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O DIABO NO IMAGINÁRIO IBÉRICO E SUA MANIFESTAÇÃO NA DEMONIZAÇÃO DA AMÉRICA COLONIAL. Palavras-chave: Jesuítas; demonização; América diabólica.

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O DIABO NO IMAGINÁRIO IBÉRICO E SUA MANIFESTAÇÃO NA DEMONIZAÇÃO DA AMÉRICA COLONIAL

Lucimara Andrade da Silva1

Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo discutir a demonização dos indígenas e

a associação da América ao inferno e ao diabo, buscando entender a tendência dos jesuítas do século XVI-XVII, em demonizar as práticas religiosas do Novo Mundo, sobretudo a feitiçaria e as práticas mágicas dentro do contexto de descoberta, colonização e cristianização, no qual lendas e mitos do imaginário europeu foram despejados no continente americano e se desdobraram na ideia de paraíso, seguida pelo estranhamento e detratação que resultou na demonização da América. Além disso, pretendemos compreender como a figura do diabo assumiu uma maior dimensão nas províncias do antigo Paraguai, do que até mesmo na Espanhae que coube a igreja a missão de vencer oinimigo da cristandade, aquele que alimentava as idolatrias, cujo campo de atuação tornou-se rico devido a influencia das religiões americanas, sendo isso visível na preocupação dos espanhóis em extirpar as idolatrias e superstições indígenas. Nesse sentido, o estudo permitiu identificar que existia um laço inseparável entre a colonização e o demônio, sendo que a figura do diabo é mais complexa do que uma simples justificava para a intervenção religiosa nas províncias do Novo Mundo e teve um papel importante na demonologia europeia.

Palavras-chave: Jesuítas; demonização; América diabólica.

INTRODUÇÃO

Esta comunicação faz parte de uma pesquisa inicial sobre a atuação do diabo e a demonização do outro na América colonial nos séculos XVI-XVII, buscando através do conceito de “heterologia” do jesuíta Michel de Certeau entender a associação dos indígenas com o demônio, cuja figura é relacionada a valores e comportamentos considerados desviantes nas leis cristãs da moralidade pública e que pode servir de base nas justificativas dos religiosos para a legitimidade da “conquista espiritual”. Tendo como principio os estudos de Laura de Mello e Souza sobre a colonização e a sua relação com a demonologia. Aliás, ao estabelecer essa relação com a ciência do outro, faremosuso da ideia de alteridadepresente na nas narrativas do freiBartolomé de Las Casas sobre a barbárie na conquista da Américaetambém de Tzvetan Todorov que trata

1Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: lucimara_andrade123@hotmail.com.

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595 da questão do outro partindo de argumentos do próprio Las Casas, bem comoobservações de textos religiosos que fazem menções ao diabo e a demonização.

O chamado “descobrimento da América” empreendido pelaarmadade Cristóvão Colombo no ano de1492,por muito tempo foi encaradoapenas como grande feito expansionista do homem europeu que nas palavras da historiadora Laura de Mello e Souza “passava a ser o senhor dos mares e subjugador de culturas estranhas” 2, impondo sua crença, sua cultura e sua visão de mundo.No entanto, essa descoberta significou muito mais, foi um grande salto na moderna ciência em direção a uma percepção racional dos fenômenos do universo, o que tornou possível o avanço na navegação com uma maior precisão nos cálculos matemáticos e o aperfeiçoamento de náutica. Nesse sentido, os fenômenos até então incompreensíveis passam a ter uma explicação logica, ao mesmo tempo se tem inicio no século XV e XVI um período marcado por grandes viagens, sendo que essa expansão marítima-comercial resultou na formação de vastos impérios coloniais. Aliás, essa descoberta trouxe consigo também um ideal de salvação das almas, aliado a conquista territorial do novo continente, isto devido ao fato que a Europa estava inserida na dicotomia entre “bem e mal”,e certas praticas cotidianas do povo comum eram consideradas diabólicas, associadas aos poderes do demônio, por conseguinte, a mentalidade cotidiana era marcada pela cruzada contra os infiéis e a caça as bruxas pela inquisição.

Nessa época para os europeus “ouvir valia mais do que ver, os olhos enxergavam primeiro o que se ouvira dizer” 3ou seja, havia influencia dos relatos na forma de enxergar o“outro”, o Novo Mundo e seus habitantes. Desse modo,muito dos elementos desse imaginário foram transportados pelos jesuítas para o continente americano, junto com a noção de demônio que permeia os textos religiosos do século XVI e XVII. Nesse sentido, como afirma Laura de Mello e Souza (1993), “os primeiros colonizadores e catequistas da América, viveram numa época em que as contendas religiosas dilaceravam a Europa”4 e a mentalidade religiosa se fazia presente nos mais diversos aspectos da vida cotidiana. Era uma época de transição, na qual os conquistadores respeitavam o poder eclesiástico, a inquisição e acreditavam na ideia de civilizar os habitantes do Novo Mundo. Desse modo, a expansão marítima serviu também ao proposito de difundir a religião católica nas províncias do continente

2 SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico, p.21.

3 SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz, p.21. 4 SOUZA, Laura de Mello. Inferno Atlântico, p.22.

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596 americano. Essa cristianização dos povos de ambos os lados do oceano atlântico era um dos pontos principais do programa tridentino, sendo assim, havia uma grande preocupação com a conversão dos habitantes da América. (SOUZA, 1993)

Os jesuítas eram “a vanguarda ilustrada na arte de demonizar e de farejar demônios”, tinham a missão desalvar as almas que o demônio, naquelas regiões selvagens tinha cativas. Essa missão catequética se insere no contexto de transformação religiosa da época, na qual, com “cristianização mais homogenia do Velho Continente, o diabo se mudara para o Novo” 5. Os europeus despejaram nessa nova terra, “toda carga do imaginário, no qual, desde pelo menos o século XI, o demônio ocupava papel de destaque”6.

É possível identificar nos textos religiosos do período menções a presença do demônio nas missões do Novo Mundo e a demonização dos costumes e práticas indígenas, consideradas como manifestações diabólicas. Isso corre, devido àcrença e a “alteridade” do jesuíta, pois como mencionado acima, os relatos chegavam primeiro aos ouvidos dos europeus e em consequência disso às concepções sobre o novo continente eram formuladas com base nas descrições dos viajantes, religiosos, cronistas e conquistadores (AndréThevet; Jean de Lery; Roque González;Antônio Ruiz de Montoya; Antônio Sepp, José de Acosta; José de Anchieta e Antônio Bohm, entre outros). Essas concepções eram marcadas pela “tensão entre o racional e o maravilhoso, entre poder de Deus e do Diabo, embate, enfim, entre o bem e o mal.”(SOUZA, 1993, p. 22)

Levando em conta o questionamento sobre a demonização dos indígenas, pretende-se delinear as considerações iniciais de uma pesquisa que visa contribuir no aprofundamento do porque existe a tendência dos jesuítas do século XVI e XVII em demonizar as práticas culturais das populações autóctones. Além disso, busca-seentender como os jesuítas percebem, registram e distorcem certas praticas culturais indígenas e como isso acaba levando a demonização do outro.

O DEMÔNIO NA AMÉRICA COLONIAL

5Idem, p.30.

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597 O pensamento erudito europeu desde o século XIV se preocupava com as investidas do demônio, a tal ponto que formulou um corpo doutrinário para combater essa ameaça, esse ficou conhecido como “demonologia”, atribui-se sua fundação a santo Agostinho, que assumiu a missão de combater aquilo que chamou de paganismo, sendo esse considerado um campo de atuação do diabo. Aliás, santo Agostinho foi o responsável por dar um estatuto material e multiforme ao demônio imaterial do antigo testamento.

O estudo sistemático dos demônios se desenvolveu durante a idade media, podendo ser citada a bula Summisdesiderantes (1484), emitida pelo papa Inocêncio VIII que considerava a bruxaria como uma praga a ser combatida. Além dessa, o tratado critico sobre feitiçosFormicarius(1470), do teólogo alemãoJohannes Nidere o manual de caça as bruxas e aos heregesMalleusMalleficarum (1487), dos dominicanosHeinrich Kraemer e James Sprenger. Além destes, podem ser mencionados os tratados contra superstições espanhóis publicados entre os séculos XVI e XVII, como o Tratado

muysotil y bien fundado de lassupersticiones y hechizerías y vanos conjuros y abussiones y otras cosas al caso tocantes y de lapossibilidad y remedio delas(1529), do

frei Martín de Castañega. Esses tratados tinham a função de estabelecer uma separação entre, “o que pertencia aos domínios da religião e magia, de Deus e do Diabo” (SOUZA, 1993, p.23). Ademais,no século XVI o conhecimento sobre o diabo se aprimorou com as obras De La Demonomanie Des Sociers (1580), de Jean Bodin e

Daemonologie (1597), de Jaime VI Stuart. (SOUZA, 1993)

De acordo, com Laura de Mello e Souza “a demonologia parece ter sido a ciência teológica mais bem distribuída entre conquistadores, colonizadores, cronistas e também missionários” (SOUZA, 1993, p.23). Além de aparecer nos manuais de feitiçaria, esta pode ser identificada em sermões católicos, na produção epistolar e tratadística voltada para a descrição da natureza, dos hábitos e costumes indígenas. Essas descrições mostram uma incompreensão do outro, que levou a identificação dos nativos com o diabo e a sua diabolização.

A demonologia se espalhou nas cartas jesuíticas, “alimentando-se das narrativas de viagens americanas para consolidar sua perspectiva heterológica da feitiçaria e das praticas magicas” 7. Esses viajantes buscavam o maravilhoso no ultramar, tinhamo apoio dos reis católicos da Espanha e atuavam sob a égide da igreja católica. Sua visão

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598 era de certa forma influenciada pelos mitos e relatos sobre o Novo Mundo, esperavam encontrar o paraíso terrestre nessa terra, o próprio Colombo de acordo com a perspectiva de Tzvetan Todorov(1982), mergulhou nas leituras de Marco Pólo ePierre d’Áilly, cujas narrativas contém menções a seres fantásticos e lugares maravilhosos, uma mistura de magico e místico. Nesse sentido, a colonização e o inicio da catequização desencadeou um movimento de edenização e detratação da América.

O principal motivo de relacionar o indígena com o demônio é que este seria o responsável por tornar a natureza do índio:

Selvagem e indomável é ele que confere os atributos de estranheza e da indecifrabilidade aos hábitos cotidianos, [...] é ele, sobretudo que faz das praticas religiosas dos autóctones idolatrias terríveis e ameaçadoras, legitimando assim a extirpação pela força. (SOUZA, 1993, p.29)

Nesse período de descobertas, a religiosidade era exacerbada, a conquista era vista como uma cruzada contra o infiel, e “para justificar a necessidade da cristianização, havia que denegrir os homens autóctones”(SOUZA, 1986, p.36). Ainda convém lembrar que esse conjunto de crenças europeias e os tratados demonológicos adentraram a América junto com os conquistadores e com a Companhia de Jesus, que desempenhou um papel central no processo de conquista e o diabo funcionou como principio hermenêutico. Esses padres eram treinados para encontrar demônios e faziam o reconhecimento do diabo por meio das ações, descrições e ilustrações presentes na cultura europeia. Em consequência do repertorio de crenças e mitos a visão dessa nova terra acabou associada à ideia de paraíso, mas também ao inferno, sendo, os indígenas considerados homens bárbaros, animais e demônios. Segundo Souza (1993), a presença do diabo era constante no cotidiano do século XVI e mesmo posterior a este, tanto no nível erudito quanto no popular, pois “as pessoas atribuíam uma série de fenômenos à presença do demônio: aquilo que chamamos hoje de "outro" era nomeado naquela época como os atributos do demônio” 8. Aliás, pode-se afirmar que a conquista da América fortaleceu a demonologia europeia, principalmente devido àalteridade e ao olhar demonológico sobre a cultura e natureza indígena.

8 SCHWARTZMAN, Sheila. Os demônios do Brasil colonial. . Especial para Folha. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/3/06/mais/10.html. Acesso em: 16 jun. 2018.

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599 Na tentativa de compreender o outro, os jesuítas acabavam demonizando, partindo de aproximações com seu imaginário e utilizando elementos do olhar etnológico contribuíram inconscientemente para a incompreensão sobre os povos que catequizavam. Em sua escrita eles registravam, distorciam e divulgavam uma realidade até então desconhecida, é exatamente isso que ocorre na escrita de uma parcela expressiva de religiosos dos séculos XVI-XVII, que acabavam por demonizar os indígenas, a exemplo disso, podemos mencionar o jesuíta José de Acostaque em sua obra Historia natural y moral de lasIndias(1590), relacionou as religiões ameríndias a atuação do diabo; outro religioso que faz uso da demonologia é frei Diego de Landa (1560), apesar de que alguns pesquisadores afirmam que o frade não estava tentando demonizar os maias. Além desses, destaca-se o jesuíta catalão Antonio Julián que desenvolveu trabalhos missionários na Colômbia, em sua narrativa intitulada

MonarquíadeldiabloenlagentilidaddelNuevo Mundo Americano, afirma que a conquista

da América teve papel determinante na luta dos soldados de cristo contra o inimigo da cristandade.

Em especifico convém ressaltar o jesuíta peruano Antônio Ruiz de Montoyaque atuou nas missões nos territórios do antigo Paraguai, em sua obra Conquista

Espiritual(1639), identificou manifestações inconfundíveis da presença do diabo nas

províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Aliás, faz menções a uma suposta vassalagem diabólica entre os guaranis. Ao se examinar alguns textos do período, tanto dereligiosos, quanto de viajantes e conquistadores,verifica-se uma tendência em demonizar o outro, sobretudo com relação a superstições e as praticas magicas. Desse modo, o diabo acabou sendo uma figura modelo na determinação de comportamentos e atitudes. Aliás, sua figura serviu de base nas justificativas dos religiosos para a legitimidade da “conquista espiritual”, da colonização e da conquista territorial em prol da monarquia espanhola. Por outro lado, a presença do diabo na América é mais complexa do que isso e não pode reduzida a “uma chave de leitura das culturas indígenas e nem a um instrumento de conveniência política e legitimação da conquista”9.

IDOLATRIA E DEMONIZAÇÃO

9MELO, Paulo. O demônio na América colonial: a demonização das lideranças indígenas nos discursos

jesuítico. Disponível em:< http://cadaumnasualua.blogspot.com/2015/12/o-demonio-na-america-colonial.html>. Acesso em: 06 nov. 2018.

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600 O concilio de Trento, realizado em 1545 buscou condenar as doutrinas protestantes e reafirmar os dogmas católicos. Nesse sentido, seu programa de cristianização dos povos, foi um marco decisivo na organização da nova ética cristã, combatendo assim as idolatrias e o próprio demônio. Aliás, com o surgimento da demonologia se tem o reconhecimento da idolatria como um dos mais graves pecados que um cristão poderia cometer, sendo que essa relação entre o diabo e a idolatria criou um terreno fértil para o desenvolvimento da demonologia americana que passou a considerar as manifestações religiosas indígenas e a idolatria como de origemsatânica.

Nos territórios do continente americano, em especifico no antigo Paraguai os europeus se depararam não apenas com a idolatria, mas também com indícios da presença do inimigo de cristo. Nessas províncias, os espanhóis católicos encontraram povos que viviam de forma pecaminosa, sendo que o pecado se generalizava a tal ponto que muitos padres chegavam a duvidar no poder restaurador da fé. Esta terra conclamava ao pecado, entre os mais comuns estavam os vícios da carne: o incesto, a poligamia e o concubinato. Além desses, a nudez, a preguiça, a cobiça, o paganismo e o canibalismo (SOUZA, 1986). O corpo do índio é considerado infernal, principalmente sua boca por meio dela alimentava-se de seus inimigos e de vários cristãos, transformando o Novo Mundo em uma “boca infernal”. (SOUZA, 1986)

Os costumes religiosos dos índios foram associados a ritos demoníacos, sendo considerados como feitiçaria, até mesmo os pajés e xamãs eram chamados de magos e feiticeiros. Para “um espanhol do século XVI a distancia entre uma bruxa basca e um índio idolatra era pequena”10 esse olhar demonológico sobre a América reforçou o estereótipo europeu da pratica da bruxaria, sendo que os índios foram identificados com as bruxas europeias. Aliás, foram retratados como devoradores de carne humana, pratica essa associada “as missas negras e Sabbats das bruxas, em que mantinham relações sexuais com o demônio e consumiam carne humana” 11.Outra pratica mal vista pelos religiosos era consumo de bebidas que causavam alucinações, que depois os pajés espalhavam como revelação de algo que iria acontecer. Apesar dessa pratica não

10 SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico, p.26.

11 RAMOS, Fábio Pestana. O Brasil como purgatório dos vivos: o confronto cultural entre índios e

portugueses no século XVI e XVII. Disponível em:

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601 constituir pacto explicito, era vista como uma intromissão oculta do demônio nos atos humanos.

De acordo com Laura de Mello e Souza, na perspectiva religiosa “os índios eram induzidos ao erro pelo maligno, incapazes de discernimento por serem privados de razão, os indígenas atolam-se mais e mais no engano da idolatria: adoram o Diabo através de seus ministros, os pajés” (1986, p.70). Dessa forma, para os religiosos os pajés eram a ponte de ligação com opai da mentira, sendo que através da crueldade e dos poderes sobrenaturais eles encabeçavam a resistência à evangelização estimulando as revoltas contra os jesuítas.

O diabo era “o grande inimigo de cada evangelizador e deveria ser expulso das almas dos índios”. Sendo, considerado o pai que alimentava as idolatrias, que se assentavam na visão dos europeus “na parodia demoníaca, na macaqueação grosseira das obras de Deus, expressas nos sacrifícios humanos, na antropofagia, na sodomia, na adivinhação, onde o diabo intervinha oralmente” (SOUZA, 1986, p. 35). Para os religiosos a idolatria é uma forma errônea de religião, não é natural, mas sim diabólica, na definição bíblica ela é tida como “o começo e o fim de todos os males”.

Os habitantes da América não eram de natureza diabólica, maspela distancia do cristianismo, acabavam sendo vitimas inocentes e alvos fáceis dos demônios migradores. É possível identificar autores comoJuan Carlos Estensorro (1999),que defende que não houve uma resistência indígena ao cristianismo e sim uma batalha entre o bem e o mal no Novo Mundo.

Aliás, pode-se afirmar que sem o diabo o processo de colonização não teria o mesmo apelo cruzadístico e o papel dos jesuítas seria bem menor na conquista espiritual do continente americano (RAMINELLI, 1996). Em contrapartida como já mencionado anteriormente a presença do demônio funcionou como esforço hermenêutico na tentativa de interpretar e também de negar o universo cultural e religioso dos indígenas. Além disso, o demônio serviu como justificativa para a cristianização e reforçou a necessidade das missões jesuíticas na América colonial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude do que foi mencionado sobre a dimensão do papel desempenhado pelo diabo na América, durante os processos de colonização e catequização. Cuja

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602 presença foi determinante na afirmação da importância da permanência dos padres nos territórios das missões. Através da observação dos textos religiosos foi possível identificar que havia uma atmosfera de pânico coletivo do demônio entre os europeus que adentravam o Novo Mundo, que acabou por desvanecero deslumbramento com os lugares paradisíacos e cedeu lugar a detrataçãodo desconhecido e sua associação com o demônio. O demônio fincou raízes profundas na América e serviu para demonstrar a superioridade dos jesuítas e do cristianismo diante dos poderes do mal. No entanto, como já explicitado anteriormente não pode ser reduzido a um instrumento de legitimação de conquista, pois teve uma participação muito maior. O contato com costumes dos povos ameríndios trouxe consigo a absorção dos ritos e praticas magicas americanas pela demonologia europeia que os relacionou com as bruxas e relembrou praticas esquecidas pelo velho continente como canibalismo e a feitiçaria que passam inspirar a iconografia sobre os habitantes da América. Dado ao exposto, a colonização e a catequização do Novo Mundo mais do que ocidentalizar, desencadeou uma troca cultural nos mais diversos níveis. E em razão dessa mediação e da perspectiva heterológica do outro, a diabolização indígena tem suas origens fincadas no imaginário europeu.

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