“O preconceito do século XXI:
Opressão social de famílias
homoparentais”
Pedro Alexandre Costa, PhD
Doutoramento em Psicologia
Título da tese:
Contribuições teóricas e empíricas para um conhecimento científico das atitudes em relação às famílias homoparentais em Portugal
Orientação: Prof. Dr. Henrique Pereira (UBI) e Prof. Dra. Isabel Leal (ISPA-IU).
Agradecimentos: Inês Fernandes, Cláudia Rita, Sara Caldeira, Rute Almeida, Cátia Anselmo,André Ferreira.
Sinopse
•
Teoria do Estigma Sexual / Preconceito
Sexual;
•
Revisão da literatura nacional e internacional;
•
Opressão social de famílias homoparentais;
•
Apresentação de 3 estudos;
•
Impacto do preconceito sexual;
O que é estigma?
“Estigma refere-se à imagem negativa e estatuto inferior que a sociedade coletivamente atribui
a pessoas que têm uma característica particular, ou que
pertencem a uma determinada categoria ou grupo. Inerente a esta definição está o fato de que o estigma constitui
conhecimento partilhado acerca de que atributos ou categorias são valorizados pela sociedade, quais os que são denegridos, e de que forma estas avaliações variam em diferentes contextos. O estigma sexual é o estigma vinculado a qualquer comportamento, identidade, relação ou comunidade não heterossexual. Por outras palavras, é o conhecimento socialmente partilhado sobre o
estatuto inferior atribuído à homossexualidade relativamente à heterossexualidade” (Herek, 2009)
Preconceito Sexual
Preconceito Sexual é entendido como parte do estigma sexual internalizado (i.e., a adoção de um sistema social de crenças e valores acerca de um grupo de pessoas), em relação a pessoas LGBT.
“O preconceito sexual é a
internalização do estigma sexual que resulta na avaliação negativa de minorias sexuais” (Herek, 2009)
O que é o Preconceito Sexual?
“Preconceito é uma antipatia baseada numa generalização defeituosa e inflexível. Pode ser sentida ou expressa. Pode ser dirigida a um grupo, ou a um indivíduo desse grupo”.
(Allport, 1954) “Compulsory heterosexuality”: Restrição da sociedade à expressão e comportamentos de género individuais. Porque a heterossexualidade obrigatória é explicitamente genderizada, é prescrito aos indivíduos a que classe de indivíduos (homens ou mulheres) se devem sentir atraídos.
O estado da arte
Do ponto de vista psicológico (crenças/valores centrais):
• Valores de conformidade, tradicionalismo, manutenção status quo;
• Autoritarismo, superioridade moral;
• Valores individuais (conservação, abertura à mudança) e valores humanos.
O estado da arte
Diferenças Individuais:
• Afiliação religiosa e religiosidade (processos psicológicos e não religião em si);
• Sexo e papéis de género; • Conservadorismo político; • Idade;
• Nível de educação;
O estado da arte
Do ponto de vista sociológico
• Categorias geopolíticas e geoculturais: mais aceitação em países com maior rendimento per capita, estabilidade
democrática mais longa, importância das tradições
religiosas (não ortodoxia), legislação não discriminativa, satisfação com a democracia, nível global de
desenvolvimento;
• As diferenças psicológicas e demográficas perdem a sua relevância em países com elevado nível de preconceito social (ex. Quénia).
O estado da arte em Portugal
Contexto Português
29% favoráveis ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, e 19% favoráveis à adoção
(Comissariado dos Direitos Humanos, 2011);
Agrupado com os países Europeus menos favoráveis à homossexualidade (Lottes & Alkula, 2011);
Na “fronteira” entre países da Europa
central-oriental e países da europa ocidental (Kuntz, Davidov, Schwartz, & Schmidt, 2014).
Opressão Social de
Opressão Social
Descreve uma relação de dominância e subordinação entre categorias de pessoas (ou grupos), em que uma beneficia de abuso, exploração, e injustiça sistemáticos em relação a outra.
As pessoas LGBT têm sido historicamente oprimidas sob forma de assédio e violência, e discriminação em várias esferas – trabalho, saúde, lei. A opressão social tem consequências ao nível da saúde e saúde mental das pessoas LGBT.
Principais Formas de Opressão Social
• Legais: Dificuldades de acesso a diferentes formas de união e de parentalidade;
• Médicas: Permeabilidade dos preconceitos na prática clínica; obstáculos às mães/pais sociais;
• Psicológicas: Gestão do segredo familiar, suporte social e integração comunitária, experiências de
discriminação (internalização do estigma);
• Escolares: Escola pública menos interventiva, mais permeável à influência religiosa; assédio/bullying;
Estudo 1
Atitudes em relação a famílias
homoparentais e a direitos de pessoas
LGBT
Objetivo: Estudo exploratório sobre níveis de
preconceito sexual, relação entre atitudes
homoparentalidade, direitos LGBT e crenças origens homossexualidade (desenvolvimento de medidas socioculturalmente adequadas).
Costa et al. (2014). University students’ attitudes toward same-sex parenting and gay and lesbian rights in Portugal. Journal of Homosexuality, 61, 1667-1686.
Método
• Desenho: Transversal e correlacional.
• Instrumentos: 1) questionário sociodemográfico; 2) Escala de atitudes em relação à homoparentalidade; 3) Escala de atitudes em relação aos direitos LGBT; 4) Escala de crenças sobre a etiologia da
homossexualidade.
• Participantes: 292 estudantes universitários (ISPA, Universidade de Lisboa, Universidade Técnica).
• Procedimentos: Contato direto nos campus universitários.
Caraterísticas Demográficas
• Idade 18-27 anos (M = 21)
• Sexo: 54% homens / 46% mulheres
• Orientação sexual: 92% heterossexuais
• Afiliação religiosa: 39% Católica / 43% sem religião / 11% espirituais
• Inclinação política: 25% esquerda / 35% centro / 33% direita
• Área de estudo: 52% engenharia / 27% psicologia / 5% direito
Etiologia da Homossexualidade
Teoria atribucional do estigma (Weiner, 1993, 1995, 1996):
- Quando o estigma é atribuído a fatores para além do controlo da pessoa estigmatizada, são induzidas emoções positivas;
- Quando o estigma é atribuído a fatores controláveis pela pessoa estigmatizada, são induzidas emoções negativas. Teoria da justificação-supressão do preconceito (Crandall & Eshleman, 2002):
- Atribuições biológicas ou sociais podem ser racionalizações de atitudes para justificar preconceito ou aceitação.
Escala de Atitudes em relação à Homoparentalidade Item Concordo / Concordo totalmente Discordo / Discordo totalmente M (sd)
1 Homens gays e mulheres lésbicas não devem ter filhos
porque é um pecado. 84% 9%
1.61 (1.08)
3 Pais gays e mães lésbicas não se preocupam com o
melhor interesse da criança. 92% 2%
1.35 (.70)
6 As crianças de famílias gays e lésbicas são mais vitimizadas na
escola. 74% 6%
3.94 (.88)
7 As crianças com pais gays ou mães lésbicas vão ser
homossexuais, ou ter uma sexualidade confusa. 72% 11%
1.91 (1.14)
9 As crianças de famílias gays e lésbicas não têm as referências
masculinas e femininas necessárias ao seu normal desenvolvimento. 48% 33%
2.75 (1.34)
11 Não é natural os homens gays e mulheres lésbicas terem filhos. 55% 31%
2.59 (1.47)
Escala de Atitudes em relação aos direitos LGBT Item Concordo / Concordo totalmente Discordo / Discordo totalmente M (sd)
1 A homossexualidade não é moralmente aceitável. 61% 23% 2.26 (1.40) 2 Eu não me importaria em ter amigos gays ou amigas
lésbicas. 6% 84%
1.57 (.94)
3 Hoje em dia, as pessoas homossexuais têm os mesmos direitos que
as pessoas heterossexuais. 40% 37%
3.14 (1.26) 4 O casamento entre pessoas do mesmo sexo não deveria ser
permitido. 78% 13%
1.80 (1.27)
5 Eu acho bem que os homens gays e as mulheres lésbicas lutem pelas
seus direitos na sociedade. 6% 82%
1.68 (.95)
6 As pessoas homossexuais não deveriam ter filhos porque não é
natural. 66% 16%
2.14 (1.33)
7
Não me incomoda que os casais de gays e de lésbicas tenham os direitos iguais aos dos casais heterossexuais, mas o casamento deveria ser apenas para casais de homem e mulher.
67% 16% 2.11 (1.28)
8 Eu acho que a marcha gay não faz sentido porque não há uma
marcha dos heterossexuais. 50% 24%
2.54 (1.45)
Escala de Crenças sobre a Etiologia da Homossexualidade base Item Concordo / Concordo totalmente Discordo / Discordo totalmente M (sd)
1 social - escolha A homossexualidade é uma escolha. 56% 29% 2.50 (1.51)
3 social - família Os pais têm um papel importante na orientação
sexual dos filhos. 46% 27%
2.65 (1.28)
6 social –
aprendizagem
A homossexualidade é aprendida no contacto
com pessoas homossexuais. 80% 7%
1.72 (.97)
2 biologia
A homossexualidade tem uma base biológica (hormonal ou genética), e por isso não pode ser alterada.
29% 41% 3.09 (1.26)
4 patologia A homossexualidade é uma doença
psicológica. 87% 5%
1.46 (.90)
5 natural A homossexualidade é tão natural quanto a
heterossexualidade. 33% 53%
3.38 (1.43)
Comparação com estudo Britânico
• “Lesbian and gay couples should have all the same parenting rights as heterosexuals do…”
Agree: 47.6% / Disagree: 22.5%
• “Lesbian and gay male couples should be legally permitted to marry…”
Agree: 63.4% / Disagree: 14.4% • “Homosexuality is a sin”
Agree: 7.9% / Disagree: 54.7%
Diferenças Individuais
Níveis de preconceito sexual mais elevado em:
Jovens adultos sexo masculino Pessoas religiosas (Católicas)
Pessoas politicamente de direita
Crenças Etiológicas
Correlações entre atitudes negativas e
controlabilidade da homossexualidade:
• Influência familiar x atitudes famílias: r = .47
• Influência familiar x atitudes direitos: r = .40
• Comportamento x atitudes famílias: r = .43
• Comportamento x atitudes famílias : r = .41
• Patologia mental x atitudes famílias: r = .54
Estudo 2
Crenças e argumentos sobre famílias
homoparentais e desenvolvimento infantil
Objetivo: Estudo exploratório sobre os argumentoscontra famílias homoparentais e avaliação de competências parentais.
Costa et al. (2013). Atitudes da população Portuguesa em relação à Homoparentalidade. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26, 790-798.
Método
• Desenho: Transversal quase-experimental e qualitativo
• Instrumentos: 1) questionário sociodemográfico; 2) Vinheta descrevendo um casal adotante; 3) Questão resposta aberta sobre qualidade parental.
• Participantes: 993 participantes. • Procedimentos: Online survey.
António e Rodrigo são um casal há 10 anos, comprometidos um com o outro e felizes. No entanto, têm uma vontade muito grande de serem pais, e como não podem ter filhos decidiram adoptar. António e Rodrigo são ambos licenciados, bem sucedidos profissionalmente e também muito queridos pelos amigos e familiares. Os pais de ambos estão entusiasmados com a ideia de serem avós, e disponibilizaram-se para ajudar no que for preciso para receber a criança na família. António e Rodrigo moram num apartamento com dois quartos espaçosos na mesma cidade onde ambos trabalham. Os amigos e colegas descrevem-nos como pessoas tranquilas, disponíveis, e atentas às necessidades dos outros, acreditando que reúnem a vontade e as características necessárias para serem bons pais. Têm alguma experiência de cuidar de crianças, especialmente dos sobrinhos de António. Depois de pensarem muito sobre o assunto, iniciaram o processo de adoção e frequentam as reuniões com a técnica responsável pelo recrutamento e seleção de famílias adotantes e estão muito entusiasmados por virem a cumprir o desejo de serem pais. Estão a aguardar serem aceites como candidatos a adotarem uma criança.
Caraterísticas Demográficas
• Idade 18-69 anos (M = 34)
• Sexo: 27% homens / 73% mulheres
• Orientação sexual: 100% heterossexuais
• Afiliação religiosa: 55% Católica / 31% sem religião / 11% espirituais
Frequência de respostas
Cenário 1 (casal sexo diferente)
- 100% seguramente bons pais.
Cenário 2 (casal duas mulheres)
- 27% seguramente boas mães.
Cenário 3 (casal de dois homens)
Comparação respostas aos 3 cenários
Casal mesmo sexo Casal de duas mulheres Casal de dois homens N=333 N=359 N=301 ANOVA Qualidade parental 1.89 (.33) 1.80 (.59) 1.81 (.60) F(2,992) = 2.916 ,p = .055 Antecipação risco emocional da criança 1.92 (.44) 2.14 (.79) 2.17 (.82) F(2,992) = 12.464, p < .001* Antecipação risco social da criança 1.79 (.53) 2.81 (.60) 2.93 (.63) F(2,992) = 377.550, p < .001*Argumentos contra as Famílias
REINO UNIDO
- “É pecado”
- “Não é natural”
- “Os pais são egoístas”
- “Falta de modelos adequados” - “Crianças serão gays”
- “Crianças serão vitimizadas” (Clarke, 2001)
PORTUGAL
- Valores família tradicionais - Homossexualidade é patologia - Homossexualidade é imoral - Natureza complementar do género - Incapacidade parental
- Crianças terão problemas emocionais graves
Estudo 3
Contato Interpessoal e Atitudes em
relação a Famílias Homoparentais
Objetivo: Testar um modelo preditivo de atitudes face à
homoparentalidade, e o impacto do contato interpessoal nos níveis de preconceito.
Costa, Pereira, & Leal (2014). “The contact hypothesis” and attitudes toward same-sex parenting. Sexuality Research and Social Policy, 11 (advance online).
Método
Desenho: Transversal e correlacional
Instrumentos: 1) questionário sociodemográfico; 2) Questionário de contato interpessoal; 3) Escala de
atitudes em relação à homoparentalidade; 4) Escala de reações afetivas a gays e lésbicas
Participantes: 1690 participantes. Procedimentos: Online survey.
Caraterísticas Demográficas
• Idade 18 - 80 anos (M = 33)
• Sexo: 26% homens / 74% mulheres
• Orientação sexual: 100% heterossexuais
• Afiliação religiosa: 56% Católica / 30% sem religião / 11% espirituais
• Afiliação política: 33% CDS/PSD; 27% PS; 11% CDU; 20% BE
Teoria do Contato Interpessoal
Condições ótimas:- Igualdade estatuto grupos; - Objetivos comuns;
- Cooperação intergrupal; - Normas sociais.
(Allport, 1954)
Contudo, estas condições são ótimas, mas não essenciais…
- Quantidade de contato – Familiarity becomes liking (Pettigrew & Tropp, 2006)
Contato Interpessoal
• Mulheres com maior probabilidade de conhecerem gays/lésbicas, terem amigos gays/lésbicas, conhecerem famílias homoparentais; Menos preconceito geral.
• Não religiosos com maior probabilidade de
conhecerem gays/lésbicas, terem amigos gays/lésbicas, conhecerem famílias homoparentais; Menos
Conhecidos GL Homonega-tividade Conforto Atitudes em relação Famílias Homoparentais Frequência contato .170* -.431* R2 = .672
Modelo de Análise de Trajetórias de Atitudes em relação a Famílias Homoparentais
*p < .001
Amigos GL
R2 = .158
Principais resultados
• Existência de diferenças significativas na avaliação de casais do mesmo sexo e de casais de sexo diferente;
• Diferenças individuais nos níveis de preconceito sexual contra famílias homoparentais (sexo, religião, política);
• Ao nível dos argumentos, há existência de preconceito moderno (mais subtil) assim como de homonegatividade estigmatizante;
• O contato interpessoal apenas reduz o nível de preconceito se promover afeto positivo (empatia);
• O contato interpessoal não está associado aos direitos, mas sim às crenças sobre pessoas não heterossexuais.
Questões levantadas
Os resultados desta investigação sugerem que variáveis sociodemográficas e crenças/valores podem servir como argumentário para as atitudes.
Ex:
Religião Vs. religiosidade
Inclinação política Vs. autoritarismo
Impacto Social do Preconceito Sexual
Tratamento desigual e injusto de minorias sexuais, em particular de famílias homoparentais;
Ameaça ao bem-estar e à estabilidade das famílias;
Desproteção das crianças e jovens com pais gays ou mães lésbicas.
Impacto Psicológico do Preconceito Sexual
Stress Minoritário (Meyer, 1995)
Exposição a stress adicional (estigmatização) Disparidades na Saúde
Distress psicológico
Estigma (Herek, 2009)
Discriminação & assédio Isolamento social
Investigação Translacional –
Redução do Preconceito
- Atribuições: Aprendizagem sobre origens etiológicas da homossexualidade (moderadamente eficaz)
- Educação: Aulas sobre opressão histórica da homossexualidade (moderadamente eficaz)
- Contato Interpessoal: Painéis (fortemente eficaz) Base para a mudança: Promover emoções