A neurose na filosofia: o reino da auto
A neurose na filosofia: o reino da auto-exaltação-exaltação
“Não há talento que ele não “Não há talento que ele não
degrade / Não há ciência e saber degrade / Não há ciência e saber que ele, à porfia, / Não ache que ele, à porfia, / Não ache
aquém de sua majestade”. aquém de sua majestade”.
E
EMÍLIO DEMÍLIO DEMMENESESENESES
Sidney Silveira Sidney Silveira Dizia Adler que
Dizia Adler que o neurótico é vítima da realidade imaginária que elegeuo neurótico é vítima da realidade imaginária que elegeu como diretriz ou finalidade de vida
como diretriz ou finalidade de vida. Em síntese, é o sujeito que . Em síntese, é o sujeito que escolhe um fimescolhe um fim fictício para dar sentido à existência e
fictício para dar sentido à existência e busca satisfazer, simultaneamente, asbusca satisfazer, simultaneamente, as
exigências do mundo real e desse universo por ele inventado, mantendo-se cativo de exigências do mundo real e desse universo por ele inventado, mantendo-se cativo de uma tormentosa ambivalência.
uma tormentosa ambivalência.
Expliquemo-nos: em seus devaneios de grandeza, o neurótico aspira a coisas Expliquemo-nos: em seus devaneios de grandeza, o neurótico aspira a coisas superiores, sublimes, mas esconde um
superiores, sublimes, mas esconde um radical sentimento de inferioridade queradical sentimento de inferioridade que precisa ser
precisa ser ——de alguma formade alguma forma——compensado. Ele então cria um sofisticado sistemacompensado. Ele então cria um sofisticado sistema
de mentiras para si mesmo e para
de mentiras para si mesmo e para as demais pessoas, por meio do quas demais pessoas, por meio do qual manipula asal manipula as próprias faculdades intelectivas e as coloca a
próprias faculdades intelectivas e as coloca a serviço da finalidade quiméricaserviço da finalidade quimérica produzida por sua imaginação. Daí afirmar Adler que
produzida por sua imaginação. Daí afirmar Adler que o neurótico é, ao mesmoo neurótico é, ao mesmo tempo, ambicioso e pusilânime
tempo, ambicioso e pusilânime: cobiça coisas que lhe dão um sentimento de: cobiça coisas que lhe dão um sentimento de quase divindade, mas sequer tem coragem de olhar-se no espelho da consciência. quase divindade, mas sequer tem coragem de olhar-se no espelho da consciência.
É claro que essa falta de coragem é também dissimulada, pois o neurótico É claro que essa falta de coragem é também dissimulada, pois o neurótico
habilmente sufoca a consciência para apresentar as razões de seus ataques contra habilmente sufoca a consciência para apresentar as razões de seus ataques contra Deus e o mundo
Deus e o mundo ——justificar o perenejustificar o perene ultimate fightingultimate fighting em que, inevitavelmente,em que, inevitavelmente,
transforma as suas relações com quaisquer pessoas que ponham em risco a sua transforma as suas relações com quaisquer pessoas que ponham em risco a sua fantasiosa auto-imagem. É como um sujeito mirrado, esqu
fantasiosa auto-imagem. É como um sujeito mirrado, esquálido, queálido, que
tresloucadamente se visse refletido no espelho como um gladiador invicto. Como se tresloucadamente se visse refletido no espelho como um gladiador invicto. Como se pode deduzir,
pode deduzir, a eriçada susceptibilidade do neurótico é a exata medidaa eriçada susceptibilidade do neurótico é a exata medida desse desajuste entre realidade e ficção
desse desajuste entre realidade e ficção, produto de uma vaidade sem limites, produto de uma vaidade sem limites
que o faz considerar como “rivais” todos os qu
que o faz considerar como “rivais” todos os que não contribuam instrumentalmentee não contribuam instrumentalmente
para a sua exaltação, indesejáveis oponentes a ser esmagados, destruídos a qualquer para a sua exaltação, indesejáveis oponentes a ser esmagados, destruídos a qualquer preço.
Tortuoso idealista, o neurótico é um Quixote cujos moinhos de vento são fruto de uma meta quase inconsciente: mascarar o seu complexo de inferioridade com o
aplauso do mundo. Há, portanto, uma cupidez em toda neurose, pois o núcleo do caráter neurótico e todos os movimentos anímicos que dele emanam estão a
serviço de uma confortante sensação de superioridade traduzida em sua pletórica auto-afirmação—que normalmente ocorreem detrimento de toda possível e
incômoda afirmação das demais pessoas. Estas, na mente doentia do neurótico, não
podem de forma alguma empanar o seu brilho, mitigar a sua “luz”. Desgraçadamente,
tal sensação de superioridade não é outra coisa senão a atualização do medo atroz que o neurótico tem de olhar para si mesmo.
O riquíssimo universo interior da alma humana, ao qual Santa Teresa de Ávila chamavacastelo interior, é dramaticamente empobrecido na pessoa neurótica. Daí
ela tornar-se incapaz de estabelecer relações saudáveis, ou seja, relações que não sejam uma constante referência aos seus próprios talentos e feitos, reiterados
cabotinamentead nauseam. Nas palavras de Rufolph Allers, o neurótico padece
de uma espécie de conflito metafísico, configurado na rebeldia interior que o transforma em alguém impossibilitado de aquilatar a realidade de forma objetiva. Em suma, ele abole as leis do mundo real por um arbitrário decreto de sua vontade
hipertrofiada—vontade excitada pelo voraz anseio de superação de tudo e de todos, o
que necessariamente lhe causa conflitos em progressão geométrica. Como se pode ver, por trás da neurose concebida nestes termos, há aquilo que a sã teologia
católica sempre chamou desoberba.
É possível entrever, na história do pensamento humano, o neurótico por trás de muitas teorias erigidas sob a égide de uma pueril tentativa de destruição de tudo o que até então foi feito. Em poucas palavras, enfronhado nas coisas do espírito, o neurótico é o hipercrítico que, para exaltar-se, joga a criança fora com a água do banho —ou seja: desconstrói as realizações do passado com o mal-disfarçado propósito de colocar-se como “reinventor da roda”.
Alguns exemplos são bastante significativos:
para Descartes, é evidente que a filosofia estava esperando por sua dúvida
metódica pautada em “idéias claras e distintas”, pois ele deixa bem claro que, até
então, não as havia;
Hume diz modestamente que o seu trabalho filosófico é análogo ao que Newton
fez com a física: uma reviravolta completa, portadora de novas luzes para a filosofia;
Kant, que despertara do “sonho dogmático” lendo Hume, afirma estar realizando
nada menos que uma revolução copernicana. De fato a sua obra representara uma revolução, porém no sentido pejorativo, devido à total desarticulação entre a inteligência e a realidade implicada em seu criticismo;
Heidegger “descobre” que, desde os pré-socráticos até ele — obviamente —, toda a história da filosofia esqueceu-se do ser e só abordou o ente (vê-se, aqui, como
o autor alemão, que lera Santo Tomás, não o conseguiu compreender);
Husserl afirma que o seu método da redução eidética é inédito e trará novos
Xavier Zubiri tenta demolir a noção aristotélica de substância e a teoria tomista
da abstração, mas, com a sua inteligencia sentiente — apresentada como novidade
gnosiológica ímpar, embora seja uma roupagem nova para uma mescla de teses presentes na filosofia medieval—, engendra aporias sem fim;
Nietzsche, que se autoproclama um profeta cuja obra está muito além do seu
tempo, quer não apenas pôr abaixo quase tudo o que foi feito até então, mas ser ele próprio o vértice de uma transvaloração de todos os valores, que prenunciará o homem do porvir;
Freud acredita piamente que a sua psicanálise é o último elo do
desenvolvimento pós-moral do homem;
Sartre, afetando um desdém superior em relação a dois milênios de tradição
cristã, leva as premissas fenomenológicas de Husserl e Heidegger às últimas conseqüências e estabelece um niilismo demolidor e sem saída. Nada mais.
Pois bem. Olhadas através de uma lupa crítica, as teorias engendradas por esses e outros precursores do mundo contemporâneo padecem de incongruências
reveladoras do estado mental que lhes serviu de substrato, no momento em que
estabeleciam as suas principais teses. Mas ainda está por ser feito um acurado estudo psicológico que demonstre cabalmente tratar-se de teorias filhas da neurose, ou
seja, nascidas de transtornos narcísicos em que o padrão de grandiosidade resulta num corrosivo e infértil afã de novidade.
Teorias que provêm de uma desordem do caráter nascida do mais delirante egocentrismo, e, portanto, incapazes de se elevar à instância noética onde repousa a Verdade—imaterial, una, indivisa, imutável, sem contradições de