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Vinha falando do conceito de risco de uma forma geral, abordando sua relação com o conceito de biopolítica e a governamentalização pela qual passou sua administração. Porém, para delinear com maior precisão os focos deste trabalho irei depurar o tema em um campo específico. Em primeiro lugar, a partir do que já foi exposto, torna-se necessário precisar que população específica tematizarei a partir daqui e quais são os tipos de riscos associados a ela.

Tomando como ponto de partida os elementos que Rabinow e Rose (2006) preconizaram como sendo características do biopoder, principalmente o que se refere à construção de ―coletividades bioemergentes‖, a juventude seria exatamente este conjunto populacional demarcado por uma faixa etária. Muitos dos estudos que falam sobre juventude não discorrem sobre o conceito para além desta demarcação. Apesar de existirem conjuntos de saberes que constituem uma juventude e que o fazem pela via psicológica desenvolvimentista, o mais interessante nos trabalhos sobre essa população não é a falta de um conceito, ou uma construção teórica universalista do que seria a juventude, mas o que de fato chama atenção, pelo menos nos trabalhos que focam a questão do risco, são as associações que se fazem entre risco e juventude.

A maior parte desses projetos destina-se a prestar atendimento para adolescentes em situação de ―desvantagem social‖ (adolescentes carentes é o termo mais usado, visando adolescentes de família com baixa renda ou de ―comunidades pobres‖) ou de ―risco‖, termo muito empregado para designar adolescentes que vivem fora das unidades familiares (os ―meninos de rua‖), adolescentes submetidos à exploração sexual, ou aqueles envolvidos com o consumo ou o tráfico de drogas, em atos de delinqüência etc. (ABRAMO, 1997, p. 26)

Assim, a lógica da qual partem estes estudos entende que a juventude é ―um processo de desenvolvimento social e pessoal de capacidades e ajuste aos papéis adultos‖, e por isso, a maior parte destas produções problematizam o jovem e seus comportamentos a partir da ineficácia de sua adaptação social.

Abramo desenvolve brevemente as concepções de juventude que foram construídas no Brasil desde a década de 50. Apesar da autora não se utilizar dos referenciais teóricos que foram explorados em minha pesquisa até agora, tentarei compreender a elaboração que ela faz sobre juventude como uma rede discursiva que constrói identidades sobre o que é ser jovem e elaboram um extensivo repertório que problematiza a juventude como ―problema social‖. Assim, pode-se entender que historicamente já estavam presentes as bases para se pensar a juventude dentro da perspectiva do risco, afinal os jovens se apresentavam nesses discursos como perigo para si ou para a sociedade.

Essas construções tentam basilar intervenções que modifiquem os comportamentos dos jovens ou o meio em que estão inseridos. Waiselfisz (2011, p.18), por exemplo, elabora um extenso trabalho fundamentado na seguinte argumentação:

Estudos históricos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro mostram que as epidemias e doenças infecciosas – as principais causas de morte entre os jovens há cinco ou seis décadas –, foram progressivamente substituídas pelas denominadas ―causas externas‖ de mortalidade, principalmente, acidentes de trânsito e homicídios.

Se a finitude é algo que escapa qualquer estratégia de poder, afinal todos morreremos algum dia, o fato de se problematizar diferentes tipos de morte revela um investimento do poder naquilo que se considera evitável. Há um gradiente judicativo entre as diferentes formas de se morrer que define sua aceitabilidade. A idéia de que comportamentos de risco aumentam a probabilidade das mortes por causas externas (acidentes de trânsito, suicídio e homicídio) revelam uma necessidade de controle daquilo que se morre, ou seja, controlar como se vive para que não morra. E mais uma vez vemos os mecanismos de segurança atuando no sentido de uma normalização. Na tabela abaixo, podemos visualizar a comparação que o autor faz entre mortes naturais e mortes por causas externas (violentas) entre jovens e não jovens.

1. Causas de mortalidade Jovem e não jovem

Fonte: WAISELFISZ, 2011, p. 19

Essas políticas construirão modos de subjetivação em que os sujeitos serão delegados a realizar modificações de si mesmo em nome de referentes como saúde, bem-estar, desenvolvimento pleno, dentre outros. As práticas de si se organizam por diferentes dispositivos bastante heterogêneos e se aliam, muitas vezes, às instituições disciplinares já

existentes para referidas populações7. Porém, há alguns elementos que parecem ser recorrentes: a construção de referentes morais que se direcionam a discursos e hábitos a serem evitados, que retiram das estatísticas populacionais o seu fundamento, e um conjunto de saberes que instigam o sujeito a criar narrativas sobre si e a modificar seus hábitos.

Demilita-se uma população em risco e traça-se estratégias de intervenção (governo) tanto no nível populacional (geralmente aquelas políticas que têm como alvo a modificação do meio) como no nível individual. Os efeitos destes dispositivos são perceptíveis nas falas dos pesquisados, moldando um discurso dentro de padrões normativos com pouca margem para fugas de uma lógica moralizadora. Então, quais foram as concepções de risco que apareceram nas falas dos pesquisados?

4.1 Sentidos do Risco: Drogas e Crime

As principais referências que os jovens faziam quando eu perguntava o que era um comportamento de risco ou o que era risco, eram ao uso de drogas e à criminalidade (ou violência). Essa regularidade foi o que permitiu que esses dois temas fossem separados em categorias distintas de outras formas de risco elencadas durante as entrevistas. Há uma aproximação, então, entre o que os jovens pesquisados concebem como risco e o que as pesquisas sobre risco vêm definindo como problemas. Apesar disso, os jovens não possuem o aparato matemático probabilístico da concepção de risco, e, por isso, constroem suas perspectivas a partir de uma concepção negativa do risco, vinculado aos temas específicos das drogas e do crime (ou violência), com algumas pequenas variações, como demonstrarei, a seguir, nas primeiras associações feitas sobre o tema.

B4

A8: O que você considera que é um comportamento de

risco?

B4: Tipo envolvimento com drogas?

A: No caso, eu to perguntando o que você considera, não tem resposta certa.

B4: Comportamento de risco, né? Basicamente isso que eu falei, envolvimento com drogas.

A: Droga e o que mais? B4: Atos infracionais.

7 Algumas populações com as quais as políticas do risco irão trabalhar, já possuem seu substrato disciplinar que

reune toda a população dentro de mecanismos de vigilância, ou seja, para agir sobre os estudantes (ou jove ns) o ―laboratório‖ será a escola, para os ―delinquentes‖ a prisão.

8 As minhas perguntas serão precedidas pela letra A, seguidas das respostas dos jovens com letras

B5

A: O que você acha que é um comportamento de risco? B5: Comportamento de risco?

A: Isso.

B5: Pra mim comportamento de risco é, sei lá, o simples fato de ter a noção do que está fazendo, mas continua no erro. Por exemplo, é o local onde a gente mora. As pessoas sabem que é errado entrar naquilo e deixam suas vidas em risco em relação ao ato que vai fazer.

A: E o que tu chama de erro?

B5: As drogas, a violência, o fato de querer ter mais e mais dinheiro e acabar roubando.

S2

A: Tu já ouviu falar sobre risco? Já? S2: Risco?

A: A palavra risco. S2: Já.

A: O que é que tu acha que é risco?

S2: Tem vários tipos de risco né? Criminalidade, transar sem camisinha, né?

A: É. O que torna algo um risco? Sabe dizer? S2: Se envolver com as drogas né?

S3

A: O que tu considera que é risco a partir desse questionário? Lembra do questionário? As perguntas que perguntava? Sexualidade, religiosidade...

S3: Drogas.

A: Drogas. Então, o que é que tu acha que... S3: As drogas, né?

A: Que mais? Assim, não tem resposta certa e errada, fala a partir do que tu pensa.

S3: Não, é porque eu entendo que é as drogas, porque nem tanto a família, né? Porque o que traz mais o... como é que se pode dizer... A destruição da família, é as drogas, né? Tudo começa por causa delas, principalmente numa favela.

S4

A: Tem alguma coisa do questionário, tu lembra mais ou menos do questionário?

S4: Mais perguntas pessoais né?

A: Mas tu se lembra quais eram os temas que falavam o questionário?

S4: Não.

A: Não tem mais nada que tu lembre não? Quer dar uma olhada ver se você lembra?

(PEGA QUESTIONÁRIO E FOLHEIA)

A: E aí tu lembra alguma questão que tu quisesse falar sobre ela?

S4: Sobre droga.

A: Mas porque sobre droga? S4: Porque veio a cabeça. A: Aí, tu já ouviu falar em risco? S4: Sim.

A: Em relação ao questionário tu se lembra de alguma coisa que seja risco?

S4: Acho que as drogas, né? A: Drogas? Mais alguma coisa? S4: Só isso mesmo. Drogas, violência...

Com estas falas observei uma tendência à unamidade de primeiras associações do risco com drogas e violência. Outro tema bastante abordado nas pesquisas sobre risco é o comportamento sexual, o que transpareceu na fala de S2. Porém, foge do escopo deste trabalho analisar cada perspectiva de risco e, uma vez que as associações feitas foram exatamente com o tema que gostaria de abordar, passei a direcionar as entrevistas focando os pontos mais abordados pelos jovens, droga e criminalidade

A maior parte das falas se direciona já para algo que é considerado risco e não busca uma definição do que seja o conceito. Evitei explorar definições porque poderia confundir os pesquisados e busquei entender a definição deles analizando as falas em seus contextos. Assim, a maior parte deles compreende o risco como uma categoria negativa em uma primeira associação. Elencam, também, que há várias modalidades de risco. A entrevistada A7 foi a que demonstrou com maior clareza o aspecto relacional e a existência de várias formas de risco, mas também faz sua primeira associação com violência, em seguida drogas aparecendo também como fator.

A7

A: O assunto dessa entrevista é sobre situações de risco, eu queria saber se você já ouviu falar sobre esse termo, risco? Já ouviu falar o que é que é risco?

A7: Risco, posso entender como algo a ser prejudicado? A: Não tem resposta certa não, é só pra saber se já ouviu falar sobre isso.

A7: Já.

A: Em que situações você ouviu falar sobre risco?

A7: Mas risco de que? Da violência da sociedade? Risco tem várias coisas, né?

A: Mas ai, risco tem vários sentidos que você já ouviu falar. Isso que eu to pensando é mais em relação a comportamento de risco, que você faz que pode te

prejudicar com isso. Tu já ouvir falar nesse sentido, de risco com algo perigoso?

A7: Risco já está dizendo, algo perigoso, na minha opinião. Eu acho que é algo perigoso. Hoje em dia que a juventude tá... A tecnologia está aumentando muito. Os jovens se envolvendo com droga. É um risco tanto pra vida dele, como pro futuro. Porque eles não vão ter futuro nenhum. O risco da sociedade com bandidos que nós temos pela violência. É um risco enorme.

A prevalência dos riscos drogas e violência chama bastante atenção e me fez considerar o porquê dessa associação. Quando se fala de violência há uma dificuldade enorme de precisar exatamente do que se está falando. Esta é uma categoria polissêmica cuja variação depende muito de sua utilização em um contexto específico, afinal ela dá conta de vários assuntos genéricos como violência intrafamiliar, sexual, nas escolas, dentre outros. Desta forma, trabalhar com um conceito inespecífico torna-se uma tarefa árdua na medida em que se tenta delimitar um campo temático.

4.1.1 Discutindo a violência

A indefinição do termo violência esteve presente por todos os momentos da pesquisa, afinal quando perguntavam o que eu estava estudando, sempre dizia risco, e logo perguntavam ―de que?‖, e quando retomava que era relacionado, também, à violência, sempre aparecia a indagação ―que violência?‖. É claro que havia algumas pistas sobre como lidar com o tema, o conjunto de trabalhos acadêmicos que se debruçam sobre este campo é bastante vasto, principalmente atrelado à adolescência e à juventude. Além disso, a mídia tem sido uma grande articuladora em tematizar a violência mais ou menos de forma homogênea, com algumas particularidades específicas. Rifiótis (2011, p. 1) aponta para uma contradição presente nos discursos acadêmicos que são permeados pelo mesmo imaginário da violência que povoa os discusos midiáticos.

De um modo geral, as diversas correntes do pensamento moderno tendem a uma generalização contraditória, pois ao mesmo tempo em que circunscrevem a violência no quadro da criminalidade e do arcaísmo, desenham um cenário para a atualidade marcado pela desagregação social e o aumento sistemático e incontrolável da violência.

Não parto de uma idéia pronta daquilo que seja violência. Longe de ser um objeto transcendente que se precisa nomear, entendo-a como um conjunto de discursos mais ou menos estáveis produzidos e transmutados em suas aplicações cotidianas. Peter Spink (2003) define esta estratégia denominando-a de campo-tema. Não se tem um ponto específico de

onde se deve partir. Muito próximo ao conceito de rizoma em Deleuze e Guatarri (1995), o campo-tema define um tema que não está pronto, não é algo que precisa ser descoberto, mas está sempre em construção. Não possui uma centralidade de onde a inteligibilidade se torna possível. Na medida em que se está imerso em um campo-tema somos coadjuvantes na produção deste, dando visibilidade a alguns elementos e buscando integrar o fenômeno em questão em discursos coerentes. A partir do que foi exposto, deixo claro que fazer uma recapitulação sobre os diversos discursos que existem sobre a violência não entra no escopo deste trabalho. Diferente do risco, que busquei conceituar claramente como trabalhei com ele na mediação com o campo de pesquisa, optar por uma abertura do significante violência permite explorar os territórios desconhecidos em que os significados foram atribuídos na medida em que eram articulados no decorrer da pesquisa. Não obstante, acho interessante deixar claro as circunscrições que fiz deste conceito. Mesmo que a operacionalização do termo durante a pesquisa tenha sido maleável, algumas pistas foram orientadoras do processo, tornando-se indispensável torná-las evidentes.

A violência deve ser compreendida históricamente. Abramovay (2002) revela como alguns autores optam por tentar definir a violência categoricamente como uso de força ou agressão física, porém na medida em que se está ―trabalhando com categorias fixas e de sentidos predeterminados, como poderemos superar a pressuposição de que a cultura é estática e que a história é uma reprodução do passado?‖ (RIFIÓTIS, 2011, p. 2). Com esse questionamento torna-se claro que uma categoria que transcenda os períodos históricos e que não leve em consideração as particularidades por que passam as definições do conceito é insuficiente para compreender os significados que circulam sobre a violência na contemporaneidade, ofuscando as multiciplidades que disputam uma definição do termo.

Outro argumento para este posicionamento é o trabalho que Foucault (2002b) desenvolve sobre as prisões. O autor argumenta que a transição, por exemplo, dos suplícios ao cárcere foi gradual e modificou o alvo da punição. Nas prisões, é a interioridade do detendo que precisa ser modificada a partir de técnicas pedagógicas. É a alma criminosa que entra em questão. Esta modificação nos objetivos e nas técnicas punitivas se deu por fatores históricos e não por uma humanização diante da suposta barbárie dos suplícios. Hoje, um ato público de tortura, certamente seria contundentemente criticado, demonstrando a modificação e transição por que passam os valores históricos. Vale ressaltar que estamos imersos nos valores do presente e, por conta disso, muitas das visões sobre a violência evidenciam uma espécie de

transcendência do que se julga correto, demonstrando um ideal teleológico em que o atual seria a irrupção de uma evolução aprimorada e cronológica dos valores morais.

Descartada a idéia de um conceito transcendente, parto em seguida para as definições atuais que levam em consideração o período histórico em que vivemos. Como apontou Rifiotis (2011), há uma contradição no pensamento atual sobre a violência que a considera como algo arcaico e negativo e, ao mesmo tempo, entra em uma lógica denunciativa: haveria um aumento da violência e um descontrole social sobre a mesma. Este posicionamento advém de uma expectativa de uma coesão social seguida da constatação de sua inexistência. Abramovay (2002, p.13), por exemplo, aponta que

[...] a violência sofrida e praticada pelos jovens possui fortes vínculos com a condição de vulnerabilidade social em que se encontram nos países latino- americanos. A vulnerabilidade social é tratada aqui como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social dos atores.

Por conta disso, as perspectivas contemporâneas tendem a tratar a violência como sinônimo de crime, uma vez que caberia às leis garantir a coexistência pacífica dos indivíduos em uma sociedade e punir aqueles que porventura desviem dos ideais civilizatórios. Assim, os trabalhos que buscam entender a violência neste espectro dão foco àqueles problemas que colocam em xeque a integração social como o ―campo da pobreza, da urbanização fundada na migração interna, da desigualdade econômica e social, da exclusão social‖ (RIFIOTIS, 2001, p. 2). Estas questões são extremamente importantes de serem trabalhadas, porém acabam caindo em um argumento circular em que, ao mesmo tempo em que o estado democrático de direito e seu alinhamento com os ideais do capitalismo são responsáveis pelas desigualdades sociais e, consequentemente, pelo aumento da violência urbana, uma reforma interna é apontada como a solução para o problema. O principal foco da discussão anterior foi evidenciar a expectativa existente nos discursos sobre a violência que acabam se estruturando pela via da denúncia e da busca por uma solução.

A partir da leitura da violência como ilegalidades, cabe demonstrar uma seletividade em relação ao que é enunciado ou silenciado como atos de violência neste campo. Misse (2007, p. 139) é bastante contundente neste aspecto ao ―enfatizar a necessidade de se diferenciar a criminalização conceitual, tal como se inscreve nos Códigos Penais e na representação social, da incriminação real‖. Esta assertiva busca demonstrar como em

determinados períodos históricos há uma preferência na aplicação real da lei sobre determinados tipos de infrações em detrimento de outras.

A criminalidade, tanto combatida pelos meios de comunicações e pelas leis penais, não possui natureza ontológica, passando a ser seletiva, onde o processo de aplicação das normas está intimamente ligado a realidade social, através de um processo conflituoso. Não há uma entidade criminal, mas um processo seletivo dos agentes criminosos. (GONÇALVES et al., 2010, p. 411)

Sendo assim, que tipos de ilegalidades têm sido preferencialmente tematizadas na contemporaneidade? Mais especificamente, diante de um discurso que vincula violência à urbanização e à pobreza, que tipos de ilegalidades têm sido evidenciadas? Mais além, vinculando esta discussão com o campo de interesse, violência e juventude, como tem sido tematizada a violência?

Misse (2011, p.1) propõe

Que se compreenda a construção social do crime em quatros níveis analíticos interconectados: 1) a criminalização de um curso de ação típico-idealmente definido como ―crime‖ (através da reação moral à generalidade que define tal curso de ação e o põe nos códigos, institucionalizando sua sanção); 2) a criminação de um evento, pelas sucessivas interpretações que encaixam um curso de ação local e singular na classificação criminalizadora; 3) a incriminação do suposto sujeito autor do evento, em virtude de testemunhos ou evidências intersubjetivamente partilhadas; 4) a sujeição criminal, através da qual são selecionados preventivamente os supostos sujeitos que irão compor um tipo social cujo caráter é socialmente considerado como ―propenso a cometer um crime‖.

O primeiro ponto a que o autor se refere é a codificação de condutas penalmente imputáveis. O seguinte relaciona os processos de associação de uma ação como sendo crime ou não. O terceiro tem em mente a construção de um inquérito para definir a culpabilidade de um indivíduo. Toda esta construção é importante para evidenciar o quarto e último elemento de sua descrição analítica, a sujeição criminal. Se a prisão é o lugar do criminoso e o crime o significado da violência, a prisão seria o esquadrinhamento de uma população propensa à violência. Evidencia-se, assim, que há uma seletividade clara em definir a violência como sendo particular à pobreza uma vez que descrevi anteriormente os processos pelos quais os crimes oriúndos dessa classe são ―favorecidos‖ do ponto de vista dos processos de punição.

Se levarmos em conta que é esse ‗certo tipo de criminalidade‗ que tem sido

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