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Parabolas de Jesus Completo Kistemaker

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Academic year: 2021

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Simon J. Kistemaker As Parábolas de JESUS

Tradução: Eunice Pereira de Souza

Produzido em Português com autorização do próprio autor

Diretoria Executiva: Diretor-Presidente: Editor: Cláudio Marra Diretor-Comercial:

Revisão: Arte:

Composição:

1ª Edição 1992 – 3000 exemplares

CASA EDITORA PRESBITERIANA

Rua Miguel Teles Jr., 382/294 – Cambuci. 01540-040 – São Paulo – SP.

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APRESENTAÇÃO

As Parábolas de Jesus é o primeiro livro do gênero, bem como

o primeiro do Autor – Simon Kistemaker -, e que esta Editora produz e oferece ao público evangélico brasileiro – extensivamente ao leitor de língua portuguesa de outros países. Aliás, até onde vão os nossos dados informativos, este Autor ainda não é lido via língua portuguesa, não obstante ser amplamente conhecido e respeitado como lídimo teólogo e expositor do Novo Testamento, já em muitas línguas. Além de outras obras de sua autoria particular, o Autor também forma parceria com Willian Hendriksen na série Comentário do Novo Testamento, que ora é publicado por esta Editora. De sua Autoria é Hebreus, Pedro e Judas, Tiago e Epístolas de João e Atos dos Apóstolos (este último já se acha em preparação, em dois volumes, e em breve virá a lume).

Além disso, o Autor tem sido um dos colaboradores estrangeiros no curso de mestrado em teologia, no Brasil, especialmente no Seminário Teológico José Manoel da Conceição (J.M.C.), em São Paulo. Ele faz parte da plêiade de Teólogos calvinistas que ainda permeiam (graças a Deus!) o seio da Igreja do Cordeiro. Esta Editora, bem como toda a IPB, ficamos em dívida para com o renomado Autor.

Ao prepararmos este livro, uma incontida emoção e uma profunda convicção nos fizeram antever o quanto será ele uma bênção na vida cristã de cada leitor, seja ele ministro do Evangelho, ou seja, leigo, porém, estudioso e ativo na Seara de Nosso Mestre Jesus Cristo. Isto afirmamos sobre bases sólidas, pois eis aqui um livro rico em requisitos positivos: Sua simplicidade fica logo em admirável evidência. Dele podem beber todos quanto possuam alguma cultura e quantos são detentores de cultura privilegiada. Também eis um livro que se destinada a toda classe de leitores interessados em aumentar sua visão da literatura mais linda do mundo – as parábolas de

Jesus! Sua abrangência o torna ainda mais rico e útil. Além de

discorrer sobre todas as parábolas de nosso Senhor, nos Evangelhos, ainda nos fornece muitos lados e detalhes para a melhor compreensão dessa literatura tão complexa. Finalmente, resta-nos mencionar sua

precisão e fidelidade à sã doutrina. O Autor revela total respeito

para com a Palavra de nosso Senhor.

Louvamos ao senhor e convidamos a cada leitor solícito a ler e meditar nesta obra tão preciosa, resvalando-se dela para outra muito mais preciosa ainda – as próprias parábolas!

Ainda uma palavra sobre um amigo que preferiu permanecer no anonimato, por meio de que obtemos autorização para esta publicação. Ele não quis aparecer, todavia, registramos o nosso apreço e gratidão em sua referência. Obrigado, amigo oculto! O leitor não saberá que é você, todavia nós sabemos, e, acima de tudo, o Senhor da Igreja sabe... e é isto que importa! Agradecemos ao Dr. Simon Kistemaker por não ter requerido de nós royalty (=pagamento de direitos autorais). Esperamos que este livro seja um meio dentre

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tantos outros para a maior glorificação do Nome de Jesus Cristo, o Senhor da Igreja... “até que ele venha”! Maranata!

Dezembro de 1992 Valter Graciano Martins Editor

PREFÁCIO

Livros sobre parábolas, escritos a partir de uma perspectiva evangélica, são poucos e, a maior parte das vezes, desatualizados: muitos dos que foram publicados deixaram de ser reeditados. Ao

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escrever este livro, procurei ir ao encontro da necessidade do pastor que deseja consultar um livro evangélico que contenha todas as parábolas de Jesus e a maior parte do que é dito sobre elas nos Evangélicos Sinóticos.

Este livro procura atingir o nível adequado de pastores teologicamente treinados. Tendo os pormenores técnicos sido restringidos a notas de rodapé, o texto, em si, pode ser de grande ajuda a qualquer um que pretenda estudar seriamente a Bíblia. O livro apresenta uma biografia selecionada.

Muitas pessoas colaboraram para tornar este livro uma realidade. Quero expressar meus agradecimentos ao Seminário Teológico Reformado por me ter liberado do trabalho aos sábados; ao diretor e bibliotecário da Livraria Tyndale, em Cambridge, Inglaterra; a meus alunos assistentes, Dana W. Casey, Edward Y. Hopkins e James Theodore Lester; à minha secretária, Mrs. Kathleen Sapp; à minha esposa, Jean, que datilografou o manuscrito; e aos revisores, Mrs. Mary L. Hulton e P. Ronald Carr.

Possa este livro ajudar os pastores a preparar seus sermões a respeito das parábolas de Jesus.

Simon J. Kistemaker 1980

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ABREVIATURAS

ATR Anglican Theological Review

BA Biblical Archaeologist Bib Bíblica

BibLeb Bibel und Leben

CBQ Catholic Biblical Quartely EvQ Evangelical Quarterly ExpT Expository Times

HTR Harvard Theological Review Interp Interpretation

JBL Journal of Biblical Literature

JETS Journal of the Evangelical Theological Society JTS Journal os Theological Studies

NAB New American Bible

NASB New American Standart Bible NEB New English Bible

NIDNTT New International Dictionary of New Testament Theology NIV New International Version

Novt Novum Testamentum NTS New Testament Studies RefR Reformed Review

ScotJT Scottish Jounal of Theology

SB H. L. Strack and P. Billerbeck, Kommentar StTh Studia Theologia

TB Tyndale Bulletin

TDNT Theological Dictionary of the New Testament TynHBut Tyndale House Bulletin

TS Theological Studies TZ Theologische Zeitschrift

ZNW Zeitschrift für die Neuentestamentliche Wissenschaft ZPEB Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible

ZTK Zeitschrift für Theologie und Kirche

Livro da Bíblia Gn Jr Lc Êx Lm Jo Lv Ez At Nm Dn Rm Dt Os 1,2 Co Js Jl Gl Jz Am Ef Rt Ob Fp 1,2 Sm Jn Cl 1,2 Rs Mq 1,2 Ts 1,2 Cr Na 1,2 Tm Ed Hc Tt

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Ne Sf Fm

Et Ag Hb

Jó Zc

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Com muita freqüência, os jornais trazem, junto aos editoriais, com destaque, uma caricatura. Com poucas linhas, o artista traça o esboço humorístico de um fato político, social ou econômico, atual. Através do desenho ele transmite uma mensagem contundente e direta, cuja eloqüência um redator dificilmente poderia alcançar.

Contando parábolas, Jesus desenhava quadros verbais que retratavam o mundo ao seu redor. Ensinando através das parábolas, ele descrevia aquilo que acontecia na vida real. Isto é, ele usava uma história tirada do cotidiano, para, através de um fato já aceito e conhecido, ensinar uma nova lição. Essa lição, na maior parte das vezes, vinha no final da história e provocava um impacto que precisava de tempo para ser entendido e assimilado. Quando ouvimos uma parábola, acenamos com a cabeça, concordando, porque a história é como a vida real e fácil de ser entendida. No entanto, mesmo que se ouça a aplicação da parábola, ela nem sempre é compreendida. Vemos a história se desenrolar diante de nossos olhos, mas nem sempre percebemos seu significado1. A verdade permanece

escondida até que nossos olhos se abram e possamos vê-la mais claramente. Então, a nova lição da parábola se torna significativa. Como Jesus disse a seus discípulos: “A vós outros vos é dado o mistério do reino de Deus, mas aos de fora tudo se ensina por meio de parábolas” (Mc 4.11).

Formas

A palavra parábola, no Novo Testamento, tem uma conotação ampla que inclui formas de parábolas que são, geralmente, divididas em três categorias2. Há as autênticas parábolas, histórias em forma de

parábolas e ilustrações.

1. PARÁBOLAS AUTÊNTICAS. Essas usam como ilustração um fato comum do dia-a-dia, e são facilmente compreendidas por qualquer um que as ouça. Qualquer pessoa entende a verdade transmitida; não há motivo para objeção ou crítica. Todos já viram uma semente germinar (Mc 4.26-29); o fermento levedando a massa (Mt 13.33); crianças brincando numa praça (Mt 11.16-19; Lc 7.31,32); uma ovelha desgarrada do rebanho (Mt 18.12-14); uma mulher que perde uma moeda em sua própria casa (Lc 15.8-10). Essas e muitas outras parábolas começam retratando verdades evidentes a respeito da natureza do homem. São contadas, usualmente, no presente.

2. HISTÓRIAS EM FORMA DE PARÁBOLAS. Diferindo das parábolas autênticas, a história em forma de parábola não se relaciona com uma verdade óbvia ou com um costume geralmente aceito. A verdadeira parábola é contada como um fato, com o verbo

1 R. Schippers, “The Mashal-character of the Parable of the Pearl”, em Studia

Evangelica, cd F. L. Cross (BcrIin: Akademíe-Verlag, 1964), 2:237.

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no presente. A história em forma de parábola, por outro lado, se refere a um acontecimento em particular, que teve lugar no passado — geralmente a experiência de uma pessoa. É, por exemplo, a experiência de um fazendeiro que semeou trigo e, mais tarde, percebeu que seu inimigo semeara o joio no mesmo pedaço de chão (Mt 13.24-30). É a história de um homem rico, cujo administrador defraudou os seus bens (Lc 16.1-9); ou, é o relato a respeito de um juiz que julgou a causa de uma viúva atendendo a seus inúmeros pedidos (Lc 18.1-8). O interesse dessas histórias não está na narrativa, porque o que é significativo nelas não é o fato, mas a verdade transmitida.

3. ILUSTRAÇÕES. As histórias ilustrativas registradas no Evangelho de Lucas são, geralmente, classificadas como histórias que servem de modelo, de exemplo. Incluem a parábola do bom samaritano (Lc 10.30-37); a parábola do rico insensato (Lc 12.16-21); a parábola do rico e Lázaro (Lc 16.19-31); e a parábola do fariseu e o publicano (Lc 18.9-14). Essas ilustrações diferem das histórias em forma de parábolas pelo seu propósito. Enquanto a história em forma de parábola é uma analogia, as ilustrações contêm exemplos a serem imitados ou evitados. Elas focalizam, diretamente, o caráter e a conduta de um indivíduo; a história em forma de parábola faz isso apenas indiretamente.

Nem sempre é simples classificar uma parábola. Algumas delas apresentam características dos dois grupos — da autêntica parábola e da história em forma de parábola — e podem ser classificadas de um modo ou de outro. Os Evangelhos registram, também, numerosas afirmações em forma de parábola. É, muitas vezes, difícil determinar quando uma declaração de Jesus constitui uma autêntica parábola, ou quando é uma declaração em forma de parábola. O ensinamento de Jesus a respeito do fermento (Lc 13.20,21) é classificado como uma verdadeira parábola, mas sua mensagem sobre o sal (Lc 14.34,35) é considerada uma afirmação em forma de parábola. No entanto, algumas declarações de Jesus são apresentadas como parábolas. Por exemplo: “Propôs-lhe também uma parábola: Pode porventura um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no barranco?” (Lc 6.39).

No que uma parábola difere de uma alegoria? O Peregrino de John Bunyan é uma representação alegórica do caminhar de um cristão pela vida. Os nomes e as circunstâncias encontrados no livro representam a realidade. Cada fato, cada característica ou afirmação são simbólicos e devem ser interpretados ponto a ponto em seu significado real para que possam ser corretamente entendidos. Uma parábola, por sua vez, é fiel à vida e ensina, geralmente, apenas uma verdade básica. Em suas parábolas, Jesus usou muitas metáforas, como, por exemplo, um rei, servos e virgens, mas estas nunca se afastaram da realidade. Não estão nunca relacionadas com um mundo de fantasia ou ficção. São histórias e exemplos tirados do mundo em que Jesus vivia e transmitem uma verdade espiritual, através da

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comparação. Os pormenores da história são o sustentáculo da mensagem que a parábola transmite. Não devem ser analisadas ponto a ponto e interpretadas como uma alegoria, pois perderiam o seu significado.

Composição

Embora, de um modo geral, seja verdade que uma parábola ensina somente uma lição básica, esta regra nem sempre é definitiva. Algumas das parábolas de Jesus têm composição complexa. A composição da parábola do semeador apresenta quatro partes e cada parte pede uma interpretação. Do mesmo modo, a parábola sobre as bodas não é uma história única, pois tem acrescentado uma parte a respeito de um convidado que não está usando roupas apropriadas para a ocasião. Também, a conclusão da parábola sobre os lavradores maus se desvia do cenário da vinha para o de construtores e seus negócios. Por causa dessa complexidade, é sensato o exegeta não se prender a um ponto único na interpretação da composição das parábolas.

Ao ler as parábolas de Jesus, nós nos perguntamos por que são deixados de lado vários detalhes que deveriam fazer parte da história. Por exemplo, na história do amigo que bate à porta de seu vizinho, no meio da noite, para pedir três pães, a mulher do vizinho não é mencionada. Na parábola do filho pródigo, o pai é uma figura marcante, mas nem uma palavra é dita a respeito da mãe. A parábola das dez virgens apresenta o noivo, mas ignora completamente a noiva. Esses pormenores, entretanto, não são relevantes na composição geral das parábolas, especialmente se compreendermos o artifício literário das tríades, muitas vezes usado nas parábolas de Jesus. Na parábola do amigo que vem bater à porta no meio da noite, há três personagens: o viajante, o amigo e o vizinho. A parábola do filho pródigo também fala de três pessoas: o pai, o filho mais jovem e o irmão mais velho. Na história das dez virgens, encontramos três elementos: as cinco virgens prudentes, as cinco virgens tolas e o noivo.

Além disso, nas parábolas de Jesus não é o começo da história o que é importante, porém o seu final. A importância recai sobre a última pessoa mencionada, o último feito ou a última declaração. O “efeito final” da parábola é deliberadamente elaborado em sua composição3. Foi o samaritano que procurou aliviar a dor do homem

ferido, não o sacerdote ou o levita. Embora os dois servos que apresentaram cinco e dois talentos adicionais a seu senhor tenham recebido louvor e elogios, foi o fato de ter enterrado seu único talento na terra que trouxe ao terceiro servo escárnio e condenação. Na parábola sobre o proprietário de terras que durante o dia contratou

3 A. M. Hunter, The Parables Then and Now (London: Westminster Press, 1971), p.

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homens para trabalhar em sua vinha e, às seis horas, ouviu reclamações de alguns dos trabalhadores, o mais importante é a resposta do dono: “Amigo, não te faço injustiça... são maus os teus olhos porque eu sou bom?” (Mt 20.13,15).

A arte de elaborar e contar parábolas, demonstrada por Jesus, não encontra paralelo na literatura. Mas bem semelhantes às parábolas de Jesus são aquelas dos antigos rabinos dos dois primeiros séculos da era cristã. Essas parábolas eram apresentadas, comumente, com uma pergunta: “Uma parábola: A que se assemelha?” Nessas parábolas, também, o artifício literário da tríade e a ênfase final eram usados. Por exemplo:

Uma parábola: A que se assemelha? A um homem que estava viajando pela estrada, quando encontrou um lobo. Conseguiu escapar dele e seguiu adiante, relatando aos outros seu encontro com o lobo. Então, ele encontrou um leão e escapou dele; e seguiu adiante, contando a todos o encontro com o leão. A seguir, ele encontrou uma cobra e escapou dela. Após esse acontecimento, ele se esqueceu dos dois anteriores e prosseguiu contando o caso da cobra. Assim também é Israel: as últimas dificuldades o fazem esquecer as primeiras4.

Entretanto, a semelhança entre as parábolas de Jesus e as dos rabinos está apenas na forma. As parábolas dos rabinos, normalmente, são apresentadas para explicar ou elucidar a Lei, versículos das Escrituras, ou uma doutrina. Elas não são usadas para ensinar novas verdades, como acontece com as parábolas de Jesus. Através das parábolas, Jesus explicava os grandes temas de seu ensinamento; o reino dos céus; o amor, a graça e a misericórdia de Deus; o governo e a volta do Filho de Deus; o modo de ser e o destino do homem5. Enquanto que as parábolas dos rabinos não ensinam

senão a aplicação da Lei, as de Jesus são parte da revelação de Deus ao homem. Em suas parábolas, Jesus revela novas verdades, pois ele foi comissionado por Deus para tornar conhecida a vontade e a Palavra de Deus. As parábolas de Jesus, portanto, são as revelações de Deus; as dos rabinos, não.

Propósito

As parábolas mostram que Jesus estava perfeitamente familiarizado com a vida humana em seus múltiplos aspectos e significado. Ele tinha conhecimento de como cultivar a terra, lançar a semente, extirpar as ervas daninhas e colher os frutos. Ele se sentia em casa, em uma vinha; sabia a época da colheita dos frutos da

4 I. Epstein, cd., “Seder Zeraim Berakoth 13a”, in The Babylonian Talmud (London:

Soncino Press, 1948); p.73.

5 Hauck, TDNT, V:758. J. Jeremias, na oitava edição de seu Die Gleichnisse Jesu

(Göttingen:Vandenhoeck & Ruprecht, 1970), p. 8, faz notar que as parábo1as de Jesus podem ter contribuído para o desenvolvimento do gênero literário das parábolas dos rabinos.

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videira e da figueira, e estava a par do quanto se pagava por um dia de trabalho. Ele não apenas estava familiarizado com a rotina do fazendeiro, do pescador, do construtor e do mercador, mas se encontrava igualmente à vontade entre os chefes de Estado, os ministros das finanças de uma corte real, os juízes das cortes de justiça, os fariseus e os coletores de impostos. Ele compreendeu a pobreza de Lázaro, embora fosse convidado para jantar com os ricos. Suas parábolas retratam a vida de homens, mulheres e crianças; o pobre e o rico; os que são marginalizados e os que são exaltados. Pelo seu conhecimento da amplitude da vida humana, ele era capaz de ministrar a todas as camadas sociais. Ele falava a linguagem do povo e seus ensinamentos eram adequados ao nível daqueles que o ouviam. Jesus usava parábolas para tornar sua linguagem acessível ao povo, para ensinar às multidões a Palavra de Deus, para chamar seus ouvintes ao arrependimento e à fé, para desafiar os que criam a transformar palavras em atos e para exortar seus seguidores a permanecerem atentos.

Jesus usou as parábolas para comunicar a mensagem de salvação de um modo claro e simples. Seus ouvintes podiam, prontamente, entender a história do filho pródigo, dos dois devedores, da grande ceia e do fariseu e o publicano. Através das parábolas, eles identificavam Jesus com o Cristo que ensina com autoridade a mensagem redentora do amor de Deus.

Dos relatos do Evangelho, todavia, tomamos conhecimento que a interpretação das parábolas era feita em particular, no círculo dos discípulos. Jesus lhes disse: “A vós outros é dado o mistério do reino de Deus, mas aos de fora tudo se ensina por meio de parábolas, para que: vendo, vejam, e não percebam; e ouvindo, ouçam, e não entendam, para que não venham a converter-se e haja perdão para eles” (Mc 4:11,12).

Isso significa que Jesus, que foi enviado por Deus para proclamar a redenção dos homens caídos e pecadores, esconde essa mensagem através de parábolas incompreensíveis? As parábolas são, então, um tipo de enigma compreendido apenas pelos iniciados?

As palavras de Marcos 4.11,12 devem ser entendidas no contexto mais amplo, no qual o escritor as colocou6. No capítulo

anterior, Marcos relata que Jesus encontrara descrença, blasfêmia e

6 J. Jeremias. The Parables of Jesus (New York: Scribner, 1063), pp. 13.18, sustenta

que essas palavras de Jesus foram deslocadas e pertencem a Outro escrito; devem ser interpretadas sem relação com o contexto de Marcos 4. De acordo com Jeremias, o escritor inseriu passagem proveniente de outra tradição, por causa do sentido comum da palavra parábola, que ele afirma significar, originalmente, enigma. Jeremias atribui, assim, dois sentidos à palavra parábola, em Marcos 4. O primeiro significando parábola autêntica, e o segundo, enigma. As regras da exegese, no entanto, não apóiam a interpretação de Jeremias, pois, a menos que o evangelista revele um significado diferente para uma palavra do texto, essa deve conservar o mesmo sentido através de toda a passagem.

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oposição direta. Ele foi acusado de estar possuído por Belzebu e de expelir demônios, pelo príncipe dos demônios (Mc 3.22). O contraste que Jesus apresenta, conseqüentemente, é entre aqueles que acreditavam e os que não acreditavam, entre seguidores e oponentes, entre os que aceitavam e os que rejeitavam a revelação de Deus. Os que fazem a vontade de Deus recebem a mensagem das parábolas, porque pertencem à família de Jesus (Mc 3.35). Os que tentam destruir Jesus (Mc 3.6) não conhecem a salvação, por causa da dureza de seus corações. É uma questão de fé e descrença. Os que acreditam ouvem as parábolas e as recebem com fé e entendimento, mesmo que a completa compreensão venha, apenas, gradualmente. Os incrédulos rejeitam as parábolas porque elas são estranhas à sua maneira de pensar7. Recusam-se a perceber e entender a verdade de Deus. Assim,

por causa de seus olhos cegos e seus ouvidos surdos, privam a si mesmos da salvação proclamada por Jesus, e trazem sobre si mesmos o julgamento de Deus.

Não nos surpreende que os discípulos de Jesus não tenham entendido completamente a parábola do semeador (Mc 4.13). Os seguidores mais próximos estavam perplexos com os ensinamentos da parábola porque não tinham visto ainda a importância da pessoa e do ministério de Jesus, em relação à verdade de Deus revelada na parábola. Somente pela fé foram capazes de ver aquelas verdades da qual as parábolas davam testemunho8. Jesus explicou de modo mais

pormenorizado a parábola do semeador e a do trigo e do joio (em outras, ele, de quando em quando, acrescentava esclarecimentos às conclusões). Aos discípulos foi dado ver a relação entre os acontecimentos que Jesus descrevia na parábola do semeador e o reino dos céus, iniciado na pessoa de Jesus, o Messias9.

Interpretação

Na igreja primitiva, os Pais da igreja começaram a procurar nas Escrituras do Velho Testamento vários significados ocultos relacionados com a vinda de Jesus. Como conseqüência natural dessa tendência, os Pais começaram a encontrar significados ocultos nas parábolas de Jesus. Influenciados, talvez, pela apologética judaica, substituíram a simplicidade das Escrituras pela especulação sutil. O resultado foi, as interpretações alegóricas das parábolas. Por isso, desde o tempo dos Pais da igreja, até meados do século XIX, muitos exegetas interpretaram as parábolas alegoricamente.

Orígenes, por exemplo, acreditava que a parábola das dez

7 W. L.ane, The Gospel According to Mark (Grande Rapids: Eerdmans, 1974), p. 158;

W. Hendriksen, Gospel of Mark (Grand Rapids: Baker llook House, 1975), p. 145; H. N. Ridderbos, The Coming of the Kingdom (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1962), p.124.

8 . C.E.B. Cranfield, “St. Mark 4.1-34’, Scot IT 4(1951): 407. . C.E.B. Cranfield, “St.

Mark 4.1-34’, Scot IT 4(1951): 407.

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virgens estava cheia de símbolos ocultos. As virgens, disse Orígenes, são todos aqueles que receberam a Palavra de Deus. As prudentes acreditam e levam uma vida de justiça; as tolas acreditam, mas falham no agir. As cinco lâmpadas das prudentes representam os cinco sentidos, que são todos preparados para o seu uso apropriado. As cinco lâmpadas das tolas deixaram de fornecer luz e se encaminharam para a noite do mundo. O óleo é o ensinamento da Palavra e os vendedores de óleo são os mestres. O preço que eles cobram pelo óleo é a perseverança. A meia-noite é a hora do descuido imprudente. O grande clamor ouvido vem dos anjos que despertam todos os homens. o noivo é Cristo que vem para encontrar a noiva, a igreja. Assim Orígenes interpretou a parábola.

Entre os comentaristas do século XIX, era comum identificar os pormenores da parábola. Na parábola das dez virgens, a lâmpada acesa representava as boas obras; e o óleo, a fé daquele que crê. Outros viram o óleo como uma representação simbólica do Espírito Santo.

Ainda assim, nem todos os intérpretes das parábolas tomaram o caminho da alegoria. Por ocasião da Reforma, Martinho Lutero tentou mudar a maneira de interpretar as Escrituras. Ele preferiu um método de exegese bíblica que levava em consideração a localização histórica e a estrutura gramatical da parábola. João Calvino foi ainda mais direto. Ele evitou totalmente as interpretações alegóricas das parábolas e procurou estabelecer o ponto principal de seu ensinamento. Quando ele constatava o significado de uma parábola, não se preocupava com os seus pormenores. Em sua opinião, os detalhes não tinham nada a ver com aquilo que Jesus pretendia ensinar através da parábola.

Durante a segunda metade do século XIX, C. E. van Koetsveld, um estudioso alemão, deu novo impulso ao modo de abordar o assunto, iniciado pelos Reformadores. Ele mostrou que as extravagantes interpretações alegóricas das parábolas, feitas por numerosos comentaristas, obscureciam mais que esclareciam o ensino de Jesus10. Para interpretar uma parábola apropriadamente, o exegeta

precisa apreender seu significado básico e distinguir o que é, ou não, essencial. Van Koetsveld foi seguido, em sua maneira de abordar as parábolas, pelo teólogo alemão A. Jülicher, que observou que, embora o termo parábola seja usado freqüentemente pelos evangelistas, a palavra alegoria jamais é encontrada nos relatos dos Evangelhos11.

No final do século passado, as amarras que atavam a exegese das parábolas foram cortadas e uma nova era de pesquisa teve

10 C. E. van Koetsveld, De Gelykenissen van den Zaligmaker (Schoonhoven, 1869),

vols. 1, 2.

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início12. Enquanto Jülicher via Jesus como um professor de princípios

morais, C. H. Dodd o considerou como uma pessoa histórica, dinâmica, que, com seus ensinamentos, provocou um período de crise. Disse Dodd: “A tarefa de um intérprete de parábolas é descobrir, se puder, a aplicação da parábola na situação pretendida pelos Evangelhos”13.

Jesus ensinava que o reino de Deus, o Filho do Homem, o Juízo e as bem-aventuranças passavam a fazer parte da história daquela época. Para Jesus, de acordo com Dodd, o reino significava o governo de Deus exemplificado em seu próprio ministério. Portanto, as parábolas ensinadas por Jesus devem ser entendidas como diretamente relacionadas com a efetiva situação do governo de Deus na terra.

J. Jeremias continuou o trabalho de Dodd. Ele, também, desejou descobrir os ensinamentos das parábolas que remetem de volta ao próprio Jesus. Jeremias se dispôs a traçar o desenvolvimento histórico das parábolas, o que acreditava ocorrer em dois estágios. O primeiro diz respeito à situação real do ministério de Jesus, e o segundo é uma reflexão sobre o modo como as parábolas eram postas em prática pela igreja cristã primitiva. A tarefa a que Jeremias se propôs era a de recuperar a forma original das parábolas para ouvi-Ias na própria voz de Jesus14. Com o seu profundo conhecimento da terra, da cultura, dos

costumes, do povo e da língua de Israel, Jeremias foi capaz de reunir um rico cabedal de informações que fazem de sua obra um dos livros de maior prestígio a respeito das parábolas.

Apesar disso, uma questão se apresenta: pode a forma original ser separada do contexto histórico sem sucumbir a um acúmulo de adivinhações? Por outro lado, o texto das parábolas pode ser tomado e aceito como uma representação real do ensino de Jesus. Isto é, o texto bíblico que o evangelista nos entregou reflete o contexto histórico no qual as parábolas foram, originalmente, narradas. Dependemos do texto que recebemos e agimos acertadamente quando deixamos as parábolas e seu assentamento histórico intacto. Isso pede confiança — que os evangelistas, ao registrarem as parábolas, tenham compreendido a intenção de Jesus ao ensiná-las nas circunstâncias por eles descritas15. Na ocasião em que as parábolas foram registradas,

testemunhas e ministros da Palavra transmitiram a tradição oral das palavras e feitos de Jesus (Lc 1.1, 2). Por causa do elo com as testemunhas, podemos confiar que o contexto no qual as parábolas estão inseridas se refere ao tempo, lugares e circunstâncias nas quais Jesus, originalmente, as ensinou.

Mais recentemente, representantes de nova corrente da

12 Consulte os interessantes estudos de M. Black, “The Parables as Alegoty”, BJRL42

(1960): 273-87; R. E. Brown, “Parable and Allegory Reconsidered”, NTS 5 (1962): 36-45.

13 C.H. Dodd, The Parables of the Kingdon (London, Nesbit and Co., 1935), p. 26. 14 Jeremias, Parables, pp. 113,114.

15 A. M. Iirouwer, De Gelykenissen (Leiden: Brill, 1946), p. 247; G.V. Jones, The Art

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hermenêutica têm, de maneira crescente, deslocado as parábolas de seu assentamento histórico para uma ênfase literária claramente baseada numa estrutura existencial16. Quer dizer, esses estudiosos

tratam as parábolas como literatura existencial, as removem de suas amarras históricas e substituem sua significação original por uma mensagem contemporânea. Negam que o sentido da parábola tem sua origem na vida e ministério de Jesus17; não estão interessados em

suas fontes e bases, mas, antes, em sua forma literária e sua interpretação existencial18. Para eles, a estrutura literária da parábola

é importante porque leva o homem moderno a um momento de decisão: tem que aceitar ou rejeitar o desafio colocado diante dele.

Aceitamos prontamente a idéia de que as parábolas chamam o homem à ação; na aplicação da parábola do bom samaritano, ao intérprete da lei que o questionou, Jesus disse: “Vai, e procede tu de igual modo” (Lc 10.37). Entretanto, o existencialista, em sua interpretação da parábola, enfatiza o modo imperativo e menospreza o modo indicativo no qual a parábola foi contada. Ele separa as palavras de Jesus de sua disposição cultural e, assim, as despoja do poder e autoridade que Jesus lhes deu.

Além do mais, ao tratar as parábolas como estruturas literárias separadas de seu assentamento original, o existencialista precisa estabelecer para elas uma nova base. Assim, ele coloca as parábolas num contexto contemporâneo. Mas, esse método dificilmente pode ser chamado de exegético, pois insufla no texto bíblico uma filosofia existencial. Isso é eisegese, não exegese. Infelizmente, o cristão comum, que procura orientação para o entendimento das parábolas com os representantes da nova escola hermenêutica, precisa, primeiro, buscar conhecer a filosofia existencial, a teologia neoliberal e o jargão literário do estruturalismo, para que possa se beneficiar com seus pontos de vista.

Princípios

Interpretar parábolas não exige um treinamento completo em teologia e filosofia, mas implica que o exegeta se atenha a alguns princípios básicos de interpretação. Esses princípios, em resumo, estão relacionados com a história, a gramática e a teologia do texto bíblico. Sempre que possível, o intérprete deve fazer um estudo da conjuntura histórica da parábola, incluindo uma análise pormenorizada das circunstâncias religiosas, sociais, políticas e geográficas reveladas

16 M. A. Tolbert, Perspectives on lhe Parables (Philadelphia: Fortress Press, 1979),

p.20.

17 D. O. Via, ir., em “A response to Crossan, Funk, and Peterson”, Semeia 1 (1974):

222, afirma: ‘Não tenho absolutamente interesse, nem mesmo na Pessoa do Jesus histórico”.

18 J. D. Crossan, em “The Good Samaritan” Towards a Generic Definition of Parable’,

Semeia 2 (1974): 101, parece indicar que é mais importante para uma proposição ser interessante que ser verdadeira.

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na parábola. A disposição da parábola do bom samaritano, por exemplo, exige certa familiaridade com a instrução do clero daqueles dias. O intérprete da lei, procurando Jesus e perguntando-lhe o que fazer para herdar a vida eterna, deu início à conversação que levou à história do bom samaritano.

Em relação à parábola do bom samaritano, o exegeta deveria se familiarizar com a origem, a classe social e a religião dos samaritanos, com as funções, ofício e residência do sacerdote levita; com a topografia da área entre Jerusalém e Jericó; e com o conceito judaico de boa vizinhança. Observando o contexto histórico da parábola, o intérprete apreende a razão por que Jesus contou essa história e compreende a lição que Jesus procurou transmitir através da parábola19.

A seguir, o exegeta deve atentar para a estrutura literária e gramatical da parábola. Os modos e tempos de verbos empregados pelo evangelista em relação à parábola são muito significativos e lançam luz sobre o principal ensinamento da história. As palavras estudadas em seu contexto bíblico, assim como em escritos extra canônicos são parte essencial do processo de interpretação de uma parábola. Assim, o estudo da palavra próximo no contexto do comando “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, como foi dado no Velho e Novo Testamentos, resulta num exercício gratificante. O intérprete precisa, também, levar em consideração a introdução e a conclusão de uma parábola, pois podem conter um artifício literário como uma questão de retórica, uma exortação ou uma ordem. A parábola do bom samaritano é concluída com o comando direto: “Vai, e procede tu de igual modo” (Lc 10.37). O intérprete da lei, que tinha perguntado a Jesus a respeito do que fazer para herdar a vida eterna, não teve como deixar de se envolver no cumprimento da ordem de amar a seu próximo como a si mesmo. As introduções, e especialmente as conclusões contêm as diretrizes que ajudam o intérprete a encontrar os pontos principais das parábolas.

Ainda, o ponto principal de uma parábola deve ser comparado teologicamente com os ensinamentos de Jesus e com o resto das Escrituras20. Quando o ensino básico de uma parábola foi

completamente explorado e está corretamente entendido, a unidade das Escrituras se manifestará e o sentido apropriado da passagem poderá ser visto em toda a sua simplicidade e limpidez.

Por último, o intérprete da parábola deve traduzir seu significado em termos apropriados às necessidades de hoje. Sua tarefa é aplicar o ensinamento central da parábola à situação de vida da pessoa que está ouvindo sua interpretação. Na parábola do bom samaritano, a

19 L. Berkhof, PrincipIes of Biblical Interpretation (Grand Rapids: Baker Book House,

1952), p. 100.

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ordem para amar o próximo se torna cheia de significado quando a pessoa que foi roubada e ferida na estrada de Jericó não é mais uma figura de um passado distante. Ao contrário, o próximo que clama pelo nosso amor é o sem-teto, carente e oprimido. Ele vem ao nosso encontro na estrada de Jericó das páginas diárias dos jornais e do noticiário colorido da televisão.

Classificação

As parábolas de Jesus podem ser agrupadas e classificadas de várias formas. As do semeador, da semente germinando secretamente, do trigo e do joio, da figueira estéril, e a da figueira brotando são, todas, parábolas naturais. Várias parábolas de Jesus dizem respeito ao trabalho e ao salário. Algumas delas são a respeito dos trabalhadores da vinha, do arrendatário e do administrador infiel, O tema de outras são as bodas e festas ou ocasiões solenes. Essas incluem a parábola das crianças brincando na praça, a das dez virgens, a da grande ceia e a do banquete das bodas. Outras, ainda, têm como motivo geral o achado e o perdido. Essas incluem as parábolas da ovelha perdida, da moeda perdida e a do filho perdido.

Nem sempre, no entanto, é fácil classificar uma parábola. A parábola da rede é uma parábola natural, ou deve ser agrupada com as que falam de trabalho e salário? Onde colocar a parábola do bom samaritano? Fica claro que a classificação das parábolas pode ser, de certo modo, arbitrária, e, em alguns casos, forçada.

Os Evangelhos Sinóticos apresentam parábolas com correspondentes em dois ou mesmo três dos Evangelhos, e também parábolas específicas de um único evangelista. Enquanto Marcos tem apenas uma parábola peculiar a seu Evangelho (a da semente crescendo secretamente), Mateus e Lucas têm várias. Em minha apresentação das parábolas, segui a seqüência dos Evangelhos, discutindo primeiro as de Mateus, com a exclusiva de Marcos estudada entre a parábola do semeador e a do trigo e o joio, e, então, as apresentadas no Evangelho de Lucas. Nas parábolas que têm correspondente, a seqüência quase uniforme de Mateus, Marcos e Lucas foi adotada. Escolhi esse procedimento a fim de ajudar o leitor que queira consultar um estudo dos paralelos sinóticos, por exemplo, Synopsis of the Four Golspels de K. Aland21. Nesse estudo sobre as

parábolas, referências a palavras gregas e hebraicas são freqüentes. Quando elas aparecem são transliteradas e traduzidas. A Bíblia Inglesa usada é a Nova Versão Internacional (com permissão da Comissão Executiva). Para ajudar o leitor, o texto é transcrito integralmente no princípio de cada parábola. As parábolas que têm correspondentes nos três Evangelhos Sinóticos são apresentadas na seqüência de Mateus, Marcos e Lucas. Um total de quarenta parábolas e declarações em

21 K. Aland, Synopsis of lhe Four Gospels (Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt,

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forma de parábolas são estudadas neste livro. Todas as principais parábolas estão arroladas, assim como a maior parte das declarações em forma de parábola. Naturalmente, uma seleção foi necessária com relação a essas declarações, por isso a parábola do sal está incluída e a da candeia foi omitida. Apenas as declarações em forma de parábola que se encontram nos Evangelho Sinóticos foram estudadas, não aquelas encontradas no Evangelho de João.

A literatura a respeito das parábolas é volumosa — uma interminável corrente de livros e artigos. Dificilmente uma parábola terá sido negligenciada pelos recentes estudiosos. Novas concepções provindas dos estudos sobre a cultura e a lei judaicas têm sido valiosas no avanço para uma melhor compreensão dos ensinamentos de Jesus, O objetivo deste livro é presentear o pastor e o verdadeiro estudioso da Bíblia com um acervo abrangente e contemporâneo dos escritos sobre as parábolas, sem se prender a pormenores. As notas de rodapé e a bibliografia selecionada auxiliam o estudioso de teologia que desejar prosseguir mais intensamente no estudo das parábolas de Jesus. Através do material bibliográfico e do índice, ele terá acesso à literatura disponível sobre as parábolas de Jesus.

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1. O Sal

Mateus 5.13 “Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens”.

Marcos 9.50 “Bom á o sal; mas se o sal vier a tornar-se insípido, como lhe restaurar o sabor? Tende sal em vós mesmos, e paz uns com os outros”.

Lucas 14.34,35 “O sal é certamente bom; caso, porém, se torne insípido, como restaurar-lhe o sabor?”. “Nem presta para a terra, nem mesmo para o monturo; lançam-no fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.

Através da história, o sal tem sido usado para preservar e dar gosto aos alimentos. É uma das necessidades básicas da vida. Seu uso é universal e seu provimento é aparentemente inesgotável. Mas além de suas qualidades úteis, o sal tem, também, propriedades destrutivas. Ele pode transformar o solo fértil em terra árida e devastada22.A área ao redor do Mar Morto é um exemplo.

Nos tempos atuais, achamos inconcebível que o sal possa deixar de ser salgado. O cloreto de sódio (nome químico do sal de cozinha) é um composto estável. Ele não possui qualquer impureza. No antigo Israel, entretanto, o sal era obtido pela evaporação da água do Mar Morto. A água continha várias outras substâncias, além do sal. A evaporação produz cristais de sal e cloreto de potássio e de magnésio. Porque os cristais de sal são os primeiros a se formarem durante o processo de evaporação, eles podem ser recolhidos e fornecem, assim, sal relativamente puro. Se o sal resultante da evaporação não for, no entanto, preservado, e se, com o tempo, os cristais se tornarem úmidos e liquefeitos, o que restar será insípido e inútil23.

22 Dt 29.22,23; Jz 9.45; Jó 39.6; SI 107.34; Jr 17.6; Sf 2.9.

23 Jeremias, Parables, p. 169; J. H. Marshall, The Gospel of Luke (Grand Rapids:

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O que se pode fazer com o sal insípido? Não serve para nada. Os fazendeiros não querem esse produto químico em suas terras, pois, no estado bruto, prejudica as plantas. Jogar esse resíduo na pilha de estrume também não resolve, pois, comumente, o esterco é espalhado na terra, como fertilizante. A única coisa que se pode fazer com o sal insípido é lançá-lo fora onde será pisado24. Se o sal perder

sua propriedade básica e deixar de ser salgado25, não se poderá mais

recuperá-la.

No Sermão da Montanha, Jesus se dirigiu à multidão e a seus discípulos, dizendo-lhes: “Vós sois o sal da terra”. Como o sal tem a característica de impedir a deterioração, assim também os cristãos devem exercer uma influência moral na sociedade em que vivem. Por suas palavras e atos devem restringir a corrupção espiritual e moral. Como o sal é invisível (no pão, por exemplo) e, ainda assim, um agente poderoso, também os cristãos nem sempre são vistos, mas individual e coletivamente permeiam a sociedade e constituem uma força refreadora num mundo perverso e depravado.

“Tende sal em vós mesmos, e paz uns com os outros”, diz Jesus (Mc 9.50). Ele exorta seus seguidores a usar dotes espirituais para promover a paz26, primeiro em casa, e depois com os outros. Porque

os cristãos não têm sido capazes de viver em paz entre si mesmos, têm perdido sua eficiência no mundo.

Muitas pessoas podem jamais ter lido a Bíblia, todavia constantemente observam aqueles que já a leram. Na Igreja Cristã primitiva, o eloqüente Crisóstomo, certa vez, disse que se os cristãos vivessem a vida que se espera deles, os incrédulos desapareceriam.

24 E. P. Deatrick, em “Salt, Sou, Savior”, 13A 25 (1962): 47, citando Lamsa, menciona

que no moderno Israel “o sal insípido é espalhado em terraços cobertos com terra. Por causa do sal, a terra endurece. Os terraços são, então, usados como áreas de lazer e de brincadeiras de crianças”.

25 O verbo em Mateus 5.13 e Lucas 13.34 para “tomar-te insípido” é môrainein, que

tem o sentido original de “fazer tolice”, na voz ativa, e “fazer-se de tolo”, na voz passiva. W. Bauer, W. F. Arndt, F. W. Gingrich e F. Danker, A Greek-English Lexicon of the New Testament (Chicago: University of Chicago Presa, 1978), p. 531.

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2. Os Dois Fundamentos

Mateus 7.24-27 “Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica, será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra a casa, e ela desabou, sendo grande a sua ruma”.

Lucas 6.47-49 “Todo aquele que vem a mim e ouve as minhas palavras e as pratica, eu vos mostrarei a quem é semelhante. E semelhante a um homem que, edificando uma casa, cavou, abriu pro-funda vala e lançou o alicerce sobre a rocha; e, vindo a enchente, arrojou-se o rio contra aquela casa, e não a pôde abalar, por ter sido bem construída. Mas o que ouve e não pratica é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a terra sem alicerces, e arrojando-se o rio contra ela, logo desabou; e aconteceu que foi grande a ruína daquela casa”.

Jesus se referiu, muitas vezes, a tempestades repentinas que transformavam o leito seco de um riacho em correntes violentas. São cenas comuns em Israel, onde o tempo muda de repente e altera, às vezes, drasticamente a paisagem.

As construções rurais dos dias de Jesus eram, geralmente, feitas com barro endurecido. Os ladrões conseguiam cavar buracos através das paredes de tais casas (Mt 6.19). Quatro homens fizeram uma abertura no teto da casa onde Jesus estava ensinando, para por ela fazer baixar o leito onde estava seu amigo paralítico (Mc 2.3,4). Para quem construía era uma questão de economia construir longe de possíveis cursos de água, mesmo que essas valas permanecessem secas por vários anos27.

27 E. F. F. Bishop, em “Jesus of Palestine” (London; Lutterworth Press, 1955), p. 86,

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O construtor prudente escolhe um local sobre a rocha. Assim, ele não temerá que uma chuva torrencial, provocando o súbito transbordamento de um riacho, arraste a casa, nem receará as rajadas de vento que se abaterão sobre ela. O alicerce da casa construída sobre a rocha resistirá.

O construtor insensato constrói sua casa como se estivesse erguendo uma tenda. Não lhe ocorre que a casa deve ter uma estrutura mais permanente. Ele edifica sua casa sobre a areia, possivelmente por causa do acesso mais fácil a um riacho próximo. Enquanto o tempo está bom e o céu permanece azul os ocupantes da casa nada têm a temer. Quando, quase sem que se possa prever, o tempo muda, as nuvens se acumulam, a chuva cai, os riachos transbordam e o vento sopra, a casa vem abaixo com grande estrondo.

Os dois evangelistas, Mateus e Lucas, mostram algumas diferenças na narrativa da parábola. Podemos explicar essas variações atentando para os diferentes leitores a quem elas se destinavam. Mateus escreveu para o leitor judeu, que vivia em Israel, enquanto Lucas levava o evangelho aos helenos, que viviam na Ásia Menor e no Mediterrâneo. Para um judeu acostumado com as técnicas de construção que prevaleciam no antigo Israel, a parábola a respeito dos dois construtores se explicava por si mesma. Lucas, contudo, não escrevia para um povo que vivia na Galiléia, ou na Judéia. Ele se dirigia a gregos ou helenos. Por isso, Lucas substituiu por procedimentos de construção usuais entre eles, aqueles comuns em Israel28. O construtor cava, abrindo profunda vala, e assenta o alicerce

da casa sobre a rocha, descreve Lucas. Além da diferença na maneira de construir, Lucas tinha que levar em consideração as mudanças geográficas e climáticas. Enquanto Mateus escreveu sobre a chuva caindo, o riacho transbordando e o vento soprando forte, Lucas se referiu à enchente que veio e à força da correnteza se arrojando contra a casa. Mateus fala de se construir sobre a areia; Lucas, de se construir sobre a terra. Esses pormenores diferentes não alteram o significado da parábola. O construtor é prudente quando constrói a casa sobre base sólida.

Uma pessoa que ouve as palavras de Jesus e as pratica é como o construtor prudente. E tolo aquele que, ouvindo palavras de Jesus, não as obedece. Tal pessoa pode ser comparada ao construtor que constrói sua casa sobre a areia, ou sobre a terra, sem alicerce.

bem longe de um curso de água, para evitar que uma súbita mudança de sua direção as atingisse. Mas, durante um inverno no deserto de Neguebe, um leito seco se encheu subitamente, mudou seu curso, e inundou completamente um acampamento beduíno, causando a morte de pessoas e de gado.

28 Jeremias, Parables, p. 27. As casas gregas eram, muitas vezes, construídas com

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Essa parábola faz eco às palavras do profeta Ezequiel. Ele descreve uma parede frágil que é construída, a chuva torrencial, o granizo batendo com força e a violência do vento que explode. Assim, a parede cai (Ez 13.10-16).

Ao concluir o Sermão da Montanha (Mt 5-7), ou o sermão da planície (Lc 6), Jesus queria que seus ouvintes não apenas ouvissem, mas, também, praticassem o que ele lhes havia dito. É insuficiente apenas ouvir as palavras de Jesus. Aquele que crê deve aceitar a palavra de Jesus e construir sua fé apenas nele. Jesus é o fundamento sobre o qual o homem prudente constrói. Nas palavras de Paulo: “Segundo a graça de Deus que me foi dada, lancei o fundamento como prudente construtor; e outro edifica sobre ele. Porém, cada um veja como edifica. Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3.10,11).

O prudente ouve atentamente e direciona sua vida de acordo com as palavras de Jesus. Aquele que ouve as palavras de Jesus e não as pratica se arruinará completamente. Não gasta tempo cavando e assentando seu alicerce. Sua casa fica pronta logo e é temporariamente adequada às suas necessidades, mas quando a adversidade chega como um furacão, a casa que não tem Jesus como fundamento tomba, e sua ruína é completa.

Essa parábola chama a atenção, indiretamente, para o julgamento de Deus, que todos, quer prudentes ou insensatos, terão que enfrentar. O prudente que construiu sua fé, baseado em Jesus, está apto a resistir às tempestades da vida. Ele permanece seguro, supera e triunfa. Nas Bem-aventuranças, Jesus chama o pobre, o manso e o perseguido de bem-aventurados. Na parábola, os que construíram sobre a Rocha demonstram firmeza em tudo que fazem. Eles ouvem a palavra de Deus e a praticam. Por isso, nunca serão destruídos. Acreditam em Jesus e obedecem à sua palavra.

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3. Meninos na Praça

Mateus 11.16-19 “Mas a quem hei de comparar esta geração? É semelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: ‘Nós vos tocamos flauta e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes’. Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: ‘Tem demônio’. Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizem: ‘Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores’. Mas a sabedoria é justificada por suas obras”.

Lucas 7.31-35 “A que, pois, compararei os homens da presente geração, e a que são eles semelhantes? São semelhantes a meninos que, sentados na praça, gritam uns para os outros: ‘Nós vos tocamos flauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não chorastes’. Pois veio João Batista, não comendo pão nem bebendo vinho e dizeis: ‘Tem demônio. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizeis: ‘Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores’. Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos”.

Jesus contou uma parábola interessante sobre crianças brincando numa praça. Ele extraiu a cena diretamente do cotidiano: uma visão conhecida de crianças inventando suas brincadeiras e representando-as. O “faz de conta” podia, muito bem, ter acontecido assim: vários meninos e meninas estavam brincando na praça, provavelmente vazia. Algumas crianças queriam brincar de casamento. Além da noiva e do noivo, precisavam de um tocador de flauta, pois um grupo deveria dançar na festa. Embora o noivo e a noiva estivessem prontos, e uma das crianças providenciasse a música de flauta, o resto das crianças se recusou a dançar. Não estavam interessados em brincar de casamento.

Em outro exemplo, algumas crianças queriam representar um funeral. Uma delas tinha que se fingir de morta, enquanto outras cantavam um canto fúnebre. O resto tinha que chorar — mas se recusaram. Não queriam participar daquela brincadeira fúnebre. As

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crianças que tinham inventado as brincadeiras sentaram-se e disseram aos outros:

Nós vos tocamos flauta, e não dançastes;

entoamos lamentações, e não chorastes.

Aplicação

De acordo com o evangelho de Mateus, as crianças sentadas na praça gritam aos seus companheiros. No Evangelho de Lucas, as crianças estão gritando umas para as outras. Na apresentação de Mateus, um grupo de crianças é criativo e sugere duas brincadeiras diferentes a um outro grupo29. O relato de Lucas dá a impressão de

que um grupo queria representar uma brincadeira alegre e o outro, uma triste. Nenhum dos grupos queria aceitar a sugestão do outro. É provável, ainda, que apenas a reprovação de um dos grupos tenha sido registrada30, e que o uso de “uns para os outros” não deva ser

indevidamente enfatizado.

Mas, como se aplica a parábola? Basicamente, há dois modos de se aplicar a cena que Jesus descreveu. Primeiro, as crianças que sugeriram as brincadeiras de casamento e funeral representam Jesus e João Batista, respectivamente. As crianças que se recusaram a brincar são os judeus. João veio a eles de forma tão pungente quanto um canto fúnebre, mas eles não estavam dispostos a ouvi-lo. Para se livrarem de João, diziam que estava endemoninhado. Jesus, entretanto, veio e trouxe alegria e felicidade, contudo os judeus zombaram dele porque entrava nas casas dos marginalizados, moral e socialmente, e comia e bebia com eles.

A segunda interpretação é o oposto da primeira. As crianças que sugeriram a brincadeira alegre do casamento e a triste do funeral são os judeus que queriam que João fosse alegre e que Jesus se lamentasse. Quando nenhum dos dois viveu conforme a expectativa deles, então se queixaram. Disseram a João: “Nós vos tocamos flauta, e não dançastes”. E, disseram a Jesus: “Entoamos lamentações, e não chorastes31”.

Das duas, a segunda explicação é a mais plausível. Primeiro, ela estabelece uma ligação definida entre “os homens da presente

29 Jeremias, em Parables, p. 161, segue a sugestão de Bishop, em Jesus of Palestine,

p. 104. Jeremias escreve: “O fato de algumas crianças estarem sentadas talvez implique que estivessem satisfeitas em apenas se queixar e se lamentar, deixando para outros, tarefas mais cansativas”. Há no entanto, grande perigo em se ir tão longe na interpretação do texto.

30 Marshall, Luke, p. 300.

31 E. Mussner, em “Der nicht erkannte Kairos (Mt 11.16-19 = L.c 7.31-35)”. Bid

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geração” (Lc 7.31) e as crianças que faziam recriminações. Os judeus estavam descontentes tanto com João Batista como com Jesus, assim como as crianças com os seus companheiros. Segundo, ela coloca as queixas das crianças, aplicadas a João e a Jesus, numa ordem cronológica32.João veio como um asceta que vivia de gafanhotos e mel

silvestre — não era de seu agrado comer pão e beber vinho —, e os judeus o acusaram de ser possuído pelo demônio. Jesus, ao contrário, comia pão e bebia vinho, e eles o chamaram de glutão e beberrão, amigo dos publicanos e “pecadores”. Deus enviou seus mensageiros nas pessoas de João e Jesus, mas seus contemporâneos nada fizeram senão achar faltas neles.

Paralelos

As brincadeiras que as crianças queriam brincar e suas conseqüentes reclamações estão em consonância com o Livro de Eclesiastes, que poeticamente observa que há tempo para tudo. Há “tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de saltar de alegria” (Ec 3.4), diz o Pregador.

Os insultos que os judeus lançaram sobre Jesus, entretanto, não eram, de modo algum, inofensivos. Eles o acusaram de ser glutão e beberrão. Essa era a descrição de um filho desobediente, que, de acordo com a lei de Moisés, devia ser apedrejado até à morte (Dt 21.20,21). O relacionamento de Jesus com os marginalizados social e moralmente, que eram olhados como apóstatas pelos lideres religiosos, foi considerado reprovável. Por causa desse convívio, os judeus achavam que o próprio Jesus devia ser considerado apóstata33.

A literatura dos rabinos apresenta um paralelo extraordinário. Embora seja difícil afirmar quando foi escrito e qual sua origem, na forma oral, o texto é interessante:

Jeremias falou diretamente ao Santo, louvado seja Ele: Tu enviaste Elias, de cabelos encaracolados, para agir em benefício deles, e eles riram dele, dizendo: “Olha como ele ondula seus cabelos!”, e zombavam dele, chamando-o de “aquele dos cabelos crespos”. E, quando Tu fizeste com que Eliseu se levantasse para agir em benefício deles, disseram-lhe, ironicamente: “Sobe, calvo; sobe, calvo! 34”.

Conclusão

O ponto culminante dessa parábola diverge nas descrições dos dois Evangelhos. Os relatos de Mateus e Lucas variam na frase

32 A. Plummer, The Gospel of Luke (ICC) (New York: C. Scribner & Sons, 1902), p. 163. 33 Mt 9.11; Lc 5.30; 15.1,2; 19.7.

34 Piska 26, em W. 6. Ilraude, Pesikta Rabbati, 2 vols. (New Haven: YaIe University

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conclusiva. “Mas a sabedoria é justificada por suas obras” (Mt 11.19), e “Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos” (Lc 7.35). Já foi sugerido que a diferença pode ser devida a uma expressão do aramaico, que foi mal traduzida35. Qualquer que seja a causa, no

entanto, não varia o sentido que as palavras transmitem. A sabedoria significa a sabedoria de Deus; ela pode ser mesmo um circunlóquio para o próprio Deus. De acordo com Mateus, as obras divinas de Jesus (Mt 11.5) são provas da sabedoria de Deus. No evangelho de Lucas, os filhos de Deus são testemunhas da veracidade de sua sabedoria. Por exemplo, publicanos e mulheres sem moral, rejeitados como marginais pelos religiosos daqueles dias, viram revelada em João Batista e em Jesus a sabedoria de Deus. Ambos, João e Jesus proclamaram a mensagem de redenção — João, com toda a austeridade, no Jordão (Lc 3.12, 13); e Jesus, ao redor da mesa, em suas casas (Lc 5.30).

4. O SEMEADOR

Mateus 13.1-9 “Naquele mesmo dia, saindo Jesus de casa, assentou-se à beira-mar; e grandes multidões se reuniram perto dele, de modo que entrou num barco e se assentou; e toda a multidão estava em pé na praia. E de muitas coisas lhes falou por parábolas e dizia: Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e, vindo as aves, a comeram. Outra parte caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um. Quem tem ouvidos para ouvir , ouça”.

Marcos 4.1-9 “Voltou Jesus a ensinar à beira-mar. E reuniu-se numerosa multidão a ele, de modo que entrou num barco, onde se assentou, afastando-se da praia. E todo o povo estava à beira-mar, na praia. Assim, lhes ensinava muitas coisas por parábolas, no decorrer do seu doutrinamento. Ouvi: Eis que saiu o semeador a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e vieram as aves e a comeram. Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou; e, porque não tinha raiz, secou-se. Outra parte caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram e a sufocaram, e não deu fruto. Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto, que vingou e cresceu, produzindo a trinta, a sessenta e a cem por um. E acrescentou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.

Lucas 8.4-8 “Afluindo uma grande multidão e vindo ter com ele gente de todas as cidades, disse Jesus por parábola: Eis que o semeador saiu

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a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram. Outra caiu sobre a pedra; e, tendo crescido, secou por falta de umidade. Outra caiu no meio dos espinhos; e estes, ao crescerem com ela, a sufocaram. Outra, afinal, caiu em boa terra; cresceu e produziu a cento por um. Dizendo isto, clamou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.

Composição

Em nossas sociedades industrializadas, a agricultura tem-se preocupado sempre com a produção de alimentos. Cultivar a terra não é simplesmente um meio de vida; ao contrário, tornou-se um modo de ganhar a vida. A moderna tecnologia tem sido amplamente aplicada a métodos de cultivo, de tal modo que o agricultor se tornou um técnico em diversas áreas — um especialista na aplicação de fertilizantes, herbicidas e inseticidas — e um homem de negócios que conhece o custo da produção, o valor de seu produto e a situação do mercado.

Quando Jesus ensinou a parábola do semeador a seus ouvintes na Galiléia, eles podiam, literalmente, ver o agricultor lançando a semente nos campos próximos, durante o mês de outubro. O evangelista não nos diz quando Jesus contou a parábola, mas pode muito bem ter sido na ocasião em que o semeador saiu para semear. As multidões (de acordo com Mateus, grandes multidões) tinham vindo até à praia, à margem noroeste do Lago da Galiléia. Talvez chegassem a milhares. Para se dirigir a tamanha multidão, Jesus usou um púlpito flutuante, sentando-se num barco, muito provavelmente afastado da praia36. Desse modo, a superfície da água refletia sua voz

que, num dia calmo, podia alcançar seus ouvintes à distância. Aquele ambiente natural funcionava mais eficientemente que os atuais sistemas usados para a comunicação com o público.

Jesus não precisava explicar as atividades do lavrador. Eles, talvez, o estivessem vendo, à distância, no trabalho, semeando grãos de trigo e cevada. Provavelmente haviam passado ao lado de seu campo, no caminho para a praia. Na sociedade agrícola daqueles dias, muitos dos que ali estavam eram donos de terra, ou já haviam trabalhado no seu cultivo.

Cultivar a terra era relativamente fácil nos dias de Jesus. Embora a parábola não nos conte nada a respeito de métodos de cultivo, aprendemos no Velho Testamento (Is 28.24,25; Jr 4.3 e Os 10.11,12) e nos escritos dos rabinos que, no final de um longo e quente verão, o fazendeiro ia para o campo semear trigo e cevada sobre o solo endurecido. Ele arava a terra para cobrir a semente e esperava que a chuva de inverno viesse fazer germinar os grãos37.

36 W. NeiI, “Expounding The Parables”, Exp T 78 (1965): 74.

37 J. Jeremias, “Palastinakundliches zum Gleichnis vom S~emann”, NTS 13(1967):

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Na parábola de Jesus, o lavrador partiu para o campo levando seu suprimento de grãos numa bolsa que trazia a tiracolo. Com passos ritmados, lançava as sementes em faixas, pelo campo. Não se preocupava com os poucos grãos que caíam à beira do caminho, nem com aqueles que eram lançados em terra pouco profunda, onde as rochas despontavam. Também não se preocupava com o trigo caído entre os espinheiros que cresceriam na primavera, abafando as sementes. Para o lavrador, tudo aquilo fazia parte de seu dia de trabalho.

A descrição é corriqueira e precisa. O lavrador não podia impedir que os grãos caíssem em solo duro. Cedo ou tarde viriam as aves e os comeriam. Alguns pássaros comeriam até mesmo as sementes lançadas no campo. Acontecia comumente. Também, pouco ele podia fazer a respeito das rochas. Assim era a terra. Ele havia tentado acabar com os espinheiros arrancando suas raízes, mas estes teimavam em renascer.

A expectativa do lavrador estava no tempo da ceifa, quando iria colher. Um lucro médio, naqueles dias, podia ser menos que dez por um38. Se tivesse um retorno de trinta por um, ou uma colheita mais

favorável que rendesse sessenta por um, seria um acontecimento excepcional. Muito raramente, talvez, ele conseguiria colher a cem por um (Gn 26.12). Resumindo, o semeador não estava interessado nos grãos que perdia enquanto semeava. Sua esperança estava no futuro, na colheita, que ele esperava com ansiedade.

Nenhum dos ouvintes de Jesus discordou dele. Mas, o clímax da história deve ter surpreendido seus ouvintes: em vez de uma colheita normal com um lucro de dez vezes, Jesus falou de um retorno de cem por um. O ponto principal da história é, portanto, uma colheita abundante.

Propósito

A parábola do semeador é uma das poucas encontradas nos três Evangelhos Sinóticos. Quando incorporaram a história de Jesus a respeito do lavrador semeando e colhendo, cada um dos escritores dirigiu-se a seus próprios leitores. Mateus, Marcos e Lucas, obviamente, colocaram a parábola no contexto de seus respectivos Evangelhos para mostrar o ponto central do ensino de Jesus.

No Evangelho de Mateus, o capítulo 13 é precedido por um

38 Jeremias. “Palãstinakundliches”, p. 53; ver, também, K. D. Whitc, “The Parable of

the Sower., lIS 15 (1964): 300-7; P. B. Payne, “lhe Order of Sowing and Ploughing” NTS 25 (12978): 123-29. Os ensinos do Velho Testamento (Amós 9.13; Jeremias 31.27; Ezequiel 36.29,30) e, os ensinos dos escritos dos rabinos e das pseudo-epígrafes parecem ser o de que a terra produzirá fruto em abundância, na era Messiânica. N. A. Dahl, “The Parables of Growth”, StTh 5 (1951): 153; SB, IV: 880-90.

Referências

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