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Guitarra e baião : ritmo e legado na produção fonográfica de músicos brasileiros

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes

MARCOS DA SILVA MAIA

GUITARRA E BAIÃO: RITMO E LEGADO NA PRODUÇÃO FONOGRÁFICA DE MÚSICOS BRASILEIROS

CAMPINAS 2020

(2)

MARCOS DA SILVA MAIA

GUITARRA E BAIÃO: RITMO E LEGADO NA PRODUÇÃO FONOGRÁFICA DE MÚSICOS BRASILEIROS

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientador: HERMILSON GARCIA DO NASCIMENTO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO MARCOS DA SILVA MAIA, E ORIENTADA PELO PROF. DR.

HERMILSON GARCIA DO

NASCIMENTO

CAMPINAS 2020

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COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

MARCOS DA SILVA MAIA

ORIENTADOR: HERMILSON GARCIA DO NASCIMENTO

MEMBROS:

1. PROF. DR. HERMILSON GARCIA DO NASCIMENTO 2. PROF. DR. JOSÉ ALEXANDRE LEME LOPES CARVALHO 3. PROF. DR. LEANDRO BARSALINI

4. PROF. DR. ALMIR CÔRTES BARRETO 5. PROF. DR. MARCELO SILVA GOMES

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Cristina, Diego, Marina, Vinícius, Theo e Zara;

(6)

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Hermilson Garcia do Nascimento, por acreditar na proposta do trabalho, pela dedicação e compromisso com a orientação, colaborando com ideias e opiniões pertinentes e ao mesmo tempo, deixando-me livre para expor minhas próprias reflexões.

À Universidade Estadual do Ceará (UECE), especialmente ao Curso de Música – professores, alunos e funcionários – por permitir minha ausência, acreditando nos frutos que possam advir de meus estudos.

Ao jornalista e historiador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, pela atenção, disponibilidade e colaboração no fornecimento de dados para essa pesquisa.

Ao Maurício Matos por minha participação no Programa Encontro com Jazz da Rádio Universitária FM da Universidade Federal do Ceará (UFC) onde pude apresentar parte dos fonogramas contidos nessa pesquisa.

Ao Prof. Marco Pereira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por ceder-me as partituras de suas composições: Pra Hermeto e Baião cansado.

Ao Prof. Dr. Alexandre Zamith coordenador do programa da Pós-graduação em Música, Instituto de Artes, Unicamp.

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Resumo

O objetivo dessa pesquisa é desvelar o baião, sua descrição conceitual e caracterização instrumental e rítmica, a partir de fonogramas selecionados da obra de Luiz Gonzaga, considerado como o precursor desse gênero da música popular brasileira, e de composições e arranjos de guitarristas, a partir da década de 1950. Os procedimentos metodológicos do estudo incluem: 1) coleta de fonogramas disponíveis em sítios da Internet e a extração de áudios dos discos de acervos pessoal e de colecionadores, seguindo determinados critérios de inclusão como a presença do termo “baião” nos títulos das canções e a categorização do gênero nos selos fonográficos; 2) uso de conversores e editores de áudio para aprimorar a qualidade da escuta; 3) escuta repetida de gravações musicais; 4) edição de partituras das transcrições para fundamentar análises comparativas e apontamentos; 5) descrição da produção musical do autor deste trabalho, composições e arranjos com exemplos em partituras, apresentada como aplicação dos conceitos descritos sobre o baião. O ritmo do baião é geralmente reduzido e representado por uma célula considerada por alguns autores pesquisados como “padrão”. A análise da fonografia revela que as gravações dos baiões, desde o lançamento, quanto ao aspecto rítmico de acompanhamento, apresentam variedade de padrões nas execuções dos instrumentos em conjuntos musicais ou a solo. Os resultados da pesquisa demonstram não haver somente um “padrão básico”, “pulsação básica” ou “levada padrão”. A conclusão é que o baião configura uma pluralidade de padrões gerando resultante rítmicas diversas, assim constituindo ambiente propício para o surgimento de hibridismos e fusões. Isso observado nas contribuições de guitarristas e suas recriações do baião na linguagem idiomática da guitarra, no contexto da música instrumental e continuadora do legado desse ritmo nordestino.

Palavras-chave: 1. Gonzaga, Luiz, 1912-1989. 2. Guitarra. 3. Baião. 4. Ritmo. 5. Música popular brasileira.

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Abstract

The aim of this research is to unveil the baião, its conceptual description and instrumental and rhythmic characterization, based on selected phonograms of the work of Luiz Gonzaga, considered as the precursor of this genre of Brazilian popular music, and of compositions and arrangements by national guitarists, since 1950. Methodological procedures of the study include: 1) the collection of phonograms available at Internet and the extraction of audio recordings from discs of personal collection and of collectors following certain inclusion criteria, such as the presence of the term baião in the song titles and the categorization of the genre in records seals; 2) the use of audio converters and editors to improve listening quality; 3) the repeated listening of musical recordings; 4) the editing of scores with transcriptions to support comparative analysis and notes; 5) the description of the author's musical production, compositions and arrangements with examples in sheet music, presented as an application of the concepts described about baião. The baião rhythm is usually reduced to (and represented by) a cell considered by many authors to be "standard". The analysis of the phonography reveals that the recordings of baiões, regarding the rhythmic aspect of accompaniment, present a variety of patterns in the performance of the instruments in ensemble or solo. The results of the research show that there is not only one “basic pattern”, “basic pulsation” or “standard beat”. The conclusion is that the baião configures a plurality of patterns, generating diverse rhythmic resultants, thus consisting in an environment conducive to the emergence of hybridisms and fusions. This observed in the contributions of guitarists and their recreations of baião, in idiomatic language of guitar, in the context of instrumental music and continuing the legacy of this Northeastern rhythm.

Keywords: 1. Gonzaga, Luiz, 1912-1989. 2. Guitar. 3. Baião. 4. Rhythm. 5. Brazilian popular music.

(9)

Lista de Figuras

Figura 1. Ritmo do baião com acordes à guitarra 39

Figura 2. Ritmo do baião à guitarra com baixo e harmonia 39

Figura 3. Ritmo do baião à guitarra com baixos e acordes em semicolcheias

40

Figura 4. Outra fórmula rítmica do baião à guitarra com baixo e harmonia 40 Figura 5. Ritmo do baião à guitarra com baixo mais elaborado 40 Figura 6. Ritmo do baião à guitarra com acordes arpejados e baixos com

pausas

41

Figura 7. Ritmo do baião com acordes à guitarra 41

Figura 8. Acorde em estilo arpejado 42

Figura 9. Técnica de strumming com palheta 42

Figura 10. Acento ghost no 4º subtempo com técnica de abafado 42

Figura 11. Outro tipo de acento ghost 42

Figura 12. Ritmo do baião executado por João Lira à guitarra sobre o acorde de Am7(9)

42

Figura 13. Padrão básico, levada padrão do baião 45

Figura 14. Pulsação básica do baião 45

Figura 15. Primeiros compassos da introdução de Baião na gravação do quinteto vocal 4 Ases e 1 Coringa (Transcrição do autor)

47

Figura 16. Padrão rítmico executado às guitarras na introdução de Baião (Gonzaga & Teixeira) por 4 Ases e 1 Coringa.

47

Figura 17. Célula rítmica executada pelo cavaquinho e complementada pela gaita

47

Figura 18. Rítmica do acompanhamento instrumental após a introdução de

Baião na gravação do 4 Ases e 1 Coringa

48

Figura 19. Resultante rítmica do acompanhamento instrumental de Baião na gravação do 4 Ases e 1 Coringa.

48

Figura 20. Tema da parte A de Baião (Gonzaga & Teixeira) na gravação do

4 Ases e 1 Coringa e a célula do baião assinalada na partitura

(10)

Figura 21. Introdução de Baião gravada por Luiz Gonzaga 53 Figura 22. Representação do ritmo do baião de Luiz Gonzaga à sanfona 53 Figura 23. Ritmos do acompanhamento da exposição instrumental do tema

da parte A de Baião (Gonzaga & Teixeira) na gravação de Luiz Gonzaga

53

Figura 24. Linha melódica da guitarra no acompanhamento de Baião na gravação de Luiz Gonzaga

54

Figura 25. Tema da parte A de Baião assim cantada por Luiz Gonzaga 54

Figura 26. Ritmo do baião cantado pelo coro em Baião 55

Figura 27. Melodia da introdução de Juazeiro (Gonzaga & Teixeira) na gravação de Luiz Gonzaga

56

Figura 28. Tema melódico da parte A de Juazeiro 56

Figura 29. Melodia e cifra do refrão de Juazeiro 56

Figura 30. Instrumentos na introdução do baião Dezessete Légua e Meia. Legenda para a escrita do triângulo: o (som aberto); + (som fechado).

58

Figura 31. Padrões dos baiões de Luiz Gonzaga identificados em sua fonografia

59

Figura 32. Ritmo executado à guitarra baixo em Baião de dois (Gonzaga & Teixeira)

60

Figura 33. Ritmo do triângulo 68

Figura 34. Primeira frase improvisada do pandeiro no final da 1ª gravação da música Baião em 1946

68

Figura 35. Segunda frase improvisada do pandeiro 69

Figura 36. Padrões e resultantes rítmicas dos baiões fonográficos de Luiz Gonzaga

70

Figura 37. Tema da introdução da composição Baião no deserto (Abel Ferreira & Zé Menezes)

77

Figura 38. Baião no deserto: tema da parte B executado à clarineta (voz

superior) e à guitarra (voz inferior), (40”), (1’29”) e (2’15”)

78

Figura 39. Ritmo do baião executado à guitarra na introdução da música

Oriental de Pedro Raimundo

78

(11)

harmonia quartal

Figura 41. Ritmo do baião em Boneca japonesa de Antônio Rago 81 Figura 42. Tema do baião Boneca japonesa (Antônio Rago) em modo

pentatônico

82

Figura 43. Ritmo do baião (padrão 1) executado à guitarra paralelamente a outra célula rítmica da bateria na gravação de Baion (Bola Sete).

84

Figura 44. Introdução de O fole roncou (Nelson Valença) na gravação de Luiz Gonzaga

85

Figura 45. Tema da parte A da composição Pro Zeca (Victor Assis-Brasil) na gravação para guitarra e grupo de Hélio Delmiro

87

Figura 46. 1° improviso de Hélio Delmiro na parte A da composição Pro

Zeca (Victor Assis-Brasil)

88

Figura 47. 2° improviso de Hélio Delmiro na parte A da composição Pro

Zeca (Victor Assis-Brasil)

89

Figura 48. 3° improviso de Hélio Delmiro na parte A da composição Pro

Zeca (Victor Assis-Brasil)

90

Figura 49. 4° improviso de Hélio Delmiro na parte A da composição Pro

Zeca (Victor Assis-Brasil)

90

Figura 50. 5° improviso de Hélio Delmiro na parte A da composição Pro

Zeca (Victor Assis-Brasil)

91

Figura 51. 6° improviso de Hélio Delmiro na parte A da composição Pro

Zeca (Victor Assis-Brasil)

92

Figura 52. 7° improviso de Hélio Delmiro na parte A da composição Pro

Zeca (Victor Assis-Brasil)

92

Figura 53. Tema da parte A da música Forrozin de Heraldo do Monte 93 Figura 54. Tema da parte B da música Forrozin de Heraldo do Monte 94 Figura 55. Início do improviso de Heraldo do Monte na parte C de Forrozin 94 Figura 56a. Improviso de Heraldo do Monte em Baiana com o grupo Medusa

(1981). Presença das notas musicais (7, 9 e 11+), nos tempos fortes, indicadas na figura (transcrição do autor).

97

Figura 56b. Improviso de Heraldo do Monte em Baiana com o grupo Medusa (1981) (transcrição do autor).

97

(12)

(1981) (transcrição do autor).

Figura 57. Motivo melódico inicial da música Baião de Três (André Geraissati) numa referência à música Baião (Gonzaga & Teixeira)

101

Figura 58. Tema da música Mulher rendeira de Zé do Norte com cifras dos acordes básicos

101

Figura 59. Arranjo de Hélio Delmiro do tema Mulher rendeira (Zé do Norte)

102

Figura 60. Trecho da transcrição de Oliver Pellet do improviso de Hélio Delmiro na gravação do arranjo de Mulher rendeira (Zé do Norte)

103

Figura 61. Trecho da transcrição de Oliver Pellet do improviso de Hélio Delmiro na gravação do arranjo de Mulher rendeira (Zé do Norte)

104

Figura 62. Trecho da transcrição de Oliver Pellet do improviso de Hélio Delmiro na gravação do arranjo de Mulher rendeira (Zé do Norte)

105

Figura 63. Trecho da transcrição de Oliver Pellet do improviso de Hélio Delmiro na gravação do arranjo de Mulher rendeira (Zé do Norte)

106

Figura 64. Introdução da música Baião por acaso 110

Figura 65. Parte B da música Baião por acaso 110

Figura 66. Fragmento melódico inicial de Baião na gravação do grupo 4

Ases e 1 Coringa (Transcrição do autor)

110

Figura 67. Fragmento melódico inicial de Baião na gravação de Luiz Gonzaga (Transcrição do autor)

111

Figura 68. Fragmentos melódicos na parte C do Baião por acaso de Nelson Faria

111

Figura 69. Tema da introdução de Amolando faca (Cristiano Pinho) 112 Figura 70. Motivo rítmico melódico do baião Amolando faca (Cristiano

Pinho), encontrado de forma similar na gravação de Mulher

rendeira por Hélio Delmiro

112

(13)

(Heraldo do Monte)

Figura 72. Ritmo do Olodum executado paralelamente, à percussão, com o baião em Na pisada de Heraldo do Monte.

114

Figura 73. Introdução do Baião Barroco de Juarez Moreira 115

Figura 74. Efeito idiomático de campanela à guitarra clássica envolvendo as duas primeiras cordas da guitarra na composição autoral de Nonato Luiz denominada Um outro baião

117

Figura 75. Tema da parte A do baião Feijão de corda (Kiko Loureiro) 117 Figura 76. Tema da parte B do baião Feijão de corda (Kiko Loureiro) 118 Figura 77. Acorde inicial da introdução da música Enquanto não se resolve

de Jurandir Santana

118

Figura 78. Parte B do arranjo solo de Baião menino com a presença da célula do baião, padrão 1, no início de cada compasso (6-12 e 18-24) quaternário

120

Figura 79. Célula rítmica do baião ternário, Brejo Santo, de Cristiano Pinho 120 Figura 80. Acordes da introdução de Baiãozinho (Diego Figueiredo) 122 Figura 81. Ritmo do baião executado ao baixo acústico na introdução de

Arrasta pé (Alexandre Gismonti)

123

Figura 82. Ritmo do baião no padrão 1 de Luiz Gonzaga presente na gravação de Mãe das águas (Gabi Gonzalez).

124

Figura 83. Célula do baião executada pelo baixo na gravação de Mãe das

águas da guitarrista Gabi Gonzalez

125

Figura 84. Parte da guitarra na introdução de Baião alterado (Gabi Gonzalez)

125

Figura 85. Trecho da introdução de Quartzo verde para quatro guitarras 128 Figura 86. Trecho inicial do tema da parte A de Quartzo verde 129 Figura 87. Início do tema da parte B da música Quartzo verde 130

Figura 88. Início da parte C de Quartzo verde 131

Figura 89. Trecho inicial da introdução da composição Do baião com

ostinato rítmico do baião nas cordas graves

132

Figura 90. Breque seguido de fragmento melódico na composição Do baião 132 Figura 91. Início do tema da parte A da música Do baião e a célula do baião

(em vermelho) na linha do baixo

(14)

Figura 92. Composição intitulada Baião 134 Figura 93. Introdução de Junina com células rítmicas em ostinatos nas três

vozes da peça

135

Figura 94. Formas dos acordes da parte A, com cifras da composição intitulada Baiãozin

136

Figura 95. Disposição dos acordes, com cifras básicas, da parte B da composição Baiãozin

136

Figura 96. Introdução da composição intitulada Baião de dois Netos 137 Figura 97. Tema da parte A da composição Baião de dois netos 137

Figura 98. Tema da parte B da peça Baião de dois netos 138

Figura 99. Acorde menor em substituição ao acorde maior do início da melodia de Garota de Ipanema

139

Figura 100. Primeiro acorde dominante em Garota de Ipanema no ritmo de baião

140

Figura 101. Melodia da parte A com cifras dos acordes em Garota de

Ipanema (Jobim/Moraes)

140

Figura 102. Parte B do arranjo de Garota de Ipanema 141

Figura 103. Melodia com cifras dos acordes na harmonização proposta em

Garota de Ipanema

141

Figura 104. Notas geradoras dos arpejos de três notas musicais na introdução de Lamento sertanejo

142

Figura 105. Início dos arpejos na primeira parte da introdução em Lamento

sertanejo

142

Figura 106. Segunda parte da introdução do arranjo de Lamento Sertanejo 142 Figura 107. Tema da música Juazeiro (Gonzaga/Teixeira) no modo dórico

em Sol

143

Figura 108. Tema da música Qui nem jiló (Gonzaga/Teixeira) no modo dórico em Sol

143

(15)

Lista de Quadros

Quadro 1... 51 Quadro 2... 75

(16)

Sumário

Introdução 17

Capítulo 1 – Guitarra 21

1.1 Técnicas de execução 33

Capítulo 2 – Baião 37

2.1 Os ritmos do baião fonográfico de Luiz Gonzaga 46

2.2 Ambiência para hibridismos, fusões e resultantes rítmicas 61

Capítulo 3 – Guitarra e baião: ritmo e legado na produção fonográfica de músicos brasileiros

71

Capítulo 4 – Produção musical: composições e arranjos autorais 127

4.1 Composições 127 4.2 Arranjos 138 Considerações finais 146 Referências bibliográficas 149 Imagem em movimento 154 Apêndice 156

(17)

Introdução

No Brasil, a partir da segunda metade do século passado, o termo guitarra refere-se ao instrumento musical elétrico de origem norte-americana. Essa guitarra é constituída de um corpo em madeira maciça, braço com escala dividida em casas e trastes, tarraxas para fixação e afinação das cordas de aço, captadores de som eletromagnéticos, controles de volume e tonalidade, além de entrada para utilização de amplificadores de som. Contudo, as primeiras guitarras norte-americanas diferem da descrição anterior, não sendo eletrificadas, e sim, acústicas, de corpos não maciços, e sem a utilização de captadores. Esses instrumentos foram concebidos no final do século XIX e produzidos no início do século XX. Posteriormente, com a exportação em escala mundial, o instrumento aporta em solo brasileiro.

Outra versão da guitarra, ainda mais antiga, tem sua origem na Europa, remontando a séculos de existência naquele continente, qual seja: a guitarra espanhola. Conhecida como violão, em Portugal, o instrumento chega ao Brasil durante o período colonial. As referidas formas da guitarra inserem-se, ambas ao seu tempo, na música popular e tornam-se relevantes na execução solo, ou integrando os conjuntos instrumentais, de gêneros musicais brasileiros incluindo o baião.

A gravação e o lançamento no mercado fonográfico brasileiro, em 1946, da música intitulada Baião, parceria de Luiz Gonzaga (1912 – 1989) e Humberto Teixeira (1915 – 1979), homônima do ritmo, pelo quinteto vocal 4 Ases e 1 Coringa, marca o início da história desse gênero musical urbano na discografia brasileira: “o ritmo do baião nordestino, transformado em gênero da música popular urbana a partir de meados da década de 1940” (TINHORÃO, 1991: 219). Mas, somente em 1949 é que Luiz Gonzaga lança no mercado fonográfico sua própria versão da canção, tocando e cantando acompanhado de seu conjunto. Muitas criações do gênero ainda são compostas com Humberto Teixeira e outros parceiros na trajetória musical do sanfoneiro, consolidando a presença do ritmo nordestino na música popular brasileira.

O baião apresenta características peculiares da cultura nordestina que passam a integrar a fonografia da música popular brasileira cujo repertório de gravações estava há muito constituído de sambas-canção e marchas de carnaval. Isso sem falar na presença da música estrangeira, na década de 1940, de gêneros musicais latino-americanos como o bolero, a rumba, o chá-chá-chá, e norte-americanos como o foxtrote. Os aspectos modais das melodias e harmonias do baião de Luiz Gonzaga também se refletem nas gravações de autores da música instrumental brasileira.

(18)

O encontro da guitarra com o baião na fonografia brasileira propicia a criação de um repertório de composições e arranjos que são gravados ao longo do tempo. Os guitarristas da música instrumental brasileira revelam uma linguagem idiomática na execução desse baião fonográfico, um legado do ritmo nordestino, contribuindo para a criação de músicas com características específicas do gênero.

A presente pesquisa surge a partir da nossa verificação, por meio da Internet, do

Compact Disc (CD) intitulado Luiz Gonzaga volta pra curtir, lançado em 2001, contendo a

gravação de um show do sanfoneiro realizado em 1972. Nesse fonograma ouvimos a presença da guitarra elétrica, pela primeira vez inserida no conjunto musical de Luiz Gonzaga, executando ritmos nordestinos incluindo o baião, transformado em gênero de música popular urbana, gravado e lançado na fonografia brasileira em 1946. O fato despertou curiosidade acerca da existência ou não de outros baiões, com a guitarra a solo ou inserida nos conjuntos musicais, anteriores à realização do show mencionado.

(...) toda pesquisa surge de uma inquietação, um questionamento ou conflito inicial, que leva à busca de respostas. Uma lacuna percebida em uma área de conhecimento ou na compreensão de um fenômeno ou numa discordância em relação ao que já está estabelecido são fontes geradoras de perguntas, portanto são possíveis questões iniciais de pesquisa (FREIRE, 2010: 10).

Com base na questão de pesquisa acima formulada, ainda a partir da Internet e de arquivos pessoais do autor e de colecionadores, descobrimos a existência de baiões fonográficos instrumentais com a guitarra executada em conjunto e a solo, antes e depois do show de Luiz Gonzaga.

Parafraseando Freire (2010), nos deparamos com uma “discordância em relação ao que já está estabelecido”, pois, encontramos na literatura musical formal, não formal e informal, referências sobre uma única padronização do ritmo do baião. No entanto, por meio de escutas repetidas de quarenta e sete baiões coletados da fonografia de Luiz Gonzaga, verificamos um total de quatro padrões rítmicos do baião do sanfoneiro. Esses dados também compõem o escopo do objeto dessa pesquisa que tem caráter analítico/qualitativo, pois, identifica o baião em suas características e sua aplicabilidade no âmbito da execução musical.

Diante desse contexto, realizamos um levantamento de fontes documentais para a revisão bibliográfica (jornais, livros, periódicos, sítios da internet com textos e imagens em movimento). Além de transcrições e análises dos áudios de fonogramas que são referenciados no texto.

(19)

A coleta de arquivos em áudio, no formato MP3, de fonogramas disponíveis, físicos e/ou virtuais, contendo gravações de baião com guitarra na fonografia brasileira, foi realizada por meio de visitas às residências de colecionadores e sítios virtuais na internet que oferecem esses arquivos para download. Atualmente, os acervos de música estão sendo digitalizados e disponibilizados para o público virtual conectado à internet.

A busca de arquivos em áudios para “baixá-los” dos sítios virtuais e “salvá-los” em computador pessoal foi realizada por aplicativos de busca como o Google. Depois de localizados os áudios, os mesmos foram extraídos por aplicativos conversores do tipo A Tube

Catcher, e transformados em arquivos MP3. Em seguida, realizamos a escuta e manipulação

dos arquivos sonoros por meio de editores de áudio como o Audacity. A transcrição musical dos áudios, obtidos dos fonogramas, foi realizada com o uso de editor de partituras musicais como o programa Finale. Os arquivos sonoros obtidos e as ferramentas descritas são essenciais para os processos de escutas, transcrições, análises musicais e apontamentos.

Analisar abrange, necessariamente, observar e comparar, pois o pesquisador, no processo de análise musical, ao identificar e descrever aspectos da música analisada, necessita observá-los e compará-los, não só no âmbito da própria obra focalizada, mas até mesmo em relação a elementos externos (FREIRE, 2010: 38).

E a autora continua, “comparar implica em procurar estabelecer algum tipo de paralelo entre características observadas (...) é preciso que o pesquisador se assegure de que está comparando fenômenos ou aspectos passíveis de comparação (...)”. A análise comparativa, cotejamento ou colação, de gravações de baião com guitarra, vai determinar quais características rítmicas, melódicas e harmônicas, se assemelham nas execuções musicais que configuram a prática da execução do baião à guitarra.

Em síntese, a metodologia dessa pesquisa, de cunho analítico documental para a execução musical, constitui-se dos seguintes procedimentos metodológicos: coleta de dados; levantamento bibliográfico e documental para embasamento da pesquisa; discriminação das características do gênero musical baião; escutas repetidas de arquivos em áudio para transcrição de músicas instrumentais caracterizadas como gênero baião; análise dos aspectos da composição, arranjo e improvisação do baião discográfico com guitarra a solo e inserida nos conjuntos musicais; composições e arranjos do autor, no gênero baião, como contribuição para o repertório da pesquisa.

Diante desse contexto, a presente pesquisa visa contribuir para a fundamentação da execução do baião à guitarra, na música para conjuntos instrumentais e a solo, a partir da caracterização do gênero musical em sua discografia, a descrição de seu desenvolvimento nos

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aspectos da composição, arranjo e improvisação, e a identificação das contribuições de músicos brasileiros na formação de um repertório que constitui um legado de ambos: instrumento e gênero.

O texto desta tese está dividido em quatro capítulos. O primeiro disserta sobre a guitarra em suas versões originárias da Europa e dos Estados Unidos, quando chegam às terras brasileiras, cada qual em seu momento na história, sendo assimiladas por nossa cultura e utilizadas nas execuções dos gêneros de música popular brasileira a exemplo do baião. O segundo capítulo trata das características musicais do baião nas gravações fonográficas de Luiz Gonzaga, precursor do gênero na música popular brasileira. Os aspectos rítmicos, melódicos e harmônicos são apresentados com exemplos musicais transcritos dos fonogramas, por meio de escutas repetidas, do sanfoneiro Luiz Gonzaga. Também são extraídos exemplos da literatura publicada por músicos acadêmicos e artistas profissionais que tem influência da obra de Gonzaga. O terceiro capítulo apresenta um mapeamento de gravações fonográficas, de 1951 a 2014, comentadas e analisadas, de músicas instrumentais no ritmo do baião com a presença da guitarra solo e em conjunto. Composições e arranjos são verificados quanto aos aspectos rítmicos, melódicos e harmônicos, além de questões relativas à improvisação e ao desenvolvimento de uma linguagem peculiar a essa prática musical no baião. O quarto e último capítulo revela, com exemplos musicais, a produção musical do autor desta tese por meio de suas composições e arranjos para guitarra, a solo e em conjunto, no ritmo do baião.

(21)

Capítulo 1 – Guitarra

Presente na cultura musical de muitos países, a guitarra já aparece na iconografia europeia dos últimos séculos da Idade Média. O códice das Cantigas de Santa Maria, coligidas pelo rei espanhol Alfonso X, o Sábio, contém folhas ornamentadas com iluminuras de guitarras latinas e mouriscas (CAMPOS, 2005: 6). Na Espanha renascentista, publicações manuscritas de tablaturas com obras para vihuela também apresentam composições para guitarra, “os exemplos musicais mais antigos para este instrumento aparecem nos Tres Libros de Alonso Mudarra” (DUDEQUE, 1994: 26). Sua construção, desenvolvida pelo ofício de

luthiers, juntamente com a criação de obras e técnicas de execução, desenvolvidas e

disseminadas por compositores e executantes ao instrumento, atravessam os períodos da história da música na Europa ocidental chegando, posteriormente, às suas colônias incluindo o Brasil. Alguns séculos mais tarde, juntamente com o surgimento da versão norte-americana do instrumento, ambas as guitarras passam a ser inseridas nos conjuntos de música brasileira.

Nesse trabalho adotamos o termo guitarra em acordo com tratados de organologia desse instrumento musical de cordas dedilhadas. Guitarra é a palavra em torno da qual giram denominações que se referem às suas variadas formas e características como, por exemplo: guitarra clássica, guitarra flamenca, guitarra elétrica, guitarra acústica, guitarra de sete cordas, guitarra tenor, guitarra requinta, guitarra baixo etc. Acreditamos que essas denominações do instrumento, sob um único termo raiz, possam esclarecer algumas questões controversas, presentes no imaginário do povo brasileiro, no sentido de compreendermos a importância das versões da guitarra na história da música brasileira. Dessa forma, compartilhamos um termo comum que denomina o instrumento além dos limites dos territórios da língua portuguesa.

Inicialmente, apontamos a existência de dois tratados de organologia onde a guitarra é apresentada e classificada como instrumento musical em suas características peculiares de construção, repertório e execução. O primeiro deles, o Tratado de

Instrumentação e Orquestração Moderna, do compositor Hector Berlioz (1803 – 1869),

reserva algumas páginas à guitarra com descrições detalhadas e exemplos musicais concernentes ao instrumento. Nessa época, a guitarra já possui seis cordas simples, afinadas em intervalos de quartas e terça, com extensão melódica de três oitavas e uma quinta. Instrumento de harmonia e transpositor que utiliza a clave de Sol em sua escrita numa oitava acima do som real. A técnica de execução usual baseia-se na utilização dos dedos polegar, indicador, médio e anular, para a realização de acordes, arpejos e escalas que podem ser tocados em toda a extensão do instrumento nas tonalidades maiores e menores. Pode ser

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usado para acompanhar o canto, figurar em composições para grupos que realizam dinâmicas compatíveis com o volume sonoro do instrumento e executar peças cantáveis, de execução viável e divididas em várias partes. Porém, com o advento do pianoforte nos lares e salas de concerto, a guitarra passa a ter raras apresentações, excetuando-se nos países de Espanha e Itália (BERLIOZ, 1858: 66-70). Em seu tratado, Berlioz refere-se à guitarra espanhola, que permeia os estilos musicais desde o Renascimento até à época da publicação de seu trabalho e que continua em uso corrente.

Além da utilização dos dedos da mão direita nas técnicas de execução da guitarra, mencionados no livro de Hector Berlioz, o uso do quinto dedo é uma possibilidade adicional, não contemplada no tratado, que expande as possibilidades de realizações de repertórios comuns ao instrumento. Outras formas de execução incluem ainda o uso da palheta e da palhetada híbrida, esta última envolvendo a prática simultânea de ambos: palheta e dedos. Artefatos como dedeira, palheta-dedeira e bottleneck também são recursos utilizados pelos guitarristas como possibilidades (técnicas estendidas) de execução na prática ao instrumento.

A guitarra é um instrumento musical que oferece possibilidades de timbres variados, além de alternativas para execuções de quaisquer demandas de repertórios incluindo ritmos, linhas melódicas, texturas harmônicas e contrapontísticas. No seio dos conjuntos musicais de música popular o instrumento pode atuar auxiliando na rítmica e na harmonização bem como na execução de temas melódicos e improvisos. A guitarra também oferece a possibilidade de ser utilizada como instrumento executante de obras a solo.

De acordo com o tratado organológico de Luís Henrique (1988: 149), a guitarra é um cordofone de cordas dedilhadas com tamanhos variados e construção relativamente simples. Instrumento bastante difundido e popular, utilizado tanto para o acompanhamento de canções quanto para execução de peças a solo. “Na linguagem comum é por vezes designada viola ou violão; no entanto é mais correcto chamar-lhe guitarra clássica, guitarra espanhola ou simplesmente guitarra” (HENRIQUE, 1988: 147).

Muitas histórias que narram a construção da guitarra explicam como o instrumento se desenvolveu do Renascimento à sua forma moderna. O instrumento símbolo é a guitarra de seis cordas simples feito pelo construtor espanhol Antonio Torres Jurado em 1850. Alguns veem a guitarra como um instrumento ainda mais antigo e que mais tarde passou a fazer parte de uma linha de desenvolvimento que culminou com a forma clássica do instrumento europeu. Essas histórias sobre a guitarra revelam um grande trato sobre a trajetória dos cordofones com formato de guitarra e, de fato, elas informam o desenvolvimento coerente do disseminado instrumento que é chamado violão no Brasil enquanto em Portugal é distinguido por região, sendo referido como violão no norte, e viola no sul do país. (CASTRO, 2014: 126).

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A alcunha “violão” foi dada à guitarra, como aumentativo de viola, pelas semelhanças nos formatos e diferenças nos tamanhos de ambos os instrumentos quando comparada à viola portuguesa. Além disso, por conta da existência de uma guitarra denominada “portuguesa” em solo lusitano, simplesmente o instrumento espanhol não foi denominado com o mesmo nome de guitarra. (MORAIS apud CASTRO, 2014: 133). Quanto ao termo violão, a pesquisadora Márcia Taborda nos informa que é um “vocábulo empregado para esse instrumento única e exclusivamente nos países de língua portuguesa” (TABORDA, 2011: 23).

No Brasil, o termo violão é amplamente acolhido para identificar o instrumento musical em sua versão acústica, construído à maneira clássica (e na maioria das vezes apresentando cordas de náilon), tornando-se uma exceção à denominação de guitarra. O violão está crivado de simbolismos, dentre os quais, como sendo “o atestado de timbre instrumental mais tipicamente brasileiro” (TABORDA, 2011: 168), além de outros que dizem respeito a questões de identidade e imaginário de brasilidade.

A busca da identidade nacional é uma constante na história cultural brasileira. Teve sempre como uma de suas principais questões o dilema entre a originalidade e a cópia: como ser diferente dentro de um universo cultural formado pela importação de cânones estrangeiros? (TABORDA, 2011: 195).

Quanto à questão de imaginário referenciamos o comentário da pesquisadora Virgínia de Almeida Bessa:

Entendemos por imaginário o conjunto de percepções, práticas, ideias e anseios que são imagináveis num dado contexto histórico. Trata-se em última instância dos limites que uma determinada época ou realidade social impõe ao modo de pensar e de agir dos indivíduos (BESSA, 2010: 18).

Portanto, violão é o termo geralmente utilizado, nos países de língua portuguesa, simplesmente como aumentativo de viola ou “viola grande”. Isso causa distanciamento do termo espanhol e da categoria organológica do instrumento: guitarra. Assim sendo, reforçamos que nesse trabalho utilizamos o termo guitarra em acordo com a história e terminologia do instrumento nos tratados de organologia. Incluímos também, quando necessárias, adjetivações para distinguir suas formas variantes como já mencionadas em parágrafo anterior no início deste capítulo.

Uma provável origem do termo guitarra está descrita no livro sobre a história do instrumento, e de seus intérpretes e compositores, do autor Maurice J. Summerfield:

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A palavra guitarra é derivada de duas palavras persas, tar – que significa corda, e char – que significa quatro. Portanto char-tar refere-se a um instrumento de quatro cordas. Muitos desses instrumentos antigos tinham originariamente quatro cordas. Com o passar dos anos o nome char-tar gradualmente evoluiu para o termo guitarra na Espanha e então para nomes similares na maior parte da Europa. Portugal foi uma exceção, onde a palavra para guitarra tem sido sempre violão, derivada da palavra latina fidicula (um pequeno instrumento de corda dedilhada semelhante ao violino) (SUMMERFIELD, 1996: 9).

O guitarrista Gallardo Del Rey comenta que as características das obras executadas do repertório espanhol, seja clássico ou flamenco, é que fazem a distinção entre a guitarra clássica, mais voltada para o Norte da Espanha, e a guitarra flamenca, mais ao Sul, na região de Andaluzia. Portanto, o termo comumente utilizado na Espanha, para o instrumento, é guitarra. (MASTER..., 2012). Além disso, observamos que Del Rey também utiliza a denominação “guitarra espanhola” quando faz referência ao instrumento físico, categorizando o instrumento em “guitarra flamenca” e “guitarra clássica”. Dessa forma, ambas as expressões podem ser também referidas quanto às formas de construção dos instrumentos, pois, de acordo com Antônio Tessarin (2007: 42-43), as características de construção da guitarra flamenca diferem-se da guitarra clássica. Esta tem maior caixa acústica, rica em harmônicos, maior sustentação sonora, variação na altura das cordas, fundo normalmente em jacarandá e tampo em pinho ou cedro. A guitarra flamenca tem menores dimensões do corpo, madeiras claras e leves como o cipreste espanhol, baixa ação e maior comprimento das cordas, além da colagem de golpeadores que protegem a madeira do tampo harmônico dos ataques das unhas dos dedos da mão direita. O termo guitarra apresenta as seguintes denominações em outros países, como segue: guitar (Inglaterra e Estados Unidos), guitare (França), gitarre (Alemanha) e chitarra (Itália).

No Brasil, encontramos o termo guitarra em obras da literatura brasileira publicadas no século XIX. Numa delas, o escritor José de Alencar (1829 – 1877) apresenta, em seu romance intitulado O Guarani, a seguinte descrição: “(...) pouco distante, sobre uma cômoda, via-se uma dessas guitarras espanholas que os ciganos introduziram no Brasil quando expulsos de Portugal (...)” (ALENCAR, 2002: 10).

Como não conseguiam ser integrados à sociedade metropolitana, os ciganos eram expulsos de Portugal para as colônias como degredados (...) eles chegaram a Portugal no fim do século XV ou no início do XVI (...) a documentação da época vai identifica-los como “gicianos”, “egipcianos”, “egiptianos”, “egicianos” ou, simplesmente, ciganos (COSTA, 2006: 16).

Noutra obra literária, Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (1881 – 1992), o autor também utiliza o termo no seguinte trecho: “é verdade que a guitarra vinha

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decentemente embrulhada em papel, mas o vestuário não lhe escondia inteiramente as formas” (BARRETO, 1999: 14-15). O romancista Manuel Antônio de Almeida (1831-1861), em Memórias de um Sargento de Milícias, descreve a presença do instrumento nos encontros sociais: “Grande parte do campo estava já coberta daqueles ranchos sentados em esteiras, ceando, conversando, cantando modinhas ao som de guitarra” (ALMEIDA, 2017: 93).

Na obra, O Cortiço, de Aluísio Azevedo (1875-1913), o termo guitarra também surge em algumas passagens do texto, como a que segue:

Depois, até às horas de dormir, que nunca passavam das nove, ele tomava a sua guitarra e ia para defronte da porta, junto com a mulher, dedilhar os fados da sua terra (...) e o canto daquela guitarra estrangeira era um lamento choroso e dolorido (AZEVEDO, 2015: 52-53).

Nessa última descrição há uma evidente relação com a colonização portuguesa no trecho em que o autor escreve “dedilhar os fados da sua terra”, e a condição de instrumento não autóctone ou nativo de nosso país quando diz “e o canto daquela guitarra estrangeira”. Entendemos que essa condição alienígena da guitarra seja comum a ambos os instrumentos: a guitarra espanhola e a guitarra norte-americana, ambas introduzidas em terras brasileiras e, posteriormente, inseridas e adaptadas à música popular.

Também há narrativas de estudiosos viajantes que descrevem hábitos musicais da população brasileira indicando a presença da guitarra nos ambientes familiares: “Assim, falando da Bahia de 1810, John Mawe diz explicitamente que ‘o gosto pela música é generalizado, existindo poucas famílias que não possuam guitarra (...)” (MAWE apud LOPES, 2000: 53). Ou seja, no início do século XIX, a guitarra é um instrumento aceito pela sociedade, pois está nos seios das famílias, em oposição ao que depois viria a ser considerado instrumento musical de boêmio.

Em publicações mais recentes como na obra Violão Ibérico, do crítico espanhol Carlos Galilea, o termo guitarra também está presente em passagens do texto: “A capital da França se apaixona pela guitarra de seis cordas simples” (GALILEA, 2012: 71). Mais adiante o autor acrescenta: “Paris outorga à guitarra de seis cordas (...) seu ‘status’ de instrumento de concerto” (GALILEA, 2012: 77). O multi-instrumentista e imperador do Brasil, D. Pedro I, é citado como executante do instrumento: “tocava clarineta, flauta, fagote, trombone, cravo, rabeca, piano, guitarra espanhola e violoncelo” (AMARAL, 2014: 252). Por meio dessas citações literárias, verificamos que no Brasil o instrumento é reconhecido por seu nome

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espanhol nas obras de muitos autores, e só depois de algum tempo passa a se chamar violão, ficando o termo guitarra apenas para a versão elétrica, de origem norte-americana.

Na primeira metade do século XX surgem, no Brasil, músicos executantes de guitarra nas gravações de fonogramas da época, quais sejam: Josué de Barros, Henrique Brito, Pereira Filho, Antônio Rago, José do Patrocínio Oliveira (Zezinho), Aníbal Augusto Sardinha (Garoto), Luiz Bonfá e Zé Menezes. Essa guitarra é eletrificada por meio de captadores de sons adaptados e acoplados aos instrumentos acústicos, protótipos do que mais tarde seriam as guitarras eletroacústicas e, posteriormente, maciças.

Dentre os músicos acima citados, Antônio Rago foi um guitarrista atuante no cenário da música brasileira na segunda metade do século XX. Como solista e acompanhante, atuou em shows e programas de rádio, dizendo ser o introdutor da guitarra no Brasil: “(...) violão elétrico, a chamada guitarra, que eu sou precursor no Brasil” (ANTÔNIO..., 2013). Em seu livro autobiográfico ele comenta: “existiam algumas guitarras elétricas americanas, de colegas que tocavam em orquestras como guitarra-base (harmonia) e às vezes solando trechos de músicas (...)” (RAGO, 1986: 28). O nome do conjunto, “Rago e seu regional”, revela formação típica da época com instrumentos musicais dos conjuntos do choro carioca, juntamente com alguns outros na seguinte configuração: guitarra elétrica, acordeão, clarineta, guitarra base, cavaquinho, pandeiro e contrabaixo.

Duas inovações instrumentais fizemos, com primazia, no conjunto regional, em caráter oficial. O violão elétrico e o acordeon em 1942, com aceitação total do público e chefes de pequenos grupos regionais, não obstante as pesadas críticas por parte dos jornalistas especializados, que consideravam, principalmente o acordeon, um instrumento próprio apenas para músicas sertanejas (RAGO, 1986: 41).

A inserção do acordeão nos conjuntos regionais, como em São Paulo, também ocorre no Rio de Janeiro à época de Luiz Gonzaga, que grava os primeiros discos de baião nessa mesma formação com instrumentos do choro. O acordeão se urbaniza e acompanha o ritmo nordestino em gravações fonográficas, nos programas das rádios e nos shows ao vivo. A guitarra, já eletrificada, surge em gravações na década que fica marcada pelo advento do ritmo do baião de Luiz Gonzaga. No início da década de 1950 surgem discos de conjuntos regionais com a presença da guitarra elétrica nas gravações de baiões.

Outro guitarrista mencionado anteriormente, Josué de Barros, também é considerado introdutor da guitarra na música brasileira: “(...) além de descobrir Carmen Miranda foi também o descobridor do Bando da Lua e o introdutor no Brasil do violão elétrico” (DICIONÁRIO..., 2002). Também, José do Patrocínio Oliveira, o Zezinho, é citado

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por Jorge Mello: “Da viagem à Alemanha, Zezinho trouxe uma novidade, que passou a utilizar em algumas de suas execuções: o violão elétrico” (MELLO, 2012: 36). Nessa época, como afirma Antônio Rago, a guitarra era comumente chamada de violão elétrico.

Algum tempo depois os músicos, Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, e Baden Powell, também realizam gravações executando guitarra elétrica em determinados momentos de suas vidas profissionais. Garoto, tem a guitarra entre os instrumentos de cordas dedilhadas que executa nos programas das rádios e nas gravações em discos que participa. “Domina com igual maestria o violão, viola, guitarra espanhola, guitarra portuguesa, guitarra de jazz, banjo, bandolim e o cavaquinho (...)” (CARDOSO apud MELLO, 2012: 125). Aqui vemos as adjetivações comuns aos tipos de guitarras que fazem as distinções pertinentes aos tipos e modelos do instrumento de forma análoga à língua inglesa, por exemplo: classical guitar (guitarra clássica), acoustic guitar (guitarra acústica de cordas de aço), electric guitar (guitarra elétrica) etc. Observamos que todas essas expressões na língua inglesa têm em comum o termo guitar. Ainda de acordo com Jorge Mello (2012) o resultado do concurso, “Melhores de 1952”, apresentou Garoto, ao lado de Zé Menezes e Nestor, como vencedor da categoria “Guitarra” de melhor instrumentista.

Baden Powell começou sua carreira profissional usando um violão acústico adaptado para eletricidade, depois passou para a guitarra. É importante explicar aqui que o tratamento ‘Violão’, dado ao instrumento, só é usado no Brasil; no restante do mundo ele é chamado de Guitarra – elétrica ou acústica (...) (NOGUEIRA, 2002: 34).

O parceiro de Noel Rosa, o guitarrista Henrique Brito, de acordo com Almirante (2013), participa do conjunto musical Brazilian Olympic Band, para a realização de apresentações musicais nas olimpíadas de 1932, na cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos da América. Durante sua estadia de um ano em solo americano, negociou com uma fábrica de instrumentos na cidade de São Francisco a construção de uma guitarra eletrificada, cedendo os direitos de patente em troca da obtenção do referido instrumento. Após várias tentativas de negociação do protótipo desse primeiro instrumento elétrico no Brasil, Brito decide barganhar seu invento com os americanos.

Marcia Taborda (2011) também comenta a relação entre o termo guitarra e o instrumento que tem sua importância na criação e divulgação de gêneros musicais de origem americana, como o pop e o rock. “Já o vocábulo guitarra fixou-se no Brasil ao designar o mais jovem instrumento da família, a guitarra elétrica, cujo processo de difusão se iniciou depois da Segunda Guerra Mundial” (TABORDA, 2011: 27). Porém, o termo guitarra já

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existe no Brasil há bem mais tempo como referência ao instrumento de características acústicas, e passa a denominar também a versão eletrificada na segunda metade do século XX.

Nos Estados Unidos e no Brasil as guitarras acústicas são eletrificadas com o advento dos captadores e amplificadores de som. Pouco tempo depois os fabricantes de instrumentos no Brasil anunciam em seus catálogos modelos de guitarras elétricas. O luthier e colecionador de instrumentos Roberto Fontanezi fala sobre a primeira guitarra elétrica fabricada e comercializada no Brasil:

A primeira guitarra feita no Brasil foi feita pela Giannini (...) inclusive, no catálogo, eles colocam modelo Gibson, na realidade foi uma cópia de uma guitarra Gibson 601. Então foi a primeira guitarra comercial (A HISTÓRIA..., 2015).

Sobre a primeira guitarra de corpo sólido, maciça, fabricada e comercializada no Brasil, Fontanezi também nos informa que:

A primeira (guitarra sólida) comercial também foi a Giannini que lançou (...) que é a guitarra modelo Ritmo. Os primeiros conjuntos não tinham instrumentos e procuravam, logicamente, foram atrás das empresas que produziam instrumentos, no caso, a Giannini (...) foi o caso da Del Vecchio também (A HISTÓRIA..., 2015).

Observamos que o termo guitarra compreende uma gama de instrumentos, europeus e americanos, acústicos e elétricos. E ainda, no caso da guitarra elétrica, podendo ser categorizada de acordo com as características na construção do corpo do instrumento: sólida, maciça, semiacústica ou acústica. Historicamente a guitarra chega ao Brasil por duas vias: a europeia, por meio da colonização portuguesa, e a norte-americana pela imposição ao consumo de um mercado imperialista. Ambas se disseminam entre os gêneros de música brasileira e ensejam a criação de movimentos musicais, além de incrementar as gravações da indústria fonográfica. A partir da década de 1960 o mercado de instrumentos no Brasil já oferece variados modelos de guitarras elétricas, nacionais e importadas, para aquisição de instrumentistas dos conjuntos musicais.

Em geral, países colonizados como o Brasil, interagem com culturas estrangeiras, assimilando-as e inserindo-as no cotidiano, tornando no caso da guitarra, instrumento protagonista em vários gêneros da música popular. Na versão elétrica participa das experimentações tropicalistas, do rock, blues e jazz brasileiros, apontando para uma nova identidade cultural. Aqui, mais uma vez, reforçamos a ideia de que o termo guitarra venha

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unificar as tradições do instrumento no Brasil, evitando-se o apartheid criado entre guitarra elétrica e violão (guitarra clássica), na história da música popular brasileira.

Para ilustrar o antagonismo entre as referidas guitarras no Brasil, podemos citar a passeata contra a guitarra elétrica, que ocorre na década de 1960, onde defensores de ambos os instrumentos entram em conflito sobre a utilização do elétrico, de origem norte-americana, na música popular brasileira. A passeata foi organizada por músicos e artistas, em 17 de julho de 1967, que ficam divididos entre opiniões e adesões ao movimento. Mas a guitarra elétrica já havia conquistado o público jovem na década de 1950 e 1960, e, apesar dos protestos, em pouco tempo foi aceita e assimilada por músicos e pelo público brasileiro contribuindo de forma enriquecedora à nossa música popular. Acreditamos que essas guitarras, embora não sejam genuinamente nacionais, são responsáveis por ensejar a criação de repertórios dos gêneros musicais na história da música popular brasileira como consequência de um processo de assimilação cultural.

Dentre os artistas da época que participam da referida passeata contra a guitarra elétrica, Caetano Veloso foi um que não concordou com o movimento:

Todos falavam na defesa da música popular brasileira contra essa música comercial, de imitação da música americana, da Jovem Guarda, e as guitarras elétricas e o rock and roll (...) dias depois houve aquela passeata contra a guitarra elétrica (...) eu fui contra (...) (TERRA & CALIL, 2013: 143-145).

Gilberto Gil foi um dos artistas que participou da passeata contra a guitarra elétrica, organizada pela cantora Elis Regina, e o seu comentário sobre o episódio é o seguinte:

Mas eu fui pela Elis, por causa dela, enfim, atendendo a ela e evidentemente ao grande grupo de colegas interessantes que também estavam lá. Cada um com sua visão, com sua maneira de ver a coisa. Minha visão era essa: aquela disputa era saudável até certo ponto, no sentido de estimular competições benignas. Mas eu não era um defensor ideológico da divisão dos territórios, não (TERRA & CALIL, 2013: 162-163).

No mesmo ano da passeata contra a guitarra elétrica, 1967, ocorre o III Festival da TV Record que tem como quatro primeiras vencedoras as composições: Ponteio (Edu Lobo & Capinan); Domingo no Parque (Gilberto Gil); Roda Viva (Chico Buarque) e Alegria, Alegria (Caetano Veloso). Edu Lobo foi um dos artistas presentes à passeata contra a guitarra elétrica e seu comentário sobre o fato histórico é o seguinte:

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Eu nunca tive problema com a guitarra em si. Acho que a história era muito mais a maneira de fazer música, o ato de compor, do que o instrumento que se está usando. Heraldo do Monte tocava guitarra comigo, mas era uma guitarra fantástica. Existe guitarra e guitarra (TERRA & CALIL, 2013: 195).

No III Festival da Record, Caetano Veloso e Gilberto Gil utilizam conjuntos musicais com guitarra elétrica enquanto Edu Lobo e Chico Buarque executam guitarra clássica.As composições Alegria, Alegria (Caetano) e Domingo no Parque (Gil), anunciam o movimento do Tropicalismo, de Caetano e Gil, que teria influências comportamentais e na estética musical com a inclusão de elementos da música pop e do rock, representados pela guitarra elétrica.

Dentre os gêneros da música popular brasileira que concorrem ao III Festival da Record, o baião está presente na composição vencedora: Ponteio (Edu Lobo & Carlos Capinan). Edu Lobo comenta que “aquilo é uma levada brasileira tão misturada que eu não sei nem se posso chamar de baião, mas tem uma similaridade com o baião, sem dúvida” (TERRA & CALIL, 2103: 197). Zuza Homem de Mello, crítico e historiador da MPB, comenta sobre as características musicais de Ponteio:

No aspecto técnico, revoluciona porque era um baião, mas numa levada diferente, mais rápida, que a partir daí se torna o paradigma dos conjuntos instrumentais brasileiros, adotando o baião como um ritmo que se adaptava perfeitamente às condições que o samba ocupara até então E o que isso quer dizer? Adaptava-se ao impulso rítmico e à possibilidade de improvisos (...) o baião só entra no repertório dos grupos instrumentais brasileiros a partir de ‘Ponteio’ (TERRA & CALIL, 2013: 41).

Na verdade, de acordo com os fonogramas coletados e apresentados no terceiro capítulo dessa pesquisa, os conjuntos instrumentais brasileiros já executam o baião desde 1951, bem antes da realização do Festival da Record. Desde então o “impulso rítmico do baião” com a “possibilidade de improvisos”, amplamente divulgada a partir dos anos 1960, torna-se parte da produção fonográfica de músicos brasileiros.

Valéria Guimarães (2014) aponta três formas de assimilação, quando se refere à presença da guitarra no Brasil, quais sejam:

Parece que existiram três tipos de recepção à guitarra: a rejeição, bem representada pela passeata contra a guitarra; a absorção por aqueles que, embora utilizem o instrumento, adaptavam-no para tocar músicas como samba, cuja estrutura musical difere do rock ou jazz, como, por exemplo, Caetano Veloso; e a aceitação plena, incluindo o tipo de música que vinha a reboque do novo instrumento, o rock (GUIMARÃES, 2014: 162).

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Sob a perspectiva do antropofagismo de Mário de Andrade:

Vimos como entre o grupo que se identificava como representante da MPB havia uma divisão: aqueles que não só resistiram à guitarra como também protestaram abertamente, e aqueles que a absorveram, deglutindo-a antropofagicamente, e a utilizaram para a própria MPB (GUIMARÃES, 2014: 165).

E uma nova identidade nacional do instrumento:

A guitarra simboliza, assim, a irreversibilidade do contato com uma cultura que se torna cada vez mais hegemônica, sim, mas que penetrou o mercado e mentes brasileiros. Este contato constitui-se, portanto, em um fenômeno a ser observado pelo estudioso da cultura. (GUIMARÃES, 2014: 173).

O jornalista, colecionador, historiador e crítico de música, José Ramos Tinhorão, considerado, por alguns, incomodado com a presença da guitarra elétrica na música brasileira, dá sua opinião sobre a questão:

“(...) a guitarra elétrica (...) você não pode brigar contra a existência de um instrumento (...) você fere a corda pam e ela faz um som. Agora, quando o sujeito pega e começa a mexer nas cordas, (...) o som que ele cria mexendo nas cordas vai traduzir essa sua realidade cultural (...) o brasileiro, pega a guitarra elétrica e, em vez de criar uma música brasileira para guitarra elétrica, ele pega a guitarra elétrica e toca música americana (...) o mal não é a guitarra” (RODA VIVA..., 2016).

O comentário acima referido de José Ramos Tinhorão reflete o que músicos guitarristas realizam com seus instrumentos ao gravarem composições e arranjos, no gênero baião, a partir da década de 1950. Criando e recriando o gênero nordestino, lançam na fonografia da música brasileira um repertório para a guitarra poucos anos após o lançamento do baião de Luiz Gonzaga. Como vemos mais adiante, no terceiro capítulo sobre guitarra e baião, todas essas composições instrumentais delineiam e constroem um repertório que atravessa o tempo e os espaços geográficos, desenvolvendo o ritmo nordestino de Luiz Gonzaga, e mantendo vivo esse legado na música instrumental.

A guitarra norte-americana inicia sua história no final do século XIX. Orville H. Gibson (1856 – 1918) produz, em 1898, o primeiro modelo do instrumento: a guitarra acústica de tampo arqueado ou archtop guitar. Gibson une as habilidades de entalhador com seu interesse em música para a construção de instrumentos. Primeiramente constrói violinos e bandolins para em seguida produzir os primeiros modelos de guitarras, entre os quais o protótipo do primeiro instrumento, totalmente acústico: o Gibson Style O. A grande inovação de seu invento é a construção do tampo arqueado, das faixas laterais e do fundo, de uma peça única de madeira, diferenciando-se dos tampos planos dos instrumentos tradicionais, uma técnica de construção semelhante aos violinos de construtores europeus (BURROWS, 2013).

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A guitarra europeia, de tampo plano, já existe desde o período renascentista, e eis que surge a inovadora guitarra norte-americana de tampo arqueado. Nessa época, os instrumentos eram acústicos, mas só depois, com o advento dos captadores e amplificadores de som, é que vêm a serem eletrificados.

Em 1922, a fábrica Gibson, de instrumentos musicais, lança no mercado a guitarra modelo L-5, concebida pelo luthier Lloyd Loar (1886 – 1943). O instrumento acústico possui tampo arqueado, sem a abertura ou boca para projeção do som, mas com dois orifícios em forma de “f”, semelhantes aos que existem nos tampos dos instrumentos de cordas friccionadas. Essa guitarra também apresenta outras novidades como um tensor para regulagem do braço, ponte ajustável para afinação das oitavas e um escudo para o descanso da mão do instrumentista. Em 1939 ocorre o relançamento da guitarra Gibson L-5, ainda acústica, mas com um corte no bojo menor do corpo do instrumento, no fim da escala, para facilitar o acesso da mão esquerda aos sons musicais das últimas casas. Eddie Lang (1902 – 1933), um dos guitarristas pioneiros do jazz norte-americano, atua em gravações, shows e filmes, com esse instrumento nas décadas de 1920 e 1930 (BURROWS, 2013).

Esses primeiros modelos de guitarras norte-americanas são instrumentos totalmente acústicos, sem uso de captadores para eletrificação do som, com tampos arqueados, e que mantém algumas semelhanças com as guitarras europeias. Nos anos seguintes surgem outros modelos, ainda acústicos, mas de formatos diferenciados incluindo, além da Gibson, outros fabricantes: Epiphone, D’Angelico, Levin, Stromberg, Gretsch etc. “A série de guitarras ES (Electric Spanish), também da fábrica Gibson, apresenta ao mundo, em 1936, o primeiro instrumento eletroacústico, o modelo ES-150” (BURROWS, 2013: 104). Iniciava-se o período do uso de captadores eletromagnéticos que concorre para o ganho no volume das guitarras por meio de amplificadores de som. O primeiro solo de jazz gravado com guitarra elétrica é realizado por Eddie Durham (1906 – 1987), mas quem populariza o instrumento com sua técnica e fluência musical é o guitarrista Charlie Christian (1916 – 1942). Os níveis de volume do instrumento, a partir de então, tornam-se compatíveis com os grupos de metais, as big bands com piano, baixo e bateria. A guitarra, inserida nos conjuntos musicais, ganha projeção sonora participando ao lado de instrumentos com maior volume sonoro. Na metade do século XX surgem então as guitarras de corpo totalmente maciço para atender aos instrumentistas que se queixam dos efeitos de microfonia causados por processos de realimentação consequentes do elevado volume dos amplificadores de som das guitarras eletroacústicas.

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1.1 – Técnicas de execução

Os estudos de execução à guitarra têm relação direta com “metodologias de ensino que dão destaque às experiências musicais do aluno e às trocas entre processos informais, não formais e formais de ensino de música” (FREIRE, 2010: 54). Aprender a tocar um instrumento musical, numa escola ou em aulas particulares, com ou sem a disponibilidade de um professor, torna-se viável com o advento da internet e as muitas possibilidades oferecidas on-line com livros, métodos, partituras virtuais, áudios e videoaulas com interatividade. Além disso, as tradicionais mídias que continuam sendo ferramentas à disposição dos estudantes, que desejam aprender música e executá-la ao instrumento, como o disco, o rádio e a televisão. As etapas e procedimentos que os músicos guitarristas desenvolvem em seus estudos, para solucionar eventuais problemas para o aprendizado e a execução musical, necessitam estar definidos e discriminados.

Nos Estados Unidos, com a construção das primeiras guitarras de tampo arqueado de Orville Gibson, surge, além do uso dos dedos, o uso da palheta, muito embora ambas as técnicas de execução remontem aos tempos da Grécia Clássica com os executantes de cítara grega. Atualmente as técnicas de execução utilizadas pelos guitarristas em geral oscilam entre o uso dos dedos, da palheta, e de ambos, palheta e dedos. Esta técnica é conhecida no Brasil como palhetada híbrida, do inglês, Hybrid Picking.

Alguns guitarristas, presentes nos fonogramas coletados para essa pesquisa, comentam sobre as técnicas de execução utilizadas ao instrumento. Dentre eles incluímos comentários de Antônio Rago, Hélio Delmiro, Toninho Horta e Victor Biglione.

Sobre as formas de executar a guitarra Antônio Rago (1986), por exemplo, nos fala de sua época:

Existiam algumas guitarras elétricas americanas, de colegas que tocavam em orquestras como guitarra-base e às vezes solando trechos de músicas, mas com palheta entre os dedos polegar e indicador, enquanto que eu tocava o instrumento, dedilhando como violão comum (RAGO, 1986: 28).

Antônio Rago utiliza os dedos na execução da guitarra elétrica, uma forma de tanger as cordas à maneira tradicional da guitarra clássica. Observamos que o repertório ou o trecho musical de determinada obra tem influência direta na escolha da técnica de execução utilizada. Por exemplo, músicas polifônicas tornam-se inviáveis com o uso exclusivo da palheta, havendo a necessidade de execução com palhetada híbrida ou dedos para viabilizar a prática desse repertório.

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