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Juventude e risco: os sentidos construídos por jovens sobre esta relação

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Academic year: 2018

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CENTRO DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA MESTRADO EM PSICOLOGIA

ALEXANDRE KERR PONTES

JUVENTUDE E RISCO:

PROBLEMATIZANDO O SENTIDO CONSTRUÍDO POR JOVENS SOBRE ESTA RELAÇÃO.

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ALEXANDRE KERR PONTES

JUVENTUDE E RISCO:

PROBLEMATIZANDO O SENTIDO CONSTRUÍDO POR JOVENS SOBRE ESTA RELAÇÃO.

Dissertação submetida à Coordenação de Pós- Graduação em Psicologia, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Área de Concentração:

Orientador: Profa. Dra. Veriana de Fátima Rodrigues Colaço

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

P858j Pontes, Alexandre Kerr.

Juventude e risco : problematizando o sentido construído por jovens sobre esta relação / Alexandre Kerr Pontes. – 2011.

142 f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Departamento de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Fortaleza, 2011.

Área de Concentração: Psicologia social.

Orientação: Profa. Dra. Veriana de Fátima Rodrigues Colaço.

1. Comportamento de risco(Psicologia) – Fortaleza(CE). 2.Biopolítica. 3.Análise do discurso narrativo. 4.Juventude – Fortaleza(CE). I. Título.

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JUVENTUDE E RISCO:

PROBLEMATIZANDO O SENTIDO CONSTRUÍDO POR JOVENS SOBRE ESTA RELAÇÃO.

Dissertação submetida à Coordenação de Pós- Graduação em Psicologia, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia.

Área de Concentração:

Orientador: Profa. Dra. Veriana de Fátima Rodrigues Colaço

Aprovada em: / / .

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Veriana de Fátima Rodrigues Colaço (Orientadora) Universidade Federal do Ceará - UFC

Profa. Dra. Luciana Lobo Miranda Universidade Federal do Ceará – UFC

Profa. Dra. Cláudia Regina Brandão Sampaio Fernandes da Costa Universidade Federal do Amazonas - UFAM

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Aos meus pais que me deram as condições para permanecer e investir em uma vida acadêmica. Vocês sempre me apoiaram e posso dizer com convicção que devo muito do que sou hoje a vocês.

Às minhas irmãs que também tiveram grande participação no meu crescimento pessoal e que sempre estão dispostas a ajudar.

À minha amada Anacely que esteve comigo nos momentos bons e ruíns do curso de mestrado. Seu apoio foi fundamental para chegar até aqui. Estaremos juntos nas próximas façanhas.

A minha orientadora Veriana pela paciência de me orientar não só durante o mestrado, mas também na monografia. Suas contribuições foram extremamente valiosas e sem elas não teria conseguido sequer sair do lugar.

Aos meus amigos que me ajudaram a suportar os momentos de pressão conversando bobagens, jogando futebol, bebendo cerveja, viajando e tocando um samba.

Aos colegas da turma de mestrado, pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas. Pelos momentos de confraternização. E por compartilharem essa travessia que gerou discussões extremamente calorosas.

Ao Totti que me acompanhava durante as noites em que eu escrevia dormindo no meu pé.

À banca examinadora pelas contribuições na qualificação.

À CAPES, pelo apoio financeiro com a manutenção da bolsa de auxílio.

Aos alunos entrevistados, pelo tempo concedido nas entrevistas realizadas.

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Buscou-se compreender como se instala um paradigma do risco na contemporaneidade a partir do conceito de biopolítica e como os estudos sobre juventude se vinculam a este paradigma. A partir da conclusão de que os estudos sobre juventude adentram em uma lógica de normalização centrada no conceito de risco, procurou-se encontrar uma outra lógica de sentido que fugisse da norma. Assim, para estabelecer novas possibilidades de compreensão sobre a juventude e o risco, utilizou-se de entrevistas que buscassem o sentido do risco para jovens que apresentavam comportamentos supostamente de risco. A metodologia foi baseada nas práticas discursivas e produção de sentidos formulada por Mary J. Spink. Foram entrevistados 6 jovens de 2 escolas públicas de Fortaleza. Mesmo com a tentativa de ruptura com a lógica do risco, o que se pôde perceber nas falas dos jovens foi uma ambivalência que, por vezes, incorporavam o pensamento normativo do risco e, por outras, negavam esta lógica adentrando em outras que, por sua vez, acabaram por se mostrar, também, normativas.

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In contemporary youth research, risk has become not only a concept, but a paradigm. This statement was explored in this research through the concept of biopolitics, which can give us a better understanding of how this came to be. Therefore, in search of a different perspective on the studies of risk and youth, this research tries to call upon another logic of comprehension to understand the meaning of risk behavior. To do this, interviews were used to understand how young people give meaning to risk. The methodology was based in Mary J. Spink conception of practices of discourse and production of meaning. Even though a rupture to normative thought in risk meaning was sought, the discourses of the interviewed showed that, not only they incorporated the normative meaning of risk, but that even when there was a rupture with risk paradigm, they would find themselves entangled in a web of other normative logics.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...pág. 09 2. RISCO BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE...pág. 14 2.1 Compreendendo o conceito de risco...pág. 14 2.1.1 A Origem do conceito de risco...pág. 15 2.1.2 Risco na contemporaneidade...pág. 21 3. METODOLOGIA...pág. 26 3.1. Práticas Discursivas e Produção de Sentido...pág. 26 3.2 Caminhos Metodológicos...pág. 30 4. JUVENTUDE E RISCO...pág. 38 4.1 Sentidos do Risco: Drogas e Crime...pág. 40

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1. INTRODUÇÃO

Tem sido cada vez mais comum a proliferação de discursos que falam sobre o conceito de risco. Na literatura científica têm se multiplicado produções que buscam uma sistematização das questões que a noção de risco engendra, culminando na construção de um paradigma de gestão de riscos no pensamento moderno e contemporâneo. (CASTEL, 1987, 1991; BECK, 1998; GIDDENS, 2002; FOUCAULT, 2002a).

Além disso, têm crescido as produções nas ciências humanas que fazem um discurso a partir da noção de risco para constituírem os seus saberes. Na psicologia é comum encontrar os termos ―situação de risco‖, ―situação de vulnerabilidade‖ e ―situação de rua‖, principalmente nos discursos sobre a criança e o adolescente. (ANTONI; KOLLER, 2000). É a constituição do saber psicológico no interior do discurso de cálculo de riscos. Essas denominações não são sinônimas entre si, porém possuem um mesmo substrato teórico que garante a sua inteligibilidade. Diante desta proliferação, torna-se extremamente importante perguntar em que sentido o risco tem constituído o pensamento contemporâneo e, mais especificamente, de alguns setores da psicologia.

A juventude foi um dos muitos objetos que se tornou ponderada a partir do conceito de risco. A escolha específica deste tema em meio a tantos outros que poderiam ser elencados na problemática dos riscos se dá, não por uma questão interna ao próprio problema, mas pela trajetória individual que fiz como pesquisador. Meu percurso justifica o conjunto de problemas que fui levantando ao longo de minhas investigações.

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tratamento, povoado por uma diversidade de saberes que produzem as verdades sobre esse corpo.

Tendo em mente o conjunto de mecanismo que colocam a prisão para funcionar, decidi seguir mais de perto o funcionamento de um estabelecimento que pudesse me fornecer os elementos para pensar se fazia sentido ou não aquilo que havia concluído no trabalho anterior. Foi então que consegui um estágio, ainda durante a graduação, na Secretária de Ação Social, cujas funções, atualmente, estão delegadas à Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, órgão do Estado do Ceará responsável pela administração das medidas sócioeducativas de privação de liberdade e semiliberdade. Estas instituições funcionam para o que o Estatuto da Criança e do Adolescente enquadra como adolescentes, ou seja, pessoas de 12 anos a 18 incompletos e, em casos expressos em lei, de 18 a 21 anos de idade. (BRASIL, 2004). A escolha pelo estágio com adolescentes se deu mais pela possibilidade que me surgiu de trabalhar com o tema da prisão do que pela questão da adolescência em si como um problema. Porém, esta junção destes dois campos me fez reformular minhas questões em direção ao problema da infração e da menoridade, construindo novas linhas de pensamento. Trabalhei durante um ano em uma instituição de privação de liberdade para adolescentes de 18 a 21 anos.

Resultante de minha experiência de estágio, resolvi investir em minha monografia de graduação em uma questão que se abriu a partir de minha prática. Partindo do fato de que as prisões buscam uma ressocialização dos indivíduos, tentei compreender quais eram os sentidos que se construíam das estratégias para uma ressocialização nas práticas de internação.

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é pensar os sentidos que este jovens constroem não como desvio, mas como específicos a um contexto, sem buscar fazer referências a uma suposta idealidade. Abramo (1997, p. 25) chama atenção para esta tendência:

Na academia, depois de anos de quase total ausência, os jovens voltam a ser tema de investigação e reflexão, principalmente através de dissertações de mestrado e teses de doutorado — no entanto, a maior parte da reflexão é ainda destinada a discutir os sistemas e instituições presentes nas vidas dos jovens (notadamente as instituições escolares, ou a família, ou ainda os sistemas jurídicos e penais, no caso de adolescentes em situação ―anormal‖ ou de risco), ou mesmo as estruturas sociais que conformam situações ―problemáticas‖ para os jovens, poucas delas enfocando o modo como os próprios jovens vivem e elaboram essas situações. Só recentemente tem ganhado certo volume o número de estudos voltados para a consideração dos próprios jovens e suas experiências, suas percepções, formas de sociabilidade e atuação.

Ao circunscrever comportamentos de risco, as pesquisas que produzem essa concepção estão deixando de lado um componente importante da produção destes, o sentido que o comportamento considerado de risco assume onde ele se originou. Ou seja, ao considerar um comportamento como de risco, tende-se a desviar o olhar para sua virtual previsibilidade, pautada em seus efeitos freqüentes, sem se levar em conta outros elementos que constituem e mantêm um sentido para essas atividades.

Quando fui convidado a participar de uma pesquisa que busca levantar o perfil dos jovens da cidade de Fortaleza e os fatores de risco e proteção intervenientes para esta população, imediatamente vi a oportunidade de testar a hipótese de que há um hiato entre os elementos que compõem o risco, a correlação entre dois eventos somente do ponto de vista de sua freqüência, e o sentido que este suposto risco tem para os agentes que o põem em prática. Não seria o caso de dizer que há uma contradição entre um e outro, não acredito ser este o caso, mas cabe somente dizer que um comportamento significado sob o signo de risco não se esgota nesta significação. A pesquisa mencionada intitula-se “Adolescência e Juventude: Situações de Risco e Redes de Proteção na Cidade de Fortaleza‖ e busca traçar o perfil dos jovens de 14 a 24 anos a partir de questionários aplicados em escolas públicas na cidade de Fortaleza. Os questionários possuem perguntas, em grande maioria, fechadas, que estão estruturadas pela concepção de fatores de risco e proteção.

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materialidade mensurável para modular aqueles que pertencem ou não a esta categoria, buscando operacionalizar ações destinadas aos sujeitos reconhecidos nesta Lei. Por outro lado, juventude tem uma abrangência maior e seu critério de enquadramento é sociológico em oposição ao anterior que faz referências claras a um pressuposto de maturação biológica. A juventude seria uma condição criada na modernidade, decorrente do capitalismo como forma de produção e organização social, e que tem como uma de suas características principais o investimento político sobre a pessoa que se encontra na transição entre a infância e a idade adulta, não obedecendo a critérios de idade, mas, principalmente, de organização social do trabalho. Assim, algumas das questões marcantes da juventude seriam as perspectivas futuras de vida e a construção, no presente, de condições para tornarem possíveis as expectativas que se faz dela. Para ficar claro, basta mencionar dois trabalhos que tomam como foco questões levantadas pela juventude, seja do ponto de vista de um investimento social nela ou de uma experiência subjetiva destes indivíduos. Diógenes (1998) demonstra como, para os jovens que entrevistou, há uma ausência do referente emprego. Por outro lado, Vicentin (2005), por via de uma frase proferida por jovens submetidos à privação de liberdade – não nasci para semente -, analisa a relação que estes estabelecem com o futuro: certeza da morte. Dessas condições advém a preferência pelo termo juventude para tratar do tema, uma vez que as estratégias e discursos que investem os jovens interessam para analisar o que vem sendo proposto para esta população e o que se espera dela.

A partir do que foi exposto até agora, começa a ficar mais claro meu interesse pelos sentidos que os jovens produzem sobre o risco. Porém, como não poderia deixar de ser, não me refiro a todos os jovens, mas a um conjunto específico que precisa ser delimitado. De acordo com comentários anteriores, já se poderia ter antecipado o fato de que a demarcação que busco realizar são aquelas que estão delimitadas por um caráter de risco.

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muitas vezes, em uma exterioridade em relação aos moldes propostos por estas políticas, considerando este como marginal em sua vida, dando maior importância para outros valores construídos em sua realidade local. (ABRAMOVAY et al., 2004).

Esclarecidos os pontos principais desta pesquisa e buscando dar um delineamento maior de seu objeto, cabe fazer uma síntese daquilo que pretendo trabalhar. O objeto desta pesquisa foi compreender os sentidos que os jovens atribuem a comportamentos supostamente de risco nos quais estão envolvidos. Contudo, como irei deixar claro posteriormente, durante o desenvolvimento metodológico, o procedimento de seleção acabou por não incluir jovens que apresentassem os comportamentos que eles mesmos descreviam como risco. Busquei compreender como os jovens que responderam ao questionário da pesquisa “Adolescência e Juventude: Situações de Risco e Redes de Proteção na Cidade de Fortaleza‖ constroem e compartilham significados que dão sentido às práticas consideradas de risco, além de tentar elucidar o modo como esses conteúdos imprimem formas de existir e de se posicionar no mundo.

Com essa população específica, a investigação buscou as produções discursivas que não se elaboram, necessariamente, sob o paradigma do risco, buscando explorar que éticas se constituem a partir de outras racionalidades. Porém, embora a intenção fosse dimensionar a partir das resistências, modos de existir que entrem em choque direto com os instrumentos de ordenação dos riscos e dos desvios, os discursos dos jovens se voltaram muito mais para uma organização institucionalizada, vendo o risco negativamente como perigo.

Iniciarei a exposição buscando compreender o risco como um paradigma contemporâneo a partir dos estudos sobre biopolítica e governamentalidade propostos por Foucault.

No capítulo seguinte discutirei os elementos teóricos que fundamentaram a metodologia da pesquisa, além de descrever o desenvolvimento e os procedimentos utilizados No terceiro capítulo busco compreender as políticas de risco sobre juventude articulando as falas dos jovens com suas construções sobre o que consideram que é risco, além de explorar outros sentidos, além do risco, vinculados a estes comportamentos.

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2. RISCO, BIOPOLÍTICA E GOVERNAMENTALIDADE 2.1. Compreendendo o Conceito de Risco

O conceito de risco é muito utilizado em diversas áreas técnicas e científicas. Com a evolução do conceito, uma grande quantidade de procedimentos matemáticos foram sendo desenvolvidos nos cálculos de riscos. Dentro de um grande espectro de áreas do conhecimento científico e instituições que fazem uso do conceito de risco, há de se perguntar se existe algum denominador comum entre os diversos usos do termo. Além disso, deve-se ter em mente o processo já descrito por muitos autores (GEERTZ, 1989, VIGOTSKI, 2000) em que um conceito desenvolvido pelas ciências passa a ser utilizado no cotidiano, adquirindo novos usos e sentidos, e se distanciando de seu sentido original vinculado a uma teoria que o fundamenta. Não seria diferente com o conceito de risco. Emergindo da teoria da probabilidade e dos jogos de azar (HACKING, 2006), este conceito passou a fazer parte dos repertórios interpretativos da cultura ocidental (SPINK, 2001), participando dos usos cotidiano da linguagem e da construção do sujeito moderno voltado para a colonização do futuro (GIDDENS, 2002). Contudo, deve-se observar que este processo de transição da linguagem científica para o uso no cotidiano se faz por um processo longo, que poderia ser contado tanto pelas transformações sofridas pelo conceito ao longo da história, o que Machado (2006) chamou de história epistemológica, entendendo-a a partir de Canguilhem e Bachelard, como pela forma que este conceito passa a ser apropriado pelas instituições e a ser aplicado vastamente na sociedade, entendido por Foucault (2002b) como genealogia. Ambas estas perspectivas dividem a idéia de que não se trata de um precursor, ou seja, de um grande gênio que inventou uma nova forma de se ver o mundo. Trata-se de se compreender como um conceito surge na história e por quais processos ele atravessa até ser amplamente utilizado em diversos campos de saber e modos de agir.

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assim, mantendo relações com o todo, na medida em que garante a inteligibilidade do conjunto maior de problemas. É uma construção histórica de acontecimentos tecidos conjuntamente através de metáforas, em oposição a uma tradição metonímica, ou seja, que busca estabelecer relações entre eventos com relações de contigüidade. Diferente da indução em que se parte do particular para o geral, no paradigma a relação é sempre de particular "para" particular. Deste modo, quando Foucault (2002b) fala do panóptico ele o está usando como um paradigma para a sociedade disciplinar. Neste sentido, o panóptico é o exemplo que permite uma maior inteligibilidade do poder disciplinar e de suas estratégias. Assim, para proceder nesta análise estarei recorrendo à literatura, demonstrando a construção de um paradigma do risco, tendo como base fundamental da análise a origem dos conceitos de probabilidade e população articulados com aquilo que Foucault (2008a) chamou de biopolítica e dispositivos de segurança. Esses dispositivos seriam a forma pela qual nossa sociedade faz funcionar o risco e suas aplicações, é desta forma que o risco se torna fundamental para a política contemporânea.

2.1.2 A origem do Conceito de Risco1

Segundo Ewald (1991), o termo risco tem sua origem, provavelmente, da palavra italiana risco, que significa "aquilo que corta", por ter sido originada nas práticas relativas à navegação. Está vinculada aos recifes que apresentavam verdadeiros perigos às cargas dos navios. Porém, o próprio autor atesta que as práticas de seguro de propriedades, apesar de existirem há muito tempo, não possuíam os conceitos que permitiriam operar matematicamente o risco, acontecendo de forma muito rudimentar. É somente com o advento da probabilidade que se pôde construir as tecnologias de seguro, amplamente conhecidas na contemporaneidade, sob diferentes facetas, seguro de vida, seguro do carro, seguro da casa, dentre outros.

Em seu estudo sobre a emergência da probabilidade, Hacking (2006, p. 16) demonstra quais foram as condições de possibilidade para a construção deste conceito. Ele baseia sua metodologia nos seguintes princípios:

Há um espaço de teorias possíveis sobre probabilidade que é mais ou menos constante desde 1660 até o presente. [...] Este espaço resulta da transformação de

1 . Seguindo o exemplo de Foucault (2008b) que, por sua vez, se inspira em Nietzsche, busquei compreender a

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estruturas conceituais contrastantes. [...] Algumas características desta estrutura primordial, já bem esquecidas, estão impressas no nosso esquema de pensamento presente. [...] O entendimento deste espaço e suas pré-condições (talvez) possa nos liberar do ciclo de teorias de probabilidade que tem nos enclausurado por tanto tempo.

Sua tese fundamental é que o conceito de probabilidade possui uma base dual que tem relação com sua origem. Por um lado, há o sentido estatístico, no qual se busca encontrar regularidades em eventos aparentemente dados ao acaso. Por outro lado, o sentido epistemológico, "buscando graus razoáveis de credibilidade em proposições desprovidas de um pano de fundo estatístico." (HACKING, 2006, p. 12). Antes da metade do século XVII probabilidade era uma questão de opinião, cuja autoridade era concedida por uma figura respeitável. Assim, uma proposição era mais provável na medida em que o testemunho que a suportava vinha de uma autoridade. Com o advento do conceito de evidência, a natureza passou a ser chamada a dar o seu próprio testemunho. A evidência é o conjunto de sinais que a natureza proporciona de forma que se possa antecipar um evento. "Chamar algo de provável ainda era pedir o testemunho de uma autoridade, mas já que a autoridade era fundada nos sinais da natureza, era do tipo que só podia ser frequentemente confiável". (HACKING, 2006, p. 44). Assim, constrói-se a base dual do conceito de probabilidade que tem como pré- condições: 1) o conceito de provável na forma de opinião, 2) a evidência como testemunho da natureza e 3) sinais como evidências prováveis de acordo com sua frequência.

É importante denotar a questão da previsibilidade dos acontecimentos presente na noção de probabilidade, principalmente na modalidade estatística. No momento que este conceito estava em formação, as ciências, principalmente a física newtoniana, se baseavam no modelo de causas primeiras, ou seja, estabelecia uma relação de necessidade entre um evento gerador (causa) e a consequência deste evento (efeito). Quando a própria física abandona a causalidade mecânica, e as ciências em geral passam a lidar com estas causas como apenas sinais, no sentido já expresso anteriormente, sem uma ordem de necessidade, qualquer evidência passa a ser apenas provável, mas sem uma relação de verdade. Foi o que tornou possível o problema da indução colocado por Hume apud Hacking (2006, p. 48)

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Segue, portanto, que a busca por uma previsibilidade, ou como Giddens (2002) coloca, a colonização do futuro é uma questão central no desenvolvimento do conceito de risco. Por esse fato, a concepção estatística é aquela que possui maior relevância, pois ela estará no centro da formação dos mecanismos de segurança descritos por Foucault (2008a).

Além do conceito de probabilidade, o surgimento do de população foi essencial na formulação de um discurso do risco. Segundo Foucault (2008a), apesar de já se falar em população há muito tempo, é somente no século XVIII que a população aparecerá de forma positiva. Anteriormente, a conotação que se dava ao conceito era sempre em relação a catástrofes que dizimavam grande número de pessoas. "Era em relação a uma mortalidade dramática que se colocava a questão de saber o que é a população e como se poderá repovoar." (FOUCAULT, 2008a, p. 89). Uma das práticas que se associavam a este termo eram as tabelas de mortalidade que procuravam demonstrar o número de mortos em períodos de epidemia, de catástrofes naturais ou de algum outro mal que atingia um grande número de pessoas.

A transformação do conceito de população se dá primeiro no discurso do cameralismo e do mercantilismo no século XVIII. Nesse campo discursivo, a população aparecerá como fonte de poder e de riquezas, como a engrenagem do motor de produção de um Estado. "Os que consideraram a população essencialmente força produtiva foram os mercantilistas ou os cameralistas, contanto [...] que essa população fosse efetivamente adestrada, repartida, distribuída, fixada de acordo com mecanismos disciplinares" (Ibidem, p. 91).

Ainda no século XVIII, um conjunto novo de discursos sobre a população começará a surgir, onde a centralidade da diferença está na relação de governo que se estabelece com ela. No discurso do mercantilismo e do cameralismo a relação que se estabelece entre população e Estado se dá no modelo de soberania e súditos. Este objeto aparece como forma de governo para um soberano cuja vontade deve ser respeitada na forma de lei. Por outro lado, como oposição a este posicionamento, para os economistas do século XVIII,

[...] a população vai parar de aparecer como coleção de súditos de direito, como uma coleção de vontades submetidas que devem obedecer à vontade do soberano por intermédio de leis, decretos, etc. Ela vai ser considerada um conjunto de processos que é preciso administrar no que têm de natural e a partir do que têm de natural. (FOUCAULT, 2008a, p. 92)

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expressa por sua relação com outras variáveis. Ela se modifica com os meios de subsistência, com o comércio, com o clima, e outros. Assim, não se trataria de impor a vontade do soberano sobre esta população, porém de controlá-la através de outros artifícios, técnicas racionais e calculáveis que interagiriam com o meio (milieu) em que ela está inserida.

O segundo aspecto apontado como natural de uma população, o que Foucault (2008a) considera como invariante nos discursos dos fisiocratas, era a relação com o desejo desta população. Em Hobbes (2000), por exemplo, os desejos dos súditos devem ser abandonados em prol do soberano e da convivência proporcionado pelo último, atingindo um rompimento com o estado de guerra iminente que ameaça cada indivíduo livre, em seu estado natural. Já para os fisiocratas, não se trata de coibir os desejos dos súditos, mas de permiti-los, utilizando-se deles para o bem geral da população. Trata-se de "favorecer esse [...] desejo de maneira que possa produzir os efeitos benéficos que deve necessariamente produzir". (FOUCAULT, 2008a, p. 96). Não se tratava mais de coibir o desejo, mas de deixá-lo se manifestar e utilizar-se dele para produzir efeitos de regulação.

Por fim, o outro aspecto em que a naturalidade da população irá aparecer é no conjunto de fenômenos específicos a ela que acontecem de forma regular. É a utilização dos princípios estatísticos na população recortando aquilo que lhe é regular. Taxa de mortalidade, taxa de natalidade, taxa de suicídio, etc. Quando Durkheim (1978) fez seu estudo sobre suicídio, por exemplo, ele buscou demonstrar como, para além dos motivos individuais que leva alguém a cometer suicídio, há certo funcionamento constante nas taxas deste ato, o que o levou a fundar o conceito de fato social. Em um trabalho que também considerava a questão do suicídio, mas também outras formas de mortalidade, Weiselfisz (2011, p. 11) argumenta uma regularidade e predição pelo estudo estatístico.

Se cada uma dessas mortes tem sua história individual, seu conjunto de determinantes e causas diferentes e específicas para cada caso, irredutíveis em sua diversidade e compreensíveis só a partir de seu contexto específico, sociologicamente falando, temos que notar como serão desenvolvidas, ao longo do trabalho, sua regularidade e constância. Um número determinado de mortes violentas acontece todos os anos, levemente maior ou menor que o número de mortes ocorridas no ano anterior. Sem muito esforço, a partir desses dados, poderíamos prognosticar, com certa margem de erro, quantos jovens morrerão em nosso país no próximo ano por causas violentas. E são essas regularidades as que nos possibilitam inferir que, longe de ser resultado de decisões individuais tomadas por indivíduos isolados, estamos perante fenômenos de natureza social, produto de conjuntos de determinantes que se originam na convivência dos grupos e nas estruturas da sociedade.

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anteriormente, controle/laissez-faire/previsibilidade, serão importantes para compreender a segurança como modo de governo. Por enquanto, buscarei trabalhar somente as condições para a formação de um discurso do risco nas regularidades estatísticas populacionais.

A medicina é um dos campos mais profícuos para se estudar o surgimento do fenômeno do risco. Em primeiro lugar, porque grande parte das pesquisas que se faz com população tem relação com o surgimento de doenças e/ou a incidência de mortes e, conseqüentemente, com o prolongamento da vida, seja do indivíduo ou da população (FOUCAULT, 2002a). Em seguida, a medicina se constituiu como saber e prática que a configurou como uma espécie de polícia de Estado (COSTA, 2004, DONZELOT, 2001, FOUCAULT, 2008). Por último, foi na epidemiologia, principalmente, que se formalizou um conceito de risco possível de ser operado em diversas ocasiões e que passava pelas exigências de validação científica da época (AYRES, 2008).

A tematização da vida humana como matéria e objeto de poder foi feita, principalmente, pela medicina, na medida em que se esforçava na tentativa de prolongar a vida humana e superar a morte. Por outro lado, foi no discurso evolucionista que se pôde colocar em evidência a população não mais como gênero humano, mas como espécie humana, hierarquizando diferentes grupos populacionais e justificando um racismo de Estado. Essa dupla característica, que Foucault (2002a) descreve como "fazer viver e deixar morrer", será um dos pilares do paradigma biopolítico, ou seja, é uma metáfora que descreve a lógica de funcionamento do biopoder e dos mecanismos de segurança. A medicina fornecia uma roupagem científica para um discurso eminentemente político, que fazia distinções entre as populações e buscava um controle diferenciado sobre cada uma. Assim, a população aparece neste jogo de poder que busca preservar a vida e modos de viver, ao mesmo tempo em que preservava a espécie humana dos perigos que a ela pudessem ser infligidos, fossem epidemias ou uma "sub-raça" ameaçadora (loucos, criminosos, judeus, negros, etc)2.

Mudanças nas estruturas econômicas e sociais na Europa relativas ao desenvolvimento massivo da industrialização e urbanização desembocaram em crescentes processos de disciplinarização da sociedade no século XIX. A medicina ocupou um lugar

2 Há uma discussão que Rabinow e Rose (2006) fazem sobre biopoder que critíca as visões que generalizam o

conceito colocando o extermínio e a violência presentes nas políticas totalitárias como a centralidade da questão da biopolítica. Irão enfatizar a emergencia de novas biocoletividades e o aumento de tecnologias de controle como os elementos principais para se compreender o componente biopolítico das políticas contemporâneas, e criticarão a tentativa, por exemplo, de Agamben, de definir o extermínio, como o que ocorreu no nazismo, como a característica paradigmática do biopoder. Concordo com os primeiros autores citados, porém, no caso

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privilegiado nesta nova ordem, caracterizando-se como saber reorganizador da vida pública e privada. Ela teve a tarefa policial de diminuir os riscos à saúde pública, retirando de circulação mendigos, loucos, crianças abandonadas, delinqüentes, etc. Configurou espaços genéricos de contenção – os hospitais gerais - que, com o tempo, foram assumindo um caráter mais especializado, hospícios, abrigos, prisões. Nesta trajetória da vigilância e controle de setores menos favorecidos da sociedade, irrompem-se ―novas práticas, saberes e dispositivos, a maioria deles de alguma forma ligados e sustentados pelo trabalho social de novos personagens: assistentes sociais, educadores especializados e orientadores‖ que irão se acoplar

―aos equipamentos jurídicos, assistenciais e educativos em funcionamento‖. (GADELHA, 1998, p. 95-96).

Segundo Ayres (2002), a epidemiologia, antes de sua formalização dentro do paradigma do risco, funcionava em outra instância, uma epidemiologia da constituição. Esta teoria tinha, de forma geral, a pretensão de descrever o comportamento coletivo das doenças através das teorias dos miasmas e de como a mudança nos ares poderia constituir um meio insalubre. Porém, com o surgimento da bacteriologia e da aproximação da medicina de uma empiria que poderia, de certa forma, "seguir os caminhos do germe", a epidemiologia foi levada a segundo plano pela ausência de uma validação aceita na época. Até o final do século XIX e início do XX, a epidemiologia não desapareceu, mas ficou sempre à margem das teorias bacteriológicas.

Porém no final da década de 20 do século XX começam a aparecer teorias que Ayres (2002, p. 33) chamará de epidemiologia da exposição. "A bacteriologia falava a respeito dos agentes, e a epidemiologia deveria falar da dinâmica de sua distribuição populacional". Deste modo, "o objeto epidemiológico passou a ser delimitado como uma relação entre infectados/suscetíveis, que se define como oportunidade de exposição a um agente causal de uma doença." (AYRES, 2002, p.34). Estão dadas as condições para a formação de um conceito de risco na epidemiologia.

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A partir deste conceito a epidemiologia se libertará das constrições que a bacteriologia lhe impunha, gerenciando as incertezas dos aspectos infecciosos a partir de probabilidades estatísticas. "O conceito de risco encontra-se livre para delimitar um, e qualquer um, dos aspectos de interesse pragmático" (AYRES, 2002, p. 34). A partir deste momento, o potencial da epidemiologia do risco aumenta, possibilitando estabelecer relações pragmáticas entre diversas doenças, sem necessitar de um suporte bacteriológico para as relações prováveis que estabelece. Por outro lado, apesar da multiplicação de estudos que trabalham dentro do paradigma do risco, ocorre uma espécie de rarefação epistemológica da epidemiologia, que passa a delegar para outras ciências a função de estabelecer as relações explicativas das inferências propostas pelo paradigma do risco. Considero que os estudos que trabalham com os conceitos de risco, comportamento de risco, resiliência e vulnerabilidade têm suas raízes no mesmo modelo probabilístico de predição de comportamentos e controle de populações. Este tipo de abordagem feito pela psicologia será problematizado mais aprofundadamente nos capítulos seguintes.

2.1.2 Risco na contemporaneidade

A genealogia do risco nos oferece um olhar descritivo e analítico de como este conceito se tornou central da modernidade ao presente, constituído no interior de diversos saberes e vinculados a estratégias de poder. Assim, deve-se ter em conta que o discurso sobre o risco está atrelado ao que Foucault (1999, 2002a, 2008a, 2008b) denominou de biopoder, um conjunto de dispositivos que tem como alvo a população nos seus aspectos vitais, e estratégias de segurança que fazem parte de um conjunto de relações que foram construídas ao longo da história inaugurando uma nova forma de governamento por um ―processo através do qual o Estado de justiça da Idade Média, que se tornou nos séculos xv e xvi Estado administrativo (Disciplinar), foi pouco a pouco governamentalizado‖. (VEIGA-NETO; LOPES, 2007, p. 954). ―O que há de importante para nossa modernidade, isto é, para nossa atualidade, não é, portanto, a estatização da sociedade, mas o que chamaria de

‗governamentalização‗ do Estado‖ (FOUCAULT, 2008a, p. 144-145). Pode-se definir

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No decurso de um período histórico, que Foucault situa entre os séculos XVI e XVIII, estes três elementos mudaram o âmbito da arte da governação, sobretudo no que concerne às suas técnicas e seus fins. Foram constituídas novas e sofisticadas práticas de governo, em vários domínios, de forma a visarem a população, agora entendida como um objecto a necessitar de ser ordenado convenientemente. (MILITÃO, 2008, p. 5)

Assim, para se compreender a genealogia do risco tem que se ter em mente o processo longo, já descrito anteriormente, em que a população passa a ser alvo de um governo biopolítico que passa a ser estatizado, aliando-se nas práticas disciplinares já existentes vinculadas à medicina e outros saberes do campo social. Dessa forma, o governo se dá pela via do indivíduo e da população, intervindo concomitantemente em ambos.

No conceito de risco, pode-se perceber que a probabilidade de incidência de uma enfermidade está relacionada aos hábitos individuais e/ou ao meio em que a população está inserida, uma vez que estes aumentam a exposição a agentes nocivos. Desta forma, este conceito possibilita o agenciamento de duas formas diferentes de intervenção, uma com foco na população que busca regular a incidência de forma a normalizá-la, outra com foco no indivíduo com objetivo de normatizá-lo. É importante denotar que Foucault diferencia normalização da normatização, cada um fazendo parte de dispositivos diferentes com estratégias singulares. No primeiro caso, trata-se de considerar a população referenciada dentre outras populações. Ou seja, a mortalidade juvenil torna-se um problema na medida em que sua taxa é maior que na população adulta. Logo, o foco de uma intervenção estaria sobre a diminuição do numero de mortes de forma que se normalize dentro de níveis aceitáveis, cujo parâmetro é definido comparativamente. Por outro lado, a normatização está vinculada aos processos de disciplinarização em que o indivíduo é tomado como fora de uma normalidade pré-estabelecida e que tem como foco a transformação pedagógica de sua interioridade através do que Foucault (2006) denomina cuidado de si. Apesar de se constituírem por estratégias diferentes o biopoder e o poder disciplinar estão extremamente interligados. Quando se denomina uma população ―em risco‖, esquadrinha-se um perfil de sujeitos que pertencem a esse grupo, que podem ser individualizados e ―tratados‖ de sua anormalidade. Por outro lado, as alterações que se produzem nos indivíduos, irão ser referendas, em grande parte, se fizerem diferença no campo da população. É, ao mesmo tempo, uma tecnologia de governo totalizadora e individualizante.

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utilizado para designar ganhos ou perdas. Contudo, contemporaneamente, seu significado tem se restringido para apontar eventos indesejáveis que porventura possam ocorrer. Logo, os grupos considerados de ou em risco estão associados a situações de perigo seja para si ou para os outros.

Se tivermos em atenção as conceptualizações de Foucault sobre o governo, especialmente nos dois sentidos que se lhe atribuem – governo como experiência do ‗eu‗ e governo como problemática da ‗norma‗ – podemos compreender melhor as consequências políticas deste novo espaço do risco. Relativamente ao governo como experiência do ‗eu‗, a passagem da perigosidade ao risco implica duas consequências. Primeiro, a recodificação das distinções entre os incluídos e os marginalizados e as práticas subsequentes face aos marginalizados, quer de uma maior exclusão, quer de inclusão por meio de políticas específicas orientadas para a alteração de comportamentos desviantes. Segundo, a ênfase na responsabilidade pessoal relativamente a estilos de vida com consequências directas sobre a gestão social dos riscos. (MILITÃO, 2008, p. 6)

Assim institui-se paradoxalmente uma inclusão/exclusão por via de uma mesma estratégia. Se, por um lado, a classificação de sujeitos em risco busca a sua ―inclusão‖ pela via da normatização, por outro, exclui na medida em que impõe uma identidade incompatível com os desígnios de um ―bem-estar‖ social. Esta relação fica mais evidente quando se coloca, por exemplo, a questão de ―delinquência‖. Ao mesmo tempo em que se busca nas estratégias disciplinadoras a ―reintegração‖ social do sujeito autor de uma ilegalidade, há uma crescente visão negativa sendo construída em torno desta identidade, que busca a sua eliminação, seja pela exclusão do convívio social, ou pelo extermínio. Note-se que o termo inclusão está sendo utilizado somente como uma seletividade de indivíduos, por parte de uma política social, em um campo de intervenção. Esta diferenciação entre exclusão/inclusão serve somente para demonstrar políticas contrastantes que coexistem, as de extermínio e as de ―reintegração‖

social3.

Rose e Rabinow (2006) fazem alguns delineamentos do conceito de biopolítica de forma a torná-lo compreensível e delimitar os seus alcances. Se os pontos que os autores colocam forem analisados pode-se ter uma maior clareza da relação que há entre risco e biopolítica.

Segue a definição,

Um ou mais discursos de verdade sobre o caráter ‗vital‗ dos seres humanos, e um conjunto de autoridades consideradas competentes para falar aquela verdade. Estes discursos de verdade não podem ser ‗biológicos‗ no sentido contemporâneo da disciplina; por exemplo, eles podem hibridizar os estilos biológico e demográfico ou mesmo sociológico de pensamento, como nas relações contemporâneas de genômica e risco, unificadas na nova linguagem de suscetibilidade (RABINOW; ROSE, 2006, p. 29).

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Desta maneira, os discursos sobre o risco estão integrados a conjuntos discursivos que falam sobre a vida e modos de viver, através de saberes heterogêneos como o sociológico integrado ao modelo médico e biológico, construindo categorias como suscetibilidade, pré- disposição e exposição, por exemplo. O segundo elemento do conceito são as

Estratégias de intervenção sobre a existência coletiva em nome da vida e da morte, inicialmente endereçadas a populações que poderiam ou não ser territorializadas em termos de nação, sociedade ou comunidades pré-dadas, mas que também poderiam ser especificadas em termos de coletividades biossociais emergentes, algumas vezes especificadas em termos de categorias de raça, etnicidade, gênero ou religião, como nas formas recentemente surgidas de cidadania genética ou biológica (RABINOW; ROSE, 2006, p. 29).

A questão da vida e da morte é basilar para o conceito de biopolítica e diferencia aqueles discursos do risco que, embora possuam elementos em comum, se direcionam para uma predição no mundo dos negócios ou de ganhos ou perdas materiais, como é o caso dos seguros de carro, ou dos cálculos de risco vinculados a empresas que buscam uma

―segurança‖ em seus investimentos. Esta diferenciação é importante porque demonstra, ao mesmo tempo, a expansão e aplicabilidade do conceito, mas também define um campo específico, que são os riscos que engendram em modos de subjetivação através de políticas de governo de cada indivíduo sobre si e dos aparelhos de Estado e instituições anexas sobre a população. Além disso, toca no tema bastante relevante das diferentes populações que vão sendo desenhadas a partir de referenciais múltiplos. É um jogo de visibilidades que define elementos abstratos de categorização, partindo de referenciais normativos para esquadrinhar populações dentre populações. Tópico já bastante explorado anteriormente.

Por último, a biopolítica contemporânea tem como característica

Modos de subjetivação, através dos quais os indivíduos são levados a atuar sobre si próprios, sob certas formas de autoridade, em relação a discursos de verdade, por meio de práticas do self, em nome de sua própria vida ou saúde, de sua família ou de alguma outra coletividade, ou inclusive em nome da vida ou saúde da população como um todo - Rabinow tem examinado a formação de novas coletividades em termos de ‗biossocialidade‗, e Rose tem examinado a formação de tipos de sujeito em termos de ‗individualidade somática‗. (RABINOW; ROSE, 2006, p. 29).

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3. METODOLOGIA

3.1. Práticas Discursivas e Produção de Sentido

A pesquisa se utilizou da proposta de Mary Jane Spink (2000) como referencial teórico-metedológico que é denominado de práticas discursivas e produções de sentido. Além disso, utilizou-se da compreensão de outros autores para corroborar com a proposta epistemológica. O primeiro passo para se compreender o que significa o conceito de produção de sentido, é situá-lo em relação às outras orientações filosóficas no campo da lingüística. Isso porque o conceito traz implicações externas ao campo da linguagem levando a reflexão ao ponto de estabelecer um novo nexo entre o conhecimento e suas formas de produção. Contudo, longe de ser um histórico da lingüística, que fugiria completamente das pretensões deste tópico, o que pretendo fazer é trazer abstratamente algumas correntes filosóficas e suas características principais para contrapô-las à produção de sentido tal como Mary Jane Spink (2000), em diálogo com outros autores, a saber, Bakhtin (1997), Foucault (2002c) e Deleuze e Guatarri (1997) a concebem.

A primeira corrente que irei contrapor é a que Bakhtin (1997) chamou de objetivismo abstrato. O que o autor queria colocar em discussão ao analisar esta corrente era, exatamente, o fato de que a linguagem não deve ser considerada do ponto de vista de um conjunto de normas morfológicas e sintáticas. Não se pode considerar a língua somente da perspectiva que a tem como um fato dado, onde as palavras já possuem um significado prévio ao seu uso no cotidiano. Numa situação concreta, o locutor não se utiliza da linguagem a partir de uma lógica de suas construções normativas, mas parte de suas ―necessidades enunciativas concretas‖ (Idem, p. 92). O que caracteriza o enunciado é o fato de ele ocorrer em um determinado contexto de uma dada realidade histórico-cultural. Esse conceito será o ponto central da pesquisa do autor, que o formula como ―a unidade da comunicação verbal‖

exatamente para lhe imbuir de um caráter de objeto de estudo da lingüística e, do qual outros conceitos irão derivar.

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conhecimento numa relação direta entre sujeito e objeto. Contudo, segundo Foucault (2002c, p. 8),

[...] as práticas sociais podem chegar a engendrar novos domínios de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos do conhecimento. O próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto, ou, mais claramente, a própria verdade tem uma história.

Daí, pode-se extrair a idéia de que foi no interior das práticas sociais que se construiu esta noção da linguagem como representação da realidade exterior. A orientação filosófica de que pretendo partir concebe a linguagem como um produto da interação social, onde ―a linguagem não é estabelecida entre algo visto (ou sentido) e algo dito, mas vai sempre de um dizer a dizer‖ (DELEUZE; GUATARRI, 1997, p. 13) e, portanto, possui uma história. Essa característica do enunciado que Mary Jane Spink (2000, p. 46), inspirada em Bakhtin, chama de ―as várias vozes que compõem um enunciado‖, será explorada mais na frente no conceito de polifonia. Por hora gostaria de continuar minha exposição a respeito das correntes filosóficas para poder aprofundar mais a questão da linguagem enquanto interação verbal.

A segunda corrente, que Bakhtin (1997) denomina de subjetivismo individualista, trata a linguagem como produto de uma mente que interioriza a realidade exterior e que se utiliza da língua somente como forma de expressão dessa interioridade. Todavia, conforme discutia anteriormente, é somente no interior dos contextos que o enunciado assume seu significado, ou seja, ao discursar sobre um objeto o locutor é somente uma das várias vozes a enunciá-lo. Ao falar não se rompe uma eternidade de silêncio a respeito de um objeto, sendo este de caráter polissêmico (uma vez que o sentido é revestido pelo contexto) e polifônico (o embate de vozes que enunciam o objeto). Nesse sentido, "[as vozes] antecedem os enunciados fazendo-se neles presentes no momento de sua produção, tendo em vista que o próprio falante é sempre um respondente em maior ou menor grau". (SPINK, 2000, p. 46).

Isso quer dizer, em suma, que o locutor, ao produzir sentido, o faz segundo determinações do contexto em que emite um enunciado, antecipando, inclusive, uma resposta do ouvinte. O exemplo que Geertz (1989, p. 5) dá é ilustrativo:

(29)

de fato, comunicando de uma forma precisa e especial: (1) deliberadamente, (2) a alguém em particular, (3) transmitindo uma mensagem em particular, (4) de acordo com um código socialmente estabelecido e (5) sem o conhecimento dos demais companheiros.

Corroborando com esta visão de Bakhtin (1997), mas trazendo elementos novos, Deleuze e Guatarri (1997) apontam para uma dimensão da linguagem que está para além da sua função comunicativa. Segundo esses autores, a importância de um estudo da linguagem está nos pressupostos implícitos de um enunciado. Com isso, eles afirmam que a linguagem possui uma característica imanente a ela que é a de emitir palavras de ordem, ou seja, trazer junto aos enunciados transformações incorpóreas dos objetos de enunciação. Por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a adolescência vai de 12 aos 18 anos de idade. Imediatamente ao completar 18 anos, juridicamente, a pessoa deixa de ser adolescente para tornar-se adulto. Efetivamente, não houve alteração alguma do corpo-adolescente para o corpo-adulto, todavia, operou-se uma transformação incorpórea que, como conseqüência dessa transição, faz com que um conjunto de normas passe a funcionar em privilégio de outras que cessam seu vigor. Com isso, podemos tirar a conclusão de que ―[...] quando falamos, estamos invariavelmente realizando ações – acusando, perguntando, justificando etc. –

produzindo um jogo de posicionamentos com nossos interlocutores [...]‖ (SPINK, 2000, p. 47).

Contudo, os enunciados têm formas mais ou menos estáveis de se expressarem, é o que Bakhtin chama de gêneros do discurso e que pode ser compreendido através do exemplo anterior referente ao estatuto. As práticas jurídicas se constituem como gênero do discurso, uma vez que evocam enunciados estáveis.

Exposto os conceitos que fundamentam as práticas discursivas, podemos agora defini-la melhor a partir deles. As práticas discursivas serão, exatamente, as produções de sentido no interior das práticas sociais. Segundo Mary Jane Spink (2000, p. 45), ―podemos definir [...] práticas discursivas como linguagem em ação, isto é, a maneira a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais‖. Para tanto, é preciso que haja o que a autora chama de repertórios interpretativos, ou seja, construções histórico- culturais que determinam uma gama de possíveis produções a partir dos contextos e dos estilos gramaticais usados.

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sua problematização ―institui o dialogo entre sentidos novos e antigos‖. (SPINK, 2000, p. 49) Assim, esta visada para o tempo longo na produção de sentido permite inscrever a construção histórica de sentidos que se transformam culturalmente. Em outros termos, pode-se dizer que o tempo longo é o substrato que condiciona aquilo que pode ser dito e de que maneira o poder ser. Do ponto de vista desta pesquisa, seria a tentativa de analisar os processos históricos de formação discursiva e das práticas originadas em torno da questão do risco. Assim, a historicidade do risco se torna relevante na medida em que identifica e dá visibilidade aos processos que formaram o paradigma do risco contemporâneo e que garante a inteligibilidade das práticas que se utilizam do risco como conceito operador. Por outro lado, o tempo vivido se refere à dinâmica de produção de sentidos no interior de grupos sociais. São aquelas produções aprendidas no cotidiano e que se reproduzem no interior de uma cultura local, compartilhada. ―Trata-se de vozes situadas que povoam nossas práticas discursivas, sejam elas externalizadas ou não‖ (SPINK, 2000, p. 52). Pode-se compreender o conceito de sociabilidade, já mencionado alhures, desviando-se um pouco do sentido que a autora pretende, pensando este tempo como uma espécie de sociabilidade aprendida, ou seja, o conjunto de estratégias que produzem um sujeito (sujeito a) e que o constrange em identidades cristalizadas. Porém, é possível pensar na produção desta sujeição, desta experiência de si regulada pelos aparelhos disciplinares, através de uma segunda via que é própria de seu modo de funcionamento, a resistência que aponta sempre na direção de uma desterritorialização do poder que constrange esta experiência.

A luta por uma subjetividade moderna passa pela resistência de duas formas presentes de sujeição, a que consiste em nos individualizar com base em constrangimentos do poder, a outra atraindo cada indivíduo para uma conhecida e reconhecida identidade, fixada para todo o sempre. (DELEUZE, 1988, p. 106)

Por ultimo, há o tempo curto, a dialogia entre os diferentes repertórios concretizados nas relações cotidianas. Nas palavras de Spink (2000, p. 53), ―pauta-se, portanto, pela dialogia e pela concorrência de múltiplos repertórios que são utilizados para dar sentido as experiências humanas‖.

(31)

3.2. Caminhos Metodológicos

Esta pesquisa foi direcionada dentro de um referencial qualitativo em concordância com a teoria escolhida. Inicialmente, participariam da pesquisa somente jovens que responderam ao questionário da pesquisa ―Adolescência e Juventude: Situações de Risco e Redes de Proteção na Cidade de Fortaleza‖ que estivessem dentro de critérios que serão discutidos ulteriormente. Trata-se de um projeto de intercâmbio entre grupos de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFC, do qual faço parte, e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da UFRGS. O objetivo geral do estudo foi caracterizar o perfil biosociodemográfico de adolescentes e jovens de escolas públicas da cidade de Fortaleza. Utilizou-se de um questionário (ANEXO) com 76 perguntas objetivas e um item aberto, sendo aplicado em 1140 participantes de 14 a 24 anos, ambos os sexos e estudantes de escolas estaduais e municipais da capital.

Os sujeitos participantes do meu estudo de mestrado foram escolhidos após uma breve investigação preliminar tendo como base as respostas do questionário. As informações foram colhidas através do programa SPSS, no qual se encontram tabulados os dados da referida pesquisa. O critério de seleção foi feito a partir da questão 64 do questionário. Diz respeito ao envolvimento com situações ilegais. Apesar de o questionário abordar muitas outras questões que também podem ser considerados comportamentos de risco do ponto de vista da literatura acadêmica, a preferência por situações ilegais se insere em uma discussão específica presente no contexto da discussão de violência no Brasil. Como será explorado mais densamente nos próximos capítulos, a relação entre violência, risco e criminalidade, neste momento somente revelarei que parti da delimitação de um campo de estudo já presente no discurso científico que problematiza a violência entendendo-a como criminalidade. Deste modo a escolha da questão 64 entraria dentro deste tema específico que relaciona risco e criminalidade como ponto de questionamento.

Em um primeiro momento, selecionei os jovens que se encaixavam no perfil de idade definido (18 a 24 anos), tendo como base não a idade respondida na época da aplicação do questionário, mas a data de nascimento no momento da seleção dos casos. Os jovens foram previamente esclarecidos acerca da pesquisa e tiveram que ter acordado em participar da mesma.

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anos, não havendo possibilidade de sair desta faixa. A restrição ainda maior dos 18 aos 24 anos se justifica no fato de que, para estes jovens, não foi necessário recorrer aos pais para que pudessem participar, eles assinaram o termo de consentimento por conta própria. O tramite ético e burocrático para executar a pesquisa caso eu tentasse entrevistar jovens com até 18 anos incompletos poderia embargar o desenvolvimento e dificultar futuramente na viabilidade da mesma.

De um total de 1140 que responderam ao questionário 58 estavam dentro do perfil, isto é responderam afirmativamente à questão de corte (64) e estavam dentro da faixa etária definida (18 a 24 anos). Levando-se em conta a viabilidade e exeqüibilidade da pesquisa no tempo de realização do mestrado e para facilitar o acesso aos entrevistados, foram selecionados, como terceiro corte, aqueles que estudavam na mesma escola e que a escola apresentava maior número de pessoas dentro do perfil descrito anteriormente. Duas escolas foram as que tiveram a maior freqüência de jovens dentro do perfil, totalizando 12 jovens, 6 de cada escola. Embora temendo ter um número reduzido de participantes, com a possibilidade de evasão destes jovens da escola e com a desistência ou não adesão de participação na pesquisa durante o seu desenvolvimento, foi mantida esta primeira escolha como tentativa inicial de sustentação dos critérios.

Uma vez que entrei em contato com as escolas para fazer a pesquisa com os jovens percebi que aqueles que haviam sido selecionados, a maior parte deles, não se encontrava mais na escola, ou por evasão ou porque haviam concluído o terceiro ano. Assim, passei a revisar os critérios novamente. Desta vez, com a mesma faixa etária, modifiquei o critério da questão 64 e excluí a idéia de reduzir a pesquisa somente a duas escolas. Ao invés de selecionar todos os itens, coloquei um crivo maior para ter uma maior chance de encontrar outros jovens e que os selecionados tivessem incorrido em alguma situação ilegal grave. Considerei os que responderam aos itens da questão 63 (p) ou (q) (já estiveram em regime de internação total ou semiliberdade), e da 64 (d) ou (e) ou (f). Do item 64 (e), foram removidos aqueles que não viessem acompanhados de outros itens da questão 64 ou 63 (p) ou (q). A idéia, com esse novo critério, era retirar as possíveis ambigüidades deixadas pelo questionário e selecionar somente aqueles que tivessem algum tipo de envolvimento com situações ilegais.

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sentido de delimitar um conjunto de práticas consideradas de risco como assaltos, tráfico de drogas, roubo4. Roubo foi desconsiderado quando não acompanhado de outros itens da questão 64 ou 63 p ou q, porque quando o valor do objeto é insignificante (como houve um caso em que a pessoa escreveu na questão que havia roubado uma caneta), a tendência é que criminalmente, ou mesmo moralmente, tende-se a desconsiderá-lo como um ato grave. Assim, quando estivesse acompanhado de outros atos, possibilitaria a interpretação de que se tratava de comportamentos de risco. Vale ressaltar que todos estes critérios foram utilizados para coadunar com as pesquisas de risco somente naquilo que se refere à seleção dos casos (ou população) que são, geralmente, nelas abordados, e não por uma aproximação teórica. Como irei demonstrar durante a análise, os jovens que foram selecionados para a pesquisa a partir deste critério, não se encaixavam em nenhum perfil de risco mencionado anteriormente, o que é um dado extremamente relevante. Pelo contrário, a maior parte deles revelou um discurso negativo e formatado institucionalmente sobre estes tipos de atos.

Dos 17 jovens selecionados, após várias visitas às diferentes escolas das quais faziam parte, consegui entrevistar somente três deles. Alguns já haviam concluído o terceiro ano, outros tinham mudado de escola ou parado de ir e dois deles estavam presos, segundo alguns alunos me informaram. Assim, a estratégia para realizar novas entrevistas foi pedir a colaboração dos que participaram para que indicassem novas pessoas tendo em vista o tema tratado. O primeiro me informou que, quando foi chamado para participar, os seus colegas o recomendaram a não fazer, revelando um problema de inserção no campo. Como não estava presente no momento em que a coordenadora o chamou para participar da pesquisa, pois havia sido solicitado a esperar em uma sala, não tive acesso a como foi, ou sequer se foi, feita a explanação do assunto a ser abordado. Assim, ele preferiu não indicar outro aluno para ser entrevistado. Já o segundo e o terceiro participantes, indicaram outro aluno cada para serem entrevistados que, por sua vez, um deles indicou mais um, já o outro disse não conhecer ninguém para falar sobre o assunto. Interessante ressaltar que na escola em que realizei duas das entrevistas estavam previstos quatro dos sujeitos selecionados pelo critério do questionário, sendo que os dois casos de prisão mencionados anteriormente eram nesse local. Além disso, quando mencionei o nome dos que seriam entrevistados para a coordenara da escola, ela tomou a atitude de ir diretamente à sala de aula e os proclamou em voz alta, em seguida os alunos responderam ―é a polícia?‖. Este fator é relevante para contextualizar as

4 A discussão sobre risco e os atos supracitados serão aprofundadas nos próximos capítulos. Farei uma discussão

(34)

condições que ocorreram as entrevistas e revelar os percalços no desenvolvimento metodológico.

Não solicitei para que ela revelasse os nomes de tal forma, uma vez que já antecipava uma reação como a que ocorreu, porém, fugia do meu controle o modo como a coordenadora abordaria os alunos, pois não houve abertura para que eu tomasse a decisão de como me aproximar dos primeiros participantes. Contudo, nos casos seguintes em que os alunos foram entrevistados por indicação, tive a liberdade de explicar a pesquisa e seus objetivos buscando limitar a produção de expectativas sobre o assunto. Porém, as falas acabaram se direcionando dentro das expectativas geradas institucionalmente, talvez pelo modo como foram abordados.

Foram realizadas seis entrevistas ao todo, onde cinco estudantes eram do sexo masculino e uma do sexo feminino. As entrevistas foram realizadas em duas escolas diferentes, sendo que cinco dos entrevistados eram da mesma escola. Vale salientar que, mesmo com a mudança no processo seletivo dos entrevistados, todos aqueles que foram selecionados haviam respondido ao questionário que foi utilizado como critério de corte.

A designação dos entrevistados foi feita pela correspondência à pasta e número que a entrevista ocupou no gravador que as organizou em categorias alfa numéricas. Apresento no quadro abaixo para dar maior clareza quando forem referidas nos excertos de falas que aparecem nos capítulos seguintes.

Código da

Entrevista

Sexo Idade Escola

A7 Feminino 19 anos Escola 1

B4 Masculino 18 anos Escola 2

B5 Masculino 19 anos Escola 1

S2 Masculino 21 anos Escola 1

S3 Masculino 20 anos Escola 1

S4 Masculino 20 anos Escola 1

Esta lógica foi utilizada para facilitar a minha lembrança de qual entrevista estarei me referindo ao longo da dissertação, uma vez que ela foi implementada tanto na transcrição como nos mapas de associação de idéias, que serão descritos posteriormente.

(35)

permitiu o acesso aos discursos em uma perspectiva de um tempo curto, um discurso em produção e negociação de sentido, trazendo a tona, ao mesmo tempo, o tempo longo, ou seja, os constrangimentos do que é possível dizer, e o tempo vivido, a constituição de uma experiência de si no interior das práticas discursivas do risco.

Embora a busca inicialmente fosse por discursos que não corroborassem com uma moralização do risco, a maior parte das falas dos entrevistados entrava em uma lógica pré- formatada, ou seja, dentro daquelas concepções divulgadas pelas instituições como família, escola, políticas públicas, etc. O principal fator para que isto tenha ocorrido considero ser a metodologia aplicada e o modo de inserção. Uma vez que as entrevistas ocorreram dentro das escolas e o assunto tratado era sob o signo do risco, acredito que houve uma expectativa dos jovens em revelar aquelas vozes que eles consideraram como corretas. Esta expectativa pode ter sido gerada, também, por conta do questionário utilizado, que possuía uma lógica normativa do risco e pode ter sido percebida pelos jovens entrevistados. Assim, o questionário aparece como uma voz presente tanto na minha fala (observar roteiro no APÊNDICE A), como na dos jovens. Dentro da perspectiva das práticas discursivas, o não dito, o contexto em que as falas se inseriam, também faz parte da formatação de um discurso. Assim, os jovens me disseram, provavelmente, aquilo que, na expectativa deles, seria o que eu ―gostaria‖ de ouvir. Antecipando as vozes que poderiam se efetivar da minha parte, uma moralização do discurso sobre o risco, as falas acabaram se direcionando sempre por uma impessoalidade e negatividade. Em poucos momentos se revelaram as vozes que possivelmente seriam direcionadas aos seus pares. Trato esta questão como uma carência de inserção em campo, que poderia ter construído uma relação mais próxima com os jovens e diferenciada de uma expectativa moral, possibilitando uma conversa em que se revelassem os discursos contraditórios ao paradigma do risco.

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