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Palavras Chave: metodologia; patrimônio; filosofia afroperspectivista; memória; folheto de cordel;

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ENREDOS E ANDANÇAS AFROPERSPECTIVAS: DAS VOZES AOS ESCRITOS NOS FOLHETOS DE LITERATURA DE CORDEL

Luiza Helena Dias Braga AFROSIN-UFRRJ/LEAFRO-UFRRJ/LAPETHI-UFRRJ

luiza.helena.braga@gmail.com

Resumo:

Este trabalho pretende situar-se primeiramente como um estudo no campo teórico da metodologia da história propondo-se a avaliar a importância da articulação das fontes textuais e orais que circunscrevem todo o processo de produção, desenvolvimento e divulgação dos folhetos de literatura de cordel, evidenciando que os folhetos de literatura em cordel também devem ser fundamentados no campo de Patrimônio ao entendermos que o folheto de cordel integra a identidade brasileira quando nos referimos às suas heranças e tradições e de conterem a materialização das narrativas orais e produção de perspectivas futuras nos leitores e ouvintes, tendo em vista que a prática de contar, produzir e divulgar histórias orais e muitas vezes materializadas na escrita cria uma perspectiva de narrativa histórica que carrega elementos que estão intimamente relacionados ao ponto de vista dos grupos sociais que os produzem, desta maneira, este trabalho ainda considera a possibilidade de integrar-se de forma incisiva às heranças e tradições africanas, afro-brasileiras e de povos originários da terra também denominados indígenas quando também situa em sua fundamentação teórica e avaliação de fontes relacionadas à produção cordelística e a interdisciplinaridade com a filosofia africana e indígena que correspondem academicamente ao sentido afroperspectivista. Palavras Chave: metodologia; patrimônio; filosofia afroperspectivista; memória; folheto de cordel;

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Ao falar em vozes, dedico este artigo a todas às vozes que se calaram para o vírus da Covid-19, sinto muito pelo silêncio e pelo luto.

O universo cordelístico abriu as páginas de seus folhetos em minha vida através da participação como voluntária na pesquisa intitulada Identidades e Expressões populares no Rio de Janeiro: Territórios da Literatura de Cordel (2017-2018), desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Faculdade de Educação da Baixada Fluminense.

Portanto, considero este trabalho acadêmico uma continuidade aos trabalhos anteriores, sendo o primeiro artigo intitulado Um estudo afroperspectivista para além da narrativa de cordel: Ressignificando Tradições e Heranças, apresentado Associação Nacional de História – ANPUH, no XVIII Encontro de História da Anpuh-Rio: História e Parcerias em 2018, o segundo artigo intitulado Breve estudo da obra cordelística de Manuel D’Almeida: cultura popular e suas (re)significações, apresentado no 2º Encontro Internacional e 6º Seminário Fluminense de Pós Graduandos em História, em 2019, e em terceiro o artigo intitulado Breve Estudo da Obra Cordelística de Severino Milanês: Cultura Popular e seus (EN)cantos publicado no livro Arte, poesia e seus (em)cantos: Literatura de Cordel nos Territórios Culturais. Experiências e Memórias na Cidade do Rio de Janeiro, em 2019.

Nesse momento, gostaria de destacar que ao passo que a pesquisa se desenvolvia, pude acompanhar, a conquista de todos os que se envolvem com o tema da Literatura de Cordel e suas extensões, o fato de a Literatura de Cordel ser reconhecida oficialmente como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro em 19 de setembro de 2018.

Assim, pretendo em continuidade aos outros trabalhos avançar na produção acadêmica, a fim de fortalecer o campo teórico ao considerar os estudos e fontes relacionados à Literatura de Cordel com grande capacidade para integrar a educação antirracista, através da perspectiva filosófica conhecida como afroperspectivista.

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Vou contar no meu cordel Uma história edificante

Que até hoje reverbera Pelos atos importantes Nos ensina o que é coragem

E ativismo impactante (ARRAES, 2017, p.77).

O belo verso cordelístico escrito por Jarid Arraes citado acima, é o primeiro verso do cordel intitulado Laudelina de Campos, dedicado à esta grandiosa heroína negra, publicado em 2017 no livro também escrito por Jarid Arraes que é intitulado Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis, convido-os a lerem mais uma vez estes versos, calmamente e de preferência em voz alta, para que possamos prosseguir, com nosso caminhar pelos campos metodológicos que neste momento mais nos interessam.

Pretendo neste começar nossa jornada andarilha avaliando e refletindo sobre a importância das fontes orais e textuais que circunscrevem todo o processo de produção, desenvolvimento e divulgação dos folhetos em literatura de cordel, peço, que imaginem uma trança, para quem não conhece, e de forma bem simples, podemos definir que uma trança é definida como o enlace cuidadoso e uniformizado de três partes fundamentais, é importante lembrar que para este trabalho, se nos faltar uma das partes não existe a trança, se formos radicais ou deixarmos nossa trança de qualquer forma (frouxa), também não teremos uma trança adequada a ele e até mesmo poderemos ter fortes dores de cabeça ou nos perdemos no caminho, e este resultado negativo, sinceramente, passa longe de nosso foco.

Então, procuraremos ao máximo seguir o exemplo de uma trança bem feita, observaremos o enlace cuidadoso e preciso de nossas bases metodológicas, para que

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possamos fortalecer e compartilhar nossos conhecimentos de forma respeitosa a cada uma de nossas partes, envolvendo-as e tocando-as em seus pontos mais singelos e adequados à proposta aqui apresentada.

Nesse sentido nossa primeira parte da trança pode ser constituída por informações de grande relevância que transitam no campo científico da Metodologia da História, a segunda parte de nossa trança consiste nas informações de grande relevância que encontramos no campo científico de Patrimônio Cultural, especialmente nas informações que dizem respeito à Literatura de Cordel e a terceira parte de nossa trança consiste em informações relevantes do campo científico da Filosofia Afroperspectivista, sobretudo, no que diz respeito a fundamentos da Filosofia Africana e da Filosofia dos Povos Originários do Brasil, também chamados de povos indígenas.

Iniciaremos o primeiro enlace de nossa trança, ao considerarmos que as experiências humanas e artísticas iniciadas na tradição oral que dizem respeito à produção da Literatura de Cordel, como produtos efetivos da valorização e perpetuação de diversos modos e níveis de aprofundamento no ato humano de contar, cantar e narrar histórias, que dizem respeito a uma experiência coletiva que também parte de experiências individuais e nada ficam a dever ao que é considerado como produção erudita pelos que insistem no caminho tortuoso das relações de poder.

Na contramão dos preconceitos, e firmando nosso primeiro enlace (não o podemos deixar frouxo e tão pouco podemos ser rígidos a ponto que se quebre), temos o direito e ao mesmo tempo devemos entender a poesia produzida na forma de cordel como uma forma valiosa de construção de memória cultural e social, possibilitando passos entre o que é considerado local e ao que é consideração universal.

Seguindo este caminho nos posicionamos em entender que os conceitos utilizados nas ciências humanas estão constantemente sendo definidos e redefinidos, tendo em nossas mentes sempre que eles não são e não podem ser utilizados como verdades absolutas e nem que consistem a realidade integralmente como se fossem uma esfera maciça da realidade, mas que por outro lado podem engrandecer nossos olhares nos ajudando a

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entender as mais diversas realidades culturais e suas identificações, também podendo ser

imprescindíveis na integração de ideias onde são empregados e suas

interdisciplinaridades possíveis, podendo até mesmo serem criados ou redenominados conforme a necessidade linguística e intelectual das problematizações científicas. Desta forma vale a pena citar as palavras do professor José D’Assunção Barros encontradas no livro intitulado Os conceitos: seus usos nas ciências humanas:

Aqui voltamos ao início: as novas problematizações e níveis de aprofundamento gradualmente na história da historiografia, bem como nas histórias de cada ciência humana, também implicam utilizar novas “unidades de comunicação” novos conceitos). Aprofundar e comunicar, fechando um círculo que logo irá girar mais uma vez, constituem o penúltimo e o último gesto da ciranda que coloca em movimentos as funções básicas dos conceitos. (BARROS, 2016, p.40)

Entendendo que os conceitos criados e pensados nos campos acadêmicos que aqui nos interessam nos ajudam a destrinchar nossas fontes e assim produzirmos narrativas científicas sobre nossos objetos de estudos, torna-se extremamente válido debruçar nossa lupa nas fontes históricas, ou melhor, nos debruçaremos a princípio no que é entendido como fontes históricas, segundo também o professor José D’Assunção Barros em texto publicado no Blog denominado Escritas da História, referente as partes iniciais de seu livro intitulado Fontes Históricas – introdução aos seus usos historiográficos, publicados recentemente, em 2020, nos declara que as fontes históricas estão situadas no cerne da metodologia da história.

Partindo dessa afirmação cabe lembrar que segundo o professor podemos José D’Assunção Barros entender as que fontes históricas são definidas como os diversos resíduos, vestígios, discursos e materiais de todos os tipos que, deixamos pelos seres humanos historicamente situados no passado, chegaram ao tempo presente através de caminhos diversos (BARROS, 2020).

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Nesse passo, cabe lembrar a definição propriamente dita de Fonte Histórica por este renomado historiador, assim:

“Fonte Histórica” é tudo aquilo que, por ter sido produzido pelos seres humanos ou por trazer vestígios de suas ações e interferência, pode nos proporcionar um acesso significativo à compreensão do passado humano e de seus desdobramentos no Presente. As fontes históricas são as marcas da história. Quando um indivíduo escreve um texto, ou retorce um galho de árvore, de modo a que este sirva de sinalização aos caminhantes em certa trilha; quando um povo constrói seus instrumentos e utensílios, mas também nos momentos em que modifica a paisagem e ao meio ambiente à sua volta – em todos esses momentos, e em muitos outros, os homens e mulheres deixam vestígios, resíduos ou registros de suas ações no mundo social e natural.

Esse imenso conjunto de vestígios – dos mais simples aos mais complexos – constitui o universo de possibilidades de onde os historiadores irão constituir suas fontes históricas. Também é verdade que os grandes processos naturais e planetários, mesmo sem a interferência originária do homem (mas incidindo sobre este), podem produzir vestígios que oportunamente poderão conformar fontes históricas produzidas diretamente pela ação e existência humanas. (BARROS,2020).

Ao entendermos todas as partes do processo de construção, desenvolvimento, produção e divulgação da Literatura de Cordel unidos ou separadamente como fontes históricas, podemos nos lembrar das bases da própria historiográfica vai construindo em processo longo e que pode ser percebida com mais evidência a partir no século XX e que nos possibilitam uma compreensão mais ampla do que pode ser considerado uma fonte histórica.

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Nesse longo percurso da historiografia, torna-se extremamente válido pontuar as circunscrições entre duas áreas das ciências humanas, História e a Antropologia, que vão permitir aos seus profissionais e pesquisadores, e nesse sentido focaremos no trabalho de historiadores e historiadoras, a abordagem e construção de narrativas historiográficas que podem ser pontuadas também como fruto de suas conquistas, ao passo que a História deixava de ser delimitada pela factualidade, e iria assumindo contornos mais coerentes com as próprias conquistas de espaço de seus profissionais em busca de uma produção de narrativa historiográfica cada vez mais inspirada no diálogo, debates, questionamentos e problematizações.

Podemos pontuar nesta perspectiva que o alcance das respectivas lupas desses historiadores e historiadores e suas dimensões intelectuais os permitiram ampliar seus interesses no campo que denominaram de História Oral e também ao que é entendido até o momento presente como fontes imateriais, fontes estas que nos permitem (re)constituir tradições próprias do campo das tradições sociais e que são muito bem-vindas no campo científico de Patrimônio Cultural, por integrarem de forma complexa com suas respectivas identidades culturais.

Se existiu como se conta Ou se lenda representa Para mim tudo resume Essa luta que apresenta

Baluarte feminina A guerreira palmarina Na memória se sustenta (ARRAES, 2017, p. 52)

Aos evidenciarmos neste trabalho acadêmico toda o processo que circunscreve a Literatura de Cordel, desde sua criação à sua divulgação como fundamentados e fundamentais ao campo científico de Patrimônio Cultural, partimos do ponto que os folhetos produzidos a partir da poesia de cordel integram a identidade brasileira quando nos direcionamos às suas heranças e tradições, por serem não só a materialização das

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narrativas orais mas também da inspiração e produção de perspectivas futuras nos ouvintes e leitores-ouvintes, tendo em mente que a prática humana de produzir histórias, cantadas e contadas, materializadas na escrita, criam uma perspectiva de narrativa histórica que transborda e transporta elementos que estão intimamente relacionados aos grupos sociais que o produzem.

Desta forma, não podemos nos cansar de lembrar as palavras do professor José Hélder Alves no artigo intitulado Tesouros da poesia popular para crianças quando nos diz “para colher esses sentidos, é preciso como que se despir dos preconceitos que a nossa tradição acumulou sobre a produção artística dos pobres” (ALVES,2006, p. 10).

Neste momento, torna-se oportuno mergulhar nas reflexões apresentadas através da leitura de dois artigos, o primeiro intitulado A LITERATURA DE CORDEL COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL – NOVAS PERSPECTIVAS DE PESQUISA, escrito pela Professora Dra Sylvia Nemer e o segundo intitulado PATRIMÔNIO CULTURAL DA MIGRAÇÃO NORDESTINA – REPRESENTAÇÕES, SABERES E SIGNOS NO RIO DE JANEIRO, escrito pela Professora Dra. Elis Regina Barbosa Angelo, encontrados no livro intitulado Arte, poesia e seus (em)cantos: Literatura de Cordel nos Territórios Culturais. Experiências e Memórias na cidade do Rio de Janeiro.

Desta maneira, de acordo com a Professora Dra. Sylvia Nemer e sua espetacular contribuição acerca da construção do panorama próprio da literatura de cordel tendo como objeto os diálogos entre a tradição e renovação que marcam a produção cordelística pelo período de sua existência (125 anos), assim suas palavras iniciais sempre nos serão agradáveis à leitura e cabe mencioná-las neste momento:

A literatura de cordel é fruto de um longo processo de transformações no campo das culturas orais tradicionais. Ela nasce de tradições narrativas oriundas dos povos que se encontram no território brasileiro durante o século XVI. Ao longo dos séculos seguintes essas tradições entraram em simbiose formando uma expressão cultural rica em trocas. (NEMER, 2019, p.45)

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Ao considerar o recorde temporal de desde meados do século XX (o período de maior alcance desta literatura) até o contexto contemporâneo marcado pelo avanço do processo institucional de salvaguarda, conjuntamente ao fato da consolidação do registro da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, a professora Dra. Sylvia Nemer estabelece valiosos questionamentos sobre as reações aos sujeitos que cotidianamente produzem essa cultura reagem às mudanças temporais, quais as novas sensibilidades e expressões desses sujeitos e quais os novos agentes de integração também participam desde processo de mudanças temporais e como também lidam com os segmentos tradicionais, são essenciais à toda produção científica tradicional e contemporânea e seus respectivos entendimentos, próprios nessa temática de pesquisa analisadas em todo o seu processo de construção ou partes do processo que formam e desembocam no que entendemos como a Literatura de Cordel.

E adicionalmente, ao apresentar-nos, especialmente, o histórico de conceitos, as dimensões da oralidade e da demonstração de novas perspectivas de pesquisa ao mesmo nível que nos apresenta a reinvenção das tradições, faz-nos refletir sobre estes espaços e conjuntamente à salvaguarda do selo patrimonial imaterial, onde podemos sem dúvida nos lembrar da simbiose cultural e continuar agindo em caminho do merecimento de ter sustentada em nossa memória e realidade desta tão esperada conquista.

De inestimável valor, cabe também citar as linhas produzidas pela professora Dra. Elis Regina de Barbosa Angelo que muito nos contribui ao trazer um olhar aprofundado às relações sociais, econômicas, culturais, políticas, ideológicas, turísticas e territoriais que circunscrevem todo o contexto histórico e contemporâneo da produção da Literatura de Cordel referindo-se especialmente à cidade do Rio de Janeiro, como bem podemos nos localizar em um dos muitos exemplos escritos nas linhas produzidas pela professora Elis, que descrevem-nos esta realidade, assim: “do crescimento acelerado, processos de exclusão e privilegiamento vão delineando novas formas de viver na cidade” (ANGELO, 2019, p.70).

Associar as diversas relações entre turismo, patrimônio e cidade, destaca uma preocupação a respeito do conceito de Nordeste e toda a amálgama alinhada a este

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conceito, sendo assim, a autora focaliza seus argumento no sentido das migrações e a consequente formação dos patrimônios culturais, considerando e aprofundando nas diversas produções de sentidos, na formação e entendimento de conceitos cruciais como o de identidade e patrimônio cultural e o reconhecimento do que ela denomina cuidadosamente de territórios culturais do Rio de Janeiro, especialmente quando a autora lança suas lupas ao contexto amplo da Feira de São Cristóvão e também da ABLC, sobre essa culminância, vale a pena pontuar que:

Nessa confluência de participação, a ABLC também se expressa como forma de manter a preservação da cultura nordestina por meio da literatura de cordel, na entrelinha dessa formatação, mantém-se alinhada à própria feira, comercializando os cordéis, e, dessa forma, agindo em colaboração à preservação de sentidos de lugar nordestino. (ANGELO, 2019, p.89).

Ao tratarmos das diversas narrativas, torna-se importante destacar que a autora se posiciona acerca das narrativas estereotipadas sobre os nordestinos na cidade do Rio de Janeiro advindas dos turistas, desta forma pontua que em contrapartida desses horários preconceituosos a existência da construção da coletividade tanto da Feira de São Cristóvão quanto na ABLC, de uma valorização dos mais variados processos de qualificação do patrimônio migrante, e como o lugar das pessoas que tornam todo esse processo concentrando extrema importância para a formação, produção e (re)siginificação da essência dos territórios citados.

Por racismo e elitismo Pouco dela hoje se fala Mas tamanho preconceito

Seu legado jamais cala É por isso que eu lembro

E meu grito não entala (ARRAES, 2017, p.42)

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Buscar se integrar entre os enredos e andanças especialmente, na busca em entender a realidade que circunscreve todo o processo desde as vozes aos escritos nos folhetos de literatura significa buscar integrar-se de forma incisiva também às heranças e tradições africanas, afro-brasileiras e de povos originários da terra, correspondendo ao foco do que é academicamente entendido como filosofia afroperspectivista.

Em artigo intitulado Sambando para não sambar: afropespectivas filosóficas sobre a musicidade do samba e a origem da filosofia, o filósofo, professor, roteirista, escritor e pesquisador Dr. Renato Noguera faz-nos um convite de nos juntarmos às trincheiras da filosofia afroperspectivista, este convite significa a ação de nos unirmos para pensar e colocar em práticas ações que possam mudar a realidade de espaços acadêmicos e escolares, quando nos debruçarmos sobre assuntos étnicos-raciais. Então, como a terceira parte na trança que nos dedicamos a enlaçar desde o início deste trabalho, considero fundamental, fazer ressoar as palavras escritas pelo professor, e eterno orientador, Renato Noguera:

Nós entendemos que a filosofia é pluriversal, portanto: ela não pode ser restringida a alguns sistemas locais e uma determinada quantidade de métodos. Neste sentido, estamos a promover outro

modo de filosofar, uma abordagem denominada de

afroperspectividade ou filosofia afroperspectivista. (NOGUERA, 2015, pp. 4 e 5)

Neste momento, torna-se válido também lembrar que a filosofia afroperspectivista se posiciona além de suas bases que são as motrizes e matrizes africanas, nesse sentido enfatizo veementemente quando o autor define afropersepctividade como possuidora de grande quantidade de referências e registros, capaz de englobar diversas vozes, fazendo com que submerja diversas racionalidades ao considerar o universo como parte do pluriverso, sendo a afrocentricidade e o perspectivismo ameríndio suas linhas mestras, tendo empatia por variados temas, e utilizando a roda como uma maneira de organização metodológica.

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Seguindo esta maneira de refletir, podemos destacar dentre os elementos que caracterizam a maneira afroperspectivista, a definição da filosofia como coreografia do pensamento, os conceitos construídos a partir de movimentos da coreografia de personagens conceituais melanodérmicos, escritos com pés, mãos e cabeça ao mesmo tempo, a definição da comunidade/sociedade nas linhas da cosmopolítica bantu, no sentido de presente (pessoas vivas), pelas que nascerão (futuridade) e pelos que já morreram (ancestralidade), pela identificação e defesa de várias centricidades e perspectivas, sendo policêntrica, o ato de tomar o prefixo “afro” não somente como uma qualidade continental mas também existencial, política, estética e não essencialista ou matafísica, o uso da roda como método, servindo de inspiração para diversos temas, e aqui evidenciada pelas rodas de criação, produção, manutenção e desenvolvimento da Literatura de Cordel, além disso, destacamos a definição afroperspectivista que define competição como cooperação no sentido de as alternativas em determinados contexto não serem únicas nem permanentes mas que devam atender a toda a comunidade. Por fim destacamos a formulação Nguzo Saba por Maulana Karenga na qual a afroperspectividade é considerada devedora, que se baseia em sete princípios éticos com a finalidade de organizar e orientar a vida, como resumidamente nos apresenta o professor Dr. Renato Noguera:

Umoja (unidade): empenhar-se pela comunidade; Kujichagulia (autodeterminação): definir a nós mesmos e falar por nós; Ujima (trabalho e responsabilidade coletivos): construir e unir a comunidade, perceber como nossos os problemas dos outros e resolvê-los em conjunto; Ujamaa (economia cooperativa); interdependência financeira, recursos compartilhados; Nja (propósito): transformar em vocação coletiva a construção e o desenvolvimento da comunidade de modo harmônico; Kuumba (criatividade): trabalhar para que a comunidade se torne mais bela do que foi herdada; Irani (fé): acreditar em nossas(os) mestres. (NOGUERA, 2015, p.14)

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Nesse sentido, este trabalho andarilha em uma relação intelectual, fundamental ao patrimônio cultural, através de todo o percurso das rodas de histórias passadas de geração em geração e reproduzidas na forma de cantorias e literatura de cordel.

E por fim com muito orgulho O cordel já vou fechando

Com sinceridade espero Que termine interessando

Se você não conhecia O que estive aqui contando

(ARRAES, 2017, p.42)

Escrever este trabalho, significa mais passo em continuidade ao movimento andarilho pela Literatura de Cordel e ao compreender a Literatura de Cordel como Patrimônio Imaterial Cultural Brasileiro, este trabalho propõe ir além, sendo uma possibilidade de unir conhecimentos como os advindos da filosofia afroperspectivista.

A voz da escritora Jarid Arraes, representada em seus folhetos e ilustrando cada uma das partes de nossa trança ao ser citada como epígrafe das principais partes desse trabalho, ressoa como um brilhante exemplo das vozes das mulheres negras ancestrais e vivas, para pensarmos futuramente em uma abordagem mais profunda da representação da mulher negra na literatura, sobretudo na literatura de cordel, irei além, pois ao sinalizar este tema futuro, podemos reafirmar a necessidade de uma (re)significação da representação dos corpos negros, que persistem em ser violentados das formas mais cruéis e desumanas tanto na realidade contemporânea cotidiana vivida pela população negra e indígena pobre como nas representações fictícias criadas pelo que se imagina ser este corpo negro ou negra de origem social pobre, neste país racista e de grande desigualdade econômica-social.

Pensar a abordagem da Literatura de Cordel no sentido afroperspectivista, corresponde a andarilhar no sentido da educação antirracista, sendo também uma necessidade motora da implementação e continuidade de vigor da leis 10.639/03 e posteriormente 11.645/08, que fortificam o sentido da divulgação dos conhecimentos dos autores citados neste trabalho, inflando-nos de aprendizados, conhecimentos, saberes e vivências, para que possamos problematizar, discutir e questionar a representação dos corpos negros, nas mais diversas esferas sociais e culturais, objetivando casa vez mais a visibilidade. Os caminhos andarilhos foram estreados no artigo intitulado Um estudo afroperspectivista para além da narrativa de cordel: Ressignificando Tradições e Heranças apresentados também em evento da ANPUH, no ano de 2018, e que seguiram seu fluxo

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desembocando neste trabalho aprofundar e ampliar os estudos e pesquisas neste tema nos possibilitam ampliar ainda mais os laços com a sociedade, compartilhando e produzindo questionamentos e saberes, aprofundando conhecimentos e refletindo toda essa gama em nossa diversidade cultural, onde a literatura de cordel tem papel de grande destaque, ao desenvolver, manter, divulgar e representar as tradições que mantém vivas as representações culturais populares, no sentido de preservar o passado, identificar a memória coletiva no presente e atuar para o mantimento e desenvolvimento desta na construção do futuro, o que resulta na preservação do patrimônio cultural popular e da representação da identidade negra, livre de estereótipos negativos e em luta contra as diversas modalidades de racismo, tendo como impulso motor as reflexões produzidas através de um outro modo de pensar, que consiste também o objetivo principal da união coletiva dos elementos motores do afroperspectivismo.

Este trabalho encruzilha-se, nos mais variados sentidos e emoções, afinal de contas, tendo o orí escolhido para caminhar em direção ao conhecimento encontro-me numa amálgama de vivências, investigações, pesquisa, desenvolvimento acadêmico e militância pela educação antirracista, este é meu primeiro trabalho desenvolvido com o título de Graduação em Licenciatura Plena em História pela UFRRJ e com certeza, é muito especial.

É necessário pontuar que a realização deste artigo acadêmico consiste em uma honra, pois possibilita o encontro, a encruzilhada, a união e perpetuação de saberes enredadas em uma a trança. Portanto, considero este trabalho um presente da ancestralidade juntamente a grito que reverbera nas vozes ancestrais negras e formadoras de grande parte da cultura popular brasileira.

Os trechos de cordéis, destacam a heroínas e foram cuidadosamente selecionados para contribuir com as vivências culturais da literatura de cordel em acordo com a desconstrução de discursos racistas, assim, fundamentando uma possibilidade de promoção da educação antirracista com o uso da Literatura de Cordel, torno a repetir, que as vozes negras na literatura de cordel agem no sentido de quebrarem paradigmas de uma narrativa histórica única, estão vivas e movimentam-se, e neste movimento, sempre contínuo e persistente, para que possamos andarilhar entre rimas e lutas por um país que se posicione de forma precisa e adequada à sua própria história, de forma consciente e determinada, contra todas as formas de racismo, principalmente contra o racismo epistêmico.

Diante do contexto de crise sanitária, política e humana em meu país, devo deixar claro que sinto muito por cada vida brasileira perdida, sinto muito pelo silêncio que cada vida deixa. Ao falar em vozes, espero que o silêncio deixado pelas pessoas queridas e inocentes em um governo considerado conceitualmente como genocida, reverberem em grito único, dizendo: “BASTA!”. E que esse grito vire realidade!

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Por fim, peço licença e agradeço à minha ancestralidade por me trazer, andarilhando e respirando calmamente até aqui. Espero, agora graduada, apenas continuar o caminho, andarilhando, pesquisando e produzindo e divulgando os conhecimentos sobre a Literatura de Cordel e também sobre sentido afroperspectivista em todos os espaços escolares, entrego assim, nossas tranças enlaçadas. Axé!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, José de Assunção. Fontes Históricas – revisitando o aspecto primordial para a pesquisa histórica. Mouseion, nº12, p.129-159, 2012.

BARROS, José de Assunção. Fontes Históricas – introdução aos seus usos historiográficos, Petrópolis: Ed. Vozes, 2020.

Arte, poesia e seus (em)cantos: literatura de cordel nos territórios culturais. Experiências e Memórias na Cidade do Rio de Janeiro/ Elis Regina Barbosa Angelo &Sylvia Nemer. – São Paulo: Editora Areia Dourada, 2019.

NOGUERA, Renato. Sambando para não sambar: afroperspectivas filosóficas sobre a musicidade do samba e a origem da filosofia in: Samba, logo penso, 2015.

PEREIRA, Raquel Alvitos. BRAGA, Luiza. Um estudo afroperspectivista para além da narrativa de Cordel: Ressignificando Tradições e Heranças Anais do Encontro Internacional e XVIII Encontro de História da Anpuh-Rio: História e Parcerias, 2018.

ARRAES, JARID. HEROÍNAS NEGRAS BRASILEIRAS EM 15 CORDÉIS. São Paulo: Pólen, 2017

ALVES, José Helder. Tesouros da poesia popular para crianças. Actas do 6º encontro Nacional (4º Internacional) de Investigação em Leitura, Literatura Infantil e Ilustração. Braga: Universidade do Minho, 2006.

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SILVA, Maria Ivoneide da. POESIA, PERFORMANCE E MEMÓRIA DE SEVERINO LOURENÇO DA SILVA PINTO, O “PINTO DO MONTEIRO”: UM MARCO NA HISTÓRIA DO REPENTE NORDESTINO. 201f. Tese de Doutorado ( Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística) Universidade Federal da Bahia – UFBA, 2009)

Referências

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