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A REPRESENTAÇÃO VISUAL DA JUSTIÇA NOS PERIÓDICOS ANARQUISTAS (1901 E 1927)

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A REPRESENTAÇÃO VISUAL DA JUSTIÇA NOS PERIÓDICOS ANARQUISTAS (1901 E 1927)

Prof. Dr. Alberto Gawryszewski

Dep. de História da Universidade Estadual de Londrina

O objetivo deste trabalho é mostrar como a Justiça foi representada nos desenhos impressos na imprensa anarquista brasileira e internacional entre os anos de 1901 e 1927. No pensamento ideológico anarquista a justiça não era “cega”, ou seja, era parcial por estar atrelada ao poder do Estado, que defendia os interesses do burguês. Daí, quando a Justiça era apresentada na arte gráfica anarquista o era com clara visão crítica e política.

A representação na Justiça hoje.

Uma ligeira pesquisa na Internet, uma conversa, sem pretensões, com um professor universitário do curso de Direito, um passeio por estes cursos ou pelos palácios da Justiça espalhados pelo país, verificará as disparidades e divergências sobre a representação da Justiça.

A Justiça é, em geral, representada, reconhecida na figura de uma mulher em vestes leves, com olhos vendados, segurando na mão direita uma balança e na esquerda uma espada. Podemos encontrá-la de várias maneiras, até mesmo em formas sensuais.

Afinal, quem é esta mulher? Qual a sua origem? Ela é Thêmis, a deusa da Justiça. É claro que não nos propomos a aprofundar os debates sobre as origens da representação da Justiça, mas apenas uma ligeira síntese padrão.

Thêmis, segundo a mitologia grega, era filha de Urao (Céu) e de Gaia (Terra), esposa de Zeus. Dotada de grande inteligência, foi sua conselheira e criadora das leis, dos ritos e dos oráculos. Era a guardiã dos juramentos dos homens, sendo suas leis e os oráculos acatados tanto pelos homens como pelos deuses, obrigatoriamente. Portanto, era a representação da própria Justiça.

Projeto de pesquisa apoiado pelo CNPq (EDITAL 50/2007) e pela Fundação Araucária (Chamada de projetos 02/2006)

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Na Grécia, a Justiça teria sido representada pela deusa Diké (filha de Thêmis) que, de olhos abertos, segura uma espada e uma balança ou por Thêmis exibindo só uma balança, ou ainda uma balança e uma cornucópia.

Bem mais tarde, em Roma, surge a figura da deusa, então romana, Ivstitia Esta aparece de olhos vendados, segurando uma balança, com o fiel no meio. Entretanto, para alguns autores, a venda teria sido uma invenção de artistas alemães do século XVI. Outros dizem que a cegueira era real, daí aparecer sem vendas.

Enfim, não há um consenso total sobre alguns aspectos da representação da imagem de Thêmis. Mas, qual o significado de cada componente da imagem de Thêmis?

Vejamos:

espada - representaria a força, prudência, ordem, regra e aquilo que a consciência e a razão ditam.

balança - simbolizaria a equidade, ponderação, justeza das decisões quando da aplicação da lei

venda - significaria o desejo de nivelar o tratamento de todos, cujo propósito é a imparcialidade e a objetividade.

olhos abertos (sem venda) – representaria que nada era deixado de lado, observado, descuidado na aplicação da lei.

Em algumas representações, podemos encontrar alegorias à Lei das Doze Tábuas, primeiro código romano (cerca de 451 a.C.), ramos de louro ou penas, ligadas à representação de um código ou ao ato de criar a lei, respectivamente.

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Abaixo vemos uma charge onde podemos ver uma explicação da imagem da Justiça e uma crítica a lentidão da Justiça brasileira: sua lentidão. Uma imagem padrão, onde há a venda, a balança e a espada.

Damásio de Jesus, um reconhecido penalista, ao comentar a Justiça brasileira e a imagem de Thêmis comenta que ele vive perante uma Justiça cega, que não vê as

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Dados retirados de http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/historia-do-ministerio/simbolos/. Acessado em 05 de maio de 2009.

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injustiças; uma Justiça lenta pelo excesso de demanda; débil pela falta de recursos; sem condições de julgar, embora queira. Esta não é a Justiça dele. Esta não é cega. “É uma Lady de olhos abertos, ágil, acessível, altiva, democrática e efetiva. Tirando-lhe a venda, eu a liberto para que possa ver. (...) Ela vê a impunidade, a pobreza, o choro, o sofrimento, a tortura, os gritos de dor e a desesperança dos necessitados que lhe batem à porta. E conhece, com seus olhos espertos, de onde partem os gritos e as lamúrias, o lugar das injustiças, onde mora o desespero. Mas não só vê e conhece. Age.”

As palavras de Damásio e a imagem da charge se encontram na lentidão da Justiça, apenas. Ao final do texto, conclui: “A minha, é uma Justiça que reclama, chora, grita e sofre. Uma Justiça que se emociona. E de seus olhos vertem lágrimas. Não por ser cega, mas pela angústia de não poder ser mais justa Não uma crítica quando ao seu papel justo na sociedade.”Na charge abaixo, mais uma vez podemos ver uma convergência entre os pensamentos do penalista e do chargista.

Um outro aspecto interessante atual podemos encontrar neste debate, estaria em um blog que a autora apresenta uma explicação sobre Thêmis e recebe vários comentários sobre seu trabalho. Seguindo a linha acima, nada de novo apresenta.

Entretanto um aluno de Direito assim se expressou sobre a imagem da Deusa Thêmis

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: SOU ACADÊMICO DE DIREITO E ESSA deusa ANTIGA Já não corresponde aos anceios (sic) de nossa cultura pois deuses sejam romanos ou gregos são deuses inferiores pois acredito no DEUS VERDADEIRO O INOMINADO O QUE PERANTE MOISÉS DISSE ” EU SOU O QUE SOU” . Ao ler tal comentário, outro acadêmico assim se expressou: Futuro “Dr.” Antônio Carlos Teodoro … pobre coitado …!Ainda não lhe ensinaram acerca de “símbolos” e “mitos” , meu jovem ? Sabe o que são “construções” e “modelos” ? (...)Deixe de criticar o alheio enquanto não obtiver um mínimo de conhecimento claro e específico para tanto . ESTUDE ! E mais que isso : APRENDA !!

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http://direitoelegal.wordpress.com/2007/11/06/a-deusa-da-justica/. Acesso em 05 de maio de 2009.

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Logo depois respondeu: (...) sou um estudante mais creio que sei mais do que você pois não coloco essa “deusa” em primeiro lugar pois em primeiro lugar está o meu deus o único,tú és um incrédulo que não vou mais perder meu tempo contigo mando esta para tú (sic) enterderes (sic) que na vida não só o que tu pensas é verdade plena pois a verdade para ti pode não para mim esse termo perojativo (sic) que tú mandaste mostra que tú é um ateu e deve com certeza ser espírita ou macumbeiro maçônico teu deus é o demônio e continue a acredir nesse anjo caído pois teu fim é no fogo queimar no inferno de enxofre.”

Acho que podemos parar por aqui. Pudemos ver que a representação da Justiça pode adquirir aspectos políticos, sociais e religiosos. Mas, para os anarquistas, tema de nosso texto: como representavam a Justiça?

A representação da Justiça nos periódicos anarquistas

Embora possamos identificar várias vertentes no pensamento anarquista, podemos identificar componentes claros que os unem. O anticlericalismo, embora haja discordância de alguns autores, antimilitarismo, antiestatismo, controle central e a defesa ao indivíduo, ao amor livre, entre outras.

A anarquia foi representada em sua imprensa como uma mulher. Com o sem o busto desnudo, destruindo as forças burguesas, ela estaria conduzindo as massas para ao mundo anarquista. Na imagem ao lado, podemos ver dois homens se abraçando, armas e corpos ao chão e bandeiras nacionais queimando. Sobrevoando uma mulher, segurando em uma mão uma venda e de outro uma faixa com os dizeres: “Viva a anarquia”. O ideal

anárquico veio trazer o fim da guerra, a harmonia, o fim das fronteiras e das nações. O povo é um só devendo haver paz entre os homens.

A guerra é contra os patrões, os burgueses, os verdadeiros vencedores da guerra.

Em uma lição de História, a imagem ao lado busca mostrar como a revolução francesa foi uma falácia construída pelos burgueses. A

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exploração, a miséria do povo foi mantida. Podemos ver que a figura feminina de Marianne foi substituída por um tronco de árvore morto. A legenda diz tudo: “a árvore da liberdade transformada em forca para sacrificar vidas no holocausto do capital e da tirania”. Na iconografia anarquista a arvore seca, morta e podre aparece diversas vezes em sua imprensa para fazer uma analogia com a sociedade burguesa, capitalista

Na imagem ao lado ao lado podemos ver que a figura de Thêmis foi substituída por um símbolo bem conhecido por todos: uma cruz. Suas vestes estão em farrapos, a balança pende para um lado, estando totalmente desequilibrada. Ao lado direito, a espada está firme. Em cima uma animal de mal agouro:

um corvo ou urubu. Ao chão, o resultado desta Justiça: muitas mortes. Nada mais cristalino! Uma Justiça onde a prudência, a consciência, a razão, a equidade, se existe, são parciais, estão a servido do estado burguês.

Acho que podemos comentar um pouco alguns ícones usadas por Thêmis. A espada simboliza, entre outras coisas, ordem e regra. Ora, o ideal anarquista é contra regras e ordem, a livre expressão, de escolha é uma de suas sínteses.

A balança e a venda estão ligadas diretamente à aplicação da lei, por equidade, observação rígida. Para o anarquismo a própria existência da lei já é uma limitação ao homem. E sempre há a pergunta: quem vai aplicar tal lei? Seguindo o raciocínio, é possível haver uma imparcialidade de um ser supremo, o Juiz. Ela aplica uma lei criada pelos burgueses e esta lei seria igual pata todos. Mas, como pode ser igual para seres em posição opostas, pergunta o anarquista.

Ao se proclamar a república brasileira, os novos donos do poder imediatamente se preocuparam em reestruturar o Código Penal, um ano após (1890). Mas, não só. Outras leis isoladas foram criadas visando atender os interesses burgueses no controle do movimento operário em seus ideais e atividades . Neste sentido, a imprensa anarquista foi um grande alvo de censura e repressão direta, inclusive contra seus jornalistas, que foram presos e alguns assassinados.

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Na imagem acima, o terror oficial, com seus agentes policiais, prendeu e desapareceu com operários militantes. Seja com ação direta repressiva ilegal, seja com ações legais que autorizavam a prisão e a expulsão do país, como na Lei Adolfo Gordo, por exemplo, a “Justiça” no Brasil se fazia de forma objetiva e precisa. Uma imagem clássica na imprensa anarquista brasileira é a seguinte, à esquerda. Nela vemos de volta a figura de Thêmis. Com um olho aberto, segurando na mão direita uma espada, com a qual ameaça o cidadão (povo), e na outra mão se corrompe, recebendo dinheiro do patrão burguês. Nada mais claro para explicar a Justiça brasileira no olhar libertário: corrupta, vendida, representante de uma classe, agente de um estado repressor.

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Na imagem acima, à direita, vemos como a imagem e a legenda se encontram. O patrão cada dia mais rico enquanto a população cada dia mais faminta e frágil. A LEI PATRONAL está para servir ao capitalista. Para cumprir a execução desta lei, lá está a serviço do patrão, a milícia, deixando claro ao povo que o estado representa uma classe.

Reforçando esta visão temos a imagem abaixo. Na legenda temos a referência a Thêmis, mas é interessante quem ela representa.

Trata-se de uma foto publicado na imprensa anarquista estadunidense quando do julgamento de Sacco e Vanzeti pela Justiça. Ironia está presente em sua crítica a Justiça; Leia-se: “A “Temis” protegida pelas armas”. . Abaixo a explicação do local:

“Entrada principal do Palácio da Justiça em Bedham Mass, durante o processo Sacco e Vanzeti”. Estes dois imigrantes italianos foram condenados e se transformaram em mártires do movimento operário, em especial do ideário libertário, o qual profetizavam.

Se a Justiça fosse justa para quê todo o arsenal e força repressiva apresentada na imagem? O texto escrito explica e localiza a imagem. A imagem, que no caso estava associada á imagem, teve um papel importante nas transmissões do ideal anarquista.

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Considerações finais

A Justiça foi buscar no passado, na mitologia, o seu símbolo. Com o passar dos anos sua representação foi sendo usada de forma categórica para reforçar um ideal de imparcialidade, equidade, equilíbrio, honradez e ordem.

Apresentamos um pouco da iconografia anarquista Em todos os seus periódicos, nas diversas partes do mundo, as imagens anarquistas (fotos e charges, em especial) procuravam desmontar todo o mito criado da Justiça burguesa como justa, imparcial. As leis foram apresentadas como formas de reforçar ainda mais a exploração diária que a população desprovida de riqueza passava. Assim, o uso da imagem muito contribui para se conhecer as formas de expressão do ideário anarquista e os caminhos de luta contra os símbolos construídos pela burguesia para manter o seu status de poder.

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Referências

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