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A constituição Federal de 1988 à luz da accountability: a influência da reforma administrativa do estado brasileiro

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CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO

DIREITO NOTURNO

Lucas Peter Keunecke

A Constituição Federal de 1988 à luz da accountability: a influência da reforma administrativa do Estado brasileiro

Florianópolis 2012

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Lucas Peter Keunecke

A Constituição Federal de 1988 à luz da accountability: a influência da reforma administrativa do Estado brasileiro

Monografia apresentada à banca examinadora do Colegiado do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Doutor Luiz Henrique

Urquhart Cademartori. .

Florianópolis 2012

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Autor: Lucas Peter Keunecke

Título: A Constituição Federal de 1988 à luz da accountability: a influência da reforma administrativa do Estado brasileiro

Monografia apresentada à banca examinadora do Colegiado do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito, aprovado com nota ....

Florianópolis (SC), de julho de 2012.

Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori - UFSC Professor Orientador

___________________________________________ M

Membro da Banca Examinadora [ título, nome e IES ]

___________________________________________ M

Membro da Banca Examinadora [ título, nome e IES ]

___________________________________________ Prof. Msc. Juliana Wulfing

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família, por tudo que sempre fizeram por mim.

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AGRADECIMENTOS

Aos pais maravilhosos que tenho, Victor Hugo e Maria Helena.

Ao meu irmão Victor Otávio pelo carinho de toda hora.

À minha namorada Elen pela ajuda sem tamanho.

Ao meu Professor Orientador, Doutor Luiz Henrique Urquhart Cademartori, por ter aceitado a tarefa de ser meu orientador.

Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina pelo conhecimento e experiência adquiridos.

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“A sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua administração”. Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, 1789

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RESUMO

Diante do contexto de uma sociedade intricada, em constante mudanças e repleta de limitações, a ponderação acerca das atribuições da organização estatal é tema dos mais complexos e também dos mais importantes. As mudanças vivenciadas tanto pelo Estado quanto pela Administração Pública contemporânea, no Brasil, decorrente da crise das estruturas clássicas do Estado Liberal e Social, fizeram com que houvesse um ajuste do ente político frente as atuais demandas populacionais. Este delineamento culminou na Reforma Administrativa do Estado, iniciada em meados de 1990, onde o Estado através do Plano Diretor da Reforma Administrativa procurou substituir o modelo burocrático pelo gerencial. Dentre os aspectos positivos e negativos deste novo modelo, maior atenção foi dada a accountability, apontando alguns mecanismos que induzem e viabilizam a sua ocorrência, dentre os quais são destaque: a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Acesso à Informação. Por fim, foram apontados limites para a sua ocorrência como a cultura conservadora, a baixa participação popular nas arenas públicas e a ineficiência de alguns órgãos públicos em divulgar informações.

Palavras-chave:

Accountability. Reforma Administrativa do Estado. Administração Gerencial. Transparência. Lei de Responsabilidade Fiscal. Lei de acesso à Informação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...9

1 Surgimento e Crise do Estado Social e da Administração Pública Burocrática ...11

1.1 A crise do liberalismo ...11

1.2 O Estado de Bem-Estar Social ...13

1.3 Do Patrimonialismo ao Modelo Burocrático em Crise ...18

2 A Reforma Administrativa Brasileira Iniciada em 1995...24

2.1 Pressupostos da reforma ...24

2.2 O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado...29

2.3 Resultados da Reforma...32

3 Accountability no Brasil...41

3.1 O que é accountability?...41

3.2 Mecanismos institucionais de accountability no Brasil...46

3.3 Avanços e limites para a ocorrência de accountability no Brasil ...57

CONCLUSÃO...62

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INTRODUÇÃO

Diversas são as transformações vivenciadas na realidade ocidental nos séculos XX e XXI. Tais transformações, no contexto do Capitalismo Globalizado, têm exigido dos pesquisadores das Ciências Sociais, principalmente do Direito Público e da Ciência Política, o repensar de teorias clássicas de Estado. Nesse sentido, inúmeras análises foram feitas por estudiosos, com o propósito de avaliar eventuais reflexos dessas mudanças sobre a concepção do ente político na atualidade.

Considerando tal quadro, trata o presente trabalho de conclusão de curso, de um estudo dessas transformações, abrangendo as mudanças paradigmáticas das teorias de Estado Liberal para o Social e a transmutação dos modelos preponderantes da Administração Pública: patrimonialista, burocrática e gerencial, analisadas abordando as peculiaridades históricas que propiciaram o estabelecimento desses modelos.

O método de abordagem utilizado foi o dedutivo, pois esta pesquisa teve início com teorias amplas e gerais e terminou em constatações pontuais e específicas. Quanto aos procedimentos, a pesquisa valeu-se da análise bibliográfica, utilizando para isso a doutrina nacional e estrangeira sobre o tema, a legislação nacional e a jurisprudência predominante, além de artigos de periódicos.

Em linhas gerais, o objetivo deste trabalho é compreender a construção do Estado moderno e seu impacto na busca pela forma gerencial da Administração Pública, mapeamento alguns pressupostos teóricos fundamentais. Ainda, identificar a crise da estrutura clássica Liberal e Social e os diferentes modelos de atuação da Administração Pública: patrimonialista, burocrática e gerencial. Por fim, a partir deste delineamento, demonstrar o redesenho do braço do Estado no advento da Reforma Administrativa iniciada em meados de 1990, salientando alguns de seus resultados e chamando a atenção para o recorte positivo da accountability e de alguns mecanismos que fomentam a sua ocorrência.

Diante do contexto de uma sociedade intricada, em constante mudanças e repleta de limitações, a ponderação acerca das atribuições da organização estatal é tema dos mais complexos e também dos mais importantes. Sua relevância e justificativa tornam-se ainda

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mais incisivas quando esta reflexão se dá em períodos de crise, momento em que surgem discussões sobre as propostas de reforma e a substituição de modelos e paradigmas supostamente esgotados.

As mudanças paradigmáticas do Estado e a crise da Administração Pública Burocrática serão estudadas no primeiro capítulo, expondo, de modo geral, as bases teóricas para sua ocorrência.

No segundo capítulo, a análise teórica se debruça no contexto da Reforma Administrativa do Estado, implementada no Brasil em meados da década de 1990, abordando o caráter de substituição da administração pública burocrática pela administração pública gerencial. A Reforma Administrativa do Estado se valeu de Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, concebido num contexto de transformações econômicas, sociais e políticas, o qual apresentou um diagnóstico dos problemas mais substanciais da administração federal.

A redefinição do papel do Estado procurou flexibilizar os regulamentos burocráticos, propiciando um nível mais elevado de autonomia e accountability ao governo. A reforma implementada pelo MARE sustenta um modelo pós-burocrático na administração pública, no qual os serviços são pautados por metas de produtividade e qualidade. Neste processo, no entanto, algumas promessas não cumpridas geraram uma série de críticas de estudiosos, as quais também foram repercutidas no capítulo dois. Ainda assim, um recorte positivo pode ser visualizado na introdução de novos mecanismos de accountability.

A análise do conceito de accountability e dos mecanismos que atuam como indutores e viabilizadores deste processo encontra-se no terceiro capítulo desta pesquisa. Para contextualizar a utilização do tema, ressalta-se que o uso dos recursos públicos permeiam o imaginário popular, sendo constantemente objeto de debate e preocupação, sobretudo diante de denúncias de desvios e má aplicação dos recursos.

A delimitação do tema permitiu a visualização de mecanismos recentemente implementados e que induzem e viabilizam a ocorrência de accountability, dentre os quais são destaque: a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Acesso à Informação. No entanto, ainda existem limites para a ocorrência plena da accountability, os quais foram brevemente apresentados no último capítulo deste trabalho e nas considerações finais.

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1 Surgimento e Crise do Estado Social e da Administração Pública Burocrática

1.1 A crise do liberalismo

No fim da Alta Idade Média, quando se percebia a formação dos primeiros Estados Nacionais, os regimes absolutistas se consolidaram. Nestes regimes, todo o poder encontrava-se nas mãos de uma única pessoa, o soberano. Tais regimes caracterizavam-se pela extrema hierarquização e forte rigidez, onde os indivíduos teriam seu destino preestabelecido a partir do posicionamento na estrutura social e marcadamente estática (ARANHA, 2000, p. 83-85).

Vários fatores – entre eles, o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a revolução científica, a reforma protestante, a crise da legitimação do sistema feudal, que, de certo modo, continuou existindo paralelamente aos regimes absolutistas, a ascensão da classe burguesa, o desenvolvimento do comércio e o reflorescimento das cidades, além de muitos outros – contribuíram para que houvesse um aumento de complexidade na sociedade como um todo, demandando novas formas de organização social, política e econômica também mais complexas (GUIMARÃES, 2003, p. 60).

Dos fatores acima citados, destaca-se a nova posição reservada ao indivíduo em relação ao universo natural e social. O indivíduo, de peça insignificante, quando comparado à ordem divina, natural e social, passa a ser entendido como centro de toda a estrutura organizativa da sociedade. Este novo posicionamento do homem no mundo, observado no conceito de antropocentrismo, contribuiu para a valorização da liberdade individual. Esta valorização foi fundamental para combate das instituições e suas estruturas que por tanto tempo sufocaram os indivíduos nos regimes feudais e absolutistas (GUIMARÃES, 2003, p. 60).

Diante deste contexto de uma intensa valorização da liberdade individual, surgiu o Estado Liberal, cuja preocupação era a de garantir a autonomia e as liberdades individuais na sua máxima extensão. Para tanto, a intervenção do Estado na sociedade deveria ser a menor possível, de maneira a restringir de forma mínima a liberdade dos indivíduos. Esta nova ordem liberal, no entanto, garantia apenas uma liberdade formal, entre os indivíduos, perante a lei. Não cabia, portanto, ao Estado intervir na evolução da sociedade, que deveria ser gerida pelas ações de cada indivíduo na busca e defesa de seus interesses (GUIMARÂES, 2003, p. 61).

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Segundo Batista (2004, p. 42), a atuação estatal no modelo liberal que estava surgindo passou a ser exceção, pois esta ficava restrita à manutenção da ordem pública:

[...] A atuação administrativa restringia-se, em essência, à manutenção da ordem pública, da liberdade, da propriedade e da segurança individual. À autoridade passou a caber tão somente um papel negativo de evitar a perturbação da ordem e assegurar a livre fruição dos direitos de cada um.

Para Valente (2003, p. 87) é neste contexto que:

Observa-se a efetivação do conceito de soberania popular, respeitando à concretização do Estado constitucional e às suas ideias de liberdade e representatividade. Surge, em oposição à antiga noção de soberania inafastável da figura real, a ênfase na vontade geral e na inalienabilidade da soberania do povo, inaugurando-se uma efetiva democracia. Contudo, sustentando as estruturas do Estado Liberal, com sua posição de simples positivação social da liberdade, o que se observava era um modelo democrático que se pode chamar de procedimental.

Sob a égide do modelo liberal, onde uma de suas notórias características é a despreocupação com o bem-estar material dos indivíduos, a lógica individualista do poder econômico e do mercado tornou-se marca absoluta nos mais variados campos da vida social, distribuindo um regime de intensas disparidades sociais, caracterizado pela exploração dos trabalhadores (GUIMARÃES, 2003, p. 61 ).

Nesse sentido posiciona-se Batista (2004, p. 44) ao esclarecer que:

O que se verificou é que a burguesia, ao se apoderar do controle político da sociedade, já não mais se interessou por manter, na prática, a universalidade dos princípios basilares da Revolução Francesa como apanágio de todos os homens, mas passou a sustentá-los apenas de maneira formal.

Em outras palavras, se de um lado podia-se afirmar a existência de um movimento positivista de superação do medievo, com características de ruptura de arbitrariedades, as quais por muitos anos foram impostas pelos regimes monárquicos e eclesiásticos, por outro deixou à mão invisível do mercado liberal a responsabilidade pelo crescimento social harmônico e, a contrário do que se esperava, gerou um processo de exclusão e marginalização social sem precedentes (LEAL, 2006, p. 38-39).

Com esta mesma visão, segue entendimento de Aranha (2000, p. 96):

Os interesses sociais recém libertos sufocavam, entretanto, em sua expressão máxima, o bem-estar geral, mesmo porque o norte da evolução desejada apontava para a finalidade da obtenção de riqueza pela nação, relegando a uma fatalidade social a sua justa distribuição. A relação à frágil contenção desses interesses impôs, após longo tempo de adaptação, mudanças em direção ao Estado Social.

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Na tentativa de encobrir os problemas observados na emancipação do indivíduo, o qual buscava uma liberdade mais humana, mas encontrava exageros nas liberalizações, percebeu-se outro problema deste período histórico, o fato do homem ser jogado anos à frente daquilo que, passo a passo, deveria ser alcançado conforme seu rumo natural (ARANHA, 2000, p. 96).

Como reflexo das expressões não concluídas da Modernidade, começa a cair o Estado Liberal. Modelos previstos pelos teóricos liberais que não vieram a se efetivar por completo, tanto no campo político, quanto no campo econômico ou social, são apontados como fatores importantes. No entanto, a grande crítica viria do fato de que a maior parte dos benefícios do Estado Liberal ficou restrito a uma pequena parcela da população. O direito do indivíduo traçar seu próprio destino, acréscimo inigualável advindo da filosofia liberal, não foi capaz de impedir, contudo, o desequilíbrio intenso e a exploração brutal sobre os indivíduos (VALENTE, 2003).

1.2 O Estado de Bem-Estar Social

Na tentativa de diminuir as desigualdades e injustiças provenientes do Estado Liberal, surgiu o denominado Estado do Bem-Estar Social. O Estado de Bem-Estar Social atua através de uma contundente intervenção estatal na sociedade, principalmente na economia. O Estado transforma-se de mero garantidor da autonomia e das liberdades individuais e passa a ser o principal ator, responsável por guiar e implementar políticas públicas, as quais visam à promoção de um desenvolvimento social mais justo e solidário, garantindo uma igualdade concreta e material, além da igualdade formal (GUIMARÃES, 2003, 61).

Com o mesmo entendimento, Matias-Pereira (2010, p. 50) elucida que:

O Estado do Bem-Estar, que foi gerado para contrapor-se aos processos econômicos desumanizados, inflexíveis, onipotentes e onipresentes, é uma aspiração ao direito à equidade e um apelo para romper com as estruturas de mercado, impessoais, homogeineizantes e universalistas. É a procura menos dramática de identidade entre a democracia e a liberdade econômica.

O Estado de Bem-Estar Social pode ser entendido como aquele que “intervém ativamente a favor dos cidadãos, especialmente dos menos poderosos, os quais necessitam de

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sua ajuda. Seu campo de ação é especialmente econômico, a fim de obter a ‘liberdade da necessidade’” (GORDILLO, 1977, p. 73).

Alguns fatores facilitaram o surgimento do Estado de Bem-Estar Social: crescimento das economias e do emprego, globalização do comércio, fatores econômicos (teoria keynesiana), o avanço da democracia, o crescimento da ideologia socialista e o aumento da solidariedade no período pós-guerra (PALUDO, 2010, p. 15).

Já para Matias-Pereira (2010, p. 46):

A construção do Estado do Bem-Estar está relacionada a três elementos essenciais: (i) a existência de excedentes econômicos passíveis de ser realocados pelo Estado para atender às necessidades sociais; (ii) o pensamento keynesiano, que estruturou a sua base teórica; e (iii) a experiência de centralização governamental durante a Segunda Guerra Mundial, que fomentou o crescimento da capacidade administrativa do Estado.

Para Paludo (2010, p. 15), o Estado de Bem-Estar Social se caracteriza por ser um Estado:

[...] assistencialista, em que o Governo deve prover as necessidades básicas da população mediante a prestação de serviços ou, até mesmo, mediante pagamento em dinheiro. No entanto, para configurar um Estado de Bem-Estar Social não basta a vontade e algumas ações sociais desconexas a título de auxílio à população; é preciso mais que isso: é necessário que a população tenha direito reconhecido pelas normas legais e esses serviços sociais, e, ainda, que os benefícios sejam universalmente concedidos, independentemente do recolhimento de impostos e contribuições.

Para salvar o capitalismo de si mesmo, o Estado começou a intervir na ordem econômica e social. Os principais marcos deste primeiro estágio, chamado Estado Providência ou Estado de Bem-Estar Social, são as Constituições da Alemanha de Weimar, em 1919 e a Constituição do México, de 1917 (BENTO, 2003, p. 15).

Mello (2009, p. 50) complementa este entendimento ao dizer que:

Até um certo ponto da história, havia a nítida e correta impressão de que os homens eram esmagados pelos detentores do Poder político. A partir de um certo instante começou-se a perceber que eram vergados, sacrificados ou espoliados não apenas pelos detentores do Poder político, mas também pelos que o manejavam: os detentores do Poder Econômico. Incorporou-se, então, ao ideário do Estado de Direito o ideário social, surgindo o Estado Social de Direito, também conhecido como Estado de Bem-Estar (Welfare State) e Estado-Providência. O arrolamento de direitos sociais aparece pela primeira vez na história constitucional na Constituição Mexicana de 1917, vindo depois a encontrar-se estampado também na Constituição de Weimar, de 1919. O Estado Social de Direito representou, até a presente fase histórica, o modelo mais avançado de progresso, a exibir a própria evolução espiritual da espécie humana. A Constituição Brasileira de 1988 representa perfeitamente este ideário, que, todavia, entre nós, jamais passou do papel para a realidade (MELLO, 2009, p. 50).

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Neste sentido, no âmbito brasileiro, verifica-se um lento processo de expansão das políticas sociais, principalmente no início dos 1930 até a década de 1980, as quais foram deixando de ser um benefício apenas dos trabalhadores do setor formal para contemplar setores mais ampliados da população (Matias-Pereira, 2010, p. 50). A Constituição Federal de 1988 possui um sistema composto por: Previdência Social, Assistência Social e Saúde, formando uma tríade universalista e equânime (DRAIBE, 1993, p. 23).

“A constituição de 1988 é basicamente, em muitas das suas dimensões essenciais, uma constituição do Estado Social” (BONAVIDES, 2002, p. 336). A Constituição de 1988 procurou dar diretrizes para prever e normatizar a intervenção do Estado na sociedade, adequando um modelo social para o Estado brasileiro, que fica responsável por perseguir, em parceria com a sociedade civil, um crescimento social e econômico mais justo e solidário (GUIMARÃES, 2003, p. 64-65).

Para Guimarães (2003, p. 62), no entanto:

A adoção do modelo social em substituição ao modelo liberal, contudo, acarretou um crescimento desenfreado do Estado, assim como das áreas de intervenção deste na sociedade. Essa hipertrofia do Estado resultou na crise deste modelo estatal, composta basicamente por duas dimensões: crise fiscal, decorrente do grande aumento das atribuições estatais, o que gerou um endividamento enorme para os cofres do Estado e a hiperjuridicização da via social, pois o direito passou a ser utilizado como instrumento normatizador da intervenção estatal na sociedade, regulando os mais diversos campos da realidade social, o que redundou na perda de coerência e eficácia por parte do ordenamento jurídico.

Quatro foram os fatores, de acordo com evidências históricas, que agravaram a crise do modelo de Estado do Bem-Estar: I) Déficit fiscais ocasionando desequilíbrios internos cada vez mais intensos; II) Crescimento inflacionário, o qual repercutiu na movimentação do comércio internacional; III) Aumento desmedido da dívida externa e; IV) Crise da legitimidade social, acelerada pelo processo de divisão da sociedade em que entraram em choque setores minoritários enriquecidos com uma crescente classe média empobrecida (OCDE, 1981).

Matias-Pereira (2010, p. 98-99) aponta quatro fatores sócio-econômicos que foram decisivos para agravar a crise do Estado gerada no pós-guerra, são eles:

I) Crise Econômica Mundial – iniciada em meados dos anos 1970 e agravada ao longo dos anos 1980. Observa-se que, a partir de 1979, o padrão de crescimento baseado no financiamento externo ou estatal, por meio do investimento direto do Estado ou do investimento privado subsidiado, que havia prevalecido durante a década de 70, entrou em crise, quando o fluxo de financiamento externo líquido

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cessou em 1982. Diante desse novo cenário, as economias da maioria dos países enfrentaram um grande período recessivo, sem o retorno aos índices de crescimento econômico atingidos nas décadas de 1950 e 1960.

II) Crise fiscal do Estado – após várias décadas de crescimento, apoiados no modelo econômico proposto por Keynes, a maioria dos governos não tinha mais como financiar seus déficits. Na medida em que ficavam mais endividados, os governos tiveram que elevar a carga tributária para cobrir os déficits, mas sem necessariamente manter serviços de qualidade ou até mesmo melhorá-los. Essa situação provocou uma grande revolta nos contribuintes, principalmente porque eles não conseguiam enxergar uma relação direta entre o acréscimo nos tributos e a melhora dos serviços públicos. Em outras palavras, havia um problema de conflito de interesses: enquanto os Estados estavam sobrecarregados de atividades e com recursos escassos para este cumprimento, a sociedade organizada não queria perder tudo que já havia conquistado.

III) Crise de Governabilidade – os governos mostravam-se incapazes para resolver os problemas econômicos e sociais nos seus países, o que levou diversos deles a sofrerem crise de governabilidade.

IV) Emergência da globalização e das inovações tecnológicas – as profundas transformações que ocorreram na economia e no setor produtivo também se refletiram no Estado. Com o aumento do número das empresas transnacionais e os grandes fluxos financeiros e internacionais, os Estados nacionais tiveram seus controles enfraquecidos, o que implicou a perda significativa de poder de definir suas políticas macroeconômicas.

Em outras palavras, tais fatores podem ser sintetizados nas seguintes características: aumento da rivalidade no comércio internacional, súbito crescimento nos preços da energia, recessão duradoura, inflação mundial, explosão das taxas de juros e, dentre outras, o crescimento das dívidas dos estados nacionais (CORRÊA, 1999).

No entendimento de Mello (2009, p. 50), a crise do Estado Social de Direito, passou em todo o mundo por uma enfurecida crítica:

[...] coordenada por todas as forças hostis aos controles impostos pelo Estado e aos investimentos públicos por ele realizados. Pretenderam elas reinstaurar o ilimitado domínio dos interesses econômicos dos mais fortes, tanto no plano interno de cada País quanto no plano internacional, de sorte a implantar um não-abertamente confessado “darwinismo” social e político.

Para Santos (2000, p. 149-150):

De modo geral, a medida que o Estado se envolveu na gestão dos processos econômicos e sociais – uma transformação que, segundos os teóricos liberais, exigia a “perda da autonomia do Estado” -, o direito do Estado tornou-se menos formalista, menos abstrato; o equilíbrio e o compromisso entre os interesses em conflito tornaram-se mais evidentes (a “materialização do direito); e a função de integração política e social do direito distributivo tornou-se um importante tema de debate político (“a politização do direito”).

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A crise do Estado Social permitiu o surgimento de novas propostas e modelos de configuração e atuação do Estado na sociedade. Dentre essas novas propostas, é possível verificar o retorno a alguns dos antigos ideais liberais clássicos, agora em sintonia com a atual situação de globalização da economia, decorrente de um crescimento espantoso do sistema de produção capitalista, que consumindo a semântica tradicional de termos como Estado Nação e soberania nacional, difundiu-se nos mais diferentes campos da vida social e nos locais mais diversificados do planeta (GUIMARÃES, 2003, p. 68-69).

Para Matias-Pereira (2010, p. 51):

As ações políticas visando à reforma e modernização do Estado começam a ser implantadas quando o modelo do Estado estruturado pelos países desenvolvidos no pós-guerra entrou em crise no final da década de 1970. Esse modelo de Estado, que primava por estar presente em todas as faces da vida social, contribuiu para modificar e desgastar significativamente suas relações com a sociedade civil e com suas instituições. A resposta para o problema, em princípio, foi a adoção de um modelo neoliberal-conservador. As políticas propostas na década de 1980, em decorrência da necessidade de reformar o Estado, restabelecer seu equilíbrio fiscal e equilibrar o balanço de pagamentos dos países em crise, foram orientadas com a única preocupação: reduzir o tamanho do Estado e viabilizar o predomínio total do mercado.

Percebe-se que durante a existência do Estado Social, houve um grande crescimento dos sistemas sociais da política e do direito. Este crescimento fez com que os sistemas se interpenetrassem, ocasionando uma troca íntima e recíproca de influências (jurisdicização da política e politização do direito). No entanto, a interconexão e esse crescimento geraram a crise do Estado Social (dimensão política) e o não atingimento dos objetivos e crise da legitimidade do direito (dimensão jurídica), sobretudo do direito administrativo, um dos ramos do direito que mais se expandiu, visto ser este o responsável por regular a atuação política, mediada pelo espaço administrativo, na sociedade (GUIMARÃES, 2003, p. 69).

Complementa Silva (2003, p. 58) ao falar da crise do Estado Social e seus elementos:

A crise do Estado apresenta, ainda, alguns outros elementos, como a intensa concentração de poder no Executivo, a crescente invasão de competência entre os “poderes” Executivo, Legislativo e Judiciário, a restrição das liberdades políticas dos cidadãos, o declínio eleitoral dos partidos burgueses, o aumento da violência de Estado, as novas redes de controle social, a criação de instituição que se apresentam como de caráter público não estatal, as políticas estatais seletivas e focalizadas.

A falta de gerência por parte do modelo do Estado Social em responder às crescentes demandas da população a custos cada vez mais altos, demonstra, indubitavelmente,

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que a intervenção do Estado nas esferas econômica e social extrapolou os limites possíveis de regulação. Nessa seara, chama particular atenção, as transformações do Direito Administrativo. Tendo sua base na experiência francesa, ocupada pelo Espaço Liberal, o Direito Administrativo tornou-se insuficiente para regular a atuação do Estado Social, visto que as crescentes necessidades deste tipo de Estado fizeram proliferar uma legislação administrativa desconexa, de difícil enquadramento sistêmico (ZYMLER, 2001, p. 182-183).

Além disso, o Estado passou a ser responsabilizado pelas empresas por conta dos elevados custos trabalhistas, tributários e previdenciários. Pressionado por este segmento, o enorme Estado Burocrático viu-se diante de um dilema: aumentar a arrecadação para cobrir os problemas fiscais cada vez maiores ou diminuir os tributos para propiciar às empresas uma maior competitividade no cenário global e ser alvo de investidores. Esses fatores conjugados exigiam cortes de custos, com a diminuição de gastos com pessoal e crescimento da eficiência governamental. Verificava-se que o aparato governamental precisava ser mais flexível e ágil, tanto no âmbito interno como na adaptação às mudanças do âmbito externo (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 51).

1.3 Do Patrimonialismo ao Modelo Burocrático em Crise

Numa viagem com duração de seis séculos, partindo de Dom João I a Getúlio Vargas, visualiza-se um tipo de domínio que resistiu as mais diversas transformações fundamentais, a todos os desafios e à travessia do oceano largo: o patrimonialismo, cuja legitimidade está assentada no tradicionalismo, ou seja, assim é porque sempre foi (FAORO, 1998, p. 866).

O patrimonialismo pulveriza-se, num localismo isolado, que o retraimento do estamento secular acentua, de modo a converter o agente público num cliente, dentro de uma extensa rede clientelista. O coronel utiliza seus poderes públicos para fins particulares, mistura, não raro, a organização estatal e seu erário com os bens próprios. Pisar no pé de um subdelegado ou do inspetor de quarteirão seria pisar no pé da lei (FAORO, 1998, p. 757).

A privatização do Estado, ou a confusão entre os patrimônios públicos e privado, era a característica que vigorava no governo das sociedades capitalistas e pré-democráticas. O “patrimonialismo” nada mais era do que a relutância na distinção do patrimônio público para o privado (BRESSER PEREIRA, 2001, p. 8).

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O patrimonialismo brasileiro converte o agente público num cliente. O agente público utiliza os poderes públicos para fins particulares, misturando, de forma constante, a organização social e seu erário como bens próprios (FAORO, 1998, p. 869-873).

No período colonial, o Estado brasileiro era caracterizado como uma política centralizada, onde os detentores do poder eram o rei e seus conselheiros (PAULA, 2005, p. 105). Para Paula (2005, p. 105):

O aparelho administrativo não seguia normas gerais, hierarquias e definições de competências, pois a legislação da colônia era constituída por determinações particulares e casuísticas, que não obedeciam a um plano conjunto. Consequentemente, persistia uma confusão de atribuições e poderes nos órgãos da administração geral e civil. Por outro lado, as esferas locais tinham pouca autonomia e o papel construtivo da administração ficava em segundo plano, já que o poder central focalizava primordialmente a arrecadação de tributos. No Brasil Colônia, a rede fiscal se confundia com a apropriação de rendas, monopólios e concessões. Além disso, os cargos públicos não eram profissionalizados: as posições pertenciam aos nobres ou eram adquiridas pela burguesia enriquecida.

As principais características da Administração Patrimonialista podem ser assim resumidas: i) desorganização do Estado e da Administração, corrupção e nepotismo, confusão entre propriedade privada e a propriedade pública, descaso pelo cidadão e pelas demandas sociais, endeusamento do soberano e ausência de carreiras administrativas (PALUDO, 2010, p. 53).

Como visto anteriormente, as esferas política e econômica se confundiam, transformando a busca do poder político numa busca de posse patrimonial. O sistema patrimonialista estabelecido ao converter as posições governamentais em uma forma de mobilidade social e ocupacional, tornou a organização governamental um bem a ser explorado e não uma estrutura funcional a serviço do interesse público (PAULA, 2005, p. 106).

Essa realidade começa a sofrer os primeiros sinais de enfraquecimento no Regime do Estado Novo de Vargas, visto que surgimento do Estado Intervencionista da Era Vargas marca a criação do Estado Administrativo no Brasil. Esta transição de uma estrutura a outra trouxe mudanças: “o indivíduo, de súdito, passa a cidadão e o Estado converte-se, de senhor, a servidor” (FAORO, 1998, p. 867).

O surgimento do processo de industrialização, organizações de grande porte e demandas sociais emergentes forçaram os governos a perseguir um novo modelo de administração que fosse capaz de responder aos anseios tanto dos comerciantes e industriais quanto ao da sociedade em geral (PALUDO, 2010, p. 16).

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É neste novo processo de amadurecimento do capitalismo que ganha destaque o surgimento de uma administração pública burocrática em troca das formas patrimonialistas de administrar o Estado (BRESSER-PEREIRA, 2001, p. 9). É fruto do pensamento liberal, carregada de valores iluministas, de combate ao patrimonialismo, o surgimento da chamada Administração Pública Burocrática (VALENTE, 2003).

A administração do Estado pré-capitalista era uma administração patrimonialista. Com o surgimento do capitalismo e da democracia, veio a se estabelecer uma distinção clara entre res-publica e bens privados. A democracia e a administração pública burocrática emergiram como as principais instituições que visavam a proteger o patrimônio público contra a privatização do Estado. [...] Burocracia é a instituição administrativa que usa como instrumento para combater o nepotismo e a corrupção [...] os princípios de um serviço público profissional, e de um sistema administrativo impessoal, formal, legal e racional (BRESSER PEREIRA, 2001, p. 9).

A superioridade da autoridade racional-legal sobre o poder patrimonialista é destacada por Weber (2005), o principal analista desse processo, segundo o qual, a administração burocrática analisa sempre com igual validade, quaisquer que sejam as diferenças culturais, políticas, morais ou da instituição, deixando transcender seu puro domínio essencial (WEBER, 2005).

As vantagens da burocracia, como estrutura administrativa, são: definição precisa do cargo e dos procedimentos operacionais e, consequentemente, o conhecimento exato das obrigações; critérios objetivos de escolha e seleção de pessoal com base na capacidade e competência técnica; rapidez nas decisões, pois cada um sabe o que deve fazer e as ordens e papéis tramitam por meio de canais previamente estipulados; univocidade de interpretação garantida pela regulamentação específica e estrita; procedimentos definidos por escrito, propiciando uniformidade de rotinas e procedimentos os quais favorecem a padronização, reduzindo custos e erros; substituição do pessoal afastado, propiciando continuidade da organização (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 54).

Complementa MATIAS-PEREIRA (2010, p. 55):

[...] os critérios de seleção e escolha do pessoal baseiam-se na capacidade e na competência técnica; na redução do atrito entre as pessoas, pois cada funcionário conhece que aquilo que é exigido dele são os limites entre suas responsabilidades e as dos outros; na constância, visto que os mesmo tipos de decisão devem ser tomados nas mesmas circunstâncias; na subordinação dos mais novos aos mais antigos, de modo que o superior possa tomar decisões que afetem o nível mais baixo; na confiabilidade, pois o negócio é conduzido de acordo com regras conhecidas, e grande número de casos similares é metodicamente tratado por meio de uma mesma maneira sistemática. As decisões são previsíveis e o processo decisório, por ser despersonalizado no sentido de excluir sentimentos irracionais, como

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o amor, a raiva, as preferências pessoais, elimina a discriminação pessoal. Existem benefícios em relação a certas pessoas na organização, pois a hierarquia é formalizada, o trabalho é dividido de maneira ordenada, as pessoas são treinadas para se tornarem especialistas em seus campos particulares, podendo encarreirar-se na organização em função de seu mérito pessoal e sua competência técnica.

Dentre os novos conceitos apresentados pela Administração Pública Burocrática, pode-se destacar seus princípios orientadores, que são: a idéia de carreira constituída, a impessoalidade, a hierarquia funcional e o formalismo (PALUDO, 2010, p. 59).

Por possibilitar o uso do aparato estatal como, por exemplo, o saber especializado a serviço da busca do atendimento do interesse geral é que o modelo burocrático pode ser encontrado em todos os regimes, democráticos ou não, e em todas as formas de produção, capitalista ou socialista, representando o inicio do Estado moderno ocidental, reduzindo o uso de todas as demais formas de dominação que eram anteriormente conhecidas, tendo em vista que não fora apresentado qualquer outro modelo que possibilitasse os mesmos resultados (FIGUEIREDO E SILVA, 2001, p. 33).

A administração burocrática trouxe novos conceitos à Administração Pública: “a separação entre a coisa pública e a privada, regras legais e operacionais previamente definidas, reestruturação e reorientação para atender ao crescimento das demandas sociais e aos papéis econômicos da sociedade da época [...]” (PALUDO, 2010, p. 59).

No entanto, conforme a estrutura do Estado vai se tornando mais complexa, sem o respectivo aumento da capacidade de supervisão do executivo, legislativo ou judiciário, um excessivo número de organizações foi criado sem qualquer tipo de estudo prévio para avaliar as conseqüências tanto nos negócios quanto na política econômica e nas definições de política. Esse descuido, gerado no processo de expansão do Estado, trouxe uma série de externalidades tanto negativas, quanto positivas (GLADE, 2001).

Na teoria burocrática proposta por Weber, da mesma forma que existem conseqüências desejadas, percebeu-se também a existência de conseqüências indesejadas que conduzem a burocracia à ineficiência e às imperfeições. Tais disfunções emperram e estrangulam as organizações (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 52).

As principais disfunções da burocracia são: internalização das normas, superconformidade, categorização do relacionamento, resistência a mudanças, excesso de formalismo e papelório, exibição de sinais de autoridade e imprevisibilidade de funcionamento (BONOME, 2008, p. 90).

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Tais aspectos fizeram com que o modelo fosse alvo de fortes críticas, sobretudo por se apresentar inadequado às atuais pretensões da sociedade, a qual clamava por um modelo com elevada capacidade de mutação, sobretudo diante da crise mundial, passando a ser visto como o inimigo comum por todos aqueles que defendiam a reforma administrativa (FIGUEIREDO E SILVA, 2001, p. 48).

Outro aspecto criticado no modelo burocrático é a falta de controle por parte dos cidadãos sobre a burocracia. Em muitos sistemas políticos, percebe-se uma autonomia em relação a qualquer tipo de controle, dificultando o acesso dos cidadãos a qualquer tipo de informação (PRZEWORSKI, 1998, p. 56-58).

Complementa o autor (1998, p. 59), dizendo que:

[...] o governo que está no poder pode temer que, não sendo reeleito, as novas forças políticas venham a querer usar a burocracia em proveito próprio. Logo, quando os governantes temem perder o poder, sentem-se incentivados a deixar a burocracia fora do controle político, mesmo que, para isso, tenham de sacrificar sua própria influência sobre os atuais burocratas. Em conseqüência, políticos e burocratas entram em conluio para dar autonomia à burocracia, o que significa que a burocracia não será bem projetada para atender a objetivos sociais e que os burocratas não terão incentivos para promovê-los.

Desta forma, o modelo administrativo burocrático, a partir do final da década de 1970, não conseguia mais atender satisfatoriamente às novas demandas de democratização do serviço público, especialmente as que surgiram no nível local. A administração pública orientada por regras e normas pretensamente universais, não conseguia atender as expectativas dos cidadãos. Essa estrutura tornou-se enrijecida, perdendo a capacidade de acompanhar as profundas modificações no ambiente desde o início da Terceira Revolução Industrial (CLAD, 1995).

Complementa Bresser Pereira (2001, p. 9) ao dizer que:

[...] quando, no século XX, o Estado ampliou seu papel social e econômico, a estratégia básica adotada pela administração pública burocrática — o controle hierárquico e formalista ou legal sobre os procedimentos — provou ser inadequada. Esta estratégia talvez pudesse evitar a corrupção e o nepotismo, mas era lenta, cara e ineficiente. Fez sentido no tempo do Estado Liberal do século XVIII, um Estado pequeno dedicado à proteção dos direitos de propriedade; um Estado que só precisava de um Parlamento para definir as leis, de um sistema judiciário e policial para fazer cumprir as leis, de forças armadas para proteger o país do inimigo externo, e de um ministro das finanças para recolher impostos. Mas era uma estratégia que já não fazia sentido, depois de o Estado ter acrescentado às suas funções o papel de provedor de educação pública, de saúde pública, de cultura pública, da seguridade social básica, de incentivos à ciência e à tecnologia, de investimentos na infra-estrutura, de proteção ao meio ambiente. Agora, em vez de três ou quatro ministros, era preciso ter

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15 ou 20. Em vez de uma carga de impostos que representava de 5% a 10%, os impostos representam agora de 30% a 60% do PIB. No lugar da velha administração pública burocrática, emergiu uma nova forma de administração — a administração pública gerencial —, que tomou emprestado do setor privado os imensos avanços práticos e teóricos ocorridos no século XX na administração das empresas, sem contudo perder sua característica específica: a de ser uma administração que não está orientada para o lucro, mas para o atendimento do interesse público.

Diante das deficiências apresentadas pelo modelo burocrático e a nítida preocupação dos governos em empreender esforços para agilizar e tornar mais moderna a Administração Pública, percebeu-se, no início da década de 1980, uma série de Reformas do Estado (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 104-105). A Reforma do Estado brasileiro será o assunto que segue no próximo capítulo.

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2 A Reforma Administrativa Brasileira Iniciada em 1995

2.1 Pressupostos da reforma

A crise financeira que abalou o Brasil na década de 1980 e início da década de 1990 foi também uma crise de Estado, onde funções básicas do Estado foram desviadas para ampliar sua participação no setor produtivo, levando a deterioração dos serviços públicos, agravamento da crise fiscal e, consequentemente, da inflação (BRASIL, 1995).

O crescimento das demandas e expectativas dos cidadãos num número significativo de países, diante da crise do Estado Social e do modelo burocrático, fez com que a Administração Pública, para responder a esta crescente exigência da população, procurasse uma nova forma de orientação na prestação de serviços e na forma de administrar o Estado (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 110).

Logo após a crise acarretada pelo endividamento internacional, na década de 1980, o tema que se destacou nas agendas políticas de todo o mundo foi o ajuste das políticas ficais e as reformas orientadas para o mercado. Já na década de 1990, ainda que o ajuste estrutural tenha permanecido entre os principais objetivos, percebe-se um deslocamento da ênfase para a reforma do Estado, sobretudo para a reconstrução administrativa do Estado. A questão é: como reformar o Estado e redefinir suas atribuições no mundo globalizado que está surgindo? (BRESSER PEREIRA, 2001, p. 13).

A reforma administrativa e a determinação de sua política aconteceram numa época de mudança na trajetória de desenvolvimento econômico brasileiro. Esta mudança afetou significativamente o papel do Estado, sua forma de organização e seu estilo de gestão. Assim como em outras economias latino-americanas, o reinício do desenvolvimento econômico e a consolidação dos regimes políticos democráticos apresentaram elevada dependência do equacionamento da crise do Estado, perceptível na forma de crise fiscal e também de crise da forma de administração do Estado (CHRISTO FERNANDES, 1998, p. 1-2).

Essa realidade, visualizada também no exterior, é apontada como uma inadaptação dos cidadãos e do Estado com as estruturas existentes (RIVERO, 1981). Essa

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mudança na forma de administrar o Estado trata, acima de tudo, de uma questão de sobrevivência, sobretudo num mundo globalizado, como assevera PIMENTEL (1999, p. 68):

O desafio aos países e às regiões integradas é melhorar o nível de vida da maioria da população. No entanto, na nova economia mundial, o acesso ao trabalho nas redes empresariais depende de conhecimentos especiais, o que requer educação e treinamento, assim como alimentação e saúde suficientes para permitir a aprendizagem – uma barreira quase intransponível, pelo menos para um quinto da população da terra que vive na pobreza extrema.

Com o surgimento da globalização da economia, foi colocado em prática um amplo projeto de reforma do aparato administrativo brasileiro (GUIMARÃES, 2003, p. 65). Diante do Estado em crise, tornou-se necessária a discussão do seu novo papel, de seu arranjo institucional e das atividades governamentais (AZEVEDO, ANDRADE, 1997). Tal reforma objetivava, dentre outros aspectos, a eficiência, a democratização do serviço público e a flexibilização organizacional, ingredientes que o paradigma organizacional da administração burocrática não contemplava (CLAD, 1995, p. 15).

Algumas ideias devem ser tomadas como base para implementação da Reforma Administrativa, são elas: administração ágil, rápida e eficiente, que vise a atender e suprir os anseios da população, fato que facilitará o combate à corrupção; predomínio da transparência e publicidade sobre o segredo; economicidade e administração de resultados, com a devida responsabilização dos agentes públicos (MEDAUAR, 2009, p. 31).

Para Medauar (2009, p. 32), bastaria um rol inicial de medidas para que um processo contínuo de reforma fosse desencadeado, são elas:

a) modelos organizacionais com menos graus hierárquicos, menos chefias, mas cada qual com mais poder de decisão; b) desconcentração e descentralização, para conferir poder de decisão a escalões hierárquicos inferiores ou setores locais; c) eliminação de superposição de órgãos com atribuições semelhantes; d) redução drástica dos cargos em comissão; e) aplicação rigorosa da exigência de concurso para investidura em cargo, função e emprego público; f) treinamento e reciclagem constante dos servidores públicos; g) instituição de carreiras, em todas as funções, com avaliação verdadeira de mérito; h) redução drástica de exigências de papéis e documentos inúteis; i) implantação de controle de resultados e de gestão.

Durante boa parte do século XX, alguns países diferenciavam a gestão empresarial da pública. No entanto, a partir da década de 1970 ocorreu uma tentativa de adaptação e transferência dos conhecimentos gerenciais advindos do setor privado para o setor público, fato que começou a se tornar preponderante, sobretudo no Reino Unido e nos Estados Unidos. Essa visão culminou no surgimento do New Public Management ou nova

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administração pública. Esse tratamento de inclusão da lógica empresarial nos serviços públicos ficou também conhecido como Administração Pública Gerencial (PAULA, 2005, p.83).

Na tentativa de encontrar uma resposta à questão de como reformar administrativamente o Estado, uma série de características positivas na forma de administração do setor privado passaram a ser incorporadas pelo setor público em vários países do mundo. Dentre essas características, as principais são: autonomia elevada e responsabilidade dos gestores, delegação e descentralização, reengenharia, diminuição do tamanho do setor público, equidade financeira, qualidade na prestação dos serviços públicos e transparência da informação (OLÍAS, 2001, p. 73).

No Brasil, a busca pela incorporação dessas características ocorre no processo de reforma do aparelho de Estado (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 110). Neste sentido, destaca-se a afirmação de Bresser Pereira (1999, p. 6):

A Reforma Gerencial de 1995 está substituindo a atual administração pública burocrática misturada a práticas clientelistas ou patrimonialistas por uma administração pública gerencial, que adota os princípios da "nova gestão pública" (new public management). As "reformas administrativas" na América Latina costumam ser apenas mudanças ad hoc no organograma da administração, que são implementadas no momento em que o novo governo toma posse. Essas são falsas reformas que não envolvem mudanças institucionais significativas. Na verdade, foram apenas duas as verdadeiras reformas administrativas desde a construção dos estados nacionais modernos: a Reforma Burocrática ou Reforma do Serviço Público e a Reforma Gerencial da Administração Pública. A primeira, que foi analisada por Weber, diz respeito à formação de um serviço público profissionalizado; ocorreu em meados do século XIX na Europa ocidental, no início do século XX nos EUA e na década de 30 no Brasil. A Reforma Gerencial, que flexibiliza os processos e os regulamentos burocráticos, conferindo um grau mais elevado de autonomia e de accountability às agências governamentais e aos seus gerentes, é a segunda: é um novo fenômeno histórico, que ganhou força nas últimas duas décadas, quando as pessoas começaram a perceber que uma das razões pela atual crise fiscal do Estado era a ineficiência estrutural da administração pública burocrática.

Essa nova realidade apareceu como alternativa capaz de liberar a economia para uma nova etapa de crescimento. Embora possua um alcance diferenciado em cada país e condicionada às relações centro/periferia, a reforma do Estado passou por dois momentos distintos, segundo Silva (2003, p. 66-67):

O primeiro corresponde ao período de retomada da ofensiva do neoliberalismo estendendo-se até o início da década de 1990. O Estado foi duramente criticado pelo seu caráter intervencionista, exigindo-se a redução do seu tamanho como uma condição do livre funcionamento do mercado. A discussão girou em torno da distinção das funções exclusivas e não exclusivas do Estado, retomando um

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debate do século 19. Esse período atingiu o seu ponto máximo expondo, ao mesmo tempo, os seus limites, com a crise desencadeada nos países da América Latina, da Europa Central e do Leste europeu. [...] No segundo momento, esboçou-se uma suposta alternativa ao caos provocado pelas políticas neoliberais, representando uma mudança parcial de rota mediante o reconhecimento da gravidade da situação sócio-econômica reinante em alguns Estados nacionais. Reforçou-se a retórica da “reforma” como um caminho para a promoção das chamadas políticas sociais, voltando-se a atenção para o agravamento do problema do desemprego e da pobreza e para a necessidade de regular minimamente o movimento do capital.

Em linhas gerais, as reformas buscam uma nova forma de administração pública, sobretudo por conta do esgotamento dos modelos existentes, distinguindo-se de acordo com a cultura e o local em que são aplicadas, do sistema de governo vigente e da orientação política dos mandatários, contudo, ainda que com diferentes nuanças, pode-se dizer que foram a tônica na grande maioria das administrações (FIGUEIREDO E SILVA, 2001, p. 48).

No Brasil, adotou-se o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado para traçar os objetivos da reforma, os quais seriam implementados de forma gradual. Vale dizer que o Plano Diretor não pretendia esgotar a tarefa de reformar o Estado e sim tornar irreversível o processo de mudança, com resultados de curto prazo e outros de alcance no médio e longo prazo (PALUDO, 2010, p. 107). A reforma envolve uma série de aspectos, dentre eles pode-se destacar:

a) a descentralização dos serviços sociais para estados e municípios; b) a delimitação mais precisa da área de atuação do Estado, estabelecendo-se uma distinção entre as atividades exclusivas que envolvem o poder do Estado e devem permanecer no seu âmbito, as atividades sociais e científicas que não lhe pertencem e devem ser transferidas para o setor público não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado; c) a distinção entre as atividades do núcleo estratégico, que devem ser efetuadas por políticos e altos funcionários, e as atividades de serviços, que podem ser objeto de contratações externas; d) a separação entre a formulação de políticas e sua execução; e) maior autonomia para as atividades executivas exclusivas do Estado que adotarão a forma de "agências executivas"; f) maior autonomia ainda para os serviços sociais e científicos que o Estado presta, que deverão ser transferidos para (na prática, transformados em) "organizações sociais", isto é, um tipo particular de organização pública não-estatal, sem fins lucrativos, contemplada no orçamento do Estado (como no caso de hospitais, universidades, escolas, centros de pesquisa, museus, etc.); g) assegurar a responsabilização (accountability) através da administração por objetivos, da criação de quase-mercados, e de vários mecanismos de democracia direta ou de controle social, combinados com o aumento da transparência no serviço público, reduzindo-se concomitantemente o papel da definição detalhada de procedimentos e da auditoria ou controle interno – os controles clássicos da administração pública burocrática – que devem ter um peso menor ( Bresser-Pereira, 1999, p. 2).

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Como visto anteriormente, a Reforma Administrativa brasileira recebeu influência dos princípios do New Públic Management. Assim, incorporou muitos elementos do paradigma neodesenvolvimentista, delineando um novo padrão de gestão pública, sustentada em princípios como flexibilidade, ênfase em resultados, controle social e foco no cliente (MATIAS-PEREIRA, 2010 p. 111).

A proposta da administração gerencial buscava, através da substituição dos controles tradicionais por novos controles com características gerenciais, a substituição da administração pública burocrática. Para tanto, valeu-se da flexibilização de leis e normas e da revisão dos dispositivos da Constituição de 1988 (CHRISTO FERNANDES, 1998, p. 11).

O quadro comparativo abaixo expõe as diferenças entre a Administração Burocrática e a Administração Gerencial que se procura implementar, apontando as características de cada uma:

ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA X ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL

Administração Burocrática Administração Gerencial

i. A Administração Pública burocrática é autorreferente e se concentra no processo, em suas próprias necessidades e perspectivas, sem considerar a alta ineficiência envolvida.

ii. A Administração Pública burocrática acredita em uma racionalidade absoluta, que a burocracia está encarregada de garantir.

iii. A Administração Pública burocrática assume que o modo mais seguro de evitar o nepotismo e a corrupção é pelo controle rígido de processos.

iv. Na administração burocrática não existe a confiança.

v. A administração burocrática é centralizadora, autoritária.

vi. A administração burocrática prega o formalismo, rigidez e o rigor técnico.

i. A Administração Pública gerencial é orientada para o cidadão, voltada para o consumidor, e se concentra nas necessidades e perspectivas desse consumidor, o cliente-cidadão. No gerencialismo, o administrador público preocupa-se em oferecer serviços, e não em gerir programas; visa atender aos cidadãos, e não às necessidades da burocracia.

ii. A Administração Pública gerencial pensa na sociedade como um campo de conflito, cooperação e incerteza, na qual os cidadãos defendem seus interesses e afirmam suas posições ideológicas;

iii. A Administração Pública gerencial parte do princípio de que é preciso combater o nepotismo e a corrupção, mas que, para isso, não são necessários procedimentos rígidos, e sim outros meios, como indicadores de desempenho, controle de resultados etc.

iv. Na administração gerencial, a confiança é limitada, permanentemente controlada por resultados, mas ainda assim suficiente para permitir a delegação, para que o gestor público possa ter liberdade de escolher os meios mais apropriados ao cumprimento das metas prefixadas.

v. A administração gerencial prega a descentralização, com delegação de poderes, atribuições e responsabilidades para os escalões inferiores.

vi. A administração gerencial preza os princípios de confiança e descentralização da decisão,

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exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções e incentivos à criatividade e inovação.

Fontes: Hood (1991, 1995 , apud Matias-Pereira , 2010, p. 115)

2.2 O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado trouxe um diagnóstico dos problemas mais relevantes da administração federal: a distorção da estrutura de remunerações e o crescimento dos custos da folha de pagamentos; a imutabilidade da legislação e a forma burocrática de controle, ambas disfuncionais; a diminuição da autonomia de gestão das agencias operadoras, acarretando acomodação e ineficiência e, por fim, a perda da capacidade de formulação de políticas e de controle por parte dos ministérios e órgãos centrais da administração (CHRISTO FERNANDES, 1998, p. 15).

O Plano Diretor foi concebido no contexto das mudanças estruturais da ordem econômica, política e social, necessárias à inclusão competitiva do Brasil na nova ordem mundial, baseando-se num diagnóstico de crise do Estado, dos modelos de administração, do modo de intervenção e de financiamento do setor público (RIBEIRO, 2002, p. 11).

O PDRAE trouxe novas definições acerca do papel do Estado. Essa redefinição, em síntese, buscava retirar do Estado a responsabilidade pelo desenvolvimento econômico e social (BARBADO, 2003, p. 306). Para a autora, pode-se inferir que são objetivos práticos do Plano Diretor:

[...] no plano econômico, diminuir o déficit público e ampliar a capacidade financeira do Estado, com o intuito de concentrar recursos em áreas nas quais se faz indispensável a intervenção direta. No plano social, busca-se aumentar a eficiência dos serviços oferecidos ou financiados pelo Estado, atendendo melhor o cidadão, que passa a ser chamado de cidadão-cliente, ou simplesmente cliente do Estado. No que concerne ao objetivo político, almeja-se ampliar a participação dos cidadãos na gestão da coisa pública, por meio do incentivo à ação social comunitária. O implemento dos serviços sociais prestados de forma associada (Estado em parceria com a iniciativa privada) faz parte, também, da pauta de reformas. Por fim, reconhecemos a existência de um objetivo gerencial, que merece nossa especial atenção. Este consiste em aumentar a eficiência na prestação dos serviços, alcançar maior efetividade na edição de leis, no recolhimento de tributos e na implementação de políticas públicas. Os procedimentos e controles formais devem ser substituídos, sistematicamente, por mecanismos de controles de resultados (BARBADO, 2003, p. 307).

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De outra forma, pode-se dizer que a elaboração do PDRE tinha o objetivo de garantir a governança mediante novos modelos de financiamento, de gestão do setor público e de organização, visando aprofundar a descentralização de funções para estados e municípios e, desta forma, limitar a ação do Estado às atividades exclusivas, reservando à iniciativa privada a produção de bens e serviços e ao setor público não-estatal àquelas não exclusivas do Estado (RIBEIRO, 2002, p. 12).

Para atingir tais objetivos, o Plano Diretor adotou uma série de ações no curto prazo, dentre as quais, destaca-se: tornar a gestão pública mais moderna, estabelecendo duas instituições básicas: as organizações sociais, instituídas como serviços competitivos não exclusivos e, agências autônomas/executivas entre as atividades exclusivas de Estado; criação de um programa de desregulamentação, procurando eliminar eventuais barreiras que surjam no âmbito do Poder Executivo; continuar e aprimorar o Programa da Qualidade e Participação na Administração Pública, visando aperfeiçoar e avaliar os serviços públicos através de um sistema de indicadores que permitam aferir o desempenho organizacional, incentivando o controle social e, por fim, a realização de concursos públicos em áreas estratégicas da Administração Pública. Estas ações dariam inicio ao processo de modernização da gestão através de ação que independessem de modificações mais estruturais no sistema jurídico legal (PALUDO, 2010, p. 126).

Visando dar continuidade ao processo de modernização da gestão e a estruturação da capacidade administrativa institucional, o Plano Diretor apresentou às ações pretendidas a médio e longo prazo.

A médio prazo, o Plano Diretor apresentou às seguintes ações: adoção, aplicação e ampliação de uma postura gerencial pelos órgãos da Administração Pública, baseada em objetivos bem definidos, de acordo com os do governo; implementação de um novo sistema de avaliação de desempenho; implementação do projeto cidadão; aprovação das emendas constitucionais e respectivas regulamentações e permissão legislativa para a criação das organizações sociais (PALUDO, 2010, p. 127).

A longo prazo, a pretensão é transformar o Estado, tornando este indutor e promotor do desenvolvimento social e econômico do país. Diante da flexibilidade requerida para enfrentar os novos desafios que certamente seriam impostos, os resultados esperados para alcançar este estágio estavam relacionados a duas dimensões: de natureza externa, com o surgimento de uma nova sociedade, baseada na inclusão e participação popular, que recoloca o Estado com exercício pleno da cidadania; de natureza interna, relacionada à consolidação da

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cultura gerencial e valorização efetiva dos servidores, resgatando a identidade com o serviço público (PALUDO, 2010, p. 127). As ações de longo prazo visam atingir o seguinte objetivo:

O objetivo era consolidar o processo de mudança, a partir da idéia de sua irreversibilidade, dotando o aparelho do Estado de uma estrutura com um grau de flexibilidade tal que permitisse enfrentar os desafios de ajustamento que certamente serão impostos, mas que ainda são imprevisíveis (PALUDO, 2010, p. 128).

Em síntese, pode-se afirmar que o Plano Diretor traz um desenho do aparelho de Estado, buscando a readequação de sua estrutura, através de um Estado mais regulador e menos produtor de bens e serviços e o aprimoramento dos valores democráticos, alinhados com a visão contemporânea da administração da coisa pública, traduzidos no dever de gerenciar com eficiência e apresentar resultados, permitir a transparência e o controle social dos recursos públicos e a responsabilização dos gestores (RIBEIRO, 2002, p. 14-15).

Tais propostas encontram-se distribuídas em quatro objetivos globais no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, são eles:

I) Aumentar a capacidade administrativa do Estado governar com efetividade e eficiência, voltando a ação dos serviços para o atendimento dos cidadãos.

II) Limitar a ação do Estado àquelas funções que lhe são próprias, reservando, em princípio, os serviços não-exclusivos para a propriedade pública não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado para a iniciativa privada.

III) Transferir da União para os estados e municípios as ações de caráter local: só em casos de emergência cabe a ação direta da União. IV) Transferir parcialmente da União para os estados as ações de caráter regional, de forma a permitir uma maior parceria entre os estados e a União (BRASIL, 1995, p. 45).

Na reforma do aparelho do Estado podemos distinguir alguns objetivos globais e objetivos específicos para seus quatro setores, conforme tabela abaixo:

ESTRUTURA FUNCIONAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS

NÚCLEO ESTRATÉGICO (Formulação e Decisão Política)

• Garantir o aumento da efetividade;

• Modernizar a administração burocrática mediante políticas de profissionalização, de carreiras e salários, concursos anuais, programas de educação continuada, fomento da cultura de avaliação de desempenho; • Desenvolver a capacidade de gerir contratos

com agências autônomas responsáveis pelas atividades exclusivas de Estado, bem como com as Organizações Sociais.

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ATIVIDADES EXCLUSIVAS (Execução de políticas públicas)

• Transformar em agências autônomas as entidades (fundações e autarquias) com poder de Estado, geridas por contratos de gestão, com autonomia para gerenciar os recursos humanos e financeiros à sua disposição e condicionadas ao cumprimento de objetivos/resultados e ao acompanhamento de indicadores de desempenho.

• Promover a aplicação de mecanismos de formulação e de avaliação de políticas públicas que priorizem a participação e o controle social.

ATIVIDADES NÃOEXCLUSIVAS (alternativa para a “publicização” da prestação de serviços públicos nas áreas hospitalar, cultural, de educação universitária e de pesquisa científica).

• Transferir serviços para o Terceiro Setor ou entidades sem fins lucrativos e de direito privado, com autorização específica do Congresso Nacional para formalizar contratos e alocar recursos públicos;

• Garantir autonomia e responsabilização aos gerentes;

• Promover o controle social sobre os serviços; • Manter financiamento público, e auferir recursos oriundos de serviços próprios e doações;

• Aumento da eficiência e da qualidade dos serviços.

SETOR DE PRODUÇÃO PARA O MERCADO

(produção de bens)

• Continuidade do processo de privatização; • Reorganizar e fortalecer as entidades de

regulação dos monopólios naturais e dos privatizáveis;

• Implantar contratos de gestão nas empresas nacionais.

Fonte: RIBEIRO, 2002, p. 13.

2.3 Resultados da Reforma

Embora se perceba um propósito inovador na Reforma Administrativa do Estado, esta foi alvo de severas críticas dos diferentes grupos e segmentos da sociedade brasileira, que, dentre outras acusações, atribuíram a pretensão de desmonte da Administração Pública pátria, citando o neoliberalismo como motivo determinante para o alinhamento da Administração Pública ao contexto econômico e global e não uma busca pela melhora da atuação do aparelho estatal (FERREIRA, 2006, p. 170).

Após a instituição da Reforma Administrativa do Estado brasileiro pode-se elencar os principais desafios a serem superados, são eles: dificuldade do conjunto do Governo aderir à atuação orientada e coordenada ao desenvolvimento nacional; dificuldade na

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