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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIÁRIAS ABRAINC

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIÁRIAS – ABRAINC

A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DO INSTITUTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E DOS PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS PARA O DESENVOLVIMENTO DO MERCADO IMOBILIÁRIO BRASILEIRO

NOTA TÉCNICA

SÃO PAULO DEZEMBRO/2020

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS ____________________________________________________ 1

2. CARACTERÍSTICAS E DIFERENCIAIS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA _________________ 6

3. PROCEDIMENTOS E RESULTADOS DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL ______________ 10

4. O PAPEL DA GARANTIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO DESENVOLVIMENTO DO MERCADO IMOBILIÁRIO BRASILEIRO_______________________________________________ 16

5. O PAPEL DA GARANTIA COMO MITIGADOR DO RISCO NA OFERTA DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO PELA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA ________________________________________ 22

6. AVALIANDO A IMPORTÂNCIA DAS GARANTIAS: UMA COMPARAÇÃO ENTRE

DIFERENTES LINHAS E OPERAÇÕES DE CRÉDITO ____________________________________ 31

7. IMPACTOS ESPERADOS DO ENFRAQUECIMENTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

SOBRE A OFERTA DE CRÉDITO E O MERCADO IMOBILIÁRIO __________________________ 35

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ______________________________________________________ 39

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Evolução do número anual de registros de alienação fiduciária, execuções extrajudiciais iniciadas e consolidações no Estado de São Paulo __________________________________________ 13 Gráfico 2: Total de imóveis financiados anualmente, segundo modalidade de financiamento: hipoteca ou alienação fiduciária __________________________________________________________________ 17 Gráfico 3: Evolução da taxa de juros e do prazo médio do financiamento imobiliário _______________ 18 Gráfico 4: Comparativo da taxa de juros média para diferentes tipos de operações de crédito e origem dos recursos (livres ou direcionados) – Outubro/2020 ___________________________________________ 19 Gráfico 5: Evolução da oferta e estoque de crédito para financiamento imobiliário _________________ 20 Gráfico 6: Evolução do índice de affordability de imóveis residenciais (em m²) ___________________ 21 Gráfico 7: Evolução do spread médio de operações de crédito (em pontos percentuais) _____________ 27 Gráfico 8: Comparativo do spread médio por modalidade de operação de crédito e público tomador (em pontos percentuais) – outubro de 2020 ___________________________________________________ 28 Gráfico 9: Evolução da taxa de inadimplência média da carteira de crédito (em %) ________________ 28 Gráfico 10: Comparativo da taxa de inadimplência média da carteira por operação de crédito e público tomador (em %) – outubro de 2020 ______________________________________________________ 29 Gráfico 11: Comparativo de taxas de juros por grupos distintos de operações de crédito_____________ 32 Gráfico 12: Comparativo do diferencial de taxas de juros do crédito pessoal rotativo em relação a outras operações de crédito _________________________________________________________________ 33

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1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

De forma geral, é inegável a relevância do papel desempenhado pelo mercado imobiliário e de todos os agentes e atividades econômicas que o integram e nele interagem – incluindo empresas e trabalhadores da construção civil; incorporadoras e construtoras; fornecedores de insumos; fabricantes de máquinas e equipamentos; bancos e instituições do sistema financeiro; corretores e imobiliárias; fabricantes de eletrodomésticos e de mobiliário; prestadores de serviços em geral; famílias; compradores e investidores etc.

Além de agregar alguns dos principais setores da matriz econômica brasileira – sendo-lhes direta e indiretamente atribuído importante função tanto na geração de emprego e renda1 – o mercado imobiliário se destaca pelo impacto social ímpar, ao responder pela organização e alocação da dotação habitacional do país, bem como os canais e ferramentas através das quais a oferta e a demanda de unidades residenciais promovem o acesso à moradia própria. Não por acaso, os agentes que integram e interagem no mercado imobiliário figuram, ao lado do poder público, entre os principais responsáveis pela organização e transformação do espaço urbano, expandindo as fronteiras horizontais e verticais do território para acomodar e dar vazão ao crescimento demográfico e produtivo dos grandes centros urbanos2.

1 Segundo dados das Contas Nacionais disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), a Construção Civil representou 3,7% do valor adicionado bruto da economia brasileira em 2019, e 17,7% do valor adicionado pela indústria brasileira. Em termos de crescimento, o PIB da construção civil encerrou 2019 com alta de 1,6%, percentual superior ao desempenho da economia brasileira (+1,1%).

2 Afinal, é pelo mercado imobiliário que se viabiliza a oferta de novos empreendimentos e unidades

residenciais e comerciais, incluindo edifícios, casas, centros comerciais, atacadistas, varejistas, bancos, salas comerciais, farmácias, padarias, supermercados e empresas/sedes de diversos setores localizados nos municípios, bairros e regiões metropolitanas.

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Tendo em vista a importância da conquista da moradia própria para a vida das famílias brasileiras3, do tema habitação na agenda governamental (notadamente, pela preocupação histórica com o déficit habitacional4 e com o planejamento de programas e políticas habitacionais5), bem como a multiplicidade de agentes envolvidos e o volume de recursos físicos e financeiros mobilizados (tanto no sistema financeiro quanto nas cadeias produtivas), deve-se reconhecer que o pleno desenvolvimento do mercado imobiliário depende da constituição de marcos regulatórios pautados por regras e instituições sólidas, que garantam o equilíbrio das relações, obrigações e contratos celebrados entre as partes.

Ademais, dado o horizonte temporal longo dessas relações6, é fundamental que tal arcabouço seja provido de necessária estabilidade e previsibilidade, qualidades que, se observadas, reduzem de forma substancial os riscos e incertezas assumidos pelos agentes no exercício de suas atividades e tomada de decisões. Como resultado de um ambiente institucionalmente estável e previsível, o mercado tende a operar de forma mais eficiente – sem desperdícios e a custos menores – abrindo espaço para redução do custo de acesso à moradia e, a reboque, a mitigação de fatores relacionados ao déficit habitacional no país.

3 Para muitos brasileiros, a compra de um imóvel na planta representa um dos momentos mais importantes

de suas vidas, seja pelo simbolismo representado pela aquisição da moradia própria, seja pelos expressivos recursos necessários para honrar os compromissos financeiros atrelados a essa conquista – condições que, infelizmente, nem sempre estão ao alcance de toda a população.

4 Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), elaborado em parceria com a Abrainc a partir de

dados do IBGE, o déficit habitacional brasileiro foi estimado em 7,77 milhões de moradias (entre inexistentes ou inadequadas) em 2017. Disponível em: <https://www.abrainc.org.br/wp-content/uploads/2018/10/ANEHAB-Estudo-completo.pdf> Acesso em dezembro de 2020.

5 É o caso do Banco Nacional de Habitação (BNH), que vigorou de 1964 a 1986, e era responsável pela

construção de casas populares no país. Mais recentemente, o destaque é o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), lançado em 2009 com a meta de construir um milhão de moradias para atender famílias com renda até 10 salários-mínimos.

6 As peculiaridades e complexidades envolvidas na aquisição e na construção de imóveis constitutivos de

um novo empreendimento são dadas pelo aspecto temporal da relação jurídico-econômica (dado pelo prazo relativamente longo exigido para conclusão da obra, sendo 36 meses uma referência de mercado); pelo elevado número de agentes que interagem nesse período (incorporadoras, construtoras, bancos e entidades financeiras, profissionais, famílias); bem como o significativo capital investido pelas famílias e pelas empresas responsáveis pela construção e entrega posterior do imóvel. Essa característica acaba por sujeitar o cumprimento das obrigações contratuais a inúmeros fatores condicionantes, riscos, erros de planejamento e circunstâncias não previstas no momento inicial das relações de compra e venda (ato da contratação).

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Na última década, é possível destacar o aumento de demandas judiciais relacionadas ao instituto de alienação fiduciária em garantia de bens imóveis. Introduzida dentre as garantias reais pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, a alienação fiduciária foi desenhada para superar os entraves à garantia hipotecária e enfrentar as crises e deficiência do Sistema Financeiro Habitacional (SFH), por meio da célere consolidação e execução do imóvel dado em garantia em caso de inadimplemento7. Conceitualmente, segundo o art. 22 da referida legislação, a alienação fiduciária pode ser definida como o

“negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciantes, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

Segundo a jurisprudência consolidada dos tribunais brasileiros, as operações garantidas por meio da alienação fiduciária de bens imóveis não permitem o arrependimento ou desfazimento do negócio: uma vez formalizada, não é juridicamente possível ou viável admitir pedidos de rescisão formulados por devedores fiduciantes8, tendo em vista que o regime legislativo especial que regulamenta essa espécie de contrato prevê uma única forma de extinção: a “execução do crédito ao qual a garantia está vinculada, com a

consequente excussão do bem alienado fiduciariamente ao credor”9. Em outras palavras,

é apenas com o pagamento da dívida na alienação fiduciária que se caracteriza do cumprimento da obrigação assumida, levando à reversão da propriedade ao patrimônio do devedor-fiduciante.

Considerando essa disciplina legal, é válido afirmar que a integridade e qualidade dessa garantia (e, com isso, a probabilidade de recuperação de crédito em caso de não cumprimento das obrigações) constituem pilares fundamentais do sucesso da alienação

7 A alienação fiduciária também pode ser analisada no mesmo processo que levou à criação de diversos

mecanismos legais e iniciativas voltadas à redução do spread bancário, expansão e barateamento do crédito, acelerando a circulação de informações sobre prestadores e tomadores e apressando e assegurando a execução de garantia, a exemplo das Letras de Crédito Imobiliário, Cédulas de Crédito Imobiliário e

Cédulas de Crédito Bancário, a Lei da Incorporação e o Patrimônio de Afetação, a reforma da Lei de Falências, a reforma do Código de Processo Civil, o Crédito Pessoal Consignado, dentre outras.

8 Ver, sobre suposto conflito com o Art. 53 do CDC, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, na

apelação nº 832.635-0/5, julgada em 23/11/2005. Nela, o Desembargador Ângelo Malanga: “... a Lei

9.514/97, especial e posterior, se sobrepõe às disposições do Código de Defesa do Consumidor, quando com esta incompatível. Lex speciali derogat lex generali é regra comezinha de direito, e que aqui tem perfeita aplicação...”.

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fiduciária no mercado imobiliário, conferindo a segurança jurídica e celeridade necessárias para minimizar parte relevante dos riscos assumidos pelos credores na concessão do crédito, em contrapartida à oferta de crédito de longo prazo em condições mais favoráveis (como taxa de juros mais baixas e prazos mais alongados) aos tomadores/adquirentes.

Apesar dos benefícios econômicos observáveis nos mais de 20 anos de história da legislação da alienação fiduciária na garantia de bens imóveis – seja ela oferecida por bancos, instituições financeiras ou qualquer outra pessoa física ou jurídica10 - tal sucesso não impediu a emergência de controvérsia relacionada à constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial das garantias em contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel. Essa problematização dar-se-ia em razão de o referido procedimento – vital para garantir a proteção e o ressarcimento célere dos credores em casos de eventual inadimplência – prescindir, a princípio, da atuação do Poder Judiciário – característica distintiva do objeto em tela face a outras modalidades de garantias reais, como no modelo hipotecário. Dada a relevância do tema, bem como as consequências de decisões que incrementem as chances de judicialização de procedimentos de recuperação de crédito em caso de inadimplência, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em fevereiro de 2018, a existência de repercussão geral da questão suscitada, no âmbito do Recurso Extraordinário – RE nº 86063111, intitulada de “Tema 982”.

10 Os contratos de alienação fiduciária não exigem celebração em escritura pública, podendo ser

validamente celebrados por instrumento particular com efeitos de escritura pública. A esse respeito, de acordo com o Item 230 do Capítulo XX das Normas Judiciais da CGJ-SP, “[a] alienação fiduciária,

regulada pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, e suas alterações, é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência da propriedade resolúvel de coisa imóvel ao credor, ou fiduciário, que pode ser contratada por qualquer pessoa, física ou jurídica, e não é privativa das entidades que operam no Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI)”.

11 O caso subjacente a este Recurso Extraordinário consiste em uma disputa entre um devedor de São Paulo

e a Caixa Econômica Federal, na qual o Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu que a execução extrajudicial de um título com cláusula de alienação fiduciária não violava as normas constitucionais, devendo o poder judiciário ser acionado apenas se necessário. Em seu recurso ao Supremo Tribunal Federal, o recorrente alegou que o procedimento extrajudicial violava os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, representando uma forma de autotutela “repudiada pelo Estado Democrático de Direito”, comparando-a ao o procedimento previsto no Decreto-Lei 70/1966, que trata dos contratos com garantia hipotecária (pendente de análise pelo STF no RE 627106).

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Na prática, toda e qualquer divergência, relativização e/ou enfraquecimento de regras e procedimentos fundamentais que alicerçam o instituto da alienação fiduciária, como é o caso da possibilidade da execução extrajudicial da garantia em certas circunstâncias, tem repercussões negativas mais amplas sobre o mercado e sobre o comportamento dos agentes tomadores e ofertantes de crédito, podendo, por exemplo, criar ou reforçar incentivos para ações oportunistas e/ou litigiosas. A consequente elevação dos custos e propagação do risco sistêmico associado à maior dificuldade na recuperação de crédito pode impor consequências negativas para a captação de recursos e para a oferta do crédito imobiliário em condições menos restritivas, menos onerosas e por um prazo mais flexível – resultados que, em última instância, encarecem o crédito e dificultam o acesso aos imóveis, com prejuízo à população.

Reconhecendo a importância do instituto da alienação fiduciária e, especificamente, dos procedimentos extrajudiciais, como garantias no âmbito do financiamento imobiliário, a

Abrainc – Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias – solicitou à Fipe – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – a elaboração de uma Nota Técnica,

tendo como objetivos principais analisar, sob a ótica econômica, a importância desse instituto para o desenvolvimento do mercado imobiliário, bem como as repercussões e impactos esperados da sua fragilização para as operações de compra e venda de imóveis e no acesso à moradia.

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2. CARACTERÍSTICAS E DIFERENCIAIS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia que foi introduzida legalmente no Brasil em meados da década de 6012, e que, com a aprovação da Lei nº 9.514/1997 (e subsequentes alterações legais13), passou a abranger também o financiamento de bens imóveis, observadas as especificidades próprias aos ritos e operações típicas do mercado imobiliário brasileiro em termos de valor, liquidez, prazo, risco e inadimplência14. Esse diploma legal permitiu, adicionalmente, a instauração de novos mecanismos de negociação de títulos privados no mercado de capitais, por meio de créditos homogêneos e de fácil circulação no mercado (caso dos Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI15) e de transmissão de disponibilização de informações aos agentes econômicos, considerando a publicidade dos registros públicos a respeito da propriedade imobiliária16. Tendo em vista suprir as carências e corrigir as deficiências constatadas na experiência com o Sistema Financeiro da Habitação (SFH)17, as regras do SFI foram constituídas e alicerçadas de modo a: (i) atrair e canalizar recursos privados para o financiamento e para

12 Criada pela Lei n° 4728, de 14 de julho de 1965.

13 Cita-se, por exemplo, as alterações impostas pelo legislador via: Lei nº 10.931/2004, Lei nº 11.481/2007,

Lei nº 11.977/2009, Lei nº 13.097/2015 e Lei nº 13.465/2017.

14 Em relação à alienação específica de bens imóveis, o contrato firmado deve ter a forma escrita, e o

instrumento pode ser particular ou público. Além disso, o processo envolve a devida formalização em registro depositado no Cartório de Registro Imobiliário.

15 Segundo a B3, o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) é um título que gera um direito de crédito

ao investidor. Sob o ponto de vista do emissor, o CRI é um instrumento de captação de recursos destinados a financiar transações do mercado imobiliário e é lastreado em créditos imobiliários, incluindo: financiamentos residenciais, comerciais ou para construções, contratos de aluguéis de longo prazo etc.

16 Segundo o Art. 23 da Lei nº 9.514/97, a publicidade do contrato de alienação fiduciária via registro em

cartórios de registro imobiliário assegura a produção de efeitos em relação a terceiros e serve de marco constitutivo da propriedade resolúvel.

17 Criado em 1964, o Sistema Financeiro da Habitação apresentava como objetivo principal facilitar a

aquisição da moradia própria pela população, por intermédio do incentivo à concessão de financiamentos imobiliários. Para tanto, foram canalizados recursos públicos, provenientes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE). Ao longo das décadas que se seguiriam, o sistema atravessaria diversos governos, sucessões de crises financeiras e planos monetários (como Cruzado, Bresser, Verão, Collor e Collor II), períodos com elevação da taxa de juros e hiperinflação, além de outras dificuldades relacionadas ao próprio modelo adotado, como elevada inadimplência, a demora na execução das garantias hipotecárias, o descasamento entre as taxas de captação e remuneração, a insegurança jurídica majorada pela judicialização das relações jurídicas. Entre o final da década de 80 a meados da década de 90, houve uma retração do SFH e dos agentes financeiros do segmento, abrindo espaço para iniciativas de construtores e incorporadores a desenvolverem mecanismos próprios para suprirem a carência dos recursos financeiros e darem dar continuidade às atividades (como os consórcios e de financiamento direto).

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o mercado imobiliário; (ii) permitir a securitização das dívidas/recebíveis imobiliários no sistema financeiro; (iii) tornar o crédito imobiliário mais flexível e adaptável às condições de mercado; (iv) reduzir a dependência de subsídios, incentivos e/ou interferências governamentais; (v) enfrentar o problema da inadimplência; (vi) impulsionar o volume de novas concessões de crédito na economia. Na articulação dessa extensa agenda, o instituto da alienação fiduciária de bens imóveis assumiu um papel fundamental e inovador para o desenvolvimento recente do mercado imobiliário brasileiro.

Conceitualmente, como já explicitado na parte introdutória, a alienação fiduciária pode ser entendida como uma modalidade de garantia pela qual alguém, devedor de uma obrigação qualquer18, transfere a propriedade de um bem (ou seja, promove sua alienação) para o credor, como forma de garantir o fluxo de pagamento. No quadro das garantias, a alienação fiduciária constitui, ao lado da “hipoteca” e do “penhor”, uma das figuras das chamadas garantias reais, sendo ela caracterizada pela vinculação jurídica entre um determinado bem e a obrigação a ser paga – ainda que esse bem seja transferido a outrem19. Todavia, mesmo entre as garantias reais mais comuns empregadas em contrapartida ao crédito tomado para aquisição de bens imóveis, há que se ressaltar diferenças fundamentais.

A título exemplificativo, no caso do modelo hipotecário, o devedor acumula o papel de proprietário (isto é, detém a titularidade plena) do bem durante o prazo de pagamento da dívida, podendo aliená-lo a terceiros ou mesmo ofertá-lo como garantia ao pagamento de outra dívida assumida (sua ou de terceiros20). Já no caso da alienação fiduciária, o credor

18 A alienação fiduciária pode ser contratada por pessoas físicas ou jurídicas. No contrato firmado, devem

estar estipuladas algumas informações, como: (i) valor da dívida; (ii) prazo e condições de pagamento do empréstimo; (iii) taxa de juros e encargos incidentes; (iv) descrição do objeto de alienação, bem como a indicação de propriedade e modo de aquisição; (v) cláusula assegurando a livre utilização do bem pelo devedor; (vi) indicação de valor da propriedade e de critérios de revisão para o caso de venda em leilão.

19 Importante ressaltar que as garantias reais contrastam, juridicamente, com as chamadas garantias pessoais

(como a “fiança” e o “aval”), em que uma terceira parte assume a responsabilidade pelo pagamento de uma dívida que originalmente não é sua (a exemplo do que ocorre em contratos de locação, quando um fiador se responsabiliza por eventual inadimplência do inquilino favorecido).

20 A garantia hipotecária, assim, está sujeita a um risco amplificado: sendo ainda proprietário, o devedor

pode utilizar o imóvel como garantia para formação de outras dívidas, elevando o comprometimento de sua renda disponível para satisfazer todos as obrigações financeiras (e, assim, o risco de insolvência).

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é investido da propriedade resolúvel do bem imóvel: é apenas com o pagamento integral da dívida que se extingue o seu domínio, revertendo-se a propriedade para o adquirente. As consequências dessas diferenças ficam ainda mais patentes quando se analisam as repercussões de eventual inadimplemento do devedor nas duas modalidades supracitadas no tocante à execução da garantia. Para se executar a garantia hipotecária, vale lembrar, o credor deve ajuizar demanda judicial, processo que pode se alongar por anos e só então culminar na hasta pública do imóvel hipotecado. Ademais, uma vez arrematado o bem para satisfação do crédito, deve-se promover, ainda, a desocupação do imóvel – etapa que se dá, também usualmente, pela via judicial, demandando tempo e recursos para a recuperação de crédito. Em contraste, em eventual inadimplemento do devedor fiduciante em relação mediada pelo instituto da alienação fiduciária, o processo de recuperação do crédito tende a se dar de forma comparativamente mais simples e célere, justamente por conta das vias extrajudiciais estabelecidas pela Lei nº 9.514/1997. Vale dizer que esses diferenciais também se refletem em custos menores ao credor: enquanto o modelo hipotecário prevê a necessidade de uma escritura pública, por exemplo, é suficiente o instrumento particular com efeitos de escritura pública, para o registro cartorial da operação, no caso da alienação fiduciária.

Finalmente, há-que se ressaltar as incertezas relacionadas à eventual concorrência pela garantia entre diferentes credores no caso hipotecário vis-à-vis na modalidade de alienação fiduciária. Para lidar com esse problema e proteger o interesse dos credores, o instituto da alienação prevê que o credor fiduciário não pode ser preterido pelos créditos trabalhistas e tributários (ao contrário do que ocorre na garantia hipotecária21). Portanto, em caso de insolvência do devedor fiduciante, o bem dado em garantia encontra-se segregado do patrimônio do devedor e não pode ser utilizado para outros fins que não a recuperação do crédito e satisfação da dívida assumida pelo adquirente.

21 No caso da hipoteca, o bem dado em garantia não é excluído do patrimônio do devedor.

Consequentemente, diante de situações de inadimplência, a recuperação do crédito entrará em concorrência com os demais credores (acidentários, trabalhistas, entre outros), podendo perder a preferência em razão de outras leis.

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A seguir, detalhe-se o papel fundamental desempenhado pelos procedimentos extrajudiciais aplicáveis aos casos de inadimplemento do devedor fiduciante no funcionamento e nos resultados da alienação fiduciária, como elemento garantidor da satisfação da dívida e da recuperação do capital cedido a título do financiamento do bem.

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3. PROCEDIMENTOS E RESULTADOS DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL

Como já ressaltado na seção introdutória, um dos pilares do instituto da alienação fiduciária tornou-se objeto de controvérsia, tendo sido sua repercussão geral reconhecida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do tema 982. Especificamente, a Corte julgará a constitucionalidade de procedimentos relacionados à execução extrajudicial das garantias em alienação fiduciária – mecanismos que, segundo previsão da Lei nº 9.514/1997, podem ser acionados em última instância pelo credor diante de situações nas quais o devedor se vê impossibilitado de efetuar ou completar os pagamentos das parcelas correspondentes ao contrato, vencido o prazo de carência pactuado pelas partes.

Há-se que se ressaltar aqui as singularidades processuais do caminho extrajudicial, responsáveis pela sua relevância para a integridade do instituto de alienação fiduciária. Diferentemente da vertente judicializada (aplicável, por exemplo, à modalidade da hipoteca – regime jurídico marcadamente distinto da alienação fiduciária, como já apresentado), os procedimentos extrajudiciais ocorrem por iniciativa e autorização do proprietário resolúvel do bem imóvel (no caso, o credor), sem o envolvimento compulsório do poder judiciário. Como já explicitado, a não exigência de ingresso em juízo, aliada a outras características próprias da alienação fiduciária (como a segregação do bem imóvel em relação ao patrimônio do adquirente/devedor fiduciante), oferece ao credor ferramentas e soluções mais céleres, menos onerosas e burocráticas para recuperação de crédito em face de quadros específicos de inadimplência, insolvência e/ou falência que prejudiquem a continuidade da relação.

Na prática, o processo de execução da garantia na alienação fiduciária envolve diversas etapas. Uma vez vencido prazo de carência contratualmente definido para pagamento das parcelas do financiamento (ou seja, caracterizado o estado de inadimplência do devedor fiduciante), o processo de execução da garantia é iniciado, com a requisição pelo credor ao Registro de Imóveis, onde está registrada a propriedade, da abertura do procedimento de consolidação da propriedade, intimando (notificando) o fiduciante para que este satisfaça, no prazo de 15 dias, as parcelas vencidas, acrescidas de juros convencionais,

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penalidades e demais encargos contratuais, além de encargos legais, tributos, contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, despesas de cobrança e de intimação. Após a intimação, a consolidação constitui uma etapa intermediária do procedimento de execução extrajudicial, onde o credor (por exemplo, a instituição financeira) providenciará a averbação de consolidação da propriedade em seu nome22, 30 dias após a expiração do prazo para purgação da mora, perante o mesmo Cartório de Registro de Imóveis. Essa etapa capacita o credor a anunciar o bem em leilões públicos com vistas à recomposição parcial ou integral do capital cedido ao adquirente inadimplente, a quem é reservado eventual valor (saldo) remanescente. Para fazê-lo, o credor conta com um prazo adicional de 30 dias.

Na prática, a legislação exige a condução de dois leilões públicos, sendo que, no primeiro, não pode ser aceito lance inferior ao valor de avaliação do imóvel (estabelecido no contrato de alienação fiduciária), devendo ser realizado o segundo nos 15 dias seguintes, quando é aceito o maior lance oferecido, desde que este seja igual ou superior ao valor da dívida e demais custos (como despesas, prêmios de seguro, encargos legais, tributos e contribuições condominiais). Em suma, no primeiro leilão o lance mínimo a ser aceito deve ser equivalente ou superior ao valor da avaliação do imóvel, ao passo que, no segundo leilão, o lance mínimo deve cobrir o valor da dívida e seus acréscimos legais. Após a realização dos leilões, a dívida é extinta e o credor deverá fornecer o termo de quitação da dívida, mesmo se o maior lance ofertado for inferior ao valor da dívida. Caso não tenha sucesso e o imóvel não tenha sido arrematado, o credor passa a dispor do imóvel para finalidade ou operação que melhor lhe convier, incluindo o seu uso direto/próprio, cessão, permuta, alienação (inclusive, mediante novos leilões), locação etc.

Importante notar que o início das execuções extrajudiciais não implica em irreversibilidade desse processo, sendo oferecidas ao devedor inúmeras oportunidades e condições preferenciais para regularizar a situação e/ou quitar a dívida assumida: mesmo se não o fizer dentro de 15 dias após a intimação, o fiduciante pode ainda fazê-lo até a

22 Com advento da Lei nº 10.931/04, a legislação original foi alterada e o ato a ser praticado para consignar

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data da averbação de consolidação da propriedade fiduciária. Finalmente, mesmo se não aproveitar essas oportunidades, é reservado ao devedor o direito preferencial na aquisição do imóvel por preço correspondente ao valor da dívida e despesas, até a data da realização do segundo leilão, conforme Lei nº 9.514/1997.

A despeito da importância das execuções extrajudiciais para a integridade do instituto da alienação fiduciária como salvaguarda de última instância para proteção do capital dos credores, a consolidação/retomada dos imóveis não pode predominar no mercado, sob o risco de se inverter a lógica implícita ao funcionamento do mercado imobiliário (isto é, na ótica residencial, a construção e aquisição de moradia). Para validar esse entendimento, é fundamental investigar com qual frequência as execuções extrajudiciais e consolidações ocorrem face ao número total de registros de alienação fiduciária, sendo esperado que eles não respondam por uma proporção significativa ou predominante em um mercado saudável.

Para levar essa tarefa a cabo, informações compiladas pela Fipe a partir de dados compartilhados pelo Registro de Imóveis do Brasil são apresentadas no Gráfico 1. Os dados se referem ao volume de registros de alienação fiduciária, de execuções extrajudiciais iniciadas e de consolidações realizadas anualmente no Estado de São Paulo, no período compreendido entre 2012 e os últimos 12 meses encerrados em setembro de 2020.

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Gráfico 1: Evolução do número anual de registros de alienação fiduciária, execuções extrajudiciais iniciadas e consolidações no Estado de São Paulo

Fonte: Registro de Imóveis do Brasil. Elaboração: Fipe.

Nota: dados de 2020 correspondem à média dos últimos 12 meses encerrados em setembro de 2020.

Como se pode notar, embora o número de execuções extrajudiciais iniciadas tenha crescido mais que o número de registros de alienação fiduciária entre 2014 e 2018 (fenômeno que pode ser relacionado, em boa medida, ao agravamento da crise econômica que se abateu sobre o país nesse período), o número médio de consolidações em todo o horizonte analisado (2012-2020) correspondeu a apenas 5,9% do total de execuções extrajudiciais iniciadas no período, por um lado, e a apenas 2,0% do número de registros de alienação fiduciária, por outro – proporções que podem ser classificadas como pouco significativas diante do volume de operações formalizadas no mercado imobiliário paulista.

Entre as possíveis leituras, pode-se argumentar que os resultados apresentados evidenciam que a possibilidade de retomada do imóvel pelos credores através da via extrajudicial não constitui um fenômeno predominante no mercado justamente por cumprir eficazmente seu papel dissuasivo e protetivo, atuando como uma “ameaça crível” de retomada do imóvel em caso de inadimplência (vis-à-vis a via judicial). Em outros termos, a natureza extrajudicial dos procedimentos atuaria preventivamente contra ações oportunistas e litigiosas por parte dos devedores. Como a retomada do imóvel se torna

2 0 2 .0 3 5 2 2 5 .6 3 9 2 2 6 .7 3 3 2 1 5 .9 9 8 1 7 8 .7 1 4 1 7 8 .1 2 5 1 9 6 .9 8 2 2 0 1 .5 7 0 2 1 8 .8 2 2 1 5 .3 5 8 2 8 .4 7 1 4 1 .7 9 6 79 .2 7 6 107 .5 4 3 1 1 8 .3 9 3 1 3 2 .9 1 9 6 4 .6 0 1 2 9 .3 5 2 1 .3 1 2 1 .9 8 6 2 .8 0 0 3 .8 2 1 8 .5 3 1 6 .3 2 7 6 .4 4 3 3 .4 4 4 1 .8 7 3 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Últimos 12 meses* Registros de alienação fiduciária Execuções extrajudiciais iniciadas Consolidações

(16)

um resultado mais factível, a probabilidade de que execuções extrajudiciais redundem na consolidação e posterior absorção do imóvel pelo patrimônio do credor são minoradas. A despeito dessa eficácia, é necessário enfatizar que as vantagens comumente atribuídas aos procedimentos extrajudiciais são comparativas e não absolutas: embora preferível à judicialização do impasse, o processo de recuperação de crédito por via extrajudicial não constitui caminho desejável. Muito pelo contrário: tanto o fenômeno da inadimplência quanto a eventual retomada do imóvel representam revezes significativos para as partes envolvidas sob o ponto de vista econômico-financeiro.

Em outras palavras, mesmo considerando os benefícios comumente associados à solução extrajudicial, alicerçados na segurança jurídica conferida pela Lei nº 9.514/1997, o processo de recuperação do crédito impõe ao credor uma série de esforços, custos, riscos e prejuízos que repercutem negativamente sobre seu resultado econômico-financeiro,

portfolio e/ou patrimônio, podendo comprometer indicadores relacionados à

inadimplência e elevar o volume de recursos provisionados para lidar com essa ameaça. Se esses eventos se tornam recorrentes, como é comum em períodos de crise e desemprego elevado, a constituição de um estoque de imóveis retomados pode comprometer a saúde econômico-financeira dos credores, sejam eles bancos comerciais, construtoras, incorporadoras ou outros entes, obrigando-os a arcar com os custos de manutenção e eventuais prejuízos decorrentes da revenda futura do bem abaixo do valor de mercado. Não há, neste sentido, como imputar ao credor qualidade especulativa em perseguir a recuperação de crédito pela via extrajudicial, seja porque a habilidade de explorar lucrativamente essa possibilidade é impedida por lei, seja pela imposição de custos não previstos ou provisionados (em alguma medida, irrecuperáveis) subjacentes a qualquer resultado alternativo ao curso normal do negócio.

Exemplos de relatos que expõem os prejuízos decorrentes da retomada dos imóveis são encontrados facilmente na imprensa. Em notícia de abril de 201923, intitulada “Estoque

de imóvel retomado por bancos atinge R$ 19 bi”, o jornal Valor Econômico informa que

23 Disponível em:

(17)

“os bens recuperados pelas cinco maiores instituições financeiras do país – Banco do

Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Caixa Econômica Federal – fecharam 2018 avaliados em R$ 18,7 bilhões. Cerca de 90% desse valor se refere a imóveis. A quantidade estimada é de 90 mil unidades retomadas”. Entre as consequências negativas

para credores e para o mercado imobiliário, a matéria exalta que o “[o] tema é uma dor

de cabeça porque os bens retomados consomem capital dos bancos, que precisam constituir provisões para perdas com esses ativos (...). Ademais, a venda de um volume expressivo de unidades derrubaria os preços, criando mais obstáculos para a recuperação das incorporadoras”.

Pelo exposto nesta seção, é evidente que as execuções extrajudiciais – pilares da alienação fiduciária – constituem soluções de última instância (isto é, esgotadas outras tratativas e negociações entre as partes), englobando mecanismos econômicos e institucionalmente adequados para mitigar os riscos e incertezas inerentes à concessão de crédito de longo prazo. Nesse contexto, é necessário reiterar que a retomada/consolidação do imóvel não é o objetivo ou fim desejável do negócio para nenhuma das partes envolvidas (credores ou devedores), motivo pelo qual a legislação pertinente garante, no curso das etapas subjacentes, diversas oportunidades para regularização dos pagamentos e das relações contratuais e/ou quitação da dívida assumida originalmente pelo devedor fiduciante.

(18)

4. O PAPEL DA GARANTIA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO DESENVOLVIMENTO DO MERCADO IMOBILIÁRIO BRASILEIRO

As características da garantia da alienação fiduciária, como aquelas guarnecidas pelo procedimento de execução extrajudicial, asseguraram ao modelo sucesso e popularidade no âmbito do financiamento imobiliário brasileiro. Para além de fatores macroeconômicos estruturantes, que contribuíram para o desempenho positivo do mercado imobiliário via estabilização e crescimento da economia, a trajetória desse mercado nos últimos anos pode ser explicada pela qualidade da garantia na recuperação do crédito, exposta:

(i) Pela menor percepção de risco de não recebimento da dívida, em hipótese de

inadimplência, insolvência, falência e/ou recuperação judicial do tomador; (ii) Pela maior celeridade, menores custos, prazos e entraves burocráticos, tanto

para a celebração do contrato quanto para promover processos de consolidação e execução da garantia e consequente satisfação do débito pendente; e

(iii) Pela queda significativa das taxas de juros de mercado para um dos menores patamares da história recente da economia brasileira (inclusive, aquelas

aplicáveis ao mercado de crédito imobiliário).

As estatísticas divulgadas regularmente recentemente pelo Banco Central do Brasil evidenciam a enorme popularidade da alienação fiduciária como modalidade prevalente no mercado imobiliário brasileiro, após pouco mais de 20 anos desde sua introdução, em 1997.

Como pode ser visto no Gráfico 2 (a seguir), mais de 90% dos imóveis financiados no mercado imobiliário entre janeiro 2018 e outubro de 2020 envolveram operações mediadas por alienação fiduciária: 485.9 mil unidades em 2018 (93,5% do total no período); 492.7 mil unidades em 2019 (92,9% do total no período); e 479,4 mil no cômputo acumulado dos últimos 12 meses encerrados em outubro de 2020 (94,0% do total no período).

(19)

Gráfico 2: Total de imóveis financiados anualmente, segundo modalidade de financiamento: hipoteca ou alienação fiduciária

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe.

Em termos de marcos históricos, a disseminação do instituto nos últimos anos é resultado de um processo iniciado em 1997 e posteriormente reforçado por novos alicerces institucionais em torno da segurança jurídica, subsidiando direta e indiretamente:

(i) A expansão na oferta de crédito para financiamento imobiliário; (ii) A redução da taxa de juros média do financiamento imobiliário; (iii) O alongamento do prazo médio do financiamento imobiliário; (iv) O aumento do limite de crédito para financiamento imobiliário; e (v) Aumento do número de imóveis comprados pela população.

Segundo as séries de dados atualmente disponibilizadas pelo Banco Central do Brasil, é possível constatar como a taxa média de juros recuou expressivamente entre janeiro de

33,7 37,4 30,2 485,9 492,7 473,4 519,6 530,1 503,6 100 200 300 400 500 600 2018 2019 2020* M IL HA RE S DE UN IDA DE S F INA NC IA DA S HIPOTECA 6,5% 7,1% 6,0% 93,5% 92,9% 94,0% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 2018 2019 2020* P A RT ICI P A ÇÃ O NO T O T A L ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

(20)

2003 e outubro 2020 (passando de mais de 16,3% ao ano para cerca de 7,1% ao ano nesse intervalo), em paralelo ao aumento do prazo médio do financiamento imobiliário no período (Gráfico 3), que mais que triplicou no período, elevando-se de um prazo médio de cerca de 8 anos, em janeiro de 2003, para cerca de 29 anos, em outubro de 2020.

Gráfico 3: Evolução da taxa de juros e do prazo médio do financiamento imobiliário

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe. Nota: (*) dada a mudança de metodologia e descontinuidade nas séries divulgadas pelo Bacen em 2011, as séries novas (pós-2011) foram

retroprojetadas com base em outras séries disponíveis para o período 2003-2011.

Vale a pena destacar não só a trajetória declinante da taxa de juros do financiamento imobiliário, mas também o seu nível relativo ao custo de acessar o crédito para outras finalidades. Para isso, o Gráfico 4 compara a taxa de juros média para diferentes combinações de linhas de crédito e origem dos recursos. Como se pode notar, em outubro de 2020, as taxas vinculadas a operações de crédito para financiamento de bens imóveis encontravam-se entre as menores oferecidas no mercado (média de 7,1% ao ano) – ao lado das taxas de juros aplicáveis para concessão de crédito do BNDES, crédito rural e agroindustrial. 16,3 7,1 8,1 28,9 0 5 10 15 20 25 30 35 6 8 10 12 14 16 18 20 ja n -0 3 a g o -0 3 m a r-0 4 o u t-0 4 m a i-0 5 d e z -0 5 ju l-0 6 fe v -0 7 s e t-0 7 a b r-0 8 n o v -0 8 ju n -0 9 ja n -1 0 a g o -1 0 m a r-1 1 o u t-1 1 m a i-1 2 d e z -1 2 ju l-1 3 fe v -1 4 s e t-1 4 a b r-1 5 n o v -1 5 ju n -1 6 ja n -1 7 a g o -1 7 m a r-1 8 o u t-1 8 m a i-1 9 d e z -1 9 ju l-2 0 Pra z o m é d io (e m a n o s ) T a xa d e j u ro s (% a .a .)

Taxa de juros do financiamento imobiliário - Pessoa física* Prazo médio de financiamento imobiliário - Pessoa física*

(21)

Gráfico 4: Comparativo da taxa de juros média para diferentes tipos de operações de crédito e origem dos recursos (livres ou direcionados) – Outubro/2020

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe.

Em paralelo, as concessões e o estoque de crédito imobiliário na economia se expandiram de forma substancial entre 2005 e outubro de 2020 (Gráfico 5), sendo que as concessões de crédito foram afetadas pela crise econômica no curso do triênio 2015-2017. Com o alongamento do prazo de financiamento imobiliário, a queda na taxa de juros e a expansão

5,2% 5,6% 6,4% 6,5% 6,9% 7,0% 7,3% 7,1% 7,7% 7,7% 7,6% 16,6% 19,2% 18,9% 20,5% 21,8% 23,3% 21,0% 31,7% 30,0% 32,1% 34,8% 38,9% 38,9% 36,5% 49,6% 61,2% 60,3% 77,1% 112,9% 148,6% 317,5% 0% 50% 100% 150% 200% 250% 300% 350%

Crédito rural com taxas reguladas (recursos direcionados) Crédito rural total (recursos direcionados) Financiamento agroindustrial via BNDES (recursos direcionados) Financiamento via BNDES - média (recursos direcionados) Média (recursos direcionados) ● Financiamento imobiliário com taxas reguladas (recursos direcionados) Microcrédito destinado a consumo (recursos direcionados) ● Financiamento imobiliário total (recursos direcionados) ● Financiamento imobiliário com taxas de mercado (recursos direcionados) Crédito rural com taxas de mercado (recursos direcionados) Financiamento de investimentos via BNDES (recursos direcionados) Crédito pessoal consignado para trab. do setor público (recursos livres) Crédito pessoal consignado total (recursos livres) Aquisição de veículos (recursos livres) Aquisição de bens total (recursos livres) Crédito pessoal consignado aposentados/pensionistas INSS (recursos livres) Arrendamento mercantil de veículos (recursos livres) Arrendamento mercantil total (recursos livres) Crédito pessoal total (recursos livres) Crédito pessoal consignado para trab. do setor privado (recursos livres) Desconto de cheques (recursos livres) Microcrédito total (recursos direcionados) Média (recursos livres e direcionados) Média (recursos livres) Microcrédito destinado a microempreendedores (recursos direcionados) Crédito pessoal não consignado vinculado à comp. de dívidas (recursos livres) Cartão de crédito total (recursos livres) Aquisição de outros bens (recursos livres) Crédito pessoal não consignado (recursos livres) Cheque especial (recursos livres) Cartão de crédito parcelado (recursos livres) Cartão de crédito rotativo (recursos livres)

(22)

na renda das famílias brasileiras24, as parcelas do financiamento puderam ser reduzidas e mais compatíveis com orçamento das famílias brasileiras. Como resultado, em média, os imóveis se tornaram relativamente mais acessíveis.

Gráfico 5: Evolução da oferta e estoque de crédito para financiamento imobiliário

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe. Nota: (*) dada a mudança de metodologia e descontinuidade nas séries divulgadas pelo Bacen em 2011, as séries novas (pós-2011) foram retroprojetadas com base em outras séries disponíveis para o período 2003-2011. Valores deflacionados

pelo IPCA (IBGE).

Para ilustrar o aumento na acessibilidade aos imóveis, o Gráfico 6, exposto na sequência, apresenta a evolução de um índice de affordability (acessibilidade financeira), calculado a partir de dados do preço médio de imóveis (média de 50 cidades monitoradas, via Índice FipeZap25), prazo e taxa de juros do financiamento imobiliário (Banco Central do Brasil) e rendimento mensal da população brasileira (Pnad Contínua/IBGE). O valor resultante do cálculo sugerido revela quantos metros quadrados (em área do imóvel) poderiam ser financiados, nas condições médias de mercado (prazo médio e taxa de juros), limitando-se a alocação de recursos a 30% da renda domiciliar mensal para essa finalidade.

24 Segundo dados do Banco Central do Brasil, a massa salarial ampliada cresceu 4,5% ao ano (em termos

reais) entre 2004 e 2019. No cálculo per capita, esse crescimento corresponde a 3,5% ao ano.

25 Informações disponíveis em: <https://www.fipe.org.br/pt-br/indices/fipezap/> Acesso em dezembro de

2020. 100 200 300 400 500 600 700 800 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 ja n -0 5 a g o -0 5 m a r-0 6 o u t-0 6 m a i-0 7 d e z -0 7 ju l-0 8 fe v -0 9 s e t-0 9 a b r-1 0 n o v -1 0 ju n -1 1 ja n -1 2 a g o -1 2 m a r-1 3 o u t-1 3 m a i-1 4 d e z -1 4 ju l-1 5 fe v -1 6 s e t-1 6 a b r-1 7 n o v -1 7 ju n -1 8 ja n -1 9 a g o -1 9 m a r-2 0 o u t-2 0 Es to q u e t o ta l d e c ré d it o i m o b ili á ri o (e m R $ b ilh õ e s d e o u tu b ro d e 2 0 2 0 ) Va lo r d a s c o n c e s s õ e s d e c ré d it o i m o b ili á ri o (e m R $ b ilh õ e s d e o u tu b ro d e 2 0 2 0 )

(23)

Gráfico 6: Evolução do índice de affordability de imóveis residenciais (em m²)

Fonte: Fipe, com base em dados do Banco Central do Brasil, Índice FipeZap e IBGE.

De acordo com os resultados apresentados, entre janeiro de 2003 e setembro de 2020, a acessibilidade à moradia própria mais que dobrou, passando de 9,6 m² para 24,6 m² financiáveis com base nas condições de renda e de crédito. Esse resultado, vale ressaltar, pode ser explicado tanto em razão do aumento da renda média do brasileiro quanto da redução do valor da parcela mensal financiada – processo este que pode ser atribuído, em maior ou menor medida, à maior segurança jurídica e menor risco assumido pelos agentes concedentes em operações de alienação fiduciária.

Com base no exposto, a próxima seção explora de forma mais detalhada o mecanismo de garantia pelo qual a alienação fiduciária se tornou a principal modalidade no financiamento imobiliário e seus efeitos sobre o risco de crédito.

jan/03 9,6 set/20 24,6 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 Ín d ic e d e Af fo rd a b ili ty (e m m 2)

(24)

5. O PAPEL DA GARANTIA COMO MITIGADOR DO RISCO NA OFERTA DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO PELA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Como apresentado, o instituto da alienação fiduciária destaca-se das modalidades de garantia real, por estabelecer maior segurança jurídica para oferta do crédito, por meio da transmissão da propriedade imobiliária resolúvel em garantia da quitação da dívida assumida pelo devedor fiduciante.

Uma vez regularmente constituída e registrada em matrícula cartorial, o bem imóvel deixa de integrar de modo pleno o patrimônio do devedor até o integral cumprimento das obrigações, afastando sua afetação em caso de falência, insolvência e/ou recuperação judicial do devedor (inclusive, excluindo o respectivo crédito da concorrência de terceiros sobre o patrimônio do devedor pela satisfação de dívidas).

Como mencionado anteriormente, a natureza da garantia real é a característica fundamental da alienação fiduciária, possibilitando que essa modalidade se sobreponha às demais por se utilizar de processos de contratação, consolidação e execução extrajudicial relativamente mais seguros, céleres e eficazes para o credor para satisfação do crédito, reduzindo a litigiosidade, os custos e os prazos envolvidos em qualquer evento negativo que venha a interromper os pagamentos do devedor fiduciante. A importância da garantia, nesse contexto, não pode ser minimizada, sobretudo quando se considera sua relação com o risco de crédito e, assim, com o preço ou o custo do crédito – elemento que, no âmbito dos contratos, corresponde à própria taxa de juros.

Sob a ótica econômica, a taxa de juros pode ser entendida como uma medida do valor de uma quantia de dinheiro em um determinado período de tempo. Trata-se, efetivamente, de um acréscimo proporcional a uma certa quantia por unidade no tempo, durante prazo em que ela permanece imobilizada (ilíquida) ou indisponível ao seu detentor original, seja porque investida em aplicações financeiras ou repassada a terceiros para fruição própria. Entendida como custo de oportunidade do dinheiro, a rentabilidade oferecida pela “taxa

de juros” compete com o conceito de “taxa de retorno” de projetos de investimento.

De forma geral, no âmbito do empréstimo e das diferentes modalidades de financiamento, é possível decompor uma determinada taxa de juros em componentes básicos, quais

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sejam: (i) o custo de captação ou de obtenção dos recursos que serão emprestados (que envolve, no caso dos bancos e instituições financeiras em geral, a remuneração de depósitos, poupanças e outros fundos de investimento alimentados por terceiros); (ii) o

risco de crédito, associado ao não pagamento das obrigações; (iii) e a margem de remuneração, ganho ou retorno exigido pelo credor pelo valor emprestado no período em

que a dívida está ativa.

O componente risco de crédito, especificamente, envolve um acréscimo ao valor do dinheiro no tempo, especificamente para compensar a possibilidade de ocorrência de perdas ou prejuízos do credor, associados: (i) ao não cumprimento pelo tomador ou contraparte de suas respectivas obrigações financeiras nos termos pactuados (por exemplo, por inadimplência, insolvência, falência, recuperação judicial etc.); (ii) à desvalorização de contrato de crédito decorrente da deterioração na classificação (rating) ou nota (score) de risco de crédito do tomador; (iii) à redução de ganhos ou de remunerações durante o empréstimo; (iv) às vantagens concedidas em eventual renegociação da dívida; e (v) aos custos de recuperação do valor emprestado (incluindo, por exemplo, despesas com advogados, gastos processuais etc.).

O conceito de risco é amplamente estudado na ciência econômica, tanto sob a ótica dos ativos financeiros quanto sob o prisma comportamental. Nessa literatura, encontra-se geralmente associado a fatores inesperados e desfavoráveis que se pretende mitigar ou efetivamente eliminar, ou ainda à variabilidade (dispersão) de resultados esperados, tendo em vista todas as circunstâncias e a contingência de eventos aos quais se expõe uma operação ou contrato. No caso dos contratos de financiamento imobiliário, em particular, o principal risco envolvido é o de inadimplência do tomador em relação aos vencimentos da obrigação.

Além do aumento da taxa de juros exigida, o nível de risco de crédito percebido em uma operação dessa natureza pode ter diferentes consequências do ponto de vista da concessão, incluindo: (i) a redução do prazo máximo permitido para o financiamento; (ii) a imposição de limites, características e regras mais rígidas para o valor e para o bem que será financiado; (iii) o aumento da burocracia (em termos de exigência de comprovantes, documentação) etc.

(26)

Tendo em vista que toda e qualquer operação de crédito envolve algum nível de risco (mesmo quando se empresta ao próprio governo federal por meio da compra de títulos de dívida – em prática usualmente referida como “livre de risco”), os agentes que ofertam crédito ao público normalmente empregam ferramentas de gestão ou de análise de risco, definidos como conjunto de práticas, modelos e processos para tentar prever e, se bem sucedidas, mitigar as chances do tomador faltar com o pagamento ou não ser capaz de cumprir com as obrigações. Incluem-se, nesse âmbito, a elaboração e aplicação de perfis de classificação de risco individuais dos tomadores, a análise do histórico da nota de crédito (da reputação de bom pagador no mercado), levantamento das condições financeiras e patrimoniais atuais e a exigência de projetos e planos de trabalho que explicitem como os débitos serão pagos.

Além das ferramentas de gestão de risco, destaca-se a exigência do credor do chamado

colateral – outro nome dado a um ativo financeiro, bem móvel ou imóvel, cuja

titularidade ou propriedade seja envolvida e/ou temporariamente transferida durante o período do empréstimo. A inclusão de um colateral na operação tem como objetivos: (i) transferir parte importante do risco da operação de crédito para o tomador; e (ii) dar proteção ao credor no que diz respeito à satisfação do crédito e recuperação da dívida em caso de inadimplência. Com efeito, pode-se dizer que a integridade (ou certeza) de recebimento ou recuperação do colateral em caso de eventual inadimplemento atua como uma espécie de seguro para o credor no âmbito da operação de crédito.

Nesse sentido, dentro do leque de possíveis garantias, é possível afirmar que quanto maior o valor, a liquidez e/ou certeza na recuperação do ativo ou do bem tomado colateral (em relação ao valor concedido como crédito), menor é o componente de risco de crédito embutido na taxa de juros pela instituição que oferta o crédito.

Historicamente, o risco de inadimplência, impulsionado pela falta ou precariedade das garantias, pode ser apontado, ao lado de outros elementos, como a baixa concorrência no setor bancário, como um dos principais componentes responsáveis pelo elevado custo de

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acesso ao crédito no Brasil26. Tal encarecimento é usualmente avaliado com base na dimensão do chamado spread bancário, que corresponde à diferença entre o que as instituições financeiras pagam para obter ou captar o recurso27 e a taxa cobrada para ofertar o mesmo recurso como crédito a terceiros. Nos termos da autoridade monetária brasileira, o conceito de spread “[...] deve ser compreendido como uma diferença de

custos, que a instituição financeira utiliza para cobrir despesas diversas (despesas administrativas, impostos e provisão para o caso de inadimplência, entre outras). De forma simplificada, o lucro da instituição financeira é o que resta após a cobertura

dessas despesas.28

Estruturalmente, o spread pode ser apresentado segundo sua decomposição contábil ou sob uma ótica econômica. No primeiro caso, o spread é formado por 5 componentes básicos: (i) o custo administrativo, incluindo insumos utilizados pelas instituições bancárias, como capital físico, trabalho, recursos operacionais e depósito; (ii) o nível de inadimplência esperada, que se reflete em uma forma de provisionamento embutida no preço do crédito; (iii) o custo do compulsório, associados aos depósitos obrigatórios determinados pelo Banco Central do Brasil às instituições bancárias; (iv) tributos e taxas (IOF, PIS, Cofins e ISS, além do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL); (v) o resíduo (ou usualmente, indicador da margem auferida pelo banco e erros de mensuração).

Já sob a ótica dos determinantes econômicos, é possível citar o ambiente legal (segurança jurídica, respeito e garantia dos direitos de propriedade, estabilidade, confiabilidade e agilidade no sistema judiciário); a complexidade e os custos associados ao sistema

26 Ver, a respeito, estudo do Banco Central a respeito (“Os Determinantes do Spread Bancário no Brasil”,

2002), disponível em:

<https://www.bcb.gov.br/pec/NotasTecnicas/Port/2002nt19composicaodospread2p.pdf> Acesso em dezembro de 2020.

27 Segundo o Banco Central do Brasil, a taxa de captação é a remuneração paga pelas instituições financeiras

em aplicações financeiras - caderneta de poupança, Certificado de Depósito Bancário (CDB), entre outras – com o objetivo de captar recursos para conceder empréstimos.

28 Ver documento da série “Perguntas mais frequentes” do Banco Central do Brasil, intitulado “Juros e

spread bancário” (junho/2016), disponível em:

<https://www.bcb.gov.br/content/cidadaniafinanceira/Documents/publicacoes/serie_pmf/FAQ%2001-Juros%20e%20Spread%20Banc%C3%A1rio.pdf> Acesso em dezembro de 2020.

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tributário brasileiro; bem como fragilidade dos fundamentos macroeconômicos da economia brasileira. Finalmente, dado que as taxas de juros de mercado (que codeterminam o custo do crédito) também dependem do grau de concorrência entre instituições concedentes, é comum atribuir ao menos uma parcela do spread à concentração do sistema financeiro brasileiro em poucas instituições (isto é, à falta de concorrência29).

O Gráfico 7, a seguir, destaca a evolução do spread em operações de crédito, diferenciando o crédito com recursos livres30 e aqueles aportados com base em recursos direcionados31. Como se pode notar, o nível do spread nas operações com recursos direcionados é muito inferior ao patamar do spread nas operações com recursos livres. Além disso, em períodos de crise econômica (triênio 2015-2017), o spread identificado em operações com recurso livres reage de forma expressiva, refletindo os impactos observados sobre variáveis macroeconômicas (taxa de juros, câmbio, inflação), sobre a percepção de risco sistêmico e sobre o nível de inadimplência de empresas e famílias.

29 Ver, a respeito, Estudo Especial nº 64/2019 do Banco Central do Brasil, intitulado: “Concorrência

bancária e custo do crédito”. Disponível em:

<https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE064_Concorrencia_bancaria_e_ custo_do_credito.pdf>. Acesso em dezembro de 2020.

30 Correspondem aos contratos de financiamentos e empréstimos com taxas de juros livremente pactuadas

entre instituições financeiras e mutuários. Nas operações livres, as instituições financeiras têm autonomia sobre a destinação dos recursos captados em mercado.

31 Envolvem operações de crédito regulamentadas pelo CMN ou vinculadas a recursos orçamentários

destinadas, basicamente, à produção e ao investimento de médio e longo prazos aos setores imobiliário, rural e de infraestrutura. As fontes de recursos são oriundas de parcelas das captações de depósitos à vista e de caderneta de poupança, além de fundos e programas públicos.

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Gráfico 7: Evolução do spread médio de operações de crédito (em pontos percentuais)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe.

Complementando essa análise, o Gráfico 8 destaca como esse diferencial é particularmente oneroso em operações para pessoa física, atingindo 33,4 pontos percentuais nas chamadas operações com recursos livres – que correspondem aos contratos de financiamentos e empréstimos com taxas de juros livremente pactuadas entre instituições financeiras e mutuários, nas quais as instituições financeiras têm autonomia sobre a destinação dos recursos captados em mercado. Comparativamente, o patamar médio do spread era de 4,3 pontos percentuais em operações com recursos direcionados, que engloba as operações do BNDES, o crédito rural e o próprio financiamento de bens imóveis. 14,6 out/20 21,5 4,3 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 m a r/ 1 1 ju l/ 1 1 n o v /1 1 m a r/ 1 2 ju l/ 1 2 n o v /1 2 m a r/ 1 3 ju l/ 1 3 n o v /1 3 m a r/ 1 4 ju l/ 1 4 n o v /1 4 m a r/ 1 5 ju l/ 1 5 n o v /1 5 m a r/ 1 6 ju l/ 1 6 n o v /1 6 m a r/ 1 7 ju l/ 1 7 n o v /1 7 m a r/ 1 8 ju l/ 1 8 n o v /1 8 m a r/ 1 9 ju l/ 1 9 n o v /1 9 m a r/ 2 0 ju l/ 2 0

(30)

Gráfico 8: Comparativo do spread médio por modalidade de operação de crédito e público tomador (em pontos percentuais) – outubro de 2020

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe.

Com respeito à capacidade das famílias de cumprir suas obrigações financeiras, informações expostas no Gráfico 9, destacam que, embora tenha ocorrido uma convergência nos últimos anos, a taxa média de inadimplência já assumiu patamares entre 2 e 5 vezes maiores na carteira de crédito de recursos livres ao longo do período apresentado (por exemplo, em: 2016), em comparação com operações com recursos direcionados.

Gráfico 9: Evolução da taxa de inadimplência média da carteira de crédito (em %)

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe.

No comparativo de outubro de 2020, expostas no Gráfico 10, a taxa de inadimplência média na carteira de recursos livres correspondia ao dobro da média na carteira de

14,6 6,2 20,0 21,5 7,6 33,4 4,3 3,2 4,9 0 5 10 15 20 25 30 35 40 Total -Recursos livres e direcionados Total -Pessoas jurídicas Total -Pessoas físicas Recursos livres - Total Recursos livres -Pessoas jurídicas Recursos livres -Pessoas físicas Recursos direcionados - Total Recursos direcionados - Pessoas jurídicas Recursos direcionados - Pessoas físicas 2,4 out/20 3,1 1,4 0 1 2 3 4 5 6 m a r/ 1 1 ju l/ 1 1 n o v /1 1 m a r/ 1 2 ju l/ 1 2 n o v /1 2 m a r/ 1 3 ju l/ 1 3 n o v /1 3 m a r/ 1 4 ju l/ 1 4 n o v /1 4 m a r/ 1 5 ju l/ 1 5 n o v /1 5 m a r/ 1 6 ju l/ 1 6 n o v /1 6 m a r/ 1 7 ju l/ 1 7 n o v /1 7 m a r/ 1 8 ju l/ 1 8 n o v /1 8 m a r/ 1 9 ju l/ 1 9 n o v /1 9 m a r/ 2 0 ju l/ 2 0

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recursos direcionados (e mais que o triplo, se restrita essa comparação à carteira de pessoas físicas).

Gráfico 10: Comparativo da taxa de inadimplência média da carteira por operação de crédito e público tomador (em %) – outubro de 2020

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração: Fipe.

Segundo o Banco Central do Brasil, diversas ações e inciativas nas últimas décadas colaboraram para mitigar o risco de inadimplência e os custos associados à morosidade da cobrança judicial, com reflexos sobre o spread bancário e o custo do crédito: (i) a aprovação do crédito consignado em folha de pagamento; (ii) a aprovação da Lei de Falências e de alterações no Código Tributário Nacional; (iii) a Criação da Cédula de Crédito Bancário; (iv) a ampliação da alienação fiduciária em garantia para bens imóveis; (v) o estímulo ao microcrédito e às cooperativas de crédito; e (vi) a reforma do Judiciário. Mais recentemente, a implementação do chamado “Cadastro Positivo”32 se destaca como um exemplo voltado para redução do spread e do custo de crédito, por meio da redução das assimetrias informacionais relacionadas ao histórico de endividamento e a reputação dos tomadores.

32 O Cadastro Positivo é uma base de dados e informações que permite às instituições financeiras identificar

de forma mais precisa se a pessoa é uma boa pagadora, com base no registro histórico de dívidas anteriores. A partir da alteração da Lei 12.414/2011 – Lei do Cadastro Positivo (LCP), em 2019, o cadastro positivo passou a ser automático.

2,4 1,5 3,1 3,1 1,5 4,5 1,4 1,4 1,3 0 1 2 3 4 5 Total -Recursos livres e direcionados Total -Pessoas jurídicas Total -Pessoas físicas Recursos livres - Total Recursos livres -Pessoas jurídicas Recursos livres -Pessoas físicas Recursos direcionados - Total Recursos direcionados - Pessoas jurídicas Recursos direcionados - Pessoas físicas

(32)

Os argumentos e dados expostos nesta seção reforçam o diagnóstico de que a fragilização ou questionamento de garantias associadas à concessão de crédito – incluindo a possibilidade de execuções extrajudiciais em caso de inadimplência – afetariam a capacidade de recuperação de crédito por parte das instituições concedente em caso de inadimplemento, terá repercussões sobre o nível do spread bancário, levando ao encarecimento não somente do crédito de longo prazo concedido para financiamento de imóveis, como também as operações de crédito em geral (tendo em vista o aumento do risco sistêmico e a necessidade de provisionamento das instituições financeiras). Adicionalmente, os números apresentados sobre as carteiras de crédito por segmento destacam que esse cenário será particularmente deletério no caso da concessão de crédito para pessoas físicas, tendo em vista que esse público-alvo já enfrenta hoje mais obstáculos e restrições para obtenção de financiamentos em condições adequadas – tema que será melhor explorado na próxima seção.

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