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A desobediência civil no ciberespaço e os movimentos sociais organizados pela internet: a construção de novos espaços democráticos

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

PATRÍCIA DIDONÉ SEIBERT

A DESOBEDIÊNCIA CIVIL NO CIBERESPAÇO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS PELA INTERNET: A CONSTRUÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS

DEMOCRÁTICOS

Ijuí (RS) 2016

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PATRÍCIA DIDONÉ SEIBERT

A DESOBEDIÊNCIA CIVIL NO CIBERESPAÇO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS PELA INTERNET: A CONSTRUÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS

DEMOCRÁTICOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Doglas Cesar Lucas

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho aos meus pais e aos meus avós, pelo apoio e confiança em mim depositados para que pudesse chegar até aqui.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente aos pais, por acreditarem nos meus sonhos e fazer possível esta caminhada. À minha mãe, pela paciência, ajuda e compreensão em todos os momentos e ao meu pai, pessoa que muito admiro, por mostrar-me que todo sonho é possível, por mais distante que pareça estar.

Aos avós, pelo carinho de sempre e pela alegria em comemorar cada conquista já alcançada até aqui, mostrando-me que todo esforço é recompensado, e que este é só o início da jornada.

Aos demais familiares que se fizeram presentes ao longo desta caminhada, e que de uma forma ou de outra contribuíram para o meu crescimento.

Aos amigos, em especial àquela que me acompanha desde o início da vida escolar. Amizade sincera e recíproca... Amizade que completa. Amiga de sempre, irmã de outra vida.

Ao meu orientador, pelo empenho e disposição para que este trabalho fosse possível, e principalmente por auxiliar-me na escolha deste tema, incentivando-me a buscar e a aprender sempre mais.

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“A lei nunca tornou os homens mais justos, no mínimo que fosse; e, por via de seu respeito a ela, mesmo os de boas disposições veem-se

diariamente convertidos em agentes da

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A desobediência civil é um importante instrumento para a efetivação da democracia, haja vista que de forma coletiva, pública e pacífica, permite que uma minoria conteste, direta ou indiretamente, uma lei que considere injusta. Desta forma, chama a atenção do Estado no intuito de revogar aquela lei injusta, quando todos os outros meios legais para afastar a injustiça não obtiveram êxito. Portanto, seria a desobediência civil um último recurso ao qual os cidadãos podem lançar mão. No que tange aos movimentos sociais, historicamente estes surgiram a partir do descontentamento em relação ao cenário político, econômico e social. Os novos movimentos sociais, todavia, representam muito mais do que a luta de classes, trazem consigo uma gama de objetivos e ideais que vão muito além. Exemplo disso são os Movimentos de Rua ocorridos no Brasil em 2013, onde a maioria massiva dos manifestantes era formada por jovens, que reivindicavam por múltiplos direitos. Atrelados aos novos movimentos sociais estão as novas tecnologias de informação, principalmente a internet. Muito mais do que um simples campo para a troca de informações, o ciberespaço vem se tornando um meio para o agir propriamente dito, ou seja, através de ações concretas que podem ocorrem diretamente ali, como por exemplo, através de “sit-ins” e bloqueios de paginas governamentais, criando assim um novo espaço legitimo para o exercício da democracia.

Palavras-Chave: Desobediência civil. Movimentos sociais. Democracia.

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Civil disobedience is an important instrument for the effectuation of democracy, considering that collectively, publically and pacifically it allows a minority to contest directly and indirectly any law they find unjust. In this way they drag the attention of the State so as to revoke that unjust law, once all other legal ways to end the injustice have failed. Therefore, civil disobedience would be a last resource to which citizens can appeal. Regarding social movements, they have grown from the dissatisfaction with the political, social and economic scene. The new social movements however, represent much more that the class struggle: they have an array of objectives and ideals that exceed that. The Street Movements in 2013 in Brazil are an example of that, with the great majority of demonstrators were young people, demanding multiple rights. Related to the new social movements are the new information technologies, specially the internet. Much more than a simple means for information exchange, the cyberspace has become a way to act. That is to say that through concrete action, that take place right there, like the virtual sit-ins and blockage of government webpages, creating, thus, a new legitimate space for the practice of democracy.

Keywords: Civil Disobedience. Social Movements. Democracy. Cyberspace.

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INTRODUÇÃO ... 9

1 HISTÓRIA E JUSTIFICATIVAS DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL ... 12

1.1 Aspectos históricos do direito de resistência e da desobediência civil ... 12

1.2 Conceito e características da desobediência civil ... 16

1.3 Razões e fundamentos da desobediência civil no Estado Democrático de Direito ... 21

2 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS E O FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA ... 26

2.1 Diferenças e aproximações entre os velhos e novos movimentos sociais . 27 2.2 Os movimentos sociais contemporâneos e sua nova forma de atuação ... 30

2.3 O cenário brasileiro nas manifestações de Rua de 2013 ... 34

3 DESOBEDIÊNCIA CIVIL ELETRÔNICA E A CONSTRUÇÃO DE NOVOS ESPAÇOS DEMOCRÁTICOS ... 42

3.1 Conceituando a desobediência civil eletrônica ... 42

3.2 A utilização da desobediência civil eletrônica pelos movimentos sociais contemporâneos ... 45

3.3 A desobediência civil no ciberespaço e a construção de novos espaços de democracia ... 48

CONCLUSÃO ... 51

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INTRODUÇÃO

A desobediência civil como instrumento posto ao alcance do cidadão tem suma importância na concretização da cidadania e da democracia. De forma coletiva, pública e pacífica o desobediente civil pretende chamar a atenção do Estado para uma lei que considere injusta, uma vez que todos os meios legais para tentar revogar referida lei não restaram exitosos.

Tendo como principal expoente Henry Thoreau, em célebre ensaio acerca da desobediência civil, este permaneceu na prisão por uma noite depois de um episódio em que negou-se a pagar seus tributos, os quais eram utilizados para financiar a guerra e a escravidão. Assim, contrário a prática do Estado, entendeu que se desobedecer a uma lei que considerava injusta lhe colocaria na prisão, este era, então, o lugar para o homem justo.

A desobediência civil, todavia, não deve ser vista como um sinônimo de resistência, visto que esta apenas estabeleceu as bases para o surgimento daquela. Assim como o exercício de qualquer outro direito, a desobediência pressupõe alguns requisitos que a justifiquem dentro do Estado Democrático de Direito, tornando seus atos legítimos, de modo que há clara distinção entre seus atos e os atos de desobediência criminal, por exemplo, o que será tratado adiante.

Desobedecer a uma lei injusta, portanto, é um direito legitimo e importante instrumento de construção de cidadania e democracia. Neste cenário, observam-se as diversas manifestações que sempre estiveram presentes na história deste país. Algumas vezes os atos se fizeram violando a própria lei que se considerava injusta,

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em outros casos, se trancavam rodovias e avenidas no intuito de chamar a atenção do Estado para outra situação, ainda mais gravosa.

Neste sentido, no que pese a atuação dos movimentos sociais, que historicamente sempre estiveram presentes bem como as diferenças e aproximações entre os ditos velhos e novos movimentos sociais, há de se ressaltar o surgimento de novas formas de atuação destes movimentos, que passam a agir em rede. Durante as manifestações de Rua ocorridas no país em junho de 2013, a internet configurou o principal meio através do qual os manifestantes comunicavam-se, marcando datas e pontos de encontro.

Todavia, muito mais do que um meio pra propagar informações, os novos meios de comunicação, principalmente a internet, passaram a ser um meio para o agir propriamente dito. Desta forma, assim como os movimentos de rua, o que se busca é chamar a atenção do Estado e da sociedade como um todo, seja derrubando sites ou promovendo os chamados “sit-ins”. Nestes casos, salientam-se as ações dos hacktivistas, termo este que configura a junção entre as palavras “hacker” e “ativistas”.

O que se busca discutir, neste sentido, é se o ciberespaço é capaz de ampliar os espaços democráticos, não apenas de migrar das Ruas para Internet, mas sim no sentido de utilizar esta ferramenta efetivamente como prática de desobediência civil eletrônica.

Para tanto, o presente trabalho é dividido em três capítulos, tendo em vista a necessidade de trazer conceitos e fundamentos inerentes à desobediência civil bem como dos movimentos sociais, para que seja possível, então, trazer alguns traços acerca da desobediência civil eletrônica.

O primeiro capítulo traz os aspectos históricos da desobediência civil e do direito de resistência, até chegar ao conceito de desobediência civil e elencando, não de forma exaustiva, as suas principais características, bem como suas razões e fundamentos no Estado Democrático de Direito.

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O segundo capítulo, por sua vez, tratará acerca dos movimentos sociais, fazendo uma abordagem entre os novos e velhos movimentos sociais, bem como uma análise no que tange à forma de atuação dos novos movimentos sociais. Por último, este capítulo também fará referência às manifestações de Rua que ocorreram no Brasil no ano de 2013, as quais tomaram repercussão a nível mundial, e que tiveram grande influência nos movimentos que já vinham ocorrendo em outros países, como nos Estados Unidos e Primavera Árabe, por exemplo. Ainda nesta seção, já se observa o papel desempenhado pelos meios de comunicação, principalmente a internet, não apenas difundindo o movimento entre a população, mas ao mesmo tempo servindo como um meio para dar sequência ao que foi iniciado nas ruas, destacando-se a ação dos denominados Anonymous.

O terceiro capítulo, por fim, tenta trazer um conceito de desobediência civil eletrônica bem como a sua utilização pelos movimentos sociais contemporâneos, trazendo a discussão acerca da construção de novos espaços democráticos. Neste sentido, se busca demonstrar que o ciberespaço pode ser reconhecido como um espaço para o agir propriamente dito, de pôr em pratica o exercício da democracia e da cidadania, principalmente através do uso da internet.

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1 HISTÓRIA E JUSTIFICATIVAS DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL

A desobediência civil como forma de resistência é um importante mecanismo para a efetivação do exercício da cidadania e da democracia, pois permite questionar a legitimidade de determinada lei ou ato de governo.

Ao contrário de outras formas de oposição, o contestador civil aceita a estrutura que lhe é imposta, não negando o contrato social que criou a figura do Estado. Entretanto, de forma coletiva e pública, põem-se a chamar a atenção da sociedade e das autoridades para determinada ação ou omissão, não com o objetivo de modificar o Estado, mas sim com o intuito de afastar do ordenamento aquilo que é ilegítimo e/ou contrário a seus direitos e garantias fundamentais, ou seja, aquilo que é fonte geradora de injustiças.

Thoreau foi o grande expoente que propôs a desobediência civil assim como é apresentada, a qual foi uma evolução do direito de resistência. Contrário às guerras e à escravidão, financiadas principalmente pela arrecadação tributária, Thoreau decidiu não pagar seus impostos. Por esta conduta, inegavelmente contrária à lei, foi recolhido à prisão, de modo que aceitou a pena pelo seu ato de descumprimento, sendo libertado depois que sua tia fez o pagamento da fiança. A experiência serviu então para a criação de sua obra célebre sobre a desobediência civil.

Neste sentido, o presente capítulo expõe o conceito e as principais características da desobediência civil, bem como seus aspectos históricos. Outrossim, ao tratar acerca de sua origem, faz referência também ao direito de resistência, o qual serviu como base para seu surgimento. Em sequência, aborda suas razões e fundamentos em um Estado Democrático de Direito.

1.1 Aspectos históricos do direito de resistência e da desobediência civil

Na antiguidade já era possível observar os primeiros sinais do que viria a ser o direito de resistência. Sófocles, em Antígona, já reconhecia o direito de resistir às

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leis ou ordens injustas. Antígona desobedeceu ao Rei Creonte, violando a ordem de não sepultar seu irmão. Antígona contestou a condenação afirmando que sepultar seu irmão, embora proibido, era um direito justo por natureza (SOFOCLES, 1992).

O direito de resistência, segundo Geovani de Oliveira Tavares (2003), encontra sua origem na Idade Média, quando Santo Tomás de Aquino teoriza que era um direito do provo ir contra as tiranias do monarca. Segundo explica Pedro Iris Paulin (2011), Tomás de Aquino desenvolve o direito de resistência contra as tiranias praticadas pelo regime da época, pois entendia que deveria haver reciprocidade entre governantes e governados.

Sob a égide do direito natural, portanto, Santo Tomás de Aquino foi o primeiro grande teórico da resistência. Para ele, a ideia de justiça e injustiça deve sempre ser interpretada de acordo com o divino. A partir de então, entendia que a investida deveria ser feita publicamente e como ultimo recurso, de modo que só seria legitima quando a tirania praticada fosse excessiva (LUCAS, 1991).

Tavares (2003, p. 13) ainda lembra que o Contratualismo também defendeu o direito de resistência, e assim como os iluministas, “justificam a resistência e a desobediência à lei, se esta não garante paz social e a liberdade humana”.

Entretanto, foi durante a Revolução Francesa que o Direito de Resistência passou a expressar maior relevância, tendo em vista as ideia de liberdade pregada pelo movimento impulsionado pelos iluministas.

Se por um lado o direito de resistência ganhou evidência durante a Revolução Francesa, houve um tempo em que tal direito foi pouco debatido, haja vista a consagração de certas garantias à liberdade individual, as quais foram estabelecidas durante o Estado Liberal. Porém, segundo João Gaspar Rodrigues (2008), no século XX, após a experiência nazista e os violentos ataques aos direitos do homem, voltou-se a debater fortemente questões como a obediência às leis e seus limites e, consequentemente, o direito de resistência.

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O reaparecimento constante dos novos debates em torno da importância da resistência fez com que vários Estados positivassem tal direito em seus textos constitucionais. Para João Gaspar Rodrigues (2008), isso não significa que naquelas constituições em que não estava expressamente positivado tal direito, os indivíduos dele não podiam se valer. E é este o claro exemplo do Brasil. Embora a Constituição brasileira não preveja expressamente o direito à resistência, o seu artigo 5º dá margens para que se interprete a possiblidade de sua garantia.

Sempre que um agente público deixar de cumprir sua função ou a executa além dos limites constitucionais, ou ainda a liberdade e a dignidade da pessoa humana forem reduzidas a ornamento inútil, surge o direito de resistência para garantir o predomínio do direito fundamental olvidado. E isto indica que esta garantia, sem prejuízo de expressa previsão, jaz implícita no feixe das instituições jurídicas, como uma sombra protetora (RODRIGUES, 2008).

A partir do Estado Moderno há a inversão do todo para a parte, de modo que o indivíduo é quem passa a ser a figura central. Essa inversão, porém, segundo Lucas (2003, p. 101), “é mais ideal do que histórica, apesar de não eliminar as injustiças evidenciou novas possibilidades para as teorias da desobediência à ordem institucional, até então restritas ao clássico direito da resistência”.

O direito de resistência, portanto, não constitui sinônimo de desobediência civil, visto que aquele apenas estabeleceu os as bases para os movimentos desta. Lucas (2003, p. 111) esclarece que “enquanto a desobediência civil objetiva verificar a obrigatoriedade de normas jurídicas particulares, a resistência, numa direção mais ampla, visa a fazer frente à totalidade do ordenamento jurídico.”.

A desobediência civil teve como expoente Henry Thoreau. Nascido em Conrad, Masachusetts, em 12 de julho de 1817, foi um dos autores mais influentes da literatura norte-americana do século XIX e também responsável pelo célebre tratado sobre a desobediência civil. Para Thoreau, (1968, p. 17) “o melhor governo é aquele que menos governa”, pois embora o governo seja apenas uma conveniência, sempre haverá momentos em que será inconveniente.

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Em continuidade a seu pensamento, Thoreau (1968) defendia que não era um antigovernista e que não estava a pedir a abolição do governo, mas sim, um governo melhor: A partir de seus escritos, esclareceu que a desobediência civil é uma forma evoluída do direito de resistência, isso porque, este só permitia a expressão de vontade da maioria, fazendo com que as minorias nunca tivessem vez, ou seja, mesmo não concordando, deveriam acatar o pensamento daqueles.

Thoreau (1968) dispõe-se a afirmar, ainda, que o Governo toma as decisões pura e simplesmente por conveniência e então se pergunta se nestes casos o cidadão deve abrir mão de sua conveniência em favor do legislador. Em resposta, aduz que primeiro é preciso ser homem, e só depois súdito.

As relevantes construções de Thoreau acabaram por servir de inspiração para outras ilustres figuras. Gandhi foi uma delas, tendo se tornado um dos principais responsáveis pela independência da Índia e também defensor da desobediência civil, porém, adotando algumas posturas distintas das de Thoreau. Para Gandhi, a desobediência se resume de forma pacífica e só obtém êxito quando realizada por um numero expressivo de pessoas (LUCAS, 1999).

Martin Luther King foi outra figura influenciada pelas palavras do Thoreau, lutando pela igualdade entre brancos e negros durante as décadas de 50 e 60 nos Estados Unidos. Segundo Doglas Cesar Lucas (1999, p. 37):

Para King o terreno do judiciário, exclusivamente, se fazia insuficiente. Era necessário a construção de uma nova organização civil. Encontrou em Thoreau e Gandhi a chave para montar um movimento de resistência não-violento. Considerava que a desobediência civil realizada em massa corresponde ao mais alto nível de protesto não violento.

A posição por ele adotada permite compreender a posição que ocupam os atos de desobediência civil dentro da sociedade civil. Como forma de exercício da democracia, vale-se dela apenas como ultimo recurso, ou seja, quando nem mesmo o poder judiciário for suficiente para garantir e resguardar os direitos do homem. Observa-se, todavia, que poderão existir hipóteses em que esta espera traga prejuízos ainda maiores ou, até mesmo, irreversíveis. Em assim sendo, poder-se-ia

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tomar a desobediência civil como atitude primeira frente à ação ou omissão geradora da injustiça.

Embora seja possível observar que existam alguns pontos conflitantes entre as proposta de Thoreau, Luther King e Gandhi, foram eles os grandes idealizadores da desobediência civil. Thoreau foi o responsável pela migração do direito de resistência para categoria de desobediência civil. Os outros dois, porém, foram responsáveis por agregar à desobediência civil características que permitem exercer da melhor forma o direito de resistir. Assim, concordavam que os atos de desobediência deveriam ser atos não violentos, porém depositavam na maioria coletiva a sua utilização.

1.2 Conceito e características da desobediência civil

A desobediência civil, Lucas (2003, p. 103), “é um instrumento alternativo para o exercício da cidadania no contexto das sociedades democráticas modernas”. Trata-se de um direito do cidadão, assim entendido em uma coletividade, de insurgir-se contra uma norma ou ato de governo que considere ilegítima, ou que viole insurgir-seus direitos e garantias fundamentais protegidos constitucionalmente.

Para Gabriela Bonfim de Almeida Braga (2014, p. 97), a desobediência civil:

É uma forma de resistência passiva a violações de direitos e garantias fundamentais do ser humano, existente nos regimes democráticos de direito, que permite que uma minoria organizada de cidadãos manifeste-se pública e pacificamente, de forma positiva ou negativa, contra as normas políticas de um governo que resultem em referidas violações.

De acordo com John Rawls (2003), quando se fala em desobediência civil, geralmente se faz uma interpretação mais ampla do tema, de modo que toda e qualquer forma de desobediência se enquadraria em tal definição. O caso de Thoreau é, para ele, o grande exemplo desta definição mais ampla. É por esta razão que, não raras às vezes, a desobediência civil, devido ao seu sentido amplo de interpretação, é confundida com outras formas de resistência, principalmente com a objeção de consciência.

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A objeção de consciência, ao contrário da desobediência civil, não é uma ação praticada publicamente, pois leva em consideração apenas a convicção individual de cada um:

Os que estão dispostos a recusar a obediência reconhecem que talvez não haja bases para um entendimento mútuo; eles não procuram ocasiões para a desobediência como forma de afirmar a sua causa. Ao contrário, protelam a ação na esperança de que a necessidade de desobedecer não se apresente [...]. A objeção de consciência não se baseia necessariamente em princípios políticos; pode fundamentar-se em princípios religiosos ou de outra natureza que divergem da ordem constitucional (RAWLS, 2002, p. 409).

A desobediência civil evolui a partir do direito de resistência e, diferente deste, permite que a minoria oprimida enfrente o governo pela busca de melhores condições. Note-se que o direito de resistência exigia que a expressão de vontade fosse da maioria, sendo essa a razão pela qual era mais precário e falho, pois as minorias nunca tinham vez, ou seja, acabavam sempre seguindo e acatando as vontades dos demais (leia-se, a maioria).

Por esta razão, o fato de uma maioria governar por muito tempo, não quer dizer que seja mais certa e nem que isso importe em algo justo para as minorias. Isso significa apenas que a maioria é fisicamente mais forte. (THOREAU, 1968).

Respeitar a lei, então, é algo que deve estar firmado na consciência do indivíduo e não na vontade da maioria, razão pela qual, a transgressão à norma se torna um direito do indivíduo sempre que sua consciência entendê-la como fonte de injustiça ou ilegitimidade. Quando o governo, seja por ação ou omissão, não cumprir com suas prerrogativas, violando os princípios morais do indivíduo, a única saída que tem ele é não acatar aquela norma.

A bem da verdade, Thoreau (1968, p. 27) afirma que leis injustas existem, e se faz a seguinte pergunta: “devemos contentar-nos em obedecer-lhes ou empenhar-nos em corrigi-las”. Conclui que devemos desobedecer, mesmo que isso resulte no aprisionamento (episódio este, experimentado por ele próprio). Justifica

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isso pelo fato de que ao desobedecer, torna a cadeia um lugar para o homem justo, chamando a atenção da sociedade e do Estado para que mude sua conduta.

Rawls (2002, p. 388-389), em sua obra publicada no ano de 1971, denominada “uma teoria da justiça”, afirma que não existe dificuldade em explicar porque obedecemos a leis justas dentro da vigência de uma constituição justa. O problema “está em saber em que circunstâncias e em que medida somos obrigados a obedecer a ordenações injustas”. Em prosseguimento a esta ideia, Rawls explica que o simples fato de uma lei ser injusta, não da azo para que não seja obedecida, do mesmo modo que o fato de uma lei ser justa, não quer dizer que haja concordância quanto à sua manutenção do ordenamento jurídico.

Para explicar a desobediência civil, Rawls (2002) parte do pressuposto de um estado de quase-justiça. Isso significa que a sociedade deveria ser pautada sob os pilares de uma constituição justa, ou seja, onde cada um dos cidadãos pudesse exprimir de forma livre a sua vontade, de modo a poder exercer livremente seus direitos. Desta forma, nas palavras de Tiago Porto (2015, p. 6):

Rawls propõe um sistema visando a consolidação desta sociedade, estruturada em uma constituição ponderada sob um véu de ignorância que não prevê privilégios a grupos específicos, mas uma coexistência pacífica entre os cidadãos, independente de gênero, etnia ou credo.

Partindo desse pressuposto, qual seja, o de uma sociedade quase justa, e levando em consideração o que Rawls denomina véu de ignorância, as leis são criadas de modo que possuam, por assim dizer, um nível aceitável de injustiça, fazendo com que se possa manter ordenada uma sociedade.

Assim, a Constituição é vista como um procedimento justo, mas não perfeito, possuindo como princípio a regra da maioria, pois, caso contrário, se fosse adotada a regra da minora, consequentemente não se saberia qual minoria escolher, e, portanto, se estaria violando o princípio da igualdade. Mas isso não quer dizer, todavia, que a maioria esteja sempre certa. Por esta razão, Rawls (2002) explica que obedecemos a leis injustas pelo fato de apoiarmos uma constituição justa.

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A desobediência civil, portanto, só é aceitável em uma sociedade quase justa, onde, em que pese, ocorram injustiças:

O problema da desobediência civil [...] se apresenta apenas no âmbito de um estado democrático mais ou menos justo, para aqueles cidadãos que reconhecem e aceitam a legitimidade da constituição. Trata-se de um problema de deveres conflitantes (RAWLS, 2002. p. 403).

Rawls (2002, p. 404) define a desobediência civil da seguinte forma:

[...] um ato público não violento, consciente e não obstante um ato politico, contrário à lei, geralmente praticado com o objetivo de provocar uma mudança na lei e nas políticas de governo. Agindo dessa forma, alguém se dirige ao senso de justiça da maioria da comunidade e declara que, em sua opinião ponderada, os princípios da cooperação social entre homens livres e iguais não estão sendo respeitados.

Não obstante, Rawls (2002) esclarece que não há necessidade de que o ato de desobediência civil viole a mesma lei sobre a qual se protesta. Neste sentido, Lucas (2003) faz esta mesma observação, fazendo distinção entre a desobediência civil direta e a indireta. Diz-se direta quando se viola a própria lei considera injusta e, indireta, quando questiona não o conteúdo de uma lei em si mesma considerada, mas a questiona apenas no intuito de chamar a atenção (publicamente) quanto ao descontentamento com outra lei ou ato do governo. Como exemplo de desobediência civil indireta, cita o caso do bloqueio de uma rodovia, onde, obviamente, não se protesta contra a proibição de se trancar uma rodovia, mas sim, tendo o objetivo de chamar a atenção das autoridades de determinadas medidas governamentais que a comunidade entende serem injustas.

A desobediência civil é, portanto, um ato essencialmente político e também público. Se diz político não pelo simples fato de dirigir-se àqueles que detém o poder, mas principalmente por orientar-se por princípios políticos e de justiça. E é um ato essencialmente público porque é praticado abertamente, justamente com o intuito de chamar a atenção, pois, de outro modo, não seria possível demonstrar o descontentamento e irresignação frente às injustiças. O objetivo dos contestadores civis é de claramente chamar a atenção de todos e do Estado para determinada ação ou omissão, seja de forma positiva ou negativa (RAWLS, 2002). Assim, por ser um movimento público, é fácil distinguir um ato de desobediência civil de uma

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desobediência criminal, por exemplo, já que está se dá na clandestinidade, ou seja, de forma oculta e secreta.

Por ser um ato público, conforme demonstrado acima, daí decorre também outra característica muito marcante na desobediência civil, qual seja, a pacificidade de seus movimentos:

Por essa razão, entre outas, a desobediência civil é não violenta. Procura evitar o uso da violência, especialmente contra as pessoas, não por abominar o uso da força por princípio, mas por ser uma expressão conclusiva do argumento de alguém. Envolver-se em atos violentos que tendem a prejudicar e a ferir é incompatível com a desobediência civil entendida como uma forma de apelo público (Rawls, 2002, p. 406).

A pacificidade dos movimentos tem relação com o próprio proposito de ser da desobediência civil, ou seja, pretende modificar os atos e leis injustas, mas sem se opor ao ordenamento jurídico. Prova disso é fato de que o contestador aceita a penalidade que lhe é imposta pelo descumprimento da lei, e grande exemplo disso foi o próprio Thoreau. Ao optar por não fazer o pagamento de seus impostos, tendo em vista que sua consciência os considerava injustos e contrariavam seus princípios no que tange à guerra e a escravidão, foi levado pela prisão. Durante a noite em que esteve preso, declarou que a prisão era um lugar para homens justos, que preferiam estar ali do que ter que acatar pela opção da maioria (THOREUAU, 1968).

Em complemento, Lucas (p. 108, 2003) esclarece que “a inexistência de violência na desobediência é algo que perturba a ação do Estado, pois, se este a proíbe, demonstra a injustiça do governo e, por outro lado, deixando acontecer, admite a insatisfação”.

Ressalta-se, todavia, que a sanção a ser imposta ao desobediente civil, a exemplo do que aconteceu com Thoreau, não pode ser a mesma aplicada àquele que comete um ilícito penal, pois existem diferenças distintas entre um e outro. No desobedecer do contestador civil existe uma prerrogativa de afastar injustiças, ou seja, suscitar o debate e chamar a atenção para ele. O criminoso, por sua vez, não faz qualquer juízo de valor em seu ato infracional, inclusive o fazendo às

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escondidas. Por esta razão, há de se observar a proporcionalidade e adequação da punição aplicada ao caso concreto.

Embora a desobediência civil seja um ato político e público, ainda assim, pela sua própria essência, seus atos sempre serão ilegais, pois é uma ferramenta posta aos indivíduos para que possam afrontar a legitimidade das leis. Atente-se que, segundo Lucas (2003. P. 122):

A obediência à lei impõe-se como elemento de funcionamento de uma estrutura social que deposita nela toda sua justificação, de modo que permitir a desobediência seria contrário a sua racionalidade de poder e de representação.

Não se poderia esperar que o Estado faça o reconhecimento da desobediência civil, pois seria ilógico almejar que um ordenamento jurídico baseado no cumprimento e respeito à lei, faça previsão à norma que admita violação de outras normas. Segundo Nelson Costa (1990) citado por Lucas (2003, p. 122), a “força da desobediência está em sua justa ilegalidade em conflito com a legalidade injusta”.

Ademais, o Estado, ao admitir garantias e direitos fundamentais do homem, não está ligado estritamente ao positivismo, de modo que abre espaço para interpretações muito mais amplas sobre o que sejam estes direitos, razão pela qual a desobediência civil se enquadra neste rol interpretativo.

1.3 Razões e fundamentos da desobediência civil no Estado Democrático de Direito

A desobediência civil, assim como qualquer outro direito, pressupõe a existência de algumas condições que a justifiquem, para que seja um movimento capaz de atender os objetivos dos dissidentes frente à injustiça, ao mesmo tempo em que o consiga fazer sem gerar um estado de desordem.

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Rawls (2002) justifica a desobediência civil em três condições. Primeiro nas hipóteses em que é violado o princípio da liberdade igual, o que implica a restrição de direitos para algumas minorias. Desta forma, se está violando o principio de igualdade dentro uma constituição. A segunda condição teria lugar quando todos os outros meios para tentar afastar a injustiça já fracassaram:

Podemos supor que os apelos normais dirigidos à maioria já fracassaram. Os meios legais para corrigir a situação se mostraram inúteis. Assim, por exemplo, os partidos políticos existentes ficaram indiferentes às reivindicações da minoria ou não se dispuseram a acolhê-las. As tentativas de provocar a revogação das leis injustas foram ignoradas, e as demonstrações e os protestos feitos legalmente não obtiveram êxito algum. Sendo a desobediência civil o ultimo recurso, devemos ter certeza de que é necessária (RAWLS, 2002, p. 413).

No exemplo citado acima, Rawls (2002) pretende demonstrar que a desobediência civil, uma vez justificada, seria claramente o ultimo recurso a ser utilizado, uma vez que as demais tentativas anteriormente praticadas não se mostraram eficientes no intuito de afastar determinada injustiça. Indo mais além, Rawls (2002) defende até mesmo as hipóteses em que uma injustiça seja tão grande, que seria até possível abrir mão dos meios legais de oposição política.

A terceira e última condição da desobediência civil trazida por Rawls (2002) pressupões uma situação que traria grave desordem ao Estado. Desta forma, exemplifica a hipótese em que uma minoria justificasse a desobediência civil frente a uma injustiça, uma vez que nenhum outro meio político e legal foi capaz de afastá-la. Desta forma, outra minoria, nas mesmas condições, poderia igualmente justificar a desobediência civil da mesma forma. E assim seria com qualquer outra minoria que fosse submetida a uma injustiça. Isso, por fim, causaria consequências negativas para todos, de forma que “a eficácia da desobediência civil como uma forma de protesto entra em declínio além de um certo ponto” (RAWLS, 2002, p. 415).

A solução para o caso hipotético demonstrado acima é que haja entendimento político e coordenação entre os movimentos destas minorias, de forma que cada uma possa exercer seus direitos, porém, sem gerar desordem. Assim, Rawls (2002. P. 416) ensina que:

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Esse tipo de exemplo é também instrutivo para mostrar que o exercício do direito de discordar, como o exercício dos direitos em geral, é às vezes limitado pelo fato de outros terem exatamente o mesmo direito. Se o exercessem todos seriam prejudicados, e algum plano equitativo se faz necessário.

A desobediência civil tem intima ligação com um governo democrático, que embora essa condição, não impeça a existência de injustiça. Segundo Gabriela Bonfim de Almeida Braga (2014, p. 119), partindo de uma participação indireta no poder, a desobediência civil tem lugar sempre que os representantes do povo agirem contrariamente ao interesse dos governados:

Quando os representantes eleitos pelo povo levam em consideração apenas as aspirações e interesses da maioria dos cidadãos, ignorando as necessidades e garantias fundamentais de determinada minoria ou, em casos mais graves, simplesmente rejeitando-as, há o desvirtuamento do exercício do poder e a consequente restrição da cidadania de referida minoria, do seu direito a ter direito.

Uma vez que a lei não seja mais garantidora de direitos, e passa a ser apenas um meio para espalhar injustiças, então não há mais razões para que os indivíduos subordinem-se a elas. E nestes casos tem vez a desobediência civil, visto que ela além de ser um exercício de cidadania também é um exercício de democracia, o que permite a participação dos indivíduos dentro do Estado, participando ativamente, e não como meros expectadores. Em outras palavras, cabe a eles lutar em favor de seus direitos e garantias, não permitindo que vivam eles em uma sociedade onde se permite o suprimento de tais direitos através das mais diversas formas de injustiças:

Pela prática da desobediência civil alguém pretende, portanto, apelar pelo senso de justiça da maioria e deixar bem claro que, na sua opinião sincera e ponderada, as condições da cooperação livre estão sendo violadas (RAWLS, 2002, p. 424).

Ademais, “o cumprimento de leis desarrazoadas pode caracterizar um modo de servidão dos cidadãos, forma completamente indigna de porte da cidadania, considerando que são os cidadãos os detentores do pode”, o que não pode ser admitido em um Estado Democrático de Direito (BRAGA, 2014, p. 120).

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O mesmo entendimento é também compartilhando por Paulin (2001, p. 251), o qual afirma que a legitimidade da norma é baseada nos princípios que norteio o Estado Democrático de Direito:

Todo Estado Democrático de Direito seguro de si mesmo considera a desobediência civil como parte componente de sua cultura política, porquanto necessária. Embora os atos de desobediência civil sejam formalmente considerados ilegais, identificam-se com os fundamentos legitimadores do ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito [...] não se restringindo apenas ao seu processo de positivação.

Os indivíduos devem obediência às leis desde que estas sejam garantidoras de seus direitos, razão pela qual, a partir do momento em que a lei expressar injustiças ou se mostrar ilegítima, caberá a eles resistir.

Não fosse uma sociedade democrática, a desobediência civil não faria sentido. Seria o caso, por exemplo, daquelas sociedades que entendiam que todo o direito emanava do soberano, o qual fora escolhido por Deus. Nesta hipótese, não quer dizer que o soberano nunca cometia erros, mas sim que seus súditos não detinham o direito de corrigi-lo (RAWLS, 2002).

O Estado Democrático de Direito está pautado em uma democracia representativa, onde o povo, através do sufrágio universal, elege os seus representantes para tomar frente ao governo. Assim, de forma indireta, todos os cidadãos participam da elaboração das leis. Outrossim, pensando no ordenamento jurídico como pautado pela subordinação dos indivíduos às leis, “a justificação da desobediência civil torna-se dificultosa quando analisada sob o aspecto de sua incorporação e compatibilidade com o sistema legal” (PAULIN, 2011, p. 252).

O problema da positivação da desobediência civil, é que do ponto de vista jurídico, uma lei não pode simplesmente legitimar o descumprimento de outra lei. No Brasil, por exemplo, embora não previsto expressamente no ordenamento jurídico, o direito de resistência pode ser interpretado através da leitura dos artigos primeiro e segundo da Constituição Federal de 1998. Segundo Lucas (1999. P. 48):

A construção politica brasileira adota textualmente no art. 1º paragrafo 2º [sic] da Constituição que o poder emana do povo e que será exercido por

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representantes. De forma que nos parece inconcebível que o poder seja um mecanismo diabólico de oprimir sua própria fonte geradora. Por si só, esta assertiva justificaria qualquer resistência à opressão, independentemente de esta ou não positivada expressamente no texto constitucional. O poder não deixa o povo, é apenas exercido por representantes.

Fica claro entender que uma sociedade que estabelece que todo o seu poder emana do povo, automaticamente reconhece e legitima implicitamente o direito de desobediência, pois quem determina se um lei é ou não injusta não o governo, mas sim aqueles que deram origem ao poder, ou seja, o próprio povo. Assim, de acordo com Rawls (2002, p. 424), “a desobediência civil é um dos recursos estabilizadores de um sistema constitucional, embora por definição seja ilegal”.

Assim sendo, a desobediência civil seria um ultimo recurso com o fim de manter estável uma constituição justa. O poder judiciário é órgão responsável por interpretar as normas, dando solidez ao ordenamento. Todavia, não é o judiciário a ultima instância, nem mesmo o executivo ou legislativo, mas sim o eleitorado como um todo (RAWLS, 2002). Os dissidentes, aqueles que praticam a desobediência civil, lançam mão de uma via especial para se fazer ouvir, visto que o princípio da igualde da ao cidadão, em uma sociedade democrática, o direito de não acatar uma lei injusta.

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2 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS E O FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA

O cenário e o contexto dos movimentos sociais em seus diferentes aspectos e épocas trazem consigo determinada carga de dificuldade em se retratar e interpretar especificamente cada uma de suas peculiaridades, haja vista a sua inerente mutabilidade. As ações praticadas possuem um sentindo, e o esforço ao interpretar se faz necessário para conectar o pensamento com a prática do movimento.

Os movimentos sociais no Brasil demonstram, originalmente, o descontentamento em relação à política, à economia e à própria cultura, a partir de um determinado período de tempo. Assim, trazem à visibilidade estes descontentamentos ao mesmo tempo em que se buscam respostas e alternativas, traduzindo-se em um movimento popular.

Cada período foi marcado por suas próprias peculiaridades, seja na luta pela conquista de direitos, combate às injustiças sociais e fortalecimento da democracia ou pela reivindicação de itens básicos para uma vivência digna, em contrapartida com a situação política e econômica enfrentada no país no respectivo período.

Não bastasse as lutas da sociedade civil em prol da democracia, os denominados novos movimentos sociais permitem fazer uma leitura comparativa em ralação às primeiras manifestações sociais, tendo em vista, principalmente a relação do papel ocupado pelo Estado, que em certo momento, devido à forma de sua participação, retira dos movimentos a própria autonomia. As manifestações de rua ocorridas no Brasil no ano de 2013, por exemplo, são capazes de demonstrar estas mudanças. A coletividade de manifestantes se dizia apartidária, embora não antipartidária, de modo que apesar da pluralidade de ideologias presente, evitavam o uso de bandeiras políticas.

Neste sentido, seguindo o que foi exposto nas linhas acima, o presente capítulo traz, em um primeiro momento, as principais diferenças e aproximações entre os ditos velhos e novos movimentos sociais. Em seguida, trata dos

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movimentos sociais contemporâneos e sua forma de atuação, haja vista a inerente mutabilidade dos movimentos através do tempo. Em complemento, a seção final do capítulo traz o cenário brasileiro durante as manifestações de Rua ocorridas no ano de 2013, chamando atenção para sua forma de atuação, destacando principalmente o uso dos meios de comunicação, dando principal atenção à internet, bem como aos grupos que se destacaram durante estes movimentos.

2.1 Diferenças e aproximações entre os velhos e novos movimentos sociais

Os movimentos sociais possuem caráter transformador nas relações sociais, provocando mudanças sociais. Maria da Glória Gohn (2010) destaca que os movimentos sociais da atualidade possuem nítida diferença daqueles que deram origem à sua emergência, em meados do século XIX e XX. Para ela, a análise dos movimentos sociais que ocorreram no Brasil, necessita que se faça o destaque do contexto sociopolítico, econômico e cultural do país.

Os movimentos sociais, nas palavras de Gohn (2010, p. 14), são “sempre expressão de uma ação coletiva e decorre de uma luta sociopolítica, econômica ou cultural”. Assim, nas palavras da autora, os movimentos sociais possuem alguns elementos constitutivos comuns que derivam de suas demandas, adversários e aliados, bases e lideranças, além de seus projetos e culturas. Quando fala em projetos, a autora se refere aos meios através dos quais se dará suporte às demandas do movimento, além da forma como serão encaminhadas as respectivas demandas e reivindicações (GONH, 2010).

Os direitos, individuais ou coletivos, são fontes de inspiração para os movimentos sociais, através dos quais constroem a sua identidade. De acordo com Gohn (2010, p. 15) os direitos tidos como coletivos abrangem a totalidade do grupo social, enquanto que “os direitos individuais inserem-se no rol dos direitos humanos fundamentais dos seres humanos, direitos vistos em suas múltiplas dimensões: social, econômica, civil/política e cultural, ética etc.”.

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Na sua origem, os movimentos sociais traçavam seus objetivos em busca da garantia de direitos, ou seja, não tinham uma visão individualista apenas para o próprio movimento, mas sim de cunho coletivo, alcançando o maior numero de pessoas possíveis. O oposto é que o que se observa na atualidade onde “muitos dos novíssimos movimentos [...] não tem mais o universal como horizonte, mas sim o particular, os interesses imediatos, o direito de sua categoria ou grupo social” (GOHN, 2010, p. 12).

A necessidade desta mudança se deu em razão da necessidade de ultrapassar os antigos paradigmas, não ficando a mercê da história, atuando agora de acordo o novo cenário que é apresentado. De acordo com Gohn (2010), a expansão dos meios de comunicação aliada à difusão das novas tecnologias tem refletido diretamente sobre a atuação dos movimentos, que agora atuam também em rede.

Não obstante as mudanças acima referidas, os objetivos em si considerados, independente do movimento, é gerar igualdade de condições, para que este ou aquele grupo não sejam considerados blocos isolados dentro de uma sociedade. Isso porque, uma vez que a demanda seja amparada e satisfeita através de uma lei, esta lei precisa ter efeitos amplos, pois, caso contrário, corre o risco de trazer privilégios, o que poderá acarretar em ainda mais desigualdades (Gohn, 2010).

Os movimentos sociais, no entendimento de Gohn (2010), possuem três correntes teóricas, quais sejam, a histórico-estrutural, a culturalista-identitária e a institucional/organizacional-comportamentalista. A primeira teoria, no entendimento de Gohn (2010), teve grande influência nos pensamentos de Marx, que se deteve a estudar os movimentos dos trabalhadores, influenciando outros estudos também acerca dos movimentos operários, de modo que até meados dos anos 1950 o termo movimento social estava ligado às lutas de classes. A segunda corrente, também nas palavras de Gohn (2010), teve varias inspirações, tais como Kant, Rousseau, Weber, Habermas, Arendt, Bobbio, entre outros. Esta corrente fez surgir o debate acerca dos novos movimentos sociais, pois traziam à tona novos sujeitos, como mulheres, índios, jovens e negros, por exemplo. Por fim, a terceira corrente elencada por Gohn (2010), desenvolveu-se basicamente nos Estados Unidos, tendo como

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base as teorias liberais e utilitaristas. De acordo com esta corrente, os objetivos eram atingidos sempre que um movimento se transformava em organização institucionalizada.

No que tange à sociedade civil, este foi um termo introduzido na política brasileira em meados dos anos de 1970, visto que se tornou sinônimo de organização e luta em face do regime militar vigente na época (GOHN, 2010). Unidos, os indivíduos passaram a exercer práticas no intuito de reclamar direitos e serviços que até então eram negados pelo sistema. Neste sentido, surgiu como base o princípio da autônima da sociedade civil:

Na realidade, a autonomia também era um discurso estratégico para evitar alianças consideradas espúrias, para que o perfil de certos grupos da sociedade civil fosse configurado segundo alguns princípios, para que não houvesse reprodução de práticas autoritárias estatais e nem práticas consideradas como superadas, como as baseadas no centralismo democrático das correntes de esquerda mais radicais ou tradicionais, dependendo da interpretação (GOHN, 2010, p. 71)

Em outras palavras, organizar-se na sociedade civil com autonomia e autodeterminação, significava movimentos que fossem, de certa forma, livres da intervenção estatal, pois caso contrário, se estaria correndo o risco de praticar as mesmas restrições que já eram impostas de regime autoritário.

Gohn (2010) entende que participar destes movimentos e organizações é uma forma de resistência e de desobediência civil face ao regime político vigente. Durante este fase houve uma grande mudança no que tange às reivindicações sociais, tendo em vista o surgimento de novos atores sociais, de modo que os movimentos puderam ampliar o leque de atuações, não estando mais ligados estritamente a sindicatos de categorias ou partidos políticos.

Para Ilse Scherer Warren (2006, p. 2),

A sociedade civil é a representação de vários níveis de como os interesses e os valores da cidadania se organizam em cada sociedade para encaminhamento de suas ações em prol de políticas sociais públicas, protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões políticas.

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Warren (2006) classifica estes níveis em três categorias. Primeiro elenca o associativismo local, que engloba pequenos movimentos locais, comunitários, direcionando seus movimentos em prol de causas sociais do cotidiano. No segundo nível toma lugar o que Warren (2006) denomina formas de articulação inter-organizacionais, onde algumas organizações se comunicam com o objetivo de aumentar os poderes da sociedade civil, de modo que o entrelaçamento entre estas organizações se dá principalmente pelo meio virtual, através do uso da internet. Por fim, no terceiro nível defendido pela autora, encontram-se as mobilizações na esfera pública. Neste último nível se encontram as ONGs e redes, e objetivam a visibilidade do movimento, chamando toda a comunidade e simpatizantes à participar.

Em resumo, Warren (2010) explica que estas articulações constituem as redes de movimento social, e a necessidade deste entrelaçamento se da em função da visibilidade muito maior que recai sobre os movimentos, seja qual for a sua identidade. Os movimentos sociais, portanto, estão em constante transformação, tanto na forma de atuação como na própria articulação.

2.2 Os movimentos sociais contemporâneos e sua nova forma de atuação

Os movimentos sociais, segundo Warren (1989, p. 9), na maioria das vezes nasce em razão da existência de opressão ou de desigualdade em ralação a uma parcela social. Assim, “quando os grupos se organizam na busca de libertação, ou seja, para superar alguma forma de opressão e para atuar na produção de uma sociedade modificada, podemos falar na existência de um movimento social”.

Desta forma, os movimentos sociais traduzem-se em um grupo mais ou menos organizado, seja com a presença ou não de um líder, e baseiam-se em uma doutrina de valores e ideologias, buscando um fim específico de mudança social (WARREN, 1989).

Todavia, Gohn (2010, p. 60) explica que com o passar do tempo muito movimentos passaram a perder credibilidade junto à sociedade civil, principalmente pela profunda decepção que se instaurou em relação à política, inclusive no Brasil. A

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autora acredita que esta decepção com políticos e, consequentemente, a perda da credibilidade nos movimentos sociais, acontece porque eles (movimentos sociais) perderam força política, ou seja, perderam autonomia, como se o Estado colocasse as mãos sob estes movimentos, institucionalizando práticas de cima para baixo.

Os novos movimentos sociais procuram construir a sua própria identidade, construindo suas ideologias e perspectivas. Neste sentido:

Um movimento social com certa permanência é aquele que cria sua própria identidade a partir de suas necessidades e seus desejos, tomando referentes com os quais se identifica. Ele não assume um “veste” uma ideologia pré-constituída apenas porque tem uma etnia, um gênero ou uma idade. Este ato configura uma política de identidade e não uma identidade política. O reconhecimento da identidade política se faz no processo de luta, perante a sociedade civil e política; não se trata de um reconhecimento outorgado, doado, uma inclusão de cima para baixo (GOHN, 2010, p. 62).

Os novos movimentos sociais também representam, ainda de acordo com Gohn (2011, p. 1), um espaço para a educação informal, distinto daquele que se tem em sala de aula, pois “há um caráter educativo nas práticas que se desenrolam no ato de participar, tanto para os membros da sociedade civil, como para a sociedade em geral [...].” Isso começou, ainda segundo a autora, quando os movimentos sociais passaram a ultrapassar as barreiras das fábricas, lançando olhar não apenas para os movimentos sindicais, mas também para as necessidades em geral de todo o coletivo.

Até a década de 70 do século passado, era muito comum que os movimentos sociais fossem associados às lutas das camadas contra o sistema capitalista. Porém, nas palavras de Jorge Alberto S. Machado (2007):

Essa leitura se foi torando antiquada à medida que os movimentos sociais passaram a proliferar, ganhando notável complexidade e alcance com o surgimento de organizações e coletivos que lutavam pelas causas mais diversas. Surgiu então o termo “novos movimentos sociais” para designar tais coletivos que não encontravam uma interpretação satisfatória na maioria das interpretações predominantes. Os “novos” movimentos sociais seriam principalmente os movimentos pacifistas, das mulheres, ambientalistas, contra a proliferação nuclear, pelos direitos civis e outros.

Neste sentido, Lucas (2006) esclarece que os novos movimentos sociais pregam pela participação dos cidadãos em todos os espaços da sociedade civil,

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abrindo espaço, assim, para uma nova interpretação da própria política. E é por esta razão que tais movimentos negam uma estrutura hierarquizada, de modo que preferem uma participação coletiva não institucional. Assim, os novos movimentos sociais surgem no Brasil no final da década de 70 no intuito de se contrapor ao regime militar vigente na época.

É claro que os movimentos sociais sempre existiram, mas agora têm no horizontem a construção de uma democracia, e a interatividade é capaz de trazer inovações sociais e culturais, além de trazer em cena o discurso em prol da multiculturalidade. Para Gohn (2011, p. 5):

Há neles uma ressignificação dos ideais clássicos de igualdade, fraternidade e liberdade. A igualdade é ressignificada como a tematização da justiça social; a fraternidade se retraduz em solidariedade; a liberdade associa-se ao princípio da autonomia – da constituição do sujeito, não individual, mas autonomia de inserção na sociedade, inclusão social, de autodeterminação com soberania. Finalmente, os movimentos sociais tematizam e redefinem a esfera pública, realizam parcerias com outras entidades da sociedade civil e política, têm grande poder de controle social e constroem modelos de inovações sociais.

Com o reconhecimento da legitimidade dos movimentos sociais, estes passaram a ter um importante papel frente às demandas sociais não contempladas pelo Estado. Desta forma, tendo em vista o reconhecimento da legitimidade, o Estado passou a ser um aliado dos movimentos, impulsionando a realização de políticas públicas que atendessem àquelas demandas.

As demandas dos movimentos sociais legitimam também o aperfeiçoamento das instituições democráticas, de modo que:

[...] na travessia dos anos noventa e início do século XXI, os movimentos sociais adquiriram um papel chave como ator político em um Estado Democrático, pela importância reconhecida como portador legítimo e representante dinâmico de reivindicações de diferentes setores da sociedade civil (MACHADO, 2007, p. 12).

Em sequência, Machado (2007) observa que as ações de governo afetam não apenas a sua jurisdição, tendo também um alcance global. Desta forma, os movimentos precisam estar atentos para todas as direções de alcance, tendo em vista o surgimento de tais articulações complexas, de modo que as grandes

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corporações a nível global trazem desafios à democracia e à atuação dos movimentos sociais.

O autor demonstra ainda a importância das tecnologias da informação que estão ao lado das manifestações sociais, indo de encontro com a mídia tradicional que é fortemente controlada por ações estatais. Também neste sentindo, o autor faz menção às redes de coletivos sociais, que inclui diversas entidades e trocas de informações entre si (MACHADO, 2007). No que tange às tecnologias de informação e de comunicação:

A possibilidade de comunicação rápida, barata e de grande alcance faz atualmente da internet o principal instrumento de articulação e comunicação das organizações da sociedade civil, movimentos sociais e grupos de cidadãos. A rede se converteu em um espaço público fundamental para o fortalecimento das demandas dos atores sociais para ampliar o alcance de suas ações e desenvolver estratégias de lutas mais eficazes (MACHADO, 2007, p. 21).

Do mesmo modo, Gohn (2011) também esclarece que os novos movimentos sociais se utilizam muito dos novos meios de comunicação, principalmente a internet. A internet oferece facilidades nas trocas de informações entre os grupos sociais, possibilitando maior interatividade, visto que é algo que transcende o espaço físico. As redes, de acordo com o entendimento de Machado (2007, p. 22) permitem a melhor organização dos movimentos, facilitando inclusive os caminhos para “interação política, social e econômica”, sem, entretanto, perder a sua característica de horizontalidade.

Em complemento ao exposto acima , Manuel Castells (2013, p. 18) expõe a importância que tem a internet na atuação dos novos movimentos sociais:

Ao longo da história, os movimentos sociais são produtores de novos valores e objetivos em torno dos quais as instituições da sociedade se transformam a fim de representar esses valores criando novas normas para organizar a vida social. Os movimentos sociais exercem o contrapoder construindo-se, em primeiro lugar, mediante um processo de comunicação autônoma, livre do controle dos que detêm o poder institucional. Como os meios de comunicação de massa são amplamente controlados por governos e empresas de mídia, na sociedade em rede a autonomia de comunicação é basicamente construída nas redes da internet e nas plataformas de comunicação sem fio. As redes sociais digitais oferecem a possibilidade de deliberar sobre e coordenar as ações de forma amplamente desimpedida.

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Muito interessante, também, é a colocação feita por Machado (2007) acerca do ativismo político através do “hackerismo”, que são ataques virtuais realizados em sites de governo e de grandes empresas, tendo por base motivações políticas e ideológicas. Por ser uma prática que tem se tornando cada vez mais frequente, ganhou a denominação de “hacktivismo”. O autor explica que o problema desta forma de manifestação se dá em razão ao despreparo dos Estados frente às suas ocorrências, visto que na maior parte deles o hackerismo é considerado um crime:

O maior problema é a dificuldade de lidar com o tema desde o ponto de vista legal e político. Isso porque o que ocorre no ciberespaço é, em tese, assunto de todos e de nenhum país ao mesmo tempo. Para a justiça da maioria dos países, ainda não está definida qual é a fronteira entre este ativismo virtual e uma ação criminal (MACHADO, 2007, p. 26).

Assim, quanto às principais características destes novos movimentos sociais, o autor enfatiza principalmente a horizontalidade e visibilidade dos movimentos atrelada à conectividade entre eles, ou seja, integrada em redes. Outra característica diz respeito à facilidade de articulação, visto que em razão da organização via internet, permite protestos simultâneos em diversos locais. Outrossim, isso também permite que cada militante possa circular entre os movimentos, ou seja, não se pode dizer que o cidadão está ligado única e exclusivamente à um só grupo. Por fim, o autor visualiza que cada vez mais as demandas visam o coletivo, através de um aglomerado de objetivos, e não mais o individual (MACHADO, 2007).

2.3 O cenário brasileiro nas manifestações de Rua de 2013

As manifestações de rua não são novidades no Brasil, visto que a história sempre experimentou estes movimentos sociais. Tanto é assim, que Gohn (1995) eu sua obra acerca da história dos movimentos e lutas sociais, relata a herança do século XVIII, momento em que aconteceram as lutas pela independência. Mais recentemente, o período compreendido a partir de 1945 foi bastante promissor em termos de participação social, tendo em vista o processo de redemocratização, que se deu em razão das disputas político-partidárias (GOHN, 1995).

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Em termos de grandes manifestações, se pode citar a título exemplificativo, porém não exaustivo, as diretas já, o movimento dos caras pintadas, grito dos excluídos, manifestações pela reforma agrária, entre outros. As manifestações de 2013, portanto, não constituíram um ato isolado na história do país, embora se verifiquem muitas diferenças entre esta e aquelas ocorridas de outrora, principalmente no que tange à forma de convocação destes movimentos. Nas palavras de Ilse Scherer-Warren (2014, p. 1), “hoje, uma das diferenças está na convocatória pelas redes sociais virtuais, o que trouxe o povo para a rua quase em tempo real, ampliando o numero de manifestantes e os locais de protesto”.

Conforme exposto linhas acima, as manifestações e protestos não são novidades, e os jovens sempre fizeram parte destas lutas, seja em maior ou menor intensidade, como no caso da manifestação dos cem mil, em 1968 e a manifestação dos caras pintadas, em 1992, onde ambas foram protagonizadas por estudantes. A questão que se observa nos movimentos do século XX, todavia, é a unidade destes movimentos, ou seja, a unicidade das vozes em prol dos mesmos objetivos e ideais (GOHN, 2014).

Em uma de suas obras, Castells (2013, p. 182-183) trata acerca dos movimentos sociais recentes, tais como os que ocorrem nos países do Oriente Médio e o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, que, por sua vez, tinha por objetivo criticar o poder quase ilimitado dos agentes financeiros. Da análise referente a tais movimentos, o autor procura o contexto em que ocorreram, ou seja, quais suas origens e quais os ideias que levaram ao surgimento dos manifestos. Ao final, afirma que tais movimentos ocorrem também no Brasil:

Aconteceu também no Brasil. Sem que ninguém esperasse. Sem líderes. Sem partidos nem sindicatos em sua organização. Sem apoio da mídia. Espontaneamente. Um grito de indignação contra o aumento do preço dos transportes que se difundiu pelas redes sociais e foi se transformando no projeto de esperança de uma vida melhor, por meio da ocupação das ruas em manifestações que reuniram multidões em mais de 350 cidades. [...] Esse movimento sem nome, porque do Passe Livre se passou ao clamor pela liberdade em todas as dimensões, surgiu das entranhas de um país perturbado por um modelo de crescimento que ignora a dimensão humana e ecológica do desenvolvimento.

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Os jovens que tomaram a cena nas manifestações de 2013 trouxeram características bastante peculiares em contrapartida ao que se tinha vivenciado até então. Estas manifestações tiveram bastante influência de outros movimentos a nível global, reunindo-os principalmente através de mídias digitais e redes sociais. Segundo afirma Gohn (2014, p. 09):

Os manifestantes de junho no Brasil atuam em coletivos não hierárquicos, com gestão descentralizada, produzem manifestações com outra estética [...]. São movimentos com valores, princípios e formas de organização distintas de outros movimentos sociais, a exemplos dos sindicais, populares (urbanos e rurais), assim como diferem dos movimentos identitários (mulheres, quilombolas, indígenas, etc.).

O objetivo das manifestações, desta forma, não era expor bandeiras políticas acompanhadas de gritos ensaiados. As manifestações, como citado acima, não propunham a defesa de um ou de outro partido político, portanto, movidas por um descontentamento geral em face à politica, educação, mobilidade urbana, entre outras.

Muito além dos elementos citados acima, e muito além dos vinte e cinco centavos, os movimentos também tinham em pauta a democracia. Não estavam negando o Estado, mas sim a forma atual de fazer política, de modo que os jovens que saíram às Ruas ansiavam por um governo melhor, mais democrático, mais social, e que pensasse antes no povo e depois no capital (GOHN, 2014).

Gohn (2014) traz ainda um olhar especialmente atento ao perfil dos manifestantes, que era formando predominantemente por jovens, e estes, por sua vez, provenientes das classes médias. Destes jovens, a maior parte deles possuía ensino superior completo, além daqueles que trabalhavam e estudavam ao mesmo tempo. A população mais carente não participou das manifestações de 2013, mas ganhou visibilidade a partir do segundo semestre daquele ano, quando organizou, via redes sociais, os chamados “rolezinhos”, os quais ocorriam em shoppings centers ou em outros locais das áreas nobres das cidades, de onde até então eram excluídos.

Referências

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