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Cumulatividade científica e apropriabilidade do conhecimento : redes de colaboração internacional e o caso brasileiro no paradigma dos biocombustíveis

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

CAROLINA DA SILVEIRA BUENO

Cumulatividade científica e apropriabilidade do

conhecimento: redes de colaboração internacional e o caso

brasileiro no paradigma dos biocombustíveis

Campinas-SP

2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

CAROLINA DA SILVEIRA BUENO

Cumulatividade científica e apropriabilidade do

conhecimento: redes de colaboração internacional e o caso

brasileiro no paradigma dos biocombustíveis

Orientador: Prof. Dr. José Maria Ferreira Jardim da Silveira Coorientador: Prof. Dr. Antonio Marcio Buainain

Dissertação apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, na área de Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA CAROLINA DA SILVEIRA BUENO E ORIENTADA PELO PROF. DR. JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA.

Campinas-SP

2016

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CAROLINA DA SILVEIRA BUENO

Cumulatividade científica e apropriabilidade do

conhecimento: redes de colaboração internacional e o caso

brasileiro no paradigma dos biocombustíveis

Defendida em 19/02/2016

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Esse meu país, de um povo tão sofrido e dependente, eis que algum dia não terás tantas fomes, luta essa que é justa, e assim viverás bem, “— Viverás, e para sempre na terra que aqui aforas: e terás enfim tua roça. — Aí ficarás para sempre” (MELLO NETO, 1968, p. 184).

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– AGRADECIMENTOS –

O Professor José Maria da Silveira, meu orientador e amigo, além de maestro, me é um verdadeiro mestre. Todos o admiram, não somente pela sua identidade intelectual, gosto pela crítica e pelo espírito esportivo ao encarar as trilhas com sua bicicleta, mas também, por um conjunto de qualidades humanas que seria redundante mencioná-las aqui, não cabe. Ele é responsável por esta dissertação.

Dizer que ao longo desses 5 anos de IE, todos que me aceitaram como amiga, pesquisadora, como coautora de seus trabalhos, como companheira nas discussões de pesquisa, nos risos e nos cafés, e me deram a honra de pertencer à esta casa, agradeço o respeito com que fui tratada.

Dizer o quanto agradeço a cada um dos meus amigos e companheiros do NEA seria justo, me ensinaram a ser melhor. Em nome de cada um, cito seus professores, José Maria da Silveira, Walter Belick, Antonio Marcio Buainain, Bastiaan Reydon, Pedro Ramos, Marcelo Justos, Gori, Ivette Luna, como representantes nobres de cada um deles.

Os professores, Antonio Marcio Buainain, meu coorientador e amigo, me deu conselhos valiosos. Me senti honrada por trabalhar ao seu lado. Ester Dal Poz, amiga, companheira em diversos trabalhos, me tornou uma acadêmica melhor, não somente pelos conselhos valiosos nesta dissertação, mas porque me ensinou a ensinar, quando me permitiu ser professora na Unicamp. Lia Hasenclever, na fase final da dissertação, apareceu com tamanha competência e maestria, que considero uma honra imensurável tê-la em minha banca. Lia, de sorrido raro de ver, iluminou a sala. Dizer que esses professores são especiais, pela paciência e bons conselhos nesta dissertação, e que sou eternamente grata.

Marcelo Messias, Fábio Masago, Jaim, Marcelo Magalhães, Camila Sakamoto, Bruno Myamoto, Ana Paula Bueno, Thays Murakami, Affonso Dalla Libera, Armando Fornazier, Suzana Sattamini, Luiz Gustavo, Roney, Elyson e Gi, são especiais por compartilhar comigo várias experiências em congressos, parcerias de trabalho, conselhos e amizade.

Os amigos do IE e em torno dele, Francis Jesus, Priscila Almeida, Carla Silva, Lucas Andrietta, Thiago “Peixe” Franco, Natália Polanco, Gustavo Zullo, Thais Bannwart, Douglas Campanini, Pietro, Luís Abel, Mariane Crespolini, Pier, Delaíde, Juliane, Isabela Isa, Lilian da Rosa e Tiago, Marquinho Haddad, Fabio Pádua, Pedro Henrique Evangelista, Daniel Sampaio, Evaldo, Vitor Tonin, Rodrigo Jourdaír, Carlos Iramina, Larissa, Ednalva Felix, Léo

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e Paulinha, Queren, e muitos outros... obrigada, gente! Pelas risadas, bons drinks, bons papos e café.

Nanci e a família Pastore foram importantes para este trabalho se realizar.

Pablo Cristian, Marília Cintra e Luís Martinelli, são companheiros da primeira república. Chamava-se República Nossa. Éramos seis, depois doze, e depois de alguns anos, fomos morar em quatro: Eu, Gui, Camila e Felipe (em memória). Gui é amigo, Camila tão dedicada com a arquitetura faz nossos encontros serem raros, mas não menos importante.

Valter Palmieri, distraído (assim como eu), como é bom dividir a República da Casinha com você. Sempre bom conselheiro, nossas conversas na hora do café foram importantes nesta dissertação. Assim como Ulisses Rubio, o mais novo companheiro da Casinha, também bom amigo e bom conselheiro nas horas do café. Obrigada! Beatriz Passarelli, a casinha nunca acabará!

A República Constância é especial.

A meu pai, tudo que sou. A minha mãe, tudo que sou. Tenho tantas coisas para dizer, mas não posso, são inefáveis. Assim como para Cauã que me fez sentir o mais puro amor, e para Júlio César e Sérgio. Esta dissertação é para vocês.

Eduardo Ráo é do tamanho do mundo, mas aqui não cabe, só pertence a nós.

Chet Baker, Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia e Vinicius de Moraes fazem parte da trilha sonora desta dissertação.

Agradeço ao Instituto de Economia da Unicamp, à Fapesp e ao CNPq/CAPES, que permitiram que este trabalho fosse realizado.

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RESUMO

Esta dissertação possui dois blocos teóricos. O primeiro apresenta a teoria da inovação, que permite compreender a inovação tecnológica e a dinâmica da inovação sobre suas possibilidades, entre elas, o papel da transferência de tecnologia, da propriedade intelectual e das redes de colaboração internacional. A partir disso, no bloco seguinte, compreende-se o que vem a ser o paradigma tecnológico dos biocombustíveis. A teoria contribui para o entendimento do desenvolvimento dessas tecnologias na dinâmica internacional entre os países que tentam se aproximar dessa fronteira tecnológica. Nesse movimento, o objetivo geral é investigar a base de conhecimento no setor de bioetanol de cana-de-açúcar e, especificamente, o caso brasileiro. São estudadas nove áreas tecnológicas: hidrólise enzimática, marcadores moleculares, deslignificação, genótipos, conversão enzimática, expressão genética, nitrogênio, genômica da fotossíntese e controle de pragas e doenças. Essas áreas são investigadas a partir dos atributos da teoria da inovação de Malerba e Orsenigo; Breschi, Malerba e Orsenigo e Dosi. Segundo os autores, a base de conhecimento está relacionada ao regime tecnológico que define os padrões inovativos segundo as condições de oportunidade, apropriabilidade, cumulatividade e as propriedades ligadas à natureza e à transmissão do conhecimento. A metodologia é de análise de redes de colaboração (Collaborative Networks - CNs) e do método scientometrics. Foi utilizada a base de dados de artigos da ISI Web of Science para investigar a rede de colaboração e a cumulatividade do conhecimento. Para investigar a apropriabilidade são utilizadas patentes das bases de dados da USPTO e Inpi. A base da Derwent Innovation é utilizada para estudar a rede de tecnologia das patentes (IPCs). No caso brasileiro, os resultados sugerem uma desarticulação na base de conhecimento, uma vez que o país é líder no ranking de artigos, mas não tem o mesmo efeito para patentes. O mesmo não se verifica com os principais agentes em colaboração com o Brasil, como os Estados Unidos e a Índia. Discute-se que os ativos intangíveis ligados ao conhecimento, como redes de colaboração internacional, são viés de proxi da inovação radical que está em curso. Conclui-se que fortes ligações estratégicas que caracterizam a cumulatividade da ciência e os vínculos de colaboração entre os países revelam os mecanismos de oportunidade e natureza da inovação.

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ABSTRACT

This thesis has two theoretical blocks. The first presents the theory of innovation, which allows us to understand technological innovation and dynamic innovation in terms of the possibilities of the theory, which include the role of technology transfer, intellectual property and international collaboration networks. In the next block, the technological paradigm of biofuels is understood via a previous understanding of the theory. The theory contributes to understanding the development of these technologies on the international scenario, among the countries that try to reach this technological frontier. Regarding this movement, the general objective is to investigate the knowledge base in the sugarcane bioethanol sector, with a specific focus on the Brazilian case. This research studies nine areas of technology: enzymatic hydrolysis, molecular markers, delignification, genotypes, enzymatic conversion, gene expression, nitrogen, genomics of photosynthesis and control of pests and diseases. These areas are investigated based on the attributes of innovation theory by Malerba and Orsenigo (1995), Breschi, Malerba and Orsenigo (2000) and Dosi (1982; 1988). According to the authors, the knowledge base is related to the technological regime that sets innovative standards according to opportunity, appropriability, cumulativeness and properties related to the nature and transmission of knowledge. The methodology used is an analysis of collaborative networks (Collaborative Networks - NCs) and the Scientometrics method. Articles from the ISI Web of Science database are used to investigate the collaborative network and the accumulation of knowledge. Patent databases of the USPTO and INPI are utilized to investigate the appropriateness. The Derwent Innovation base is used to study the network technology of the patents (IPCs). In Brazil, the results suggest a mismatch in the knowledge base, since the country is leading in the ranking of articles and has few patents. This is not the case for the United States and India, on the basis of articulated knowledge. The study argues that the intangible assets related to knowledge, such as international collaboration networks, are proximal bias of ongoing radical innovation. It concludes that strong strategic links that characterize the accumulation of science and collaboration links between countries reveal the opportunity mechanisms and nature of innovation.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1.1 Usinas de etanol celulósico no mundo – plantas em construção e inauguradas. _______________ 7 Figura 1.2 Programa BIOEN –Divisão Biomassa para Bioenergia, com foco em cana-de-açúcar. _________ 9 Figura 2. 1 Ilustração de Redes. ____________________________________________________________ 37 Figura 2. 2 Ilustração de Grafos – nós (vertices) e links (arestas ou edges). __________________________ 38 Gráfico 2.1 Produção mundial de biocombustíveis (2000-2015). ___________________________________ 45 Gráfico 2.2 Emissão mundial de CO2 per capita (2000-2013). _____________________________________ 46 Figura 2.3 Rotas para produção de bioetanol de 1ª e 2ª gerações. __________________________________ 49 Gráfico 2.3 Demanda de energia – energias renováveis e não renováveis – Brasil (2012-2021). __________ 52 Tabela 2.1 Reduções de emissões de GEE dos biocombustíveis em comparação com a gasolina e diesel – com exclusão do uso da terra e impactos das mudanças. ______________________________________________ 54 Figura 2.4 Representação da estrutura molecular da celulase de cana-de-açúcar. _____________________ 56 Quadro 3.1 Categorias de conteúdo das subáreas e combinação de querys para o levantamento da

cumulatividade científica em bioetanol de cana-de-açúcar (1975-2013). ____________________________ 64 Fig. 3. 1 Ilustração das amostras coletadas das bases de dados para gerar as redes para a acumulatividade científica e tecnológica. ___________________________________________________________________ 65 Figura 3. 2 Ilustração da interface de uma matriz de rede de coautoria – The VantagePoint. ____________ 66 Tabela 3. 1 Número de artigos por subáreas. __________________________________________________ 67 Quadro 3. 2 Sub-classes de IPCs selecionadas para levantamento de patentes bioetanol de cana-de-açúcar. 72 Quadro 4. 1 Cumulatividade – Amostra de artigos em bioetanol de cana-de-açúcar. ___________________ 77 Figura 4. 1 Frequência dos artigos em distribuição global – cumulatividade científica – 1975-2013. ______ 78 Tabela 4. 1 Ranking dos países e distribuição percentual. ________________________________________ 78 Gráfico 4. 1 Depósito de artigos – cumulatividade científica – 1975-2013. ___________________________ 80 Tabela 4. 2 Publicações por ano e defasagem dos períodos _______________________________________ 80 Quadro 4. 2 Cumulatividade científica – subáreas selecionadas de bioetanol de cana-de-açúcar (1975-2013). _______________________________________________________________________________________ 81 Tabela 4. 3 Resultado das subáreas – cumulatividade científica. ___________________________________ 82 Gráfico 4. 2 Ano de depósitos de patentes – apropriabilidade – 1976-2014. __________________________ 83 Tabela 4. 4 Propriedade Intelectual – Ranking das principais empresas depositantes nas subáreas. ________ 84 Tabela 4. 5 Patentes depositadas no Brasil – residente e não residentes ______________________________ 88 Tabela 4. 6 Depósito de patentes PI – Ranking dos maiores depositantes _____________________________ 88 Tabela 4. 7 Percentual de patentes concedidas a residentes estrangeiros – Inpi. _______________________ 89 Tabela 4. 8 Subáreas – citação que as patentes realizaram – USPTO. _______________________________ 90 Figura 4. 2 Rede de colaboração científica dos artigos e o fluxo de colaboração internacional entre os países – Bioetanol de milho. 1975-2013._____________________________________________________________ 91 Figura 4. 3 Rede dos artigos e o fluxo de colaboração internacional entre os países – Bioetanol de cana-de-açúcar. 1975-2013. _______________________________________________________________________ 93 Figura 4. 4 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de hidrólise enzimática. _______________________________________________________________________________________ 95 Figura 4. 5 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de marcadores

moleculares. ____________________________________________________________________________ 96 Figura 4. 6 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de deslignificação. _ 96 Figura 4. 7 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de genótipos. ______ 97 Figura 4. 8 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de conversão enzimática _______________________________________________________________________________________ 98 Figura 4. 9 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de expressão genética. _______________________________________________________________________________________ 98 Figura 4. 10 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de nitrogenio. _____ 99 Figura 4. 11 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de fotossíntese. ___ 99 Figura 4. 12 Sub-rede de colaboração científica entre as áreas de pesquisa na subárea de controle de pragas e doenças ______________________________________________________________________________ 100 Figura 4. 13 Rede de IPCs entre as patentes – amostra Derwent. _________________________________ 101

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SUMÁRIO

I – INTRODUÇÃO – ... 1

II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA – ... 14

Introdução ... 15

PARTE I: Inovação e progresso técnico ... 16

2.1 Teoria da inovação e a agricultura moderna ... 16

2.2 A transmissão do conhecimento ... 27

2.2.1 Conhecimento e propriedade intelectual ... 28

2.2.2 Redes de colaboração internacional ... 35

PARTE II: Biocombustíveis... 44

2.3 O paradigma tecnológico dos biocombustíveis ... 44

III – METODOLOGIA – ... 60

Justificativas ... 61

3.1 Cumulatividade ... 62

3.2 Apropriabilidade ... 68

3.3 Redes de colaboração ... 71

IV – RESULTADOS EMPÍRICOS DAS AMOSTRAS PARA CUMULATIVIDADE, APROPRIABILIDADE E REDES – ... 74 Introdução ... 75 4.1 Cumulatividade ... 76 4.2 Apropriabilidade ... 83 4.3 Redes de colaboração ... 92 V – CONCLUSÕES – ... 103 6. Referências ... 109 7. Anexos ... 121

7.1 Cumulatividade científica – Subáreas. ... 121

7.2 Apropriabilidade – amostra 144 patentes – USPTO. ... 122

7.3 Apropriabilidade – amostra 82 patentes – INPI. ... 126

7.4 Amostra – patente x Assignee – Derwent. ... 129

7.5 Amostra IPCs – Redes de colaboração – Derwent. ... 143

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conhecimento é valioso para a humanidade. Foi ele que determinou as mudanças estruturais que contam a história dos homens, como a descoberta do fogo, a invenção da roda, o período da máquina a vapor, da eletricidade, do petróleo, entre outros. Impulsionou também, de maneira decisiva, questões como as práticas culturais, sociais etc. A linguagem e a cultura permitiram ao homem ultrapassar os limites impostos pelo seu próprio corpo. Através de suas criações, hoje ele é capaz de deslocar-se no ambiente a grandes distâncias e de maneira rápida, explorar partes minúsculas dos organismos vivos e também as dimensões do universo. Desse modo, o homem não apenas se adaptou ao ambiente como também o modificou. Na teoria da evolução de Charles Darwin (1809-1882), as espécies vão evoluindo conforme a adaptação ao meio, onde adaptar-se é o mesmo que sobreviver. Segundo Darwin, os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances de sobrevivência do que os menos adaptados, deixando um número maior de descendentes. Os organismos mais bem adaptados são, portanto, selecionados para aquele ambiente. A mesma ideia foi incorporada à Economia Evolucionária, na qual adaptar-se ao mercado é o mesmo que sobreviver nele. Essa adaptação decorre da força impulsionadora que move a história da humanidade: o conhecimento.

Foi Joseph Schumpeter (1883-1950) quem melhor ensinou sobre o caráter da natureza do conhecimento nas economias capitalistas: “All knowledge and habit once

acquired become as firmly rooted in ourselves as a railway embankment in the earth”.

Conforme sua principal concepção, o sistema capitalista sobrevive em permanente transformação e, pela sua própria natureza, nunca pode estar estacionário. Nessa visão, a inovação é por excelência o meio pelo qual as firmas buscam alcançar ou “sobreviver” no mercado. Em economias capitalistas, a força poderosa da inovação é de natureza tecnológica.

A inovação tecnológica, em sentido amplo, pode ser entendida como sendo uma combinação de conhecimentos, novos ou antigos, que podem se originar tanto nos campos científicos quanto nos tecnológicos. O conhecimento pode ser uma inovação tecnológica à medida que houver uma introdução bem-sucedida no mercado, que transforma, em alguma medida ou radicalmente, as estruturas interindustriais e, consequentemente, a sociedade (Schumpeter, 1942). Novas descobertas tecnológicas introduzidas no mercado ampliam assimetrias e vantagens competitivas entre as firmas capitalistas no processo da concorrência, mas, muito mais que ampliar assimetrias entre as firmas, a inovação tecnológica cria novos mercados (Teece, 1996; Chesnais, 1996; Porter, 1986). Parte dessa elucidação, exposta pelos autores, insere a inovação tecnológica como sendo o motor condutor da dinâmica da

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concorrência capitalista, que tem na sua natureza um processo incessante de criação e destruição (creative destruction). É dessa natureza capitalista que são formados os novos arranjos industriais e a permanente transformação das estruturas de mercado1.

As transformações estruturais e os novos arranjos industriais que incidiram na agricultura brasileira são um exemplo: em poucas décadas, o país passou abruptamente do complexo rural para os complexos agroindustriais. O novo padrão agrícola, que tem como base a biotecnologia e a aplicação de tecnologia da informação (TI), está radicalmente ancorado nas inovações tecnológicas e representa uma ruptura com o padrão produtivo do modelo tradicional (Kageyama et al., 1990; Gasques et al., 2001, 2010; Buainain et al., 2013, 2014), cuja prática era transmitida no dia a dia da atividade, de pai para filho.

Ao mesmo tempo que o progresso técnico mudou radicalmente a produtividade agrícola, tendo como centro articulador do processo a revolução da base biológica – do melhoramento genético até a moderna biotecnologia –, também gerou complexos arranjos produtivos que envolvem a inovação em todas as suas modalidades (Vieira-Filho; Silveira, 2011; Silveira, 2014), alterando as bases estruturais que vão desde questões da produtividade até da ordem política, econômica e social. Tais resultados fornecem evidências de que as transformações da produção agrícola brasileira, mais do que resultantes de mudanças no processo de produção, são decorrentes da criação de um conjunto inovativo de capacitações e de infraestrutura, que passou a constituir um sistema competitivo denominado de nova complexidade agrícola.

Essa nova complexidade compreende não só uma forte interação entre Ciência, Tecnologia e Inovação, mas também a participação popular, por vezes não qualificada do ponto de vista técnico, que vai das Organizações Não Governamentais (ONGs) aos movimentos sociais, passando por instituições públicas e privadas (Lopes, 2014). Com isso, a nova complexidade inclui o chamado “espaço simbólico” (Bourdieu, 1996), que capta a importância da percepção dos efeitos associados ao processo inovativo e resulta em proposições de política. Este é o caso que vem acontecendo no paradigma tecnológico dos biocombustíveis2. Isso porque, desde meados da década de 1970, com as duas crises internacionais do

1 A teoria da inovação envolve um elevado nível de complexidade com determinantes em um plano

microeconômico e macroeconômico. Neste trabalho, o objetivo em apontar a teoria da inovação é modesto, uma vez que cumpri a função da lógica que formou todo o objetivo da presente dissertação, cujo intuito é apontar a dinâmica do conhecimento e da inovação na construção do paradigma dos biocombustíveis.

2 Paradigma tecnológico pode ser entendido como um projeto dominante, ou seja, trata-se do

determinante maior que define o campo das dúvidas, dos problemas e das soluções, e o progresso técnico é determinado por certo paradigma tecnológico (Dosi, 1988). Portanto, um paradigma

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petróleo, diversos países empreenderam esforços para desenvolver, testar e viabilizar a produção de combustíveis alternativos aos derivados do petróleo. Nesse período, o propósito em promover a substituição dos combustíveis fósseis estava no interesse da maioria dos países em diminuir a dependência dos países exportadores de petróleo, diante da alta do preço. Atualmente, o principal fator de fortalecimento do paradigma tecnológico dos biocombustíveis, além da incerteza do preço do petróleo no mercado internacional (GBEP, 2011; HLPE, 2013; Goldemberg, 2007), tem sido o papel dos acordos internacionais entre os governos3 no que tange à preocupação com os níveis de emissão dos gases de efeito estufa (greenhouse gases – GHG), combinado ao imenso impacto (espaço simbólico) que a percepção do problema do aquecimento global acarretou sobre as visões acerca do futuro da humanidade.

O Brasil e os Estados Unidos construíram esse paradigma tecnológico há algumas décadas, respectivamente, com trajetórias tecnológicas para o etanol de cana e o etanol de milho, denominados de biocombustíveis de 1ª geração (1G). Os dois países conseguiram viabilizar em larga escala o bioetanol. O Brasil, em particular, tornou-se uma referência mundial na viabilização dos biocombustíveis (HLPE, 2013), influenciando políticas em diversos países, incluindo a América Latina e o Caribe. Todavia, o paradigma ainda está em sua infância, com novas gerações de biocombustíveis sendo testadas, como os de 2ª (2G) e 3ª (3G) geração. Isso porque o presente debate sobre a emissão dos gases de efeito estufa, incluindo o “espaço simbólico”, está impulsionando diversos países a se aproximar dessa fronteira tecnológica e está sendo visto como uma necessidade atual da economia, devido ao aquecimento global (HLPE, 2013, 2012a, 2012b,2011a, 2011b), e como uma oportunidade clara de mercado.

No caso dos biocombustíveis 1G, geralmente referem-se ao etanol de culturas convencionais ricas em açúcar (como é o caso da beterraba, da cana-de-açúcar, do sorgo) e ricas em amido (como milho, trigo, mandioca), além das ricas em oleaginosas (como soja, girassol, palma). Temos como exemplo o etanol de cana-de-açúcar, o etanol de milho, entre outros. Essas culturas representam matérias-primas que também podem ser utilizadas para consumo humano e animal. tecnológico define onde os esforços dos agentes serão concentrados. No caso do entendimento sobre biocombustíveis, este é considerado um termo amplo, que se refere a qualquer forma de energia renovável produzida a partir de materiais derivados de fontes biológicas (Santos, 2011). O uso destes materiais, encontrados nas matérias-primas, nos resíduos de atividades agrícolas, agroindustriais, florestais e de atividades da vida urbana, insere-se no campo da bioenergia.

3 A última Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP21), realizada em

dezembro de 2015 em Paris, destaca o debate de como alcançar um novo acordo internacional sobre o clima, aplicável a todos os países, com o objetivo de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, diminuindo o aquecimento global e suas consequências para o clima. Cerca de quarenta mil pessoas de todo o mundo participaram do evento, entre líderes mundiais, representantes de governos, pesquisadores, representantes de ONGs voltadas à defesa do meio ambiente, ativistas e estudantes. Fonte: < http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/11/conferencia-do-clima-comeca-em-paris-e-discute-o-futuro-do-planeta.html>. Acesso em: 2 jan. 2016.

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Biocombustíveis 2G são produzidos a partir da biomassa de materiais – que tem como base os subprodutos agrícolas (como o caso da palha e do bagaço), os resíduos florestais (cascos, restos de talhas), os resíduos de biorrefinarias e o lixo doméstico – por duas vias tecnológicas possíveis. As duas rotas para obter etanol 2G são: a via bioquímica, que inclui a hidrólise dos materiais lignocelulósicos para posterior fermentação dos açúcares obtidos a etanol, e a via termoquímica, que envolve o aquecimento da biomassa em altas temperaturas e pressões, em geral mais elevada que o processo bioquímico para obter biomassa líquida (BTL fuels). Rotas termoquímicas são mais flexíveis em termos de matérias-primas utilizadas, bem como na diversidade de combustíveis que podem ser obtidos (HLPE, 2013). Biocombustíveis 3G normalmente referem-se àqueles que não competem com culturas alimentares nem com terras. Biocombustíveis à base de algas enquadram-se nessa categoria4.

É importante salientar que o processo para obtenção de biocombustíveis 2G envolve a degradação das estruturas celulares das plantas, a saber: celulose, hemicelulose, lignina e pectina5, para obtenção dos açúcares que serão convertidos em etanol. Em outras palavras, através de processos bioquímicos/ biofísicos que degradam a estrutura celular contida na biomassa, é possível obter etanol com as mesmas características do seu antecessor de 1G. Tanto os mecanismos de ação das celulases quanto a escolha da enzima de interesse para romper os açúcares contidos na biomassa envolvem um elevado nível de conhecimento técnico-científico. Essa compreensão é importante para destacar que não se trata de um conhecimento trivial, facilmente desenvolvido ou aplicado pelos agentes, e sim de um conjunto complexo de tecnologias e conhecimentos que foram constituídos ao longo do tempo, desde o início do paradigma, ou até mesmo antes dele.

4 No Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Agroenergia sinalizou projetos

de pesquisas para biocombustível 3G. Fonte: <http://www.unica.com.br/noticia/ 1772993292038151244/biocombustivel-de-algas-pode-ser-futuro-etanol-de-3-por-centoC2-por-centoAA-geracao/>.Acesso em: 21 jun. 2014.

5 Celulose é um polímero de unidades de D-glicose com ligações glicosídicas, beta (1→4), constituinte

estrutural da parede celular de plantas. Longas cadeias de celulose cristalina fazem ligações de hidrogênio. Quanto maior o grau de cristalinidade, mais difícil o ataque enzimático. A hemicelulose é um heteropolissacarídeo composto por pentoses (xilose, arabinose), hexoses (glicose, manose, galactose) e ácidos de açúcares (ácido glicurônico) – diferente da celulose, é majoritariamente amorfo e ramificado. Lignina é um heteropolímero amorfo que consiste em três diferentes unidades de fenilpropanos: álcool p-cumarílico, álcool coferílico e álcool sinapílico – sua função é conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques mecânicos e microbiológicos aos tecidos vegetais. A lignina tem um poder calórico muito grande. A pectina é um polissacarídeo ramificado constituído principalmente de unidades de ácido galacturônico. A pectina é um dos componentes mais abundantes da parede celular primária de plantas que florescem; a grande exceção é a família Poaceae (cana-de-açúcar, milho, trigo, arroz...) com quantidades bem menores. As celulases são classes de enzimas produzidas essencialmente por fungos, bactérias e protozoários, que catalisam a hidrólise da celulose. As celulases estão presentes em diversos organismos, incluindo plantas, microrganismos e animais. Na degradação da celulose, três diferentes tipos de enzimas estão envolvidos: endoglucanases, exoglucanases e beta-glucosidases (Santos, 2011).

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Dosi (1982, 1988) explicou que o conhecimento técnico é cumulativo e vai melhorando gradativamente ao longo do tempo. Portanto, é perfeitamente plausível considerar que as pesquisas com os biocombustíveis 2G e 3G estão baseadas em experiências passadas, ou seja, tanto o desenvolvimento de um como do outro, em grande medida, estão baseados em aprendizados que foram obtidos com os biocombustíveis de 1ª geração.

Esse processo de transformação da biomassa em etanol lignocelulósico (2G) representa, atualmente, a fronteira tecnológica da bioenergia. Um exemplo dessa fronteira tecnológica está no trabalho desenvolvido por Fraga Souza et al. (2016). Foram investigadas 46 frentes emergentes de pesquisa em bioenergia através da análise de artigos publicados na base de dados da Web of Science. Os autores classificaram essas frentes de pesquisa em quatro grupos. No primeiro grupo está inserido o bioetanol 1G e 2G, mas se refere praticamente ao etanol 2G. O segundo grupo corresponde ao biodiesel, o terceiro corresponde a bio-hidrogênio e biogás, e ao quarto grupo pertencem as tecnologias 3G, na qual os biocombustíveis a partir de algas se enquadram. Segundo os autores, o grupo escolhido para ser campeão é o primeiro grupo, ou seja, bioetanol 1G e, mais especificamente, o bioetanol 2G. O grupo de 3ª geração não apresenta ameaça para o primeiro grupo, porque são desenvolvimentos e processos tecnológicos diferentes.

Outro trabalho nesse sentido foi desenvolvido por Souza et al. (2015), no qual se evidencia um número impressionante de alternativas sobre diferentes tipos de biomassa, processos e subprodutos, ou seja, uma matriz complexa de oportunidades tecnológicas e exigências que geram um incentivo claro para a colaboração internacional. Através de abordagens scientometrics6, os autores construíram redes de colaboração (Collaborative Networks – CNs) para o etanol 2G (lignocelulósico) para todos os tipos de materiais. O estudo analisou 6.053 artigos científicos da base de dados Web of Science publicados até 2012. Os resultados mostram que os Estados Unidos estão em uma posição melhor do que outros países, com destaque para a universidade em seu Sistema de Inovação (Innovation System – IS), enquanto a China se revela uma grande aliada dos Estados Unidos em relação à produção de tecnologias para a produção de etanol lignocelulósico. O Brasil, no entanto, não aparece bem posicionado na rede, apesar de estar ao lado dos Estados Unidos na liderança mundial de produtividade do etanol 1G.

O desenvolvimento mais recente nesse sentido é percebido na indústria. Algumas plantas industriais começaram a ser implementadas ou já estão operando suas atividades em bioetanol 2G em diversas partes do mundo (Figura 1.1). Os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do

6 É definida como o estudo da mensuração do progresso científico e tecnológico, que consiste na

avaliação quantitativa e na análise das intercomparações da atividade, produtividade e progresso científico. Consiste em aplicar técnicas numéricas analíticas para estudar a ciência da ciência. Consiste no tratamento e na análise estatística da mensuração destes resultados e desenvolvimentos através das diferentes publicações científicas refletidas em artigos, livros e em revistas científicas (Santos, 2004).

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etanol via resíduos estão em curso em diversos países, e mesmo que ainda não esteja definida uma trajetória tecnológica (Dal Poz; Silveira et al., 2015; Murakami, 2015), a mudança de trajetória no paradigma já começa a induzir os efeitos industriais.

Figura 1.1 Usinas de etanol celulósico no mundo – plantas em construção e inauguradas. Fonte: Nova Cana (2015).

São 27 plantas industriais. Destas, oito foram inauguradas: a GranBio e a Raízen no Brasil (biomassa da cana-de-açúcar), a Beta Renewables na Itália (palha de arroz e bagaço da cana-de-açúcar) e cinco nos Estados Unidos, entre elas a Abengoa Bioenergy (biomassa do trigo e do milho). Duas plantas industriais estão em construção nos Estados Unidos, a Dupont e a BlueFire Renewables. Quinze ainda estão na fase de planejamento, entre elas, são quatro no Brasil, três na Itália, três nos Estados Unidos, uma no Canadá, uma na Dinamarca, uma na Malásia, uma na Eslováquia. A China tem uma usina em planejamento com previsão de produzir 235 milhões de litros por ano. Entre as matérias-primas utilizadas, as principais são originadas da biomassa do milho e da cana-de-açúcar.

Uma ressalva: na data em que foram disponibilizados os dados da Nova Cana, a planta industrial da empresa DuPont aparecia em construção, porém, essa planta acabou de ser inaugurada7, instalada em Nevada (Estados Unidos), em evento realizado em outubro de 2015. A empresa apresentou a maior usina de etanol celulósico do mundo, com capacidade para produzir 30 milhões de galões por ano.

7 Fonte: <

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Várias dessas tecnologias aplicadas encontram-se em estágio inicial de desenvolvimento. Dal Poz e Silveira (2015) mostram que há uma fronteira de expansão tecnológica, porque ainda não existem trajetórias tecnológicas definidas e os bioprocessos demandam novas enzimas e processos fermentativos. Portanto, quanto à estratégia adotada, ainda está marcada pela incerteza e os rumos do mercado futuro do bioetanol, uma vez que não há uma tecnologia líder e uma trajetória dominante no paradigma.

Em detrimento desse novo padrão tecnológico de concorrência, o Brasil posiciona-se como um dos mais estratégicos no mercado de bioetanol mundial. Primeiro, porque combina capacidade produtiva e margens elevadíssimas de terras agricultáveis (Furtado, 2011), e segundo, o país possui uma forte cumulatividade dos ativos intangíveis ligados ao conhecimento, como o cultivo secular da cana-de-açúcar e na viabilização de sucesso do etanol 1G, não facilmente acessíveis ou copiáveis. Soma-se a isso que o bioetanol de cana-de-açúcar foi considerado o melhor em termos de custo e produtividade, mas, principalmente, pela redução dos níveis de emissão dos gases de efeito estufa (HLPE, 2013).

Além disso, o Brasil está desenvolvendo uma infraestrutura de P&D na rota do etanol 2G. Pode-se citar o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), a Embrapa, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), a Petrobras Biocombustíveis (Pbio) e a Rede Interuniversitária de Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa). Outro incentivo importante é o programa temático em doutoramento na área, envolvendo a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em 2008, foi criado o Programa de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Este programa em particular exerce um papel especial na presente dissertação.

O desenvolvimento do projeto temático “Desenho organizacional do programa BIOEN: propriedade intelectual, mecanismos de incentivo e avaliação e impactos”8, realizado por coordenação do Prof. Dr. José Maria F. Jardim da Silveira e financiado pela Fapesp, resultou na formulação de um projeto organizacional que envolve os projetos do programa de Bioenergia, BIOEN-Fapesp, considerando três abordagens básicas: a) análise das demandas devido a distintas formas de propriedade intelectual de tecnologias, insumos e material genético que podem bloquear ou criar situações de risco para a continuidade de

8 Para informações sobre o projeto, consultar a página do programa temático BIOEN-Fapesp no site:

< http://www.bv.fapesp.br/pt/auxilios/6488/desenho-organizacional-do-programa-bioen-propriedade-intelectual-mecanismos-de-incentivo-e-avaliac/>.

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projetos específicos ou mesmo do próprio programa; b) análise preparatória de planos de negócios baseados na construção de “modelos” de exploração econômica de BIOEN resultados da investigação em diferentes níveis, de produtos intermediários e insumos para produtos finais, por exemplo, a nova variedade melhorada.

O estudo também incluiu a relação entre diferentes projetos e um sistema de incentivos, e os cenários de formação de parcerias para o desenvolvimento de produtos; c) um bloco de avaliação de impacto ex-ante que fornece subsídios para a formulação de planos de negócios, com base nos resultados da investigação. O projeto do desenho organizacional considerou a divisão temática do Programa BIOEN, a saber: a) biomassa para bioenergia (com foco em cana-de-açúcar); b) processo de fabricação de biocombustíveis; c) biorrefinarias e alcoolquímica; d) aplicações do etanol para motores automotivos.

Assim, através desse projeto, pode-se alocar os pesquisadores relacionados ao projeto nas divisões anteriormente citadas que mais se assemelham a sua pesquisa. Quando necessário, foram criadas subdivisões, para facilitar os estudos de sinergia e inter-relações. Esse procedimento resultou em um do desenho do programa, com uma estrutura organizacional de quatro divisões principais e a subdivisão de biomassa e suas diferentes áreas tecnológicas. O resultado é ilustrado na Figura 1.2.

Figura 1.2 Programa BIOEN –Divisão Biomassa para Bioenergia, com foco em

cana-de-açúcar.

Fonte: Desenho organizacional do programa BIOEN: propriedade intelectual, mecanismos de incentivo e avaliação e impactos, coordenação de José Maria F. Jardim da Silveira. Fapesp, vigência, 2009-2013.

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A área tecnológica da divisão de biomassa com foco em cana-de-açúcar foi escolhida para a investigação desta dissertação. Como ilustra a Figura 1.2, esta divisão é composta de nove áreas do conhecimento; estas áreas, nesta dissertação, são denominadas de subáreas. Como já mencionado anteriormente, os trabalhos de Fraga Souza et al. (2016) e Souza et al. (2015) analisaram, respectivamente, frentes de pesquisas emergentes em bioenergia e redes de colaboração em bioetanol 2G, através de artigos e patentes. O presente estudo, em paralelo aos citados, investiga especificamente tecnologias relacionadas ao bioetanol de cana-de-açúcar.

Nesse sentido, a dissertação analisa artigos e patentes no tema do bioetanol de cana-de-açúcar nos temas das subáreas da divisão de biomassa (ilustrada na Figura 1.2). A saber: hidrólise enzimática, marcadores moleculares, deslignificação, genótipos, conversão

enzimática, expressão genética, nitrogênio, genômica da fotossíntese e controle de pragas e doenças.

Os conhecimentos representados nos artigos e nas patentes são, em grande medida, construídos a partir de conhecimentos e descobertas anteriores (Scotchmer, 2004). Embora nem todo tipo de tecnologia derive da pesquisa científica e nem todos os resultados da pesquisa se transformem em tecnologia, cada vez mais o conhecimento científico passou a ser o insumo mais importante de um número crescente de tecnologias. Como as patentes e os artigos científicos são o conhecimento codificado e público, a divulgação de informações científicas e tecnológicas relacionadas ao conhecimento novo e o seu caráter cumulativo faz dessas informações um importante insumo para estudos na área da economia da inovação (Sabato, 2011). Nesse sentido, são importantes indicadores para investigar a evolução de atividades econômicas e de bases de conhecimento.

O problema é que com o crescimento exponencial de informações científicas e tecnológicas (Etzkowitz, 2012, 2013; Wagner; Leydesdorff, 2005), analisar grandes quantidades de informação tornou-se um dos maiores desafios do século XXI. As áreas do conhecimento que vem operando para avaliar amplos conjuntos de dados complexos (Big

Data), que os processamentos tradicionais ainda não conseguem lidar, são a Ciência da

Computação e a Ciência da Informação, por meio dos métodos de scientometrics (Myers, 1995; Shibata, 2008). Os desafios dessas áreas incluem a análise, captura, compartilhamento, armazenamento, transferência e visualização das informações, ou seja, transformar uma grande quantidade de dados em um conjunto de informações estruturadas capazes de demandar novas soluções.

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Entre as metodologias mais comumente usadas, no sentido de analisar atividades econômicas de inovação, está a investigação de patentes, por exemplo, a classificação tecnológica de patentes (IPCs)9. Um exemplo é o trabalho de Dal Poz, Silveira e Masago (2013), em que foram construídas redes baseadas em citações de IPCs relacionadas ao setor de bioenergia no período de 1976 a 2012. Os autores concluíram que, diferentemente da área de plantas transgênicas (em que as trajetórias foram claramente identificadas por esse método), em bioetanol ainda não foram identificadas trajetórias tecnológicas.

No tema desta dissertação, as amostras de informações de artigos e patentes são utilizadas para identificar os países intensivos em ciência (cumulatividade), intensivos em patentes (apropriabilidade) e a dinâmica das redes de colaboração internacional (oportunidade, natureza e transmissão do conhecimento). Essas informações foram eleitas para compreender em que medida os países que são intensivos em ciência estão focalizando seus esforços na apropriabilidade de suas invenções, e em que medida as redes de colaboração influenciam o desenvolvimento dessas tecnologias. Essas dimensões, em seu conjunto de análise, fornecem os elementos que caracterizam os países em direção ao paradigma dos biocombustíveis e das relações intrínsecas ligadas ao conhecimento.

A base dessa investigação incorpora os atributos da teoria da inovação de Malerba e Orsenigo (1995), Breschi, Malerba e Orsenigo (2000) e Dosi (1982, 1988). Segundo os autores, a base de conhecimento está relacionada ao regime tecnológico que define os padrões inovativos segundo as condições de oportunidade, apropriabilidade, cumulatividade e as propriedades ligadas à natureza e à transmissão do conhecimento. Os autores sugerem que quanto maior for a articulação entre essas propriedades, maior será a chance de crescimento e transformação na economia. Este trabalho entende que, através da metodologia de rede de colaboração internacional (CNs) e do método scientometrics, é possível prever essas propriedades para o tema do bioetanol, e a qual se justifica esta dissertação.

As propriedades da base de conhecimento são constituídas em duas características essenciais: a natureza e a transmissão do conhecimento. Na primeira, o conhecimento tecnológico é definido pelo seu grau de especificidade, de codificação e de complexidade. O conhecimento é dito específico à medida que é codificado e voltado às aplicações industriais. É exatamente as mudanças dessa base, tanto por fatores exógenos quanto endógenos, que

9A International Patent Classification (IPC) é um sistema internacional de classificação do conteúdo

técnico dos documentos de patente que são depositados/ publicados nos diversos escritórios existentes. Como cada país adota um sistema de classificação próprio, a IPC surgiu para uniformizar as classificações a fim de facilitar a busca e recuperação dos documentos, viabilizar análises referentes à evolução/ desenvolvimento de áreas/ temas de interesse, permitir a construção de estatísticas, entre outros propósitos. A publicação oficial da IPC pode ser acessada pelo site: World Intellectual Property Organization (WIPO). Disponível em: <http://www.wipo.int/classifications/ipc/en/>.

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podem revelar possibilidades de explorar novos mercados, de produzir novos produtos e de aplicar novas técnicas produtivas.

Nesse sentido, a metodologia atribui duas investigações a serem realizadas. A primeira investigação, apresentada no Capítulo III, na seção 3.1 e 3.2, é a delimitação do tema “bioetanol de cana-de-açúcar” pela seleção prévia de palavras-chave para artigos, e a combinação de palavras-chave e IPCs para patentes, ambas diretamente relacionadas a esse tema. A amostra de artigos é coletada da ISI Web of Science, e as amostras de patentes são coletadas das bases United States Patent and Trademark Office (USPTO) e Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), respectivamente, os escritórios de patentes dos Estados Unidos e do Brasil, os dois maiores produtores de bioetanol. Essa investigação permite obter informações sobre a cumulatividade do conhecimento científico e a apropriabilidade. A segunda investigação é apresentada na seção 3.3 e trata-se da identificação da rede de colaboração internacional (CNs) para investigar as relações de coautoria entre os países no desenvolvimento dessas tecnologias. A amostra utilizada para gerar a rede e as sub-redes foi da ISI Web of Science. E, para gerar a rede de tecnologias (IPCs), a amostra é de patentes da Derwent Innovation.

A metodologia descrita permite responder às seguintes questões: quais são os países intensivos em ciência (cumulatividade)? Os países intensivos em ciência estão patenteando (apropriabilidade)? Qual a intensidade de colaboração internacional nas pesquisas (natureza e transmissão)? Todavia, a pergunta principal a ser respondida é: O Brasil apresenta articulação entre essas propriedades da base de conhecimento no paradigma dos biocombustíveis?

A dissertação está estruturada em três capítulos, além desta introdução e da conclusão.

O Capítulo II apresenta a fundamentação teórica dividida em duas partes. A parte I discorre sobre inovação e progresso técnico e está dividida em duas seções: a seção 2.1 apresenta a teoria da inovação e a agricultura moderna, e a seção 2.2 avança para conceitos de transmissão do conhecimento, como a dinâmica do conhecimento e da propriedade intelectual, e redes de colaboração. Esta última seção enfatiza o papel das redes de conhecimento na dinâmica internacional entre os países, para que eles tentem se aproximar da fronteira tecnológica. As seções darão embasamento para entender o paradigma dos biocombustíveis, na parte II do capítulo.

O Capítulo III traz a metodologia dividida em três seções. A primeira apresenta os procedimentos para colher as amostras para investigar a cumulatividade, a seguinte apresenta

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os procedimentos para obter a amostra de apropriabilidade, e a terceira apresenta as redes de colaboração internacional.

O Capítulo IV traz os resultados empíricos para cumulatividade, apropriabilidade e redes de colaboração. Cada um desses resultados são apresentados em seções independentes.

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Introdução

“All knowledge and habit once acquired become as firmly rooted in ourselves as a railway embankment in the earth” (Joseph A. Schumpeter, 1942).

Este capítulo busca apresentar os elementos que constituem a teoria da inovação como parte indissociável para entender a agricultura moderna, na qual se insere o campo dos biocombustíveis. Em outras palavras, é preciso compreender o todo: inovação e progresso na agricultura não podem estar independentes. Somente a partir disso pode-se compreender o que vem a ser o paradigma tecnológico dos biocombustíveis.

Iniciamos com a apresentação do conceito de inovação. O objetivo não é dar sustentação a um exercício novo, mas mostrar como as formulações estão fundamentadas em diferentes concepções, o que é útil para ajudar a esclarecer como ocorrem os processos inovativos das atividades agrícolas, sobretudo a dos biocombustíveis. Em seguida, apresentamos subitens relacionados às possibilidades da inovação, associando-as com o progresso técnico.

Com isso, faz-se uma primeira apresentação da natureza do processo inovativo nas economias capitalistas e do crescimento associado a certos parâmetros, por exemplo, da propriedade intelectual (PI) e das redes de colaboração internacional, visando a evidenciar a complexidade da inovação, uma vez aceita a ideia de que uma inovação tecnológica e suas especificidades possam ser reconhecidas como elemento central indutor do progresso técnico.

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PARTE I: Inovação e progresso técnico

2.1 Teoria da inovação e a agricultura moderna

Conceituar precisamente a teoria da inovação é importante, uma vez que frequentemente é confundida com resultados de medidas de política. Os enfoques neoclássicos, que são identificados como a principal corrente do moderno pensamento econômico, ligados a uma noção de eficiência alocativa, sempre tiveram dificuldades em tratar do processo inovativo na economia, a despeito do reconhecimento de sua importância (Silveira, 2002; Solow, 1995).

Um dos exemplos das dificuldades encontradas pela tradição neoclássica em analisar os processos inovativos é dado pela teoria da inovação induzida (TII). Foram Hayami e Ruttan que difundiram de forma mais sistemática os estudos sobre a escassez relativa dos fatores e sua influência na mudança técnica (Silveira, 2002). Analisando casos de países como Estados Unidos, Inglaterra e Japão, os autores propuseram-se a tarefa de contrastar o desenvolvimento histórico da agricultura nos países desenvolvidos. A TII apresenta uma tentativa de esclarecer o impacto que tem a disponibilidade relativa de recursos na direção da mudança técnica. Ou seja, as tecnologias são desenvolvidas de modo que facilitem a substituição de fatores relativamente escassos por outros relativamente abundantes (Ruttan, 1985).

A teoria tenderia a uma perspectiva dinâmica em relação às mudanças existentes na disponibilidade de recursos e no crescimento da demanda. Por isso, atribui-se grande significação à pesquisa orientada para o processo de substituição de fatores mais escassos. Esse pensamento foi amplamente difundido nas décadas de 1970 e 1980, e fielmente seguido pela teoria econômica neoclássica nos anos que se seguiram. Persiste na visão de que existem ajustes institucionais orientados para recolocar recursos de uma maneira eficiente, em que o equilíbrio não é a expressão do consenso social ou do controle hegemônico, e sim, simplesmente, de um resultado de uma melhor distribuição. A TII nega, portanto, os aspectos da concorrência e formula uma teoria em que os preços relativos induzem à mudança tecnológica visando a economizar o “fator escasso”. Ponto que está diretamente associado às dificuldades da teoria neoclássica em conciliar eficiência alocativa e dinâmica da concorrência (Chiaromonte; Dosi, 1993; Possas; Salles-Filho; Silveira, 1996).

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O intuito em apontar brevemente a teoria neoclássica, exposta anteriormente, não está em detalhar a ineficiência da teoria no que diz respeito a explicar a inovação – isto já foi realizado amplamente e está bem consolidado pela escola heterodoxa do pensamento econômico –, mas em destacar que a inovação não pode ser vista somente como fatores entre oferta e demanda. Ela deve ser vista à luz de fenômenos como path dependence (no qual o passado influencia o rumo das trajetórias futuras) e apropriabilidade da inovação, que são indicadores robustos para explicar o fenômeno da inovação a que se propõe a presente dissertação.

A priori, o progresso técnico deve ser entendido como uma das principais forças

de crescimento e mudança estrutural na economia, como propõe o trabalho An evolutionary

theory of economic change, dos autores Nelson e Winter. Na obra, de 1982, os autores

apresentam um esquema analítico para tratar do progresso técnico e do processo de concorrência onde não existem pontos de equilíbrio nem comportamento maximizador dos agentes econômicos. A obra constitui-se num rompimento teórico com a concorrência perfeita neoclássica, reabrindo o diálogo teórico. Entre as principais contribuições, encontram-se a irregularidade no ritmo das inovações, o processo de aprendizado sobre a direção do processo de mudança técnica, a subordinação dos programas de pesquisa das firmas e a capacidade inerente a determinadas invenções de alterar radicalmente a matriz de relações interindustriais. Essa perspectiva está fundamentada, essencialmente, na visão schumpeteriana da concorrência. Joseph Schumpeter10 (1883-1950) ensinou o caráter não estacionário do sistema capitalista, pois este sobrevive em permanente transformação e, pela sua própria natureza, nunca pode estar estacionário. Nessa concepção, a inovação é por excelência o meio pelo qual as firmas buscam alcançar ou “sobreviver” no mercado e é parte de um processo incessante, em que se cria e se destrói. A inovação é entendida como todo o conhecimento, ou seja, de qualquer natureza, que pode surgir de qualquer lugar. Entretanto, em economias capitalistas, a força poderosa da inovação é a de natureza tecnológica (Schumpeter, 1942). O conhecimento pode se tonar uma inovação tecnológica à medida que houver uma introdução bem-sucedida no mercado, que transforma, em alguma medida ou radicalmente, as estruturas interindustriais.

As transformações estruturais, decorrentes da inovação, que incidiram na agricultura brasileira são um exemplo: em poucas décadas, passamos abruptamente do complexo rural para os complexos agroindustriais. O novo padrão agrícola está radicalmente

10 O mais rico pensamento de Schumpeter pode ser visto em duas importantes obras: Capitalismo,

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ancorado nas inovações tecnológicas, e representa uma ruptura com o padrão produtivo do modelo tradicional, cuja prática era transmitida no dia a dia da atividade, de pai para filho (Kageyama et al., 1990; Gasques et al., 2001, 2010; Buainain et al., 2013, 2014). Atribui-se a essa transformação uma combinação de trabalho e renda (Maia; Sakamoto, 2013), processos de agroindustrialização, expansão e ocupação da fronteira agrícola e, principalmente, o aumento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) de vários cultivos (Gasques; Conceição, 2001). Para destacar a mudança radical ocasionada pelas inovações, passamos de uma situação que comprometia o abastecimento e a segurança alimentar em sentido amplo para o papel de protagonistas no cenário mundial de oferta de alimentos (Silveira, 2014), mais ainda se levarmos em consideração o papel da agricultura como fonte de energias renováveis, com supostos efeitos sobre a macroeconomia (relação câmbio-salários).

Nesse sentido, Schumpeter ensinou que a inovação é parte indissociável do processo de concorrência. A concorrência entre as firmas caracteriza-se pela busca permanente de diferenciação de produto no sentido amplo (como os novos produtos e processos, escalas de produção, mudança na organização produtiva, desenvolvimento de tecnologias, novos mercados e arranjos institucionais), por meio de estratégias individuais, tendo em vista a obtenção de vantagens competitivas que proporcionem lucros de monopólio. A essa capacidade das firmas em reconhecer o caráter dinâmico do sistema capitalista, Schumpeter chamou do processo de destruição criadora (creative destruction).

O capitalismo […] é, pela própria natureza, uma forma ou método de mudança econômica, e não apenas nunca está, mas nunca pode estar estacionário (Schumpeter, 1942, p. 112).

Isso é perfeitamente reconhecido no novo padrão de acumulação da agricultura brasileira (Kageyama, 1990; Buainain 2014; Buainain et al., 2013). Ao mesmo tempo que o progresso técnico mudou radicalmente a produtividade agrícola – tendo como centro articulador do processo a revolução da base biológica, do melhoramento genético até a moderna biotecnologia, passando pela multiplicação de dispositivos biológicos, de inoculantes a organismos produtores de especialidades, voltados para certas funções nutricionais específicas –, também gerou complexos arranjos produtivos que envolvem a inovação em todas as suas modalidades (Vieira-Filho; Silveira, 2011), alterando as bases estruturais que vão desde questões da produtividade até de ordem política, econômica e social.

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A inovação é por excelência o elemento condutor das economias capitalistas (Schumpeter, 1942). Portanto, o mesmo cenário de transformações que incidiram na agricultura brasileira também se viu em outros países do mundo. Por exemplo, alguns países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, tornaram-se participantes de destaque nos mercados agrícolas, ainda que parte de suas vantagens tenha se originado do aproveitamento de suas dotações naturais, e parte tenha vindo da criação de capacidade para se apropriar dos efeitos do transbordamento das redes mundiais de pesquisa agrícola (FAO, 2000). O grupo de países em desenvolvimento que superou a pobreza11 teve um aumento de 300% no índice de produção agrícola, contra apenas 68% de aumento do grupo dos países industrializados e de 173% no total mundial. Os países em desenvolvimento (aqueles que se tornaram países industrializados e reduziram a porcentagem de pessoas vivendo em zonas rurais) são os que passaram a contribuir de forma mais expressiva para diversos setores de suprimento de matérias-primas agrícolas, para alimentação e para alguns setores industriais, ou seja, ocorreu nos países dinâmicos em agricultura algo semelhante ao que se passou com setores industriais intensivos em matérias-primas em outros países em desenvolvimento (Mattson; Koo, 2006, Silveira, 2014). Em contrapartida, os novos arranjos produtivos também levaram as firmas vencedoras à concentração agroindustrial (tendência em curso) e, consequentemente, à grande acumulação de capital.

Tais resultados fornecem evidências de que as transformações da produção agrícola, mais do que resultado de mudanças no processo de produção da agricultura, são decorrentes da criação de um conjunto inovativo de capacitações e de infraestrutura que passaram a constituir um sistema competitivo denominado de nova complexidade agrícola12 (Lopes, 2014; Silveira, 2014). Essa nova complexidade compreende não só uma forte interação entre Ciência, Tecnologia e Inovação, mas também a participação “popular”, por vezes não qualificada do ponto de vista técnico, que vai das Organizações Não Governamentais (ONGs) aos movimentos sociais, passando por instituições públicas e privadas. Com isto, a nova complexidade inclui o chamado espaço simbólico (Bourdieu, 1996), que capta a importância da percepção dos efeitos associados ao processo inovativo e resulta em proposições de política e até em ações concretas, como a queima de campos

11 Para detalhes sobre o índice de desenvolvimento nos países, consultar o “Relatório do

Desenvolvimento Humano” (2014, p. 33-44) no site:

<http://www.pnud.org.br/arquivos/RDH2014pt.pdf>.

12 O presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, destacou que nas próximas décadas a

complexidade será a norma em todos os campos do conhecimento. Ver entrevista no site: <

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experimentais e a não adoção de determinados tipos de materiais, por exemplo, os transgênicos da Monsanto (como é o caso da Europa). Assim, nesse espaço de nova complexidade convivem interesses conflitantes até no seio das agências promotoras do desenvolvimento e da inovação, o que Furubotn e Richter (1998) denominam “ambiguidade” (derivada da incerteza radical).

Portanto, após uma fase de grande sucesso da integração agricultura e indústria, na formação de complexos, arranjos produtivos, cadeias e outras formas organizacionais, vive-se um momento de grande complexidade, em que a caracterização dos desdobramentos entre inovação e ganhos de produtividade se tornam ainda mais complexos. O processo recente de formação dessa nova complexidade interage com o desenvolvimento recente da biotecnologia agrícola. Seu padrão de difusão afeta em diversos níveis o quadro institucional que está sendo gerado: desde os protocolos internacionais até os territórios, passando por países e províncias. Há, portanto, um claro cluster de inovações, em todas as modalidades, que qualifica a agricultura moderna ao tratamento baseado no enfoque evolucionista (Nelson; Winter, 1982; Silveira, 2014).

O desequilíbrio é um fenômeno comum na abordagem evolucionária e se funda em dois pilares centrais. O primeiro está relacionado a uma força interna propulsora de comportamentos heterogêneos entre os agentes; e o segundo, a um mecanismo seletivo da diversidade comportamental que define propriedades emergentes da mudança tecnológica e do crescimento econômico (Vieira Filho; Silveira, 2011). A complexidade dos processos econômicos associados à busca por inovações na agricultura determina o estabelecimento de contratos e regras de comportamento de diferentes naturezas, com as quais os agentes tentam minimizar o ambiente de incertezas, o que, juntamente com a racionalidade limitada13, cria uma regularidade em seus comportamentos. A regularidade é o que determina a coexistência de comportamentos heterogêneos e o desenvolvimento das firmas “vencedoras” no mercado.

Confirmando a ideia de complexidade da agricultura, a discussão envolve muito mais que a separação das inovações em biológicas, físico-químicas e mecânicas (Graziano da Silva, 1990) e do “espaço simbólico” (Bourdieu, 1996). As restrições naturais ao aumento da produtividade (do trabalho, por área e do capital) vão sendo superadas, engendrando a geração

13 Diante da incerteza, a decisão dos agentes é de racionalidade limitada. Essa limitação decorre da

complexidade do ambiente que envolve as decisões dos agentes, que não conseguem atingir a racionalidade plena, pois não estão em equilíbrio (Schumpeter, 1947, p. 150). O conceito de racionalidade limitada considera que os agentes possuem capacidades cognitivas restringidas. Entretanto, ele não explica como os agentes tomam suas decisões em um ambiente de incertezas. Nesse sentido, tem-se o surgimento dos desequilíbrios.

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e difusão de outras inovações. Do ponto de vista da trajetória ampla da agricultura, trata-se de um processo encadeado, cuja dependência de caminho reforça as economias de escala já obtidas, resultando na generalização da grande agricultura, na forma da monocultura especializada. Em outras palavras, o que era determinado pela natureza passa a ser determinado por trajetórias tecnológicas (Salles-Filho, 1993; Possas; Salles-Filho; Silveira, 1996; Silveira, 2015). Parte dos processos evolucionários resultam de seleção das estratégias inovativas dos agentes em competição, cujo resultado é uma nova configuração do espaço seletivo (Dosi, 1982, 1988). A diversidade tecnológica resulta essencialmente desse processo de inovação, que tem caráter cumulativo e promove descontinuidades na dinâmica do sistema. Os processos evolucionários são governados por uma interação dinâmica entre a força contínua da imitação e a força desequilibrada e descontínua da inovação. Nesse processo, a interação dinâmica entre imitação e inovação abre espaço para trajetórias e esforços determinados a priori, nos quais os agentes introduzem mecanismos para determinar em que direção as firmas irão inovar. Não se trata de um processo arbitrário na solução de problemas; pelo contrário, e l e segue padrões normativos e procedimentos estabelecidos, com efeito direcionador e delimitador da mudança técnica enquanto vai se definindo o percurso tecnológico, uma vez que, diante da incerteza, o risco das firmas de perder ou vencer no mercado é o mesmo (Dosi, 1982, 1988). Diante do elevado nível de incerteza, as tecnologias desenvolvem-se relativamente ao longo de caminhos (ou trajetórias) moldados nas propriedades técnicas específicas, na busca por regras e na acumulação de conhecimento incorporado em cada paradigma tecnológico (Dosi, 1984; David, 1985; Arthur, 1989; Mowery; Rosenberg, 2005). Em outras palavras, o contexto histórico define a dependência do caminho (path dependence), em que o passado influencia o rumo das trajetórias futuras.

É o caso do path dependence que vem ocorrendo no paradigma tecnológico dos biocombustíveis. Desde os anos 1970, com os dois choques petrolíferos, agentes públicos e privados de diversos países têm procurado desenvolver, testar e permitir a produção de combustíveis alternativos aos derivados de petróleo (HLPE, 2013). Desde então, há uma percepção crescente de que a produção de biocombustíveis, ou seja, combustíveis produzidos a partir de fontes renováveis, tem um grande potencial para substituir os combustíveis de origem fóssil. Os dois países mais importantes da bioenergia, Brasil (etanol a partir de cana-de-açúcar) e Estados Unidos (etanol a partir do milho), viabilizaram políticas para promover o uso de biocombustíveis 1G, combinando incentivos à inovação tecnológica e fazendo intervenções no mercado, como os mandatos de etanol anidro na gasolina e a promoção de veículos flex. Os dois países conseguiram viabilizar em escala industrial o uso desses

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