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ST 08 ESPIRITUALIDADES E RELIGIÕES NA CONTEMPORANEIDADE: DIÁLOGOS E INTERLOCUÇÕES

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0813

A NOÇÃO DE CRISTIANISMO NO PENSAMENTO ENFRAQUECIDO DE

GIANNI VATTIMO

Rondinele Laurindo Felipe Mestrando em Ciência da Religião Universidade Federal de Juiz de Fora rondinelefelipe@hotmail.com Bolsista

ST 08 – ESPIRITUALIDADES E RELIGIÕES NA CONTEMPORANEIDADE: DIÁLOGOS E INTERLOCUÇÕES

Resumo: A noção no pensamento enfraquecido de Gianni Vattimo pressupõe uma reflexão que

talvez se esclareça melhor a partir de uma visão contemporânea e critica da realidade em que se insere a cultura cristã, e no acolhimento do processo histórico cristão, bem como seu desfecho de religião secularizada. Vattimo versa sobre a questão da kénosis de Cristo (esvaziamento de Deus), isto é, enfraquecimento do ser, dissolução das estruturas fixas e violentas da metafísica tradicional. Todavia emerge uma questão: Como Vattimo entende o processo de secularização, até que ponto o autor articula sua ideia de secularização as teorias de Girard? Para tentar entender essas questões pretende-se uma leitura Vattiminiana a cerca do pensamento de Girard. Vattimo aproveita de Girard a luz da encarnação e da morte de Deus, a teoria do mecanismo vitimário e violento que se encontra na base de todas as religiões arcaicas. O fio condutor da compreensão de Vattimo é a dissolução do sagrado e da violência, identificado na tradição cristã, entendido pelo autor como enfraquecimento de Deus. Introduz-se assim uma nova fase de pensamento apresentando o cristianismo como religião não sacrificial. No entender de Vattimo, modernidade, secularização e cristianismo pressupõe uma coisa só. Por conseguinte, o cristianismo seria a religião que caminha na perspectiva não religiosa, em direção à saída ou dissolução de sua própria essência. Paradoxalmente o cristianismo contribui para o seu próprio fim e, consequentemente, para a secularização do ocidente.

Palavras-chave: Kénosis, Secularização, Cristianismo, Sagrado, Violência.

Anais do V Congresso da ANPTECRE “Religião, Direitos Humanos e Laicidade”

ISSN:2175-9685

Licenciado sob uma Licença Creative Commons

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0813

A pretendida comunicação procura analisar as teorias e interpretações feitas pelo filósofo italiano Gianni Vattimo no que se refere ao conceito de cristianismo. Essa noção se mostra central na sua proposta de um pensamento fraco (Pensiero Debole). Dentre

as diversas faces que ele assume, há a noção de kénosis1, entendida pelo autor como

enfraquecimento do ser, esvaziamento de Deus, desdobrado para dentro da história do Ocidente, cujo evento ganha mais intensidade se pensado a partir da cultura ocidental cristã, análogo ao anúncio da morte de Deus e à dissolução da metafísica. Ademais, nosso intento consiste em tentar perceber: o que Vattimo entende por cristianismo? O esclarecimento desta noção tem como pano de fundo o pensamento fraco que aqui será pensado no sentido da mensagem cristã que, para Vattimo, deve ser percebida em termos de secularização, encarnação de Deus. Por sua vez, o ser é entendido na sua eventualidade, assumindo, dessa maneira, a contingência, a fragilidade como traço constitutivo do Deus não violento que se rebaixa ao nível humano, trazendo as mesmas características da eventualidade ou esquecimento do ser de Heidegger. O que Vattimo propõe com a ideia de enfraquecimento do ser é pensar o cristianismo em termos secularizados.

Em suma, a noção de secularização permanece em sua forma enfraquecida, rebaixada daquela instância sagrada e intocável, embora se mantenha com sua vitalidade ao nível das experiências humanas. Como aponta Vattimo, a fé legitima seria a tentativa de pensar um retorno à situação originária da nossa “dependência de Deus

enquanto criaturas" (VATIMO, 1996, p.9)2.Trata-se de relembrar a origem esquecida e

sempre recorda-la como única experiência religiosa de fato. Desse modo, caso se busque a noção de cristianismo de Vattimo nas intuições religiosas cristãs, muito pouco dele se encontrará. De qualquer maneira, aquilo que ele chama de cristianismo parece também bastante rarefeito quando se volta o olhar para a história. O cristianismo, em várias páginas do passado, adotou posturas bastante destoantes daquilo que se poderia esperar de uma religião que surge do esvaziamento de Deus levando ao

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Carta de Paulo aos Filipenses,2,5-7. Vattimo interpreta como rebaixamento de Deus ao nível do homem, aquilo que o novo testamento chama de kénosis de Deus. Vattimo acrescenta “(...) o Deus não violento e não absoluto da época pós-metafísica tem como traço distintivo a mesma vocação para o debilitamento de que fala a filosofia de inspiração heideggeriana”.(VATTIMO 2, 1998)

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enfraquecimento das estruturas fortes da metafísica. De qualquer maneira, a postura assumida pela tradição em alguns períodos da historia, bem como na atual conjuntura no que se refere ao rigorismo e fundamentalismo de vertentes cristãs, não refletem o sentido no qual Vattimo emprega o conceito de Kénosis. Parece que Vattimo não pretende reencontrar o cristianismo fundamentado na moral católica oficial. Todavia cabe aqui colocar, que não se faz necessário dar maior atenção a exaustiva questão da moral católica e de que maneira ela é interpretada por Vattimo. Trata-se porem de considerar o cristianismo em sua face enfraquecida, que para Vattimo pressupõe repensa-lo em termos secularizados. Em tom pessoal Ele descreve: “quero interpretar a palavra evangélica como o próprio Jesus a ensinou, traduzindo a letra muitas vezes violenta dos preceitos e profecias em termos mais conformes ao mandamento supremo da caridade.”(VATTIMO, 1996, p. 73) Visto nesses termos, a humilhação de Deus, ou enfraquecimento do ser, tem as mesmas características da dissolução do sagrado e da violência, o que também é identificado por Girard nas escrituras judaico-cristãs.

Partindo dessa problemática, um primeiro passo consiste justamente em analisar o que se entende por Kénosis, visto ser esse o traço fundamental da compreensão de cristianismo em Vattimo. Para tanto, cabe direcionar o olhar para a teoria de René

Girard3 e de que maneira Vattimo constrói uma leitura do que é cristianismo em face da

relação entre o sagrado e a violência, a partir da reflexão de Girard, da qual Vattimo desenvolve também a ideia da diminuição da violência identificada na cultura cristã. Um próximo passo é perceber o abrandamento e a humilhação de Deus. Todavia, em certa medida a partir dessa consideração, Vattimo delineia a noção de kénosis tendo como fio condutor a dissolução da violência que equivale ao enfraquecimento do ser. Quando Deus desce, humanizando-se, encarnando na figura humana, torna-se possível pensar a eventualidade do ser. Segundo o que aqui se diz, na construção cristã, Jesus não encarna para assumir-se como vítima da violência do Pai, mas se enfraquece, ao humanizar-se. Desse modo, a figura central do cristianismo desintegraria o vínculo entre sagrado e violência ao revelar o mecanismo vitimário. Conforme Vattimo: Jesus “É

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O antropólogo René Girard desenvolveu sua teoria acerca da violência e o sagrado fazendo uma releitura dos trágicos gregos e das principais teorias, como a psicanálise, e sua interpretação da bíblia como um caminho para uma religião não violenta.

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morto porque tal revelação é demasiado intolerável para uma humanidade radicada na tradição violenta das religiões sacrificiais.” (VATTIMO, 1996, p.28).

Por conseguinte, quando aqui se refere à violência não é no sentido de agressividade, que justifica guerras, intolerância, mas, elemento constituinte do humano radicado pelo desejo mimético, portanto, causa fundadora das religiões sacrificiais. Girard (2010) fala da competitividade, os homens sempre desejam as mesmas coisas, portanto, tendem a um tipo de conflito inerente e interminável à essência humana. Por isso os mitos antigos narram sempre uma crise nos “relacionamentos humanos, que muitas vezes foi interpretada como uma ferida, uma peste” ou confusão generalizada

(GIRARD, 2010, p.24)4. A crise gera uma violência coletiva que só é apaziguada com o

sacrifício de uma única vítima escolhida arbitrariamente. Com seu sacrifício, restabelece-se a ordem social, portanto, no mito, a ênfase é sempre dada à comunidade violenta que descarrega sua violência sobre uma vítima que é sempre culpada. No cristianismo há uma inversão, por se tratar, segundo Girard (2010), de uma vítima inocente.

De modo preliminar, tentando entender o nexo entre sagrado e violência e em que medida Vattimo faz sua leitura indicando o fim dessa violência, valendo-se da tese girardiana, que tem as mesmas características do esvaziamento de Deus na kénosis, supõe-se uma retomada de como Girard sustenta a ideia do sagrado violento. Para o autor, as religiões nascem da violência. O sagrado é uma experiência da violência, para ser mais preciso, a violência está fundada no desejo. Conforme Girard, o homem age sempre desejando o que o outro deseja, o desejo é a raiz da violência; ao evoluir no

meio social o homem desenvolve o que Girard denomina rivalidade mimética5. A partir

da noção de mimetismo, que desde os Gregos antigos, também em Aristóteles, considerava-se o homem como o animal mais mimético de todos, ou seja, se os animais são miméticos, o ser humano o é num grau maior, a imitação existe no homem não só no modo de falar e de se comportar, mas também no campo do desejo.

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GIRARD, René e VATTIMO, Gianni. Cristianismo e relativismo. Aparecida/SP: Santuário, 2010. 5

Aristóteles, no livro quarto, da poética, aponta que o homem imita naturalmente desde a infância, e nisso ele é diferente dos outros animais, pela imitação. Também por aprender, por meio da imitação, os primeiros conhecimentos. Por isso todos os homens sentem prazer em imitar. (ARISTÓTELES, 1999, P. 40)

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Para Girard, os homens são governados pelo que ele chama de desejo mimético (imitação). O homem sempre deseja o que é do outro. Instintivamente, “o comportamento de apropriação mimética” gera conflitos e rivalidades, ameaçando eliminar uma sociedade inteira, o sujeito não deseja o objeto propriamente, mas o objeto do outro, os sujeitos do conflito tornam-se rivais, impulsionados pelo desejo de imitação, gerando a violência, sem que haja responsável em particular. Segundo Schultz (2014)6, surge dessa maneira a figura do “bode expiatório”7 como solução pacificadora. Nos mitos arcaicos há sempre uma violência fundadora no interior de toda sociedade que ameaça exterminar todo o grupo se não houver uma solução que

polarize e contenha a ferocidade. No dizer de Girard (2004)8, o culpado pela desordem,

“o bode expiatório”, do ponto de vista do mito arcaico é acusado pela desgraça e deve ser sacrificado.

A lógica do bode expiatório supõe sempre uma “perseguição ilusória”. Os perseguidores acreditam que a vítima é culpada. Desse modo, o fio condutor do mecanismo vitimário é a perseguição. É assim em todos os mitos analisados por Girard (2004). Deve-se recorrer a uma violência procurando um bode expiatório, em detrimento da violência maior que pode extirpar uma sociedade inteira. Segundo Girard (2004, p.149), as palavras do sumo sacerdote Caifás em João 11, 47-56 explicitam a lógica do mecanismo vitimário: diante da popularidade de Jesus, com medo do que os romanos pudessem fazer, Caifás diz: “vós de nada entendeis. Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” Essa é a lógica do bode expiatório, só que, em Jesus, ocorre de maneira diferente: fala-se em cordeiro Deus, não mais em bode: a substituição, a inversão de valores indica a diminuição do mecanismo vitimário. De qualquer maneira, tanto no Antigo Testamento

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SCHUTZ, Adilson. A violência e o sagrado segundo René Girard. Disponível em: <http://www3.est.edu.br/nepp>. Acesso em: 02 out. 2014.

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Girard usa o termo bíblico do bode expiatório extraído do livro Levítico cap. 16. O dia da expiação anual pelos pecados da nação, era o dia mais santo do calendário.O sacerdote enviava um bode para o deserto, que simbolicamente levava o pecado do povo.Outro bode era sacrificado também para expiação do pecado do povo, seu sangue era derramado sobre o altar, completando o ritual. No calendário judaico, no sétimo mês de cada ano, celebrava-se a festa anual da expiação.

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quanto nos Evangelhos, há uma diminuição do ciclo da violência e do sagrado contido nas religiões arcaicas.

No entender de Girard (2010, p. 28), e nesse ponto, não é precipitado apontar que Vattimo segue a mesma linha, o cristianismo é o único seguimento religioso a fugir à regra por se tratar de uma religião não sacrificial, na medida em que enfatiza o amor e a caridade como fio condutor da dissolução da violência. A tradição judaico-cristã, ou melhor, os evangelhos revelou algo totalmente novo que o Deus da bíblia não é o sagrado violento que nasce do linchamento coletivo polarizado no bode expiatório. É o Deus que se esvazia, se enfraquecendo, que fala de perdão. Jesus é cordeiro do sacrifício que revela aos homens “o seu papel de fazedores de vitima, de

perseguidores” (GIRARD, 2015, p.9)9

É por trazer as novidades do reino compreendendo a diminuição da violência que Jesus é sacrificado. Nas religiões antigas o sacrifício está associado a uma violência fundadora que incorre na morte de uma vítima culpada. Por isso que o sacrifício de Jesus, no entender de Girard (2004) é a diminuição dessa violência contida no interior das sociedades arcaicas. É o que explicita Girard:

[...] a bíblia e o cristianismo possuem uma dimensão de verdade que nenhuma outra religião pode ter, porque ambos retomam o mesmo fenômeno, e, em vez de irem até o fim da mentira, contradizem-na e revelam-lhe a verdade. Graças a paixão, Cristo quer que os homens reconheçam seu papel de fazedores de vítimas, e de perseguidores. É porque proclama as regras do reino e renuncia totalmente a violência sacrificial que o próprio Cristo é sacrificado. (GIRARD, 2007, p. 9)

Em linhas gerais, o evento kénosis, como já dito acima, é a diminuição

dessa violência. Com o rebaixar de Jesus, o grande mandamento passa a ser

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GIRARD, René. O Bode Expiatório e Deus. Disponível em: <www2.uefs.br/filosofia-bv/fdfs/Girard_01.pdf> acesso em 12/06/2015

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“amai ao próximo como a ti mesmo” (Marcos 12, 31). O advento dos sinais do

tempo emerge na encarnação, na fraqueza do ser em contraposição à força da

metafísica, da verdade, de valores rígidos e fechados da tradição filosófica. O

pensamento fraco, no entender de Vattimo, substitui de forma decisiva a noção

de violência fundadora das religiões arcaicas, inaugurando uma nova fase no

cristianismo e seu desfecho na história, como aponta Percararo:

Destruindo ou desconstruindo (no sentido heideggeriano) o fundamento, a verdade, a presença, o ser, a força da metafísica e também as tentativas (dialética, críticas etc.) que pretendiam superá-la mediante substituição, inversões, reviramentos, (re) aproximações, o pensiero debole é profunda e radicalmente niilista. Nietzsche definiu como niilismo a descoberta da perda da verdade, da morte de Deus (2005, p.55)10.

De qualquer maneira, o que Vattimo aproveita de Girard é a ideia da diminuição da violência. Conforme Vattimo, o “Deus violento” descrito por Girard e identificado nas religiões sacrificiais é o Deus violento da metafísica, o Deus que precisa morrer, segundo Nietzsche. Assim, o valor da tese nietzschiana acerca do anúncio da morte de Deus, não prevê negar a existência de Deus, também em Heidegger, o fim da metafísica é a negação daquela última instância rígida e fixa do ser. Deveras, o anúncio da morte de Deus compreende aquela tomada de consciência do fim das certezas. No dizer de Vattimo, o Deus violento das religiões naturais se enfraquece, diluindo consigo a metafísica tradicional. É justamente com a dissolução da metafísica que nasce a abertura para a experiência religiosa da parte do pensamento filosófico e, ainda, da cultura e da mentalidade coletiva das nossas sociedades. Vattimo (2004, P. 38)

No cristianismo, Jesus é o Deus que rompe com as intermediações sacrificiais. Ele é a revelação de Deus, ou melhor, a reconciliação que pretende desfazer a crise mimética, falando de perdão e renúncia ao invés de violência. Por analogia, Vattimo retoma o evento descrito por Paulo, Filipenses, 2,5-7 entendido como kénosis, ou enfraquecimento, esvaziamento de Deus, dissolução da violência, o qual prevalece

10 PECORARO, Rossano. Niilismo e (pós) modernidade: introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: São Paulo: Loyola, 2005

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como ponto de partida para o “Pensiero Debole” de Vattimo. Na cultura cristã, Jesus substitui o olho por olho Mateus 5,27 por: amai os vossos inimigos Mateus 5,44. Ele fala de amor, caridade e perdão. A proposta teórica deste assunto que aqui se ocupa é que o evento Cristo se torna a chave hermenêutica para a compreensão do processo de secularização do Ocidente e da tomada de consciência, que tal acontecimento não é

contrário à mensagem evangélica, mas, como aponta Vattimo (2004, p.86)11: “a

secularização não é um termo que se choque com a essência da mensagem e sim um aspecto constitutivo: como evento salvífico e hermenêutico”. Assim, o esvaziamento de Deus, a kénosis, seria o desdobramento, o prenúncio da secularização.

Na hipótese de Vattimo (2010, p.79)12, uma das formas de compreender a

filosofia de Heidegger é perceber como o mesmo interpreta a violência contida na metafísica, uma vez que sua superação significa redução dessa violência. De qualquer maneira, no cristianismo acontece a dissolução da violência e do sagrado. Visto nesses termos é preciso notar que secularização corresponde em certa medida no fim do sacrifício. Nas palavras de Vattimo, valendo-se da ideia de Girard, sobretudo após a leitura da obra, “coisas ocultas desde a fundação do mundo”, descreve-se:

completando-as com as reflexões de Heidegger sobre o fim da metafísica e sobre a dissolução do ser, isto é, de toda verdade ontologicamente estável. Por meio da encarnação e da morte de Cristo, e da consequente revelação do mecanismo violento e vitimário que estava na base do sagrado e das religiões naturais, aprendemos que é Deus mesmo que “se enfraquece”, abrindo um espaço onde o homem se pode emancipar, a tal ponto de poder tornar-se verdadeiramente “ateu” e “laico”. (GIRARD/VATTIMO, 2010, p.27)

O que Vattimo faz, no tocante à cultura cristã, se dá como subterfúgio da compreensão sacrificial, da dissolução da violência e do sagrado, do esvaziamento de Deus. Em linhas gerais, faz-se a substituição da violência, inerente às religiões

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VATTIMO, Giani. Depois da cristandade: por um Cristianismo não religioso. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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arcaicas, pelo amor e a caridade. Portanto, religião do fim das religiões, ou cristianismo secularizado. No entanto, um entendimento aceitável da ideia de secularização consiste na reinterpretação não vitimária das escrituras. O cristianismo seria a religião que caminha na perspectiva não religiosa, saída, ou dissolução de sua própria essência. Por conseguinte, secularização é consequência do cristianismo, permanecendo dele inseparável.

No dizer de Vattimo (2004), fundamentalmente, a secularização se dá como lugar da transcendência de Deus. Portanto, secularização vista como uma saída ou projeção para além da cultura cristã, “mas sim como cumprimento de uma história da salvação que foi guiada, desde o início, pelo fio condutor da morte de Deus” (VATTIMO, 2004, p.53) confirmada na dissolução do sagrado e no fim da metafísica, identificada como processo de enfraquecimento, esvaziamento de Jesus.

Como se pode ver, a morte de Deus ou o fim da metafísica, no entender de Vattimo, seria a desconstrução daquele fundamento último, das verdades fixas, da força da metafísica tradicional. Parece razoável, entretanto, o enfoque principal para o desenvolvimento da pesquisa, a qual pretende apreender como Vattimo liga o conceito de kénosis fazendo uma leitura do cristianismo. Intenta-se verificar o que Vattimo entende por cristianismo e secularização.

A secularização é entendida por Vattimo como correspondente direta da cultura Cristã e prosseguimento da ação salvífica. Em certo sentido, entende-se por secularização a “relação de proveniência de um núcleo sagrado do qual nos afastamos e que, todavia, permanece ativo mesmo na versão decaída distorcida, reduzida a

termos puramente mundano” (VATTIMO, 1996, p. 9)13

. A proposta de reflexão para entender as ideias de Vattimo configura-se na possibilidade teórica, de perceber no cristianismo a dissolução da violência, característica da religiosidade metafísica.

A justificativa de Vattimo, no que diz respeito à cultura ocidental cristã, apoia-se na proposta hermenêutica, numa questão fundamental, apropriando-se da tese de Girard, o qual identifica na cultura cristã uma alteração no mecanismo vitimário

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havendo, com isso, uma redução e controle da violência. A análise de Vattimo, ao falar da secularização, parte dessa ideia de Girard, percebendo na cultura cristã o rompimento com a lógica sacrificial e a redução da violência. Todavia, quando o cristianismo rompe com certa lógica do sacrifício, acontece, no entender de Vattimo (2004, p. 54), a dissolução da violência metafísica que envolve a secularização do Ocidente. A proposta da pesquisa, considerando o tempo estipulado para a elaboração, limita-se à análise de Vattimo no que se refere à cultura cristã, ressaltando alguns aspectos do pensamento de René Girard. Em suma, a noção de Kénosis é elaborada tendo como fio condutor a dissolução da violência e do sagrado em Girard, no desdobramento para modernidade secularizada como aprofundamento do cristianismo, que visto em sua forma enfraquecida emerge como acontecimento e lugar do amor e da caridade.

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