Itinerante(s) localizada(s) no(s) acampamento(s). Sendo que "o papel da escola-base, articulada com a Delegacia de Ensino, Secretaria de Educação e Comissão lnterinstitucional era de acompanhar e dar suporte legal à vida escolar dos alunos e professores" (Parecer 1.313/96, p.05).

Na organização administrativa o projeto Escola Itinerante previa: a) Direção da Escola-Base.

que valendo-se da ad!IlÍnistração participativa, oportunizava a articulação com a equipe dos professores da Escola Itinerante e da 27ª Delegacia de Educação; b) Secretaria da Escola-Base, mantinha organizada a escrituração e o arquivamento dos dados referentes a vida escolar do aluno e a vida funcional dos professores: c) Supervisão e Orientação da Escola-Base e da Delegacia de Ensino acompanhavam o desenvolvimento da proposta e Assessoria aos professores para o bom desempenho docente; d) Professor coordenador da Escola Itinerante, que além da docência. responsabilizava-se pela organização escolar e pela articulação da equipe de edu~ação do MST.

14 1

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O fazer pedagógico era construído no cotidiano da Escola, sendo que a vivência da metodologia participativa era efetivada através do colegiado da direção, que estabelecia linhas comuns de ação procurando unir a teoria com a prática, e das assembléias, onde os professores, os pais, os alunos e a equipe da educação dos acampamentos tinham voz no debate e na tomada de decisões sobre os problemas da aplicação do Projeto pedagógico, bem como, no estabelecimento de regras de convivência e de programação das atividades.

Dessa forma, o ensino mantinha-se ajustado à realidade, atendendo aos interesses, às necessidades e às aspirações dos educandos, preconizando contínuas reformulações dos procedimentos didáticos através das reuniões.

A Escola Itinerante estava organizada em etapas que correspondiam ao ensino do 1 º grau da 1 ª a 5ª série, com objetivos e conteúdos prôprios a cada etapa, tendo o seu detalhamento definido ao longo do processo, segundo interesses, necessidades e potencialidades dos alunos.

As etapas previstas na Proposta Pedagógica Escola Itinerante se caracterizavam pela flexibilidade e integração. A organização curriculár, prevista para cada etapa, possibilitava a apreensão e a sistematização dos conhecimentos conforme o ritmo de cada aluno. No momento em que o aluno construía os referenciais correspondentes a cada etapa, ele passava para a etapa seguinte.

No trabalho em etapas, diferente da seriação, tinha-se, entre outros aspectos, a possibilidade do ingresso do aluno. acontecer em qualquer época do ano; flexibilidade na freqüência e nos horários que podiam ser estabelecidos a partir do compromisso assumido entre os professores, pais e alunos de acordo com o contexto de cada Acampamento; tornava possível que a permanência em cada étapa fosse definida pelo desenvolvimento de cada aluno, facultando a passagem de uma etapa para a outra, em qualquer época do ano; possibilitava que as turmas fossem constituídas de acordo com a realidade dé'. cada Acampamento em termos de faixa etária ou da quantidade de alunos.

Para localizar o aluno na etapa adequada eram utilizadas várias formas de avaliação, organizadas e discutidas entre os professores e o coordenadores, sendo que o aluno era encaminhado de acordo com a documentação escolar prescrita no histórico escolar. Para os que não possuíam a documentação escolar, utilizava-se um período de observação para avaliar o nível de conhecimentos e de experiências.

Além das atividades previstas para cada etapa, os alunos participaram de oficinas de educação. As oficinas eram desenvolvidas pelas equipes dos acampamentos ou por pessoas quàlificadas para tal, respeitando a maturidade, a vivência e o interesse dos alunos ..

A proposta de trabalho da Escola Itinerante supunha a articulação de disciplinas e de conteúdos. Assim, foram desenvolvidas as disciplinas do núcleo comum (Resolução CFE nº 06/86, parecer nº 785/86, do art. da LDB 5.692/71), os conteúdos que correspondiam aos desenvolvidos no ensino regular de 1º grau da 1 ª à S3 série e os conteúdos adicionais previstos para diferentes momentos de aprendizagem. Sendo que buscava-se no "desenvolvimento de cada etapa, proporcionar aos professores muita ação e reflexão, levando-os a pensar o fazer pedagógico, a considerar a cultura da comunidade e a elaborar sua hipóteses sobre o processo de aprendizagem de seus a~unos" (Parecer nº 1.313/96, p.08).

No que diz respeito a infra-estrutura que garante o funcionamento da Proposta Pedagógica Alternativa Escola Itinerante constavam: recursos humanos - um número necessários de professores

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que atendiam as crianças e os adolescentes em idade escolar; recursos físicos e materiais - barracão desmontável e mobília dobrável, mesas, cadeiras, quadro negro, armário, merenda, materiais técnicos para as aulas e acervo bibliográfico.

Quanto ao acompanhamento, controle e avaliação do processo educativo, a proposta previa que a avaliação do aluno fosse global, participativa e contínua, visando acompanhá-lo no processo da construção do conhecimento. Diariamente foram observadas, em todas as etapas, as posturas relativas às mudanças consideradas significativas no aluno, tais como: novos interesses, enriquecimento do vocabulário, busca de novas abordagens de situações-problema e aprimoramento na execução de tarefas. Isso garantia ao aluno um comprovante de escolaridade em qualquer momento do processo para fins de transferência ou ingresso em escola de ensino regular.

O acompanhamento e a avaliação da proposta pela comunidade escolar do Acampamento era feita através de reuniões e assembléias em diversos momentos do processo. Periodicamente foram realizadas reuniões com a Direção, com a Secretaria e com as parcerias de apoio à Proposta Pedagógica visando sanar dificuldades e o aperfeiçoamento das ações.

Quando os alunos do Acampamento ingressavam na escola regular eram classificados de acordo com as etapas em séries correspondentes, conforme parecer dado pelos professores que trabalhavam na Proposta.

As Comissões de implantação da Escola Itinerante em suas visitas registraram que "o acampamento localizado no Município de Júlio de Castilhos desde 1º de dezembro de 1995: tinha demanda superior a 200 c~ianças e adolescentes para as séries iniciais do ensino de 1 º grau e que o referido Acampamento contava com profissionais habilitados para o magistério" (Parecer 1.313/96 p.11 ).

Já na Escola-base, Escola Estadual de 1 º Grau Nova Sociedade, no município de Nova Santa Rita, foi constatado que a mesma atendia

[ ... ]a 153 alunos, oriundos do assentamento e da comunidade; conta com diretor, vice-diretor, totalizando 10 professores (dos quais alguns não habilitados) e um funcionário; não possui Supervisor Escolar nem Orientador Educacional; recebe orien&ção do Movimento dos Sem-Terra utilizando materiais didáticos próprios e livros didáticos da FAE; no que se refere às horas-aula e aos dias letivos, segue o calendário oficial da Secretaria da Educação; recebe orientação pedagógica própria através do setor de educação do Movimento Sem-Terra; mantém em funcionamento o círculo de Pais e Mestres e o Conselho Escolar (Parecer 1.313/96, p. 12).

A comissão de Ensino de 1 º grau, após análise da implementação da Experiência Itinerante para acampados do Movimento dos Sem-Terra do Rio Grande do Sul, deu parecer que a proposta apresentava-se como alternativa para oferecer o ensino do 1 ºgrau às crianças, adolescentes e aos jovens de famílias acampadas; que a mesma estava amparada na Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 onde o artigo 64 previa que "os Conselhos de Educação poderão autorizar experiências pedagógicas, com regimes diversos dos prescritos na presente lei, assegurando a validade dos estudos assim realizados"

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(Apud parecer 1.313/96, p. 12); e, que a proposta <!-e experiência pedagógica apresentava a necessária flexibilidade didático-pedagógica e previa metodologia adequada ao tipo de clientela, sem descuidar da necessidade de oferecer atividades de interação aos alunos ~om o meio.

Com parecer positivo, a Comissão de Ensino de 1° Grau, em 18 de novembro de 1996, recomendou que o Conselho Estadual de Educação autorizasse o desenvolvimento por dois anos da experiência pedagógica denominada "Escola Itinerante para Acampados do Movimento dos Sem-Terra do Rio Grande do Sul". No dia 19 de novembro de 1996, em sessão plenária foi aprovada, por unanimidade, a proposta.

QUEM FORAM OS EDUCADORES

Alguns dos educadores que auxiliaram o projeto educativo Escola Itinerante eram professores que estavam terminando a formação do Magistério na Escola do MST. De lá vieram para o Acampamento Palmeirão as professoras. Rosângela, Maristela e Rosane. Outros, como Leandra e Janete cursavam magistério e trabalhavam no acampamento. O Acampamento também contava com 'monitores, professores do MST ou de fora. Eles trabalham nas oficinas de complementação: de leitura, de ortografia, de desenho, de educação artística, de canto.

Os professores, necessariamente, conhecem a orientação dos princípios pedagógicos propostos pela escola. Três são do Acampamento: Rosângela, Adão e Augusto; uma é estagiária e foi contratada pelo Movimento: Janete; um é ass~ntado em Jóia e foi liberado para trabalhar na EscoJa Itinerante: Julinho e, o Osmar que é assentado em Sant'Ana do LivramentÓIRS e também foi liberado para trabalhar no Projeto.

(Depoimento colhido no Acampamento, abril de 1997)

-~

Os professores juntamente com a comunidade acampada foram os responsáveis pelo fazer pedagógico da Escola Itinerante. No desafio de fazer dar certo o projeto piloto, contavam com a assessoria pedagógica mensal orientada pela pr<?fessora Madalena Luís, que disponibilizava 3 ou 4 dias por mês para estar com eles reflexionando suas práticas e tentando encontrar caminhos para superar as dificuldades. Também contavam com o apoio de algumas universidades, onde discutiam, estudavam e planejavam atividades que foram desenvolvidas em sala de aula.

Os professores assim estavam divididos em suas atividades6: o Julinho trabalhava na 1ª etapa com 28 alunos e uma 3ª etapa com 24 alunos; o Osmar tinha uma 1ª etapa com 19 alunos e uma

sa

etapa, também com 19 alunos. A Rosângela tinha uma 4ª etapa de 23 alunos e cuidava da secretaria; a Janete tinha um~ I ª etapa com 25 alunos. O Adão estava com uma I ªetapa de 23 alunos e uma 2ª etapa com 49 alunos, que foi divida em duas turmas. O Augusto estava com uma 2ª etapa de 23 alunos.

6 Dados extraídos dos cadernos de anotações dos professores, referentes a abril de 1997.

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0

PROCESSO EDUCATIVO

NO ACAMPAMENTO PALMEIRÃO

No relato dos professores, percebia-se que antes da Escola Itinerante já havia um processo educativo que era desenvolvido com as crianças no Acampamento Palmeirão, porém, só funcionava graças a boa vontade de alguns professores e voluntários do Acampamento. O trabalho de ensino lá desenvolvido não tinha respl!!-do formal reconhecido.

Demos aulas em baixo das árvores, fizemos cartas para a delegada de ensino, recebemos visitas de várias entidades e mostramos que havia um processo de ensino mesmo que em espaço informal. A Secretária de Educação e Cultura não nos auxiliava e, portanto, não tínhamos lápis, borrachas e materiais. A gente se virava com a arrecadações e doações. Colaborações do povo em geral eram bem vindas e quando íamos para nossas cidades nós tentávamos alguma coisa junto à

prefeitura e escolas. (Prof". Rosângela)

Enquanto as aulas funcionavam na clandestinidade, preparava-se melhor a proposta Itinerante. Eram reuniões para rever o projeto, organizar as justificativas e as reais necessidades de uma Escola diferente, nas palavras de alguns acampados, uma "Escola dos Sonhos".

Em reunião dos núcleos no Acampamento Palmeirão7 discutiu-se o que cada grupo esperava da

Escola. Os pais expressaram o desejo de ver uma Escola onde seus filhos pudessem ter:

Diálogo, reflexões e um ensino voltado para a vida. Um ensino que ajudasse a torná-los esclarecidos, que aprendessem a ·~e organizarem, que possibilitasse a consciência da realidade, que ensinasse a lutar e a defender a própria histón'a do Movimento e que a escola partisse da realidade e que se voltasse para a realidade do meio em que os alunos vivem (Março, 1997).

A.s crianças também participaram em reuniões paralelas no Acampamento. Elas portadoras de opiniões contribuíram dizendo que queriam uma escola onde:

A escola tenha classes, cadeiras, merenda. Que os professores incentivem a luta pela reforma agrária. Que a escola tenha aplicação do flúor, um campo de futebol, uma bola de voleibol, flores, árvores, hortas, frutas e verduras. Que os professores eduquem bem os alunos. Que a escola tenha livros e armários e salas para que se possa estudar. Que os professores ensinem a lutar por terra e comida, a ser educado com as pessoas, a respeitar os professores e os colegas ... (Março, 1997).

7 Dados que constam do relatório desse e de outros encontros que delinearam a implantação do Projeto Escola Itinerante. Cópia arquivada por este pesquisador.

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Expectativas e esperanças contidas em um projeto que a partir de então estava aprovado. Euforia de uns, preocupação para outros. Como tornar real aquilo que até agora era apenas um sonho? Quem faria esse milagre, o pessoal do Acampamento ou viriam pessoas da Coordenação? Foram inúmeras as perguntas principalmente por parte dos professores que se viam desafiados frente a essa nova realidade.

Os professores foram informados pela Coordenação que teriam. acompanhamento e orientação pedagógica da Madalena8, companheira dos tempos de fundação da Fundep, o que os deixou mais aliviados.

Porém, ela estava na mesma situação dos professores, ao invés de trazer-lhes respostas, optou por colher as indagações sobre como poderiam colocar emfuncionamento a Escola. "Meu trabalho é o fazer pedagógico. Fui desafiada a acompanhar a Escola Itinerante, topei, mas não sabia o que era, entrei de curiosa, aqui estou. Sei como conseguiram, conheço as aspirações e sei que temos que colocá-la a em funcionamento o mais bre;ve possível." (Madalena. Mar. 1997)

A partir das palavras da Madalena, os professores compreenderam que não haveriam receitas e que teriam de partir daquilo que possuíam. Deveriam assumir o compromisso como seu, onde a contribuição de cada um seria importante para o conjunto do processo reflexivo que se inaugurava. Na ocasião, refletiu-se sobre a Proposta Itinerante aprovada, fez-se um estudo sobre os princípios da educação no MST. Deliberou-se que as atividades Deliberou-seriam realizadas em encontros diários dos professores e em encontros mensais com oficinas pedagógicas com a assessora.

(

Nas oficinas pedagógicas foram ouvidos relatos dos trabalhos realizados. Refletiu-se sobre as práticas vivenciadas, delineou-se por onde conduzir os trabalhos seguintes. Fez-se encaminhamentos de novos planejamentos, estudos e leituras a serem desenvolvidos daquele encontro até o encontro seguinte.

A partir do primeiro encontro iniciou-se um processo reflexivo com os pais, os professores, os alunos e a comunidade acampada onde se indagava: Diante da Escola que queremos: em que posso contribuir para se tomar realidade? Como funcionará a Escola? O que·:entendemos por currículo? Que responsabilidades cabe a cada um: pais, professores, alunos e comunidade? Que metodologia vamos utilizar? Como vamos avaliar?

Daí começamos a ver que tipo de escola que a gente queria, como gostaríamos que fossem os professores, como queríamos que fosse a escola - ela teria que ser diferente, mas um diferente que fosse além do estar embaixo de uma lona e de ser móvel: teria de ser diferente no seu fazer pedagógico. Reunidos esses dados,fomos discutindo em grupo: Que escola a gente quer? Quais seriam as responsabilidades de cada um deles? Que aluno se quer formar? Daí a gente começou a montar como poderíamos trabalhar. (Madalena. Dez. 2007)

Os professores investigaram quem seriam os alunos, fizeram um trabalho de base com a direção, com os alunos, com os pais e com os próprios professores. Os sujeitos acampados participaram através

8 Madalena Luíz era professora na Escola Érico Veríssimo no município de Três Passos e prestava Assessoria aos professores do Projeto Escola Itinerante.

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dos núcleos do Acampamento, sendo que cada grupo socialmente constituído no espaço do Acampamento (comunidade, pais, alunos e professores) firmaram compromisso de auxílio na operacionalização da Escola Itinerante.

O envolvimento dos sujeitos acampados na construção da Escola e o firme propósito de colaborar em sua edificação foram sinais de que era possível fazer acontecer o processo educativo.

As respostas dos questionamentos enviados aos núcleos "partiram do concreto". Quando me dei conta, percebi que a Escola Itinerante era aquela escola dos nossos sonhos e que era possível fazer aquela escola que sempre tínhamos pensado nos cadernos do Movimento - estava tudo ali. Ela já tinha nascido, pois, por exemplo, quando a gente se encontrava com o pessoal que trabalhava na Fundep, imaginava-se fazer uma escola dessas, a qual não aconteceu por causa de um processo que não se conseguiu evoluir -ficamos buscando aquela escola dos sonhos. (Madalena)

Atividades de planejamento, de ação, de reflexão, de observação e de replanificação do fazer pedagógico faziam parte do dia a dia de cada professor, semanalmente os professores se reuniam e mensalmente tinham o contato com a assessora pedagógica.

O levantamento das crianças existentes no acampamento em março de 1997 mostrava um número aproximado de 180 crianças em idade escolar. Com sinais positivos da Escola Itinerante, os pais começaram a trazer seus filhos para estudar. Eram crianças que estavam na casa de avós e de 'parentes. O aumento das crianças e a resposta dos pais em trazer seus filhos das bases significaram um incentivo ao novo processo.

O envolvimento dos pais e da comunidade na elaboração do fazer pedagógico e na construção da escola significou assumir a corresponsabilidade do novo projeto. Sentiram-se sujeitos construtores de um espaço educativo, onde depositaram seus anseios e desejos.

Nos encontros de planejamento desenvolvidos pelos professores, sentiu-se a necessidade de trabalhar o currículo, pois a sua compreensão era de fundamental importância para elaboração do currículo da Escola Itinerante.

Como que a gente ia fazer o currículo se nem entendíamos direito o que era currículo? Daí partimos do que nós professores sabíamos sobre currículo? Fez-se um trabalho em grupo onde se discutiu e se escreveu o que entendíamos por currículo. Na síntese da discussão, chegou-se a deliberação: que o currículo pode ser ampliado todos os dias, o que possibilita fazer algo novo em cima do que já se tem; nossa intenção não era fazer algo novo mas recriar em cima do que já se tinha. O trabalho teria de ser planejado por dia, além dos conteúdos e das outras atividades. (Madalena)

Os professores enriquecidos pelas sessões de estudo e discussão, partiram para seus planejamentos. Decidiram trabalhar as matérias na perspectiva interdisciplinar tendo como matérias básicas: português. matemática, estudos sociais, educação física e ensino religioso. Para tanto, agruparam os alunos em oito

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turmas distribuídas nas várias etapas que previa a proposta Itinerante. Ficaram assim distribuídas: quatro turmas da 1ª etapa; uma turma da 2ª'etapa; uma turma da 3ª etapa; uma turma da 4ª etapa e uma turma da

sa

etapa.

Como na Proposta Itinerante decidiram que as atividades não seriam por dias letivos, mas sim por aprendizado e que as séries seriam substituídas pela categoria etapa, cabendo aos professores delinear o que seria desenvolvido em cada etapa.

A organização das atividades em etapas e não mais em séries agilizou o processo. As crianças que já haviam passado pela escola não formal e que sabiam ler e escrever não precisaram começar tudo de novo. Elas não perderam aquilo que já tinha aprendido. Apenas entraram na etapa em que seus níveis de desenvolvimento melhor se adequassem.

Considerando que nos primeiros encontros os professores haviam definido que os conteúdos seriam por etapa e que o planejamento das atividades educativas seriam mensalmente organizados na presença da assessora pedagógica, ficando os desdobramentos dos planos menores semanais a serem realizados em reuniões entre eles, assumiram a responsabilidade de cada um realizar as anotações cotidianas em um diário. E, no final da semana, através dos diários, podia-se avaliar o que se realizou em sala, o que ficou a desejar e planejar as atividades para a próxima semana. Assim, os professores, além de estarem ministrando aulas, escreviam e relatavam a Proposta Itinerante que estava em caráter experimental.

Os estudos de aprofundamento em tomo de currículo do planejamento, da metodologia e da avaliação constantes foram de grande importância na hora de planejar, de executar, de avaliar e de refletir o fazer pedagógico. Os professores percebendo que conteúdos da Escola Itinerante estavam propostos em temas geradores e reflexionando sobre o ensino bancário que não desejavam compreenderam que:

Um ensino livresco, centrado em conteúdol>estanques e que ninguém sabe para que

servem, nunca vai levar ao conhecimento. Leva à decoreba e ao tédio em sala de

aula. Foi dessa reflexão, aliás que surgiu o chamado "método de ensino através de temas geradores", que são justamente questões extraídas da realidade, seja a 'mais próxima ou atual, seja a mais distante no tempo e no espaço, em tomo das quais se passa a desenvolver uma determinada unidade de estudos, integrando conteúdos, didáticas e práticas concretas com educandos (MST, 1996, p. 13).

Na medida que se investigava um tema gerador mergulhava-se no próprio pensar do povo, na sua realidade, nas suas angústias, nas suas inquietações e nas suas buscas. A situação presente, existencial e concreta e o conjunto das aspirações do povo, só podiam ser organizadas em conteúdós programáticos da educação se houvesse o envolvimento do povo. Freire (1987) já advertia:

A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênuo, será pensado seu pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir idéias, mas no de produzí-Jas e de transformá-las na ação e na comunicação (p. 101).

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Como envolvimento dos segmentos sociais do Acampamento foi uma constante, poder-se-ia dizer que foi graças ao envolvimento dos pais, da comunidade, dos alunos e dos professores que se tornou possível a conquista da Escola.

Os professores não tiveram dificuldades em detectar as temáticas capazes de envolver as lutas, conquistas e esperanças dos acampados. A luta pela terra no Brasil foi um dos grandes temas que tornou possível desenvolver as atividades pedagógicas numa perspectiva qu~ contemplasse a realidade em que a escola estava inserida. Percebeu-se a necessidade de se construírem sub-temas geradores, pois o tema estava demasiadamente amplo e corria-se o risco de se perder na sua imensidão. Conforme Freire (1987):

Os temas, em verdade, existem nos homens, em suas relações com o mundo, referidos a fatos concretos. Um mesmo fato objetivo pode provocar, numa sub-unidade época], um conjunto de temas geradores, e, noutra, não os mesmos, necessariamente. Há, pois, uma relação entre o fato objetivo, a percepção que dele tenham os homens e os temas geradores (p. 99).

Dessa percepção, partiu-se para sub-unidades que enfocassem acontecimentos vivenciados pelos acampados: Marcha Estadual e Nacional à Brasília, luta pelos direitos humanos - direit9 a terra, a moradia e a saúde, entre outros.

Os professores planejavam as atividades em conjunto, sendo que da 1ª a 5ª etapa foi trabalhado o mesmo tema. O que os diferençou foi a profundidade do enfoque dado em cada uma das etapas. Os conteúdos da lista tradicional não deixaram de serem dados, apenas foram trabalhados com o enfoque do tema gerador, o que possibilitou ir além do simples conteúdo.

As atividades de cada etapa foram complementadas por uma série de oficinas pedagógicas que funcionaram nos turnos paralelos às aulas e foram ministradas por pessoas do Acampamento e por professores de fora. Na primeira e na segunda etapas, trabalhou-se brincadeiras em pneus, histórias, desenhos, contos, fantoches, jogos com sucatas, pintura, dança, jogos com letras, cartões de sementes, teatro, trabalho em argila, boneco de cerâmica, artesanato e instrumentos musicais. O grande destaque foi a oficina "a hora do conto", pois além de criar nos alunos o hábito da leitura ensinou que a história da vida de cada um pode ser contada por escrito.

~

Na terceira e na quarta etapas trabalhou-se com o resgate da história do movimento, registro de fala, encenações, teatro, desenho, histórias em quadrinhos, jogos pedagógicos, violão, canto e programas de rádio. Na quinta etapa, fez-se histórias em quadrinhos, jogo de xadrez, ·oficina de espanhol, organização da biblioteca, artesanato, aproveitamento dos livros e construção de bancos par~ - o pessoal sentar.

Com a unificação dos dois acampamentos de Sem-Terra em setembro de 1997 e com a vinda das salas montadas conforme prescrevia a Proposta Itinerante: quatro salas de aula com as lonas especiais de cor amarela, foi grande a euforia e o entusiasmo pela Escola. A escola mostrava-se radiantemente visível ao olhar distante dos acampados e dos que visitavam aquele espaço.

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As crianças vibraram com a vinda das novas estruturas e com as carteiras, com a biblioteca, com a merenda e com a possibilidade de estarem em sala de aula estudando, agora abrigados da chuva, do fi;io e do sol. "Na nova escola de assoalho de chão, rodeada de lona amarela, com janelas, quadro e giz, sentados em cadeiras e escrevendo sobre mesas de quatro ou de cinco crianças ao redor, construíram-se novas esperanças entre as crianças e os professores do acampamento". (Isabela Camini)

Em meados do mês de outubro, um mês depois da unificação dos dois acampamentos, enquanto as aulas eram dadas nas quatro salas de aula um temporal levou, junto com alguns barracos, três das quatro salas de aula. "As crianças ficaram sentadas umas próximas das outras como que grudadas no assoalho da Escola- sussurrando: O vento levou nossa Escola! Onde vamos estudar?" (Depoimentos de professores)

De imediato começaram as reconstruções provisórias dos barracões para dar continuidade ao

- .

processo educativo. E, os professores .e as professoras continuavam Se reunindo e não deixavam apagar a chama da Escola Itinerante. Fizeram encontros de formação, abasteceram suas místicas, discutiam sobre avaliação escolar, temas geradores, planejando em conjunto as próximas atividades e construíram o registro das atividades da Escola Itinerante.

A avaliação das atividades educativas foram realizadas pelos professores consi~erando os princípios prescritos nos Cadernos de Educação do MST (1993) 9 onde:

Só prova não chega. É preciso avaliar a participação dos alunos na ·organização

e no trabalho. É preciso avaliar a convivência dos alunos com os outros alunos

e dos professores com os outros. Os alunos devem avaliar-se a si mesmos, aos colegas e aos professores. Os professores devem avaliar-se e avaliar os alunos. O Assentamento deve avaliar a Escola. A Escola deve ajudar a avaliar o conjunto do Assentamento. Só assim haverá um avanço coletivo e pessoal de todos e de cada um (p. 19).

O processo de avaliação foi submetido a reflexão dos professores e da comunidade acampada que estudaram como avaliar, quando avaliar, o que avaliar e por quem avaliar, onde optaram em não realizar provas como nas escolas convenci~nais, decidiram por uma avaliação diária e permanente, registrada por meio de.parecer descritivo. Para tal avaliação, pais, professores e alunos definiram alguns critérios a serem considerados: criatividade, desempenho do aluno do em sala de aula, comportamento, responsabilidade do aluno para com a escola, respeito para com os professores, colegas e comunidade acampada; envolvimento em atividades do Acampamento e participação nas reuniões dos núcleos.

\

Conforme a professora Janete, esses critérios foram construídos e aprovados para servirem de referências para o processo de avaliação:

o

professor vai fazendo as anotações diárias e no final faz uma avaliação tomando em consideração os pontos anotados. Depois, monta-se o parecer. Para fazer o

9 Ver MST. Como fazer a Escola que queremos. Cadernos de Formação nº OI, 1993.

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parecer descritivo, a gente tem os critérios e a cada dia vai avaliando. Em cima das anotações do professor o coletivo da Escola poderá fazer o parecer. Não vamos fazer prova para avaliar. Nossa nota é o parecer descritivo da criança.

No processo reflexivo do fazer pedagógico os professores foram assumindo a caminhada por si, vivenciando a mística, trabalhando a organização e, principalmente, a timidez do falar e do se expor em público. Aos poucos, foram vencendo os medos e as inseguranças.

Foram vencendo os medos.foram descobrindo que é só planejando as aulas que eles aprendem afazer. Que só no processo pedagógico do dia a dia que eles realmente conseguem perceber onde acertaram e onde erram, sendo que o erro serve para ser refletido e replanejar as ações da outra semana. (Madalena)

As reflexões nos acampamentos caminharam constantemente para novos planejamentos com o registro das observações em que cada um dos sujeitos se manifestava. As colocações foram na direção do fortalecimento do processo reflexivo quer para obter ou para retificar as ações do próprío grupo. Entre as certezas e desafios rela~dos pelos professores nas reuniões de avaliação estão: a) que o processo de formação dos professores, bem como

a

dedicação e o entusi?smo teriam que ser uma constante no fazer pedagógico; b) a necessidade de conquistar maior empenho dos sujeitos envolvidos para fazer a Proposta da Escola Itinerante ser aprovada; c) maior apoio das Coordenações dos acampamentos de Sem-Terra e do MST para com a Escola Itinerante; d) certeza de que, para se ter uma Escola Itinerante funcionando era muito empenho e dedicação, principalmente do professores que além d~s oitos horas de trabalho com os alunos faziam o planejamento e envolviam-se em uma série de atividades no Acampamento; e) desafio de investir sempre mais na formação dos professores; f) mudança da m~ntalidade em relação à escola. Que os acampados vissem a escola como sua e não como algo estranho, alheio e, portanto, sujeitá-la a depredações; g) maior envolvimento da comunidade acampada.

Os professores, nas reuniões de avaliação, identificaram como aprendizados da Escola Itinerante que: a) pensar o fazer pedagógic:o era essencial para a progressão da caminhada de organização dos professores e do MST; b) que os professores em processo de construção/reconstrução estivessem abertos ao novo; c) que a proposta pedagógica, discutida com a comunidade acampada: pais, professores e alunos, estivesse em dinâmica, aproveitando os ensaios e os erros para novas ações; d) a necessidad~ de que na escola estivesse sempre a representatividade dos pais, da copmnidade acampada e da coordenação do acampamento.

Essas foram algumas das situações que desafiaram os sujeitos envolvidos no Projeto Escola Itinerante. Foram situações-limite questionadoras que provocaram reflexões sobre as observações e lançaram os fundamentos para o planejamento de novas ações. Fases essas imprescindíveis no processo educativo de se investigar as próprias ações, foco deste estudo com o qual se deseja contribuir para que se pense e repense a educação.

24

Pesquisas sobre a Escola Itinerante: Refl etindo o Movimento da Escola

(25)

CONSIDERAÇÕE.S FINAIS·

'

O envolvimento de pais, professores, alunos e comunidade no resgate de sua histórica trajetória de luta pela reforma agrária e por uma educação que corresponda a suas expectativas, o envolvimento de todos os segmentos do acampamento no sentido de fazer acontecer esta nova história pedagógica, o planejamento do currículo e de conteúdos de forma participativa, envolvendo a comunidade do acampamento, bem como a escolha de temas geradores para delinear o processo de aprendizagem e de oficinas para integrar a diversidade das atividades e aprimorar as habilidades artísticas foram alguns dos

.

frutos da Escola Itinerante com seu processo reflexivo, democrático e participativo.

Quando pais, professores, alunos e a comunidade do acampamento pensam em uma escola concreta para seu meio e lançam os fundamentos de sua construção através de um método reflexivo, participativo e democrático, além de estarem fazendo educação recuperam um processo científico em que todos são sujeitos construtores de ciência.

O processo de implementação da · Escola Itinerante teve suas dificuldades, mas consegum participar dos acontecimentos, da vida do acampamento e se fez presente nas várias ocupações. A escola · marcou presença nas frentes de trabalho, de modo que as crianças que se deslocam com seus familiares

não ficam com o processo educativo atrasado.

Convém deixar claro que essa história é dinâmica, está em movimento. É parte de um processo de emancipação que começa a ser delineado, onde trabalhadores Sem-Terra, sejam, homens, mulheres e crianças dizem seu basta aos moldes educacionais conservadores e autoritários e lançam as sementes de novos tempos através da construção do seu projeto pedagógico, construindo no presente perspectivas de r um novo futuro, mais humano e justo.

/

(26)

REFERÊNCIAS

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\

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Dissertação (Mestrado em Educação) - 18lp. Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE, Universidade Federal de Santa Maria, 1998.

(27)

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As

CRIANÇAS DA ESCOLA ITINERANTE E

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AS SUAS CONSTRUÇÕES SIMBÓLICAS

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Neucélia Meneghetti de Pieri1°

"Aqui a gente pode falâr. "

"Quero ter minha terra." CR, 8 anos

"Meu sonho é ganhar a terra "

MI, 10 anos

"Eu gosto de desenhar o meu lugar. A casa que eu quero ter." CRI, 8 anos

A organização de uma sociedade é composta por elementos estruturais que se distribuem em níveis diferentes como educação, saúde, moradia, trabalho, transporte e outros, considerados básicos para a vida do ser humano, sendo assim deveriam ser garantidos a todos. os indivíduos que fazem parte dela, independente de etnia ou poder aquisitivo. Expressões como "Aqui a gente pode falar", "Quero

ter minha terra", "Meu sonho", "o meu lugar'', anunciam e denunciam um modelo socioeconômico que

não privilegia os elementos estruturais necessários à uma organização social equilibrada, situação que transforma o homem num sujeito desprovido de valores. O ser humano necessita de um lugar onde morar para que possa construir uma identidade cultural junto com os demais e sentir-se sujeito da própria história. Histórias de vida que se constituem de sonhos e desejos, por vezes silenciaàos ou amputados, como rotas de vidas alteradas pelo limite físico e social de um espaço que ocupado ou não, significa a possibilidade de identificação e pertencimento.

As falas citadas no início deste texto foram coletadas durante os momentos de convívio com crianças e adolescentes da Escola Itinerante Primeiro de Agosto do acampamento de Eldorado do Sul, Charqueadas - RS, pertencente ao MST, que significa: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, contexto onde .

~

foi realizada a pesquisa cuja trajetória e resultado serão relatados pela própria pesquisadora, neste artigo. A referida pesquisa foi organizada em forma de dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para obtenção do título de Mestre em Educação, em 2002, tendo como orientador o Professor Dr. Fernando Becker. Com base na referida pesquisa, este artigo faz uma breve abordagem sobre a representação gráfica das crianças da Escola Itinerante do MST, agregando ainda a organização social e o processo educativo do movimento.

De onde vem a necessidade da luta pela terra? O problema da terra tem acompanhado o processo histórico da humanidade onde homem e terra estão intimamente ligados por uma relação de pertencimento,

10 Educadora da Rede Pública Municipal de Caxias do Sul e da Universidade de CaÃias' do Sul.

Referências

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