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Trabalhei durante todo este tempo tentando demonstrar as raízes do pensamento contemporâneo sobre o risco a partir do referencial teórico de Foucault. Busquei entender como este conceito articula discursos que se voltam para o controle dos indivíduos e das populações. Em seguida, busquei compreender as concepções dos jovens sobre o risco, em que apareceram prioritariamente o crime e as drogas. Com base nestes pontos construí considerações, a partir das falas dos jovens, sobre o que está em jogo quando alguém apresenta os citados comportamentos considerados de risco. Ou seja, busquei elucidar como são produzidos os valores morais que possibilitam a aderência de determinados jovens em comportamentos que são considerados de risco. Por último, observei como os jovens constroem os seus discursos a partir de construções discursivas presentes na maior parte das instituições que tem grande relevância na produção de modos de existir destes jovens. No discurso dos jovens, o meio apareceu como um lugar de perigo que instiga os jovens a ―entrarem no mundo do crime‖. A família como o núcleo socializador cuja responsabilidade recairá no caso de um desvio moral. A escola e o trabalho são abordados como as modalidades institucionais capazes de oferecer um socialização ―correta‖. A religião aparece como um mecanismo capaz de ―converter‖ os jovens moldando as subjetividades de acordo com narrativas de si que delimitam o ―certo‖ e o ―errado‖. O discurso que naturaliza o risco como característica de uma determinada identidade, seja de gênero ou de maturação biológica, se fez presente na fala dos jovens. Foi extremamente interessante como o discurso moralizador apareceu exatamente no momento em que o signo risco se fez presente. Revela a consolidação do sentido negativo do risco como algo a ser evitado.

Há, portanto, uma questão que precisa se considerar, como pensar intervenções sobre aquilo que é colocado risco sem moralizar o assunto, ou seja, buscar articulações que apresentem alternativas não normativas sobre esse tema. Digo isto porque grande parte das intervenções acabam por afastar aquelas populações que são alvos dessas políticas ,principalmente por uma não compreensão por parte daqueles que intervêm, das múltiplas possibilidades de se construir modos de existir. Quando discuti no capítulo anterior os referenciais de moralidades que os jovens constroem para se envolver com atividades consideradas de risco, quis demonstrar que saber que algo é um risco não significa que isso, em si, impossibilitará que alguém apresente estes comportamentos. A maior parte das vezes, a idéia de risco não entra como elemento organizador da subjetividade desses jovens. Desta forma, como se pode pensar questões relativas ao envolvimento com drogas ou com crime,

sem pressupor que esses jovens estão desviando de uma socialização originária por um desvirtuamento da família, do meio, etc? Entendo que se esses jovens se envolvem com estas atividades não é por conta de um desvio, mas porque, conforme demonstrei, existe uma produção de subjetividade que os coloca dentro de referenciais que valorizam atividades que, para as políticas governamentalizadas, são significadas como risco.

Uma outra observação que gostaria de contemplar é que no momento inicial da pesquisa buscava extrair do discurso dos jovens as possibilidades de resistência para uma normatividade do risco. Considero que esta visão se tornou um pouco romantizada e que a própria pesquisa empírica se encarregou de desconstruí-la. Percebi que os jovens são cooptados pelo discurso político do risco moralizando este tema, sendo o discurso normativo absorvido total ou parcialmente, construindo modos de existir que minam possibilidades de resistir. Assim, o tema da resistência apareceu somente perifericamente, uma vez que preferi evidenciar a complexidade das relações que engendram em práticas discursivas que incorporam os valores morais do discurso acadêmico do risco.

Este trabalho busca enfocar a necessidade de uma maior relativização dos discursos padronizados sobre o risco, possibilitando a germinação de políticas que realmente dêem conta das complexidades que sustentam a produção de subjetividade destes jovens. Por exemplo, as políticas que buscam intervir sobre o controle do sexo, criando a modalidade de um sexo seguro, geralmente desconsideram a característica do prazer sexual ao se fazer sexo sem camisinha. Assim, o que estou colocando aqui é a idéia de um diálogo que leve em consideração todos os elementos que produzem determinados tipos de práticas, levando em conta os sentidos produzidos sobre os comportamentos de risco por aqueles que se envolvem. O risco não se coloca como um sentido de verdade superior a todos os outros, e, portanto, deve ser pensado sempre dialogicamente com os atores que constroem suas próprias referências morais sobre as situações em questão.

Apesar de ter, de certo modo, conseguido abordar a questão do risco sob diferentes aspectos nos discursos dos jovens, considero que poderia ter tido uma inserção maior em campo de forma que pudesse acessar discursos que não são facilmente expressos dentro de contextos de formalidade como de uma entrevista, Além disso, o fato de ter feito as entrevistas no ambiente escolar também pode ter influenciado as falas dos participantes de forma a moralizar os riscos. Assim, considero que para aprofundar o tema seria necessário uma inserção mais prolongada e talvez em um ambiente menos carregado da cultura institucionalizada como a escola, que pode ser considerado em um futuro estudo. Além disso,

considero que o modo pelo qual foram selecionados os participantes não possibilitou ter acesso aos jovens que incorriam nas atividades de risco abordadas durante a pesquisa, o crime e o uso de drogas. Se tinham alguma participação nestes tipos de atividades acabaram por silenciar este aspecto o que demonstraria, mais uma vez, a falta de um vínculo construído com os participantes. Assim, considero que este tema poderá ser melhor explorado futuramente elegendo uma outra metodologia que possibilite ter acesso a informações mais densas.

De todo modo, a principal contribuição que é possível vislumbrar com este estudo foi compreender no discurso dos jovens a necessidade de estarmos atentos aos diferentes modos de perceber as práticas sociais que vivenciam, independentemente de serem atribuídas a elas uma conotação de risco, Disto decorre, em primeiro lugar, uma atitude de desconfiança ou suspeição acerca de pressuposições quanto ao tema do risco; em segundo, o que pode parecer óbvio, mas que é em geral negligenciado, o entendimento de que é na aproximação com os jovens que se tem acesso aos seus interesses e necessidades; e, por conseguinte, que pensar políticas voltadas para a juventude exige o diálogo e a sintonia com os atores diretamente envolvidos, sem o que podem e, muitas vezes é o que se observa, tornar-se inócuas, sem efetividade.

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