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Iniciarei a segunda parte da análise com uma pergunta simples, mas que é paradigmática para compreender os elementos constituintes das relações entre vulnerabilidade, resiliência, fatores de risco e fatores de proteção. ―O que contribui para que certas pessoas resistam, lutem sem perder a dignidade, sua capacidade de serem saudáveis?‖ (DELL‗AGLIO et al, 2006, p.12). Esta pergunta poderia, também, ser formulada pela sua via negativa, o que contribui para que as pessoas sucumbam, percam sua dignidade, adoeçam? O que pretendo colocar com estes exemplos é a racionalidade que possibilitou o advento de um estudo do risco pensado nos termos dos quatro conceitos mencionados. Estes conceitos aparecem de forma articulada nos estudos que tratam de jovens e situação ou comportamento de risco, o que configura a sua importancia nas analises que estou realizando, alem de auxiliar na categorização construída nos mapas de associação de idéias, a saber, família, influência dos amigos/comunidade, religião, trabalho, escola e identidades.

As pesquisas que se utilizam dos quatro conceitos mencionados geralmente se esforçam para estabelecer o que influencia as pessoas a ter determinados comportamentos mesmo em situações parecidas. Assim, geralmente estas categorias utilizadas nos mapas são vistas como fatores de risco ou proteção e resiliência ou vulnerabilidade. Mas em que consistem estes conceitos?

Buscarei abordar a lógica que possibilitou a construção de tais conceitos, ao invés de buscar uma definição para eles. Considerando-se um estudo hipotético X que relaciona uma variável A com outra B, e que revela uma correlação positiva entre os dois fatores. A tradução desta correlação seria dizer que há uma grande probabilidade que os dois eventos não sejam dados ao acaso e que, quando um está presente, o outro provavelmente também estará. Assim, a partir dessa pequena visualização podemos elucubrar as condições de possibilidade para o surgimento das indagações formuladas no parágrafo anterior. Se não é possível por meio da estatística formular as questões a partir de uma causalidade, como, então, explicar porque alguns indivíduos mesmo em condições A, não incorrem em B? A via da explicação que traz os conceitos de vulnerabilidade, resiliência, risco e proteção tem a intenção de dar conta desta dinâmica.

Em primeiro lugar, acho necessário primeiro discutir porque determinados fatores são colocados como elementos de risco. O que torna algo um risco? Se do ponto de vista

estatístico o risco é somente uma variável probabilística, os estudos que se utilizam do termo na psicologia o fazem a partir de outro viés, aquilo que é considerado como risco, é evidenciado como algo perigoso ou não saudável. Trago alguns exemplos:

1) ―A expressão comportamento de risco pode ser definida como participação em atividades que possam comprometer a saúde física e mental do adolescente‖ (FEIJÓ; 2001, p. 125).

2) ―Risco está associado às características ou aos eventos que podem levar a resultados ineficazes, enfraquecendo a pessoa diante da situação de estresse‖ (ANTONI; KOLLER, 2001, s/p).

3)

Os fatores de risco são condições ou variáveis que estão associadas à alta probabilidade de ocorrência de resultados negativos ou indesejáveis ao desenvolvimento humano, sendo que dentre tais fatores encontram-se os comportamentos que podem comprometer a saúde, o bem-estar ou o desempenho social do indivíduo (GALLO; WILLIANS, 2005,p. 83)

Na epidemiologia este conceito foi bastante articulador para se conseguir pensar quais as probabilidades de uma doença, em determinadas condições, deflagrar em epidemias. No entanto, no campo da psicologia, não se está lidando com doenças da mesma ordem. Além disso, lembro que a epidemiologia estatística delegou à bacteriologia o dever epistemológico de consolidar os eventos prováveis em estudos empíricos. Assim, o que a psicologia aborda como sendo algo de risco? Qual a validade epistemológica de valores transcendentes, ou mesmo vagos, como bem-estar ou desenvolvimento saudável?

O termo "risco" tende [...], em muitos contextos, a tornar-se sinônimo de perigo ou de situações de grande perigo. Fala-se, assim, de situações ou, ainda pior, de pessoas em risco para significar situações e pessoas para as quais se prevê, com grande probabilidade, a ocorrência de eventos negativos. (MENDOLA, 2005, p.60)

Parece-me que a psicologia incorporou valores sociais normativos que denominou como risco, quando se referiam a eles em um nível estatístico, e vulnerabilidade, quando se referiam ao indivíduo. Do outro lado do pólo da relação, a lógica permanece. Aqueles valores considerados moralmente como positivos seriam fatores de proteção nos estudos estatísticos, e seriam resiliência, quando levados do ponto de vista individual. Ainda que as pesquisa sobre risco considerem que um mesmo fator pode ser simultaneamente protetivo e de risco, ou de vulnerabilidade e resiliência. Sendo assim, como definir em um caso individual, ou em um nível populacional, a sua função? O que enxergo é uma relação que permuta uma relação quadrangular entre estes elementos. Se, por exemplo, um valor considerado negativamente

(vale ressaltar que este modelo irá sempre preconizar algum valor a priori), como a ―delinquência‖ for colocado em questão, irá se buscar na biografia do indivíduo aqueles fatores de risco existentes e, por outro lado, os fatores de proteção ausentes ou insuficientes. E do ponto de vista individual, aquelas características de sua personalidade superadoras dessa condição e aquelas que sucumbem. Conclui-se que só se poderá definir a força vetorial dessa relação quadrangular pós-facto, quando se analisa um caso empírico de um jovem que se ―delinquenciou‖ ou não.

Assim, uma vez construída a referência de um determinado risco, como o anteriormente utilizado, a ―delinquência‖, buscar-se-á os fatores para o envolvimento com comportamentos de risco, a família, a escola, etc. Os estudos que seguem com esse direcionamento tentam apontar as regularidades da presença de determinados fatores para determinar uma maior probabilidade de incorrer em um risco caso o indivíduo se apresente nesta situação. Porém, mesmo com a regularidade, aqueles que fogem da normalidade estatística irão colocar em xeque este tipo de racionalidade. A alternativa que eles encontram é buscar na história individual razões para que determinados grupos não se envolvam mesmo que em situação de risco. Pode-se concluir, então, que o conceito de situação de risco, entendido dentro do campo de pesquisas da psicologia, tem dois suportes. O primeiro são as regularidades em um nível estatístico entre duas situações. O segundo são as referências morais que enviesam estes discursos, afinal a seletividade dos riscos nessas pesquisas estão implícitas e podem ser visualizadas quando observadas com profundidade. Falo em seletividade porque a busca por correlações não é feita ao caso e sim por uma escolha teórica que se fundamenta em preceitos pré-estabelecidos. Daí a constância dos temas das pesquisas que buscam, por exemplo, regularidades no envolvimento com violência e a pobreza, como já discuti anteriormente. ―O espectro de riscos é bastante amplo. Todavia, vamos restringir o escopo deste artigo a populações que apresentam, entre outros, um fator de risco universal: a miséria‖ (HUTZ; KOLLER, 1996, p. 178).

A indagação inicial ―porque alguns se envolvem em situações de risco e outros não, mesmo em situações parecidas?‖, é, portanto, carregada de discursos implícitos que envolvem probabilidade e preceitos morais, conforme demonstrei. Partem de uma expectativa negativa sobre o risco que o entendem como perigo (para a saúde, para o desenvolvimento, etc).

Não acredito que tenha sido por acaso que quando perguntados sobre por que alguém tem um determinado comportamento mesmo sabendo que é um risco, os jovens

pesquisados entraram nos discursos institucionais que buscam dar explicações para estes envolvimentos. Vale ressaltar que este tipo de pergunta pressupõe o risco como organizador da subjetividade, como se saber que algo pode ter consequências negativas fosse o suficiente para coibir determinados comportamentos. Além disso, acabam por não dialogar com as outras moralidades que constituem as subjetividades e que disputam o poder de verdade sobre determinados atos. O capítulo anterior buscou demonstrar como os jovens entendiam o risco, que acabou por ser definido primordialmente como crime e drogas. Também foi possível compreender através de seus discursos aqueles referentes morais que produzem as subjetividades dos jovens que se envolvem com estes riscos.

Foi extremamente interessante como as respostas dos jovens se articularam de modo diferente quando perguntados diretamente por que alguém se envolve ou não nestes riscos. Quando indagados para dar respostas a esta pergunta, mudaram seus discursos, que antes se focavam em demonstrar as relações positivas que conquistavam muitos jovens a se ―envolver‖ com o crime e com drogas, e passaram a construir seus discursos pela negativização utilizando as categorias descritas nos mapas de associação de idéias. Porém, em alguns momentos os pesquisados tinham dificuldade em articular o porquê do envolvimento de alguns jovens em situações consideradas de risco. Acredito que isto revela que eles anteviram a complexidade do tema observando a multiplicidade de fatores que concorrem para produzir modos de existir, sendo o risco, na maioria das vezes, nem mesmo levado em conta como organizador da subjetividade. A7 expressa muito claramente a dificuldade responder a pergunta de por que alguém se envolve ao considerar uma hipótese e, na mesma construção discursiva, desfazê-la.

É uma pergunta difícil isso dai né. Porque acho que seria mais fácil responder uma pessoa que já foi envolvida com isso, uma pessoa que já passou por essa situação. Eu não sei o que passa pela cabeça deles pra eles se envolverem. Porque tem pessoas que a família dá de tudo. Tem tudo que merece e ainda se envolve com isso. Ai o que é que

nós vamos pensar disso?‖ (A7).

Pressupõe a família como fator e logo em seguida reconsidera a hipótese. Depois reconsidera também a questão da pobreza. ―Tanto filhinho de papai que tem morrido por causa que usa droga. E tem tudo. Por que ele se envolve com isso?‖ (A7) O mesmo acontece com S2 ao pensar o fator família. ―Assim, falta de conselho, né? A família... Não, falta de conselho não. Porque a família diz, né? Explica pra eles o que é o bem e o que é o mal, né? Aí.. Sei lá... Sei não ó‖.(S2) Com isso, quis observar como os próprios jovens entendem que o

envolvimento ou não é uma questão mais complexa que não pode ser abordada simplesmente buscando razões causais para entender comportamentos de risco. É exatamente neste ponto que se torna possível pensar a resistência. Segundo Foucault (1995, p. 234-235), a resistência pode ser entendida como lutas cujo objetivo

[...] são os efeitos de poder enquanto tal. [...] São lutas que questionam o estatuto do indivíduo: por um lado afirmam o direito de ser diferente e enfatizam tudo aquilo que torna os indivíduos verdadeiramente individuais. Por outro lado, atacam tudo aquilo que separa o indivíduo, que quebra sua relação com os outros, fragmenta a vida comunitária, força o indivíduo a se voltar para si mesmo e o liga a sua própria identidade de um modo coercitivo‖.

Diante do que foi exposto, a moralidade do risco parece não entrar em questão para aqueles que apresentam algum comportamento supostamente de risco. Sendo assim, acabam se entregando a esses comportamentos dentro de um modelo que Breton chama de

blancheur. ―[...] o risco é ativamente buscado - com a atração direcionada para o menos e não

para o mais: longe de provocar [desafiar] a morte, há um doce abandono a ela por meio do álcool, da droga, da fuga ou da vagabundagem‖. Ou seja, uma entrega total aos perigos inerentes aos comportamentos considerados de risco que, apesar de promoverem uma resistência na medida em que transgridem os referentes morais que absolutizam os valores sobre a vida e os modos de viver, por outro acabam se entregando a outras modalidades de poder que também possuem suas verdades e solidificações nas possibilidades de existir. Foucault (1995, p. 234) afirma que essas lutas são imediatas, pois

[...] em tais lutas, criticam-se as instâncias de poder que lhe são mais próximas, aquelas que exercem sua ações sobre os indivíduos. Elas não objetivam o ‗inimigo mor‗, mas o inimigo imediato. Nem esperam encontrar uma solução para seus problemas no futuro (isto é, liberações, revoluções, fim da luta de classes).

Sendo assim, entendo que resistir, neste contexto está simplesmente no ato de problematizar as condições atuais que produzem modelos de masculinidade, jovialidade, consumismo, dentre outros. Como demonstrarei a seguir, os jovens que foram entrevistados resistem a estes tipos de modelo, porém entrando também em um discurso moralizador. Mesmo que, como demonstrado anteriormente, ainda haja espaço para questionamentos dos modelos de interpretação que buscam compreender os comportamentos de risco, considero que boa parte dos jovens reproduziram os modelos normativos que consideram o risco como um desvio de uma socialização.

A seguir, tentarei descrever cada categoria buscando formular porque estas são vistas como influenciando o envolvimento com situações de risco. A partir daí poderá se ter uma leitura sobre quais as expectativas morais que estão em jogo ao se relacionar o risco de se

envolver com crime e droga com família, religião, influência dos amigos/comunidade, trabalho, escola e identidade.

5.1 Influência dos amigos/comunidade

Lembrando a citação de Frost no capítulo sobre risco, entende-se este conceito como a probabilidade de exposição a um agente causador de uma doença. Assim, definir a categoria como influência permitiu traçar as relações entre os discursos dos jovens e a característica da exposição presente nos discursos do risco. Porém, aqui não se trata de exposição ao agente causador de uma doença, mas de um preceito que define ―boas‖ e ―más‖ companhias, onde os jovens definem a influência e a presença constante e cotidiana dos riscos. ―Eu vejo assim, por exemplo, um adolescente de dez, doze anos, ele sai com um adolescente que já usa drogas e ai, vai usar. Então, influencia ele a usar. Não tem aquele ditado, me digas com que andas, né?‖ (A7). A idéia de exposição pode ser vista com clareza na fala dos seguintes jovens. ―É o ambiente que vive. Porque você mora na favela e vê disso todo dia, aí você vê um vagabundo, que tem varias mulheres ao redor, tem muito dinheiro, tem carro, tem moto. Aí, começa a ficar legal pra quem tá de fora‖. (S3)

B4: Porque minha casa era aluguel ne. Eu tenho minha casa própria, mas minha mãe resolveu sair da rua que a gente morava. Assuntos familiares. E aí a gente passou dois anos morando de aluguel, que foram nesses bairros que eu falei. E foram piores. Porque o problema familiar ficou até pior. Porque nosso problema familiar é droga. Tem um usuário dentro de casa. E minha mãe pensou em coibir isso, né? Tentar melhorar, mudando de bairro. Para ver se melhorava. E piorou. Porque os bairros que a gente escolhia eram piores.

A: Tinha mais acesso ainda?

B4: Tinha mais acesso ainda. Aí, ela com medo de proliferar na família, porque eu sou novo ainda, ela resolveu voltar pra casa própria. Porque lá a gente já conquistou respeito do.. dos marginais, digamos assim. E eu não sou aliciado, de jeito nenhum. Agora eu acho que se eu fosse para um bairro novo, por não conhecer o pessoal, eu poderia ser aliciado a qualquer momento.

De certa forma, todas as categorias irão se relacionar com a idéia de meio, afinal tende-se a entender a socialização destes jovens a partir das instituições pelas quais eles passam, seja a família, o trabalho, a escola, dentre outros. Assim, entendendo a

individualidade como aprendida no meio social ou de origem genética16, essas concepções dotam a constituição do sujeito como causa de um envolvimento em um risco. Técnicas de disciplinamento são orientadas no sentido de uma reparação da constituição psíquica. Isto porque nas concepções de risco está pressuposto o desvio de uma socialização originária, trazendo consigo o corolário de uma prática corretiva que busca o momento anterior ao desvio17. As variações dessa concepção estarão exatamente no milieu no qual o sujeito foi constituído. A família, o trabalho, a escola, a comunidade, a religião, são colocados como co- responsáveis, seja pela sua ausência, pela capacidade corruptora ou pela sua ineficácia pedagógica. Assim, as políticas que buscam intervir nos comportamentos de risco tentam modificar o meio social dos indivíduos, alterando a presença e ausência dos elementos mencionados, visando uma reparação moral da constituição subjetiva dos jovens em risco.

Os relatos dos jovens entrevistados tendem a ver a influência e, portanto, o meio ou comunidade como influenciando a entrada dos jovens em comportamentos de risco. ―Acho que influência conta muito.‖(B4) ―Os parceiros desses caras que chamam, ‗ei, vamo aculá fumar um‗. E as vezes a pessoas sabe que ta fazendo mal. ‗Diabo é isso, tá com medo, é?‗. (S2)

Na fala de B5, por outro lado, a influência aparece formatada sob o discurso do controle familiar de afastamento de determinados males.

Eu via, assim, que eu chamava de amigo e via o pessoal fumando, o pessoal bebendo e pensava, poxa, a galera ai ta se divertindo, eu vou atrás também. Aí a mãe dizia, você não vai e tal, e eu não, não interessa. Minha vontade tinha que ser feita. Eu me baseava naquilo que eu via. A gente vê tanto repetidamente, que acaba achando que é bacana. (B5)

Este jovem teve um discurso bastante interessante que demonstrou por diversas vezes a concorrência que fazia discursivamente entre sua vontade e a vontade familiar, aparecendo as duas vozes com uma ambivalência se fazendo presente. Ao mesmo tempo em que entende estes comportamentos como prazeroso, as vozes familiares e religiosas coíbem definindo-os como algo ruím.

16 Estou colocando aqui genético não só como genética biológica, mas também como as cristalizações

identitárias que se fazem dos indivíduos.

17 Demonstrarei como em cada uma das concepções que serão abordadas está pressuposto uma forma ideal de

5.2 Família

Mas também tem a base familiar. A estrutura familiar da minha casa é abalada. Sabe, que a gente não tem, como é que eu poderia dizer? Não tem um pai. Uma imagem masculina que a gente possa se espelhar. O homem que tem dentro de casa é um alcoólatra. (B4).

Porque tem famílias tradicionais e famílias perdidas, digamos assim.(B4).

As duas falas acima possuem um elemento comum, conceber tipos de famílias diferentes a partir de expectativas sobre o que deve ser uma família. Nos discursos construídos sobre a família, não exclusivamente nos jovens pesquisados, mas, de uma forma mais geral, no imaginário social, o núcleo familiar é visto como a estrutura organizadora e fundante da sociedade. Um elemento comum entre os estudos que buscam compreender a origem dessas concepções que entendem a família a partir de um núcleo organizado e fundador do indivíduo são a concomitância das modificações que ocorrem no sentido de família e as transições que deflagraram no que se chama de modernidade (a partir do século XVIII).

O desenvolvimento desse sentido de família determina a necessidade de proteção ao corpo da criança, função diretamente ligada a dimensões absolutamente estruturadoras da experiência moderna. Tem-se a família como instituição ou dispositivo de construção e afirmação da vida íntima, logo, da dimensão privada, aliás, dimensão paradigmática da configuração moderna caracterizada pela construção de esferas distintas da vida social, isto é, do público e do privado. Assim, a esfera íntima, o domínio do privado, e afirmativa do indivíduo e da autonomia das esferas da vida social, aspecto absolutamente característico da modernidade, depende da transformação da família em um ―meio físico denso, saturado, permanente‖ para que possa forjar a diferenciação entre os espaços e constituir o indivíduo enquanto sujeito social. (MAZULO, 2005, 39-40)

Assim, a família passa a ser concebida como responsável e estruturante da organização entre público e privado, além de ser responsável pela socialização do indivíduo moderno. Entendendo como surge a concepção da família como núcleo socializador, a fala de B4 passa a ser contextualizada por compreender este aspecto. ―Então, tendo um pai ou uma mãe que lhe guie, eu acho que ele já vai esclarecer muitas dúvidas. Do que usar ou não usar. Do que fazer ou não fazer‖ (B4). Sua expectativa em relação ao que deve ser uma família passa a ser definida pelo termo de estruturação, que tem implícito o valor de uma família nuclear. Uma vez que não cumpre seu papel socializador pela via do exemplo, passa a ser entendida como desestruturada. O discurso de uma família ―perdida‖ deixa bem evidente

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