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P.º R. P. 122/2007 DSJ-CT: Capacidade das sociedades comerciais
para fazer doações, face ao disposto no artigo 6.º do Código das
Sociedades Comerciais.
DELIBERAÇÃO
Em 15 de Março de 2007, sob a Ap. n.º89, foi requisitado na
Conservatória recorrida o registo de aquisição a favor de Gonçalo…,
solteiro, menor, da fracção A do prédio n.º 05326, da freguesia de …, que
lhe foi doada pela sociedade comercial “…, Limitada”, com sede na Avenida
….
Instruíram o pedido de registo uma fotocópia da escritura de doação
lavrada em 1 de … de 2007 no Cartório Notarial Privado, sito na Avenida
…, a cargo da Notária, …, e a certidão comprovativa da declaração para
inscrição ou actualização de prédio urbano na matriz, emitida em
19/01/06, pelo Serviço de Finanças do … e lá revalidada em 1/02/07.
O solicitado registo foi recusado com fundamento na respectiva
nulidade – e apoio legal no artigo 69.º, n.º 1, alínea d) do Código do
Registo Predial - , considerando que a doadora é uma sociedade que, face
ao disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, não dispõe
de capacidade para fazer doações, já que, nos termos do previsto no n.º 1
do dito preceito, tal capacidade compreende os direitos e obrigações
necessários e convenientes à prossecução dos seus fins, exceptuando-se
aqueles que lhe sejam vedados por lei ou inseparáveis da personalidade
singular, não sendo havidas, de acordo com o seu n.º 2, como contrárias
ao fim da sociedade, as liberalidades que possam ser consideradas como
usuais segundo as circunstâncias da época e as condições da própria
sociedade. Ora – conclui a Sr.ª Conservadora recorrida – não se pode
considerar uma doação de um bem imóvel uma liberalidade.
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Em 26 de Abril de 2007, foi tempestivamente interposto, sob a Ap.
n.º 14, recurso hierárquico do referenciado despacho de qualificação, no
qual se contesta a invocada nulidade do acto praticado pela sociedade em
favor do menor interessado no registo, alegando-se, no sentido da defesa
da tese contrária, nomeadamente, que, sendo as sociedades entidades
privadas com personalidade e capacidade jurídica, e não considerando o
Código das Sociedades Comerciais ou qualquer lei avulsa que as
sociedades comerciais estão impedidas de fazer doações, a elas não está
vedado o negócio formal da doação previsto no Código Civil, pois que,
tendo capacidade para fazer doações todos os que podem contratar e
dispor dos seus bens, nos termos do previsto no artigo 948.º do mesmo
Código,
não se acredita que uma sociedade comercial esteja
impossibilitada de dispor dos seus bens.
Não compete à Conservadora - continua o recorrente - pronunciar-se
sobre a forma como a sociedade prossegue os seus fins ou gere o seu
património já que para isso lá estão os gerentes, depois os sócios ou
outros interessados na sua boa ou má gestão. A recusa só poderia
encontrar justificação nalguma anomalia formal ou caso o acto ofendesse
qualquer interesse público. Diferente seria se na doação fossem apenas os
gerentes a obrigar a sociedade, podendo dizer-se que, face ao objecto
social da sociedade, a doação de um bem imóvel ultrapassava o simples
acto da gerência. Acontece que, no caso concreto, quem outorgou a
escritura de doação, representando a sociedade, foi a totalidade dos
sócios que são também sócios-gerentes.
Trata-se, pois, de uma deliberação da sociedade que, atenta a
presença de todos os sócios na escritura e o facto do conteúdo da
deliberação, pela sua natureza, não estar vedado aos sócios, só poderia
estar inquinado de nulidade por força do disposto na alínea d) do artigo
56.º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, pela circunstância do
seu conteúdo ser ofensivo dos bons costumes – o que, no caso, é por
demais evidente, que não sucede - , ou de preceitos legais que não
possam ser derrogados – sendo certo que não existe nenhum que impeça a
realização da doação, nem é crível que um preceito legal e abstracto como
o plasmado no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais possa ser
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interpretado no sentido de que as sociedades comerciais não têm
capacidade para fazer uma doação.
Em sustentação da recusa, a Sr.ª Conservadora recorrida reitera o
entendimento de que, nos termos do disposto no n.º 1 do referido artigo
6.º, uma sociedade não dispõe de capacidade para fazer doações de
imóveis, dado que a capacidade da sociedade compreende os direitos
necessários e suficientes à prossecução do seu fim e uma doação feita a
um menor não pode ser aí enquadrada. O contrato de sociedade
pressupõe, entre outros elementos, o objectivo da realização de lucros e
da sua repartição. Assim, uma doação feita a um menor deve ser
considerada contrária ao fim da sociedade, não sendo possível, de resto,
incluir a doação em causa nas liberalidades excepcionadas no n.º 2 do
artigo citado, a saber, as que são consideradas usuais segundo as
circunstâncias da época e as condições da própria sociedade.
Considerando que o processo é o próprio e válido, as partes são
capazes e legítimas, inexistem nulidades, excepções ou questões prévias
que obstem ao conhecimento do mérito e o recurso foi interposto em
tempo, a posição do Conselho vai expressa na seguinte
Deliberação
1 – A sociedade comercial por quotas é um dos tipos de
sociedades comerciais que, como os demais, tem por fim mediato,
através do exercício da actividade delimitada pelo objecto social
(fim imediato) a obtenção de lucros – ganhos consistentes num
aumento do património social e neste formados - e a sua atribuição
1aos sócios (cfr. art.º980.º, C. Civil, aplicável subsidiariamente, “ex
vi” art.º 2.º, C.S.C.).
1 F a l a m o s d e a t r i b u i ç ã o e n ã o d e r ep a r t i ç ã o ( co m o d e c o r r e d a t e r m i n o lo g i a l e g a l a d o p t a d a n o c i t a d o a r t . º 9 8 0 . º ) p o r q u e , n ã o o b s t a n t e o p a r a d i g m a se r , t a n t o n o C ó d i g o C i v il , c o m o n o C ó d i go d a s S o c i e da d e s C o m e r c i a i s , o d a s s o c i e d a d e s p l u r i p e s s o a i s , n ã o p o d e s e r o l v i d a d a a r e a l i d a d e d as s o c i e d a d es u n i p e s s o a i s . – Cf r . , a p r o pó s i t o , Co u t i n h o d e A b r e u ,
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2 - De acordo com o chamado princípio da especialidade
2, hoje
plasmado no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, é o
referenciado escopo lucrativo, não o respectivo objecto social (cfr.
n.º 4, art.º cit.)
3que estabelece os limites da capacidade jurídica ou
2 A i d e i a d e s t e p r i n c í p i o t e r á t i d o u m a o r i g e m d u p l a : a d o u t r i n a u l t r a v i r e s a n g l o -s a x ó n i c a – a p e r so na l i d a d e c o le c t i v a i n i c i o u - s e p o r co n c e s s ã o d o P a r l a m e nt o , c o m b a s e e m l e i d e f i n i d o r a do o bj e c t i v o d a e n t i d a d e a c r i ar , f i x a n d o o s p o de r e s q u e , em f u n ç ã o de s t e , l h e e r a m r e c o n h e c i d o s e q u e , n a p r á t i c a , a e n t i d a d e e m c a u s a n ã o p o d e r i a u l t r a p a s s a r ; e a s r e s t r i ç õ e s c o n t i n e n t a i s a o s b e n s d e m ã o - m o r ta , o u s e j a , a q u e l e s q u e n o s p a í s e s l a t i n o s , e s p e c i a l m e n t e e m F r a n ç a , t i n h a m s a í d o d o m e r c a d o n o r m a l , p o r v i r t u d e d e d o a ç õ e s f e i t a s , a o l o n g o d e t o d a a I d a d e M éd i a , a c o n v e n t o s e o r d e n s r e l i g i o s a s , e q u e n ã o e r a m t r a n s a c c i o n a d o s , n e m pa g a v a m i m p o s t o s , e m r a z ã o d o s p r iv i l é g i o s d a i g r e j a . E n t r e n ó s , a p r e o c u p a ç ã o d e l i m i t a r a c a p a c i d a d e d a s p e s s o a s c o l e c t i v a s p r e n d e - s e t a m b é m c o m o p r o b l e m a d e s t e s b e n s e c o m a s l e i s d e d e s a m o r t i z a ç ã o d e s t i n a d a s a e v i t á -l o s , c o m b a t e n d o , d e s d e o t e m p o d e D . D i n i s , a a c u m u -l a ç ã o d e b en s n a s c o r p o r a çõ e s r e l i g i o s a s . C o m o Có d ig o C i v i l d e S e a b r a , p o r f o r ça d o pr e v i s t o n o s a r t i g o s 3 4 . º e 3 5 .º , a s s i s t i u - s e à l i m i t a ç ã o d a c a p a c id a d e d a s a s s o c i a ç õ e s o u c o r p o r a ç õ e s p e r p é tu a s a o s i n t e r e s s e s l e g í t i m o s d o i n s t i t u t o , i m p e d i n d o - s e a s a s s o c i a ç õ e s n ã o l u c r a t i v a s d e d e t e r b e n s i m ó v e i s q u e n ã o f o s s e m i n d i s p e n s á v ei s a o d e s e m p e n h o d o s s e u s d e v e r e s . F e c h a v a -s e , m e -s m o -s e m a u t o c o n -s c i ê n c i a , o pr i n c í p i o d a e -s p e c i a l i d a d e – c o m o r e f er e A n t ó n io M e n e z e s C o r d e i r o , i n “ M a n u a l d e D i r e i t o d a s S o c i e d a d e s ”, I , 2 .ª e d i çã o , 2 0 0 7 , pá g . 3 3 4 . F u n d ad o n o d e s a pa r e c i m e n t o d o s do i s p i l a r e s h i s t ó r i c o - d o g m á t i c o s e m q u e t a l p r i n c í p i o a ss e n t a v a , a po i a d o n a s o l u ç ã o p r e co n i z a d a po r F e r r e r C o r r e i a r e l a t i v a m e n t e à c a p a c i d a d e d a s p e s s o a s c o l e c t i v a s ( “ … e s t e n d e - s e a t o d o s o s d i r e i t o s e o b r ig a ç õ es q u e , s e g u n d o a n a t u r e z a d a s c o i s a s o u a í n d o l e d a s u a d i s c i p l i n a l e g a l , n ã o f o r e m i n s e p a r áv e i s d a p e r s o n a l id a d e s i n g u l a r . ” ) e n a e x p l i c a ç ã o f o r n e c i d a p o r A n t u n es V a r e l a s o b r e o a r t i g o 1 6 0 . º , n .º 1 , C . C i v i l – c o n s a g r a ç ã o l e g a l t a r di a d o p r i n c í p i o d a e s p ec i a l i d a d e – d e q u e o m e s m o , f a c u l t a n d o o s d i r e i t o s e d e v e r e s c o n v e n i e n t e s à p r o s s e c u ç ã o d o s f i n s d a p e s s o a c o l e c t i v a , a t e n u o u l a r g a m e n t e o r i g o r d a e s p e c i a l i d a d e , c h e g a n d o a u m a s o l u ç ã o a p a r e n t e m e n t e m a i s a m p l a d o q ue a d o C ó d i g o d e S e a b r a , M e n e s e s C o r d e i r o d e f e n d e o e n t e n d i m e n t o d e q u e a c a p a c i d a d e d a s p e s s o a s c o l e c t i v a s s ó po d e r á s e r l i m i t a d a a t r a v é s d e l e i s e s p e c í f i c a s , t e n d e n d o , a s s i m , a s e r a ba n d o n a do o a l u d i d o pr i n c í p i o c o m o m e i o d e c o n s e c u ç ã o d e t a l o b j e c t i v o ; e c o n c l u i , a p á g s . 3 3 8 , o b . c i t . , q u e : “ … o d e n o m i n a d o p r i n c í p i o d a e s p e c i a l i d a d e n ã o r e s tr i n g e , h oj e , a c a p a c i d a d e d a s p e s so a s c o l e c t i v a s : t a l c o m o e m e r g e d o a r t i g o 1 6 0 . º /1 , e l e d i z - n o s , n o f u n d o , q u e t o d o s o s d ir e i t o s e o b r i g a ç õ e s s ã o , s a l v o ex c e p ç õ e s … , a c e s s í v e i s à s p e s s o a s co l e c t i v a s . ” . 3 F a c e a o t e x t o d o i n v o c a d o n . º 4 – “ A s c l á u s u l a s c o n t r a t u a i s e a s d e l i b e r a ç õ e s s o c i a i s q u e f i x e m à s o c i e d a d e d e t e r m i n a d o o bj e c t o o u p r o í ba m a p r á t i c a d e c e r t o s ac t o s n ã o l i m i t a m a c a p a c i d a d e d a s o c i e d a d e, m a s c o n s t i t u e m o s ó r g ã o s da s o ci e d a d e n o de v e r d e n ã o e x c e d e r e m e s s e o b j e c t o o u d e n ã o p r a t i c a r e m e s s e s a c t o s ” – r e s u l t a c l a r o ( o q u e n ã o s u c e d i a a n t e s d o Có d ig o da s S o c ie d a d e s C o m e r c i a i s ) q u e o o b j e c t o s o c i a l n ã o li m i t a a c a p a c i d a d e , c o m o , a pr o pó s i t o , r ef e r e , a pó s c o t e j o d a s d i s p o s i ç õ e s d o s n . º s 1 e 4 d o p r e c e i t o e m a p r e ç o , H en r i q u e M e sq u i t a , i n “R . O . A . , A n o 5 7 ”, p ág . 7 3 1 “ … a cap a c i d a d e d e g o z o d a s s o c i e d a d e s c o m e r c i a i s n ã o é l i m i t a d a p e l o r es p e c t i v o o b j e c t o m a s é s e m p r e l i m i t a d a p e l o s e u f i m ” . U m a c t o s o c i a l e x c e d e o u é a l h e i o a o o b j e c t o d a r e s p e c t iv a s o c i e d a d e q u a n d o , a t e n d e n d o a o m o m e n t o d a s u a pr á t i c a , n ã o s ir v a à r e a l i z a ç ã o da a c t i v i d a d e q u e , n o s t e r m o s e s t a t u t á r i o s , a s o c i e d a d e p o d e ex e r c e r . , n ã o o c o r r e n do , as s i m , e n t r e o s d o i s m o m e n t o s , u m a r e l a ç ã o d e i n s t r um e n t a l i d a d e . O q u e n ã o s i g n i f i c a q u e o s ó r g ã o s s o c i a i s n ã o t e n h a m o d e v e r d e n ã o e x c e d er e m e s s e o b j ec t o , d ev e r c u j a v i o la ç ã o i m p l i c a s a n ç õ e s d i v e r s a s d a n u l i d a d e . A s s i m , p o r e x e m p l o , n a s s o c i e d a d e s p o r q u o ta s , o s g e r en t e s t ê m , e m r e g r a , p o d e r e s s uf i c i e n t e s p a r a a s v i n c u l a r e m p o r ac t o s a l h e i o s a o o b j e c t o s o c i a l , p o d e n d o , t o d a v i a , a so c i e d a d e i nv o c a r a i n ef i c á c i a , e m r e l a ç ã o a e l a , d o s a ct o s q u e u l t r a p a s s e m o o b j e c t o s o c i a l , q u a n d o f a ç a a p r o v a d e q u e o t e r c e i r o c o n h e c i a o u n ã o p o d i a i g no r a r , t e n d o em c o n t a a s c i r c u n s t â n c i as , q u e o ac t o e x c e d i a o o bj e c t o so c i a l , n ã o t e n d o o me s m o s i d o , e n t r e t a n t o , a s s u m i d o p el o s s ó c io s ( n . º 2 , a r t . º 2 6 0 . º ) . O u t r a s p o s s í v e i s s a n ç õ e s p e l a p r á t i c a d e a c t o s e s t r a n h o s a o o b j ec t o s o c i a l s ã o a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l d a a d m i n i s t r a ç ã o p a r a c o m a s o c i ed a d e ( a r t s . 6 . º , n .º 4 , 6 4 .º e 7 2 .º ) , e a d e s t i t u i ç ã o c o m j u s t a c a u s a d e m e m b r o s d a a d m i n i s t r a ç ã o ( a r t s . 6 . º e 6 4 . º , c i t s . , 1 9 1 .º , 4 - 7 , e 2 5 7 .º ) .
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de gozo de direitos da sociedade comercial
4, face ao teor literal do
seu n.º 1:”A capacidade da sociedade compreende os direitos e as
obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim
…” , de tal sorte que, em regra, estarão fora da capacidade da
sociedade os actos gratuitos, os actos pelos quais a mesma dá a
outrem uma prestação ou contrapartida.
3 – Mas, desde logo e porque a capacidade de gozo das
pessoas colectivas não é idêntica à das pessoas singulares, ela
sofre de limitações legais (direitos e obrigações vedados por lei
5,
v. g. os direitos de uso e de habitação que a nossa lei – arts. 1484.º
e segs. do Código Civil – reserva para as pessoas humanas) e das
limitações ditadas pela natureza das coisas, ou sejam, os direitos e
obrigações inseparáveis da personalidade singular (situações
jurídicas familiares ou sucessórias que, pela sua natureza, visam
apenas pessoas singulares; situações de personalidade, também
nestas centradas: direito à saúde, à vida e à integridade física;
situações patrimoniais que pressupõem a intervenção de uma
pessoa singular, v. g., a qualidade de trabalhador subordinado; e
várias situações de direito público contemplando pessoas
singulares, v.g. o direito ao voto em eleições públicas), consoante a
previsão contida no aludido n.º 1 do citado artigo 6.º.
4 A u t o r e s h á q u e , n ã o o b s t a n t e , d e f e n d e m a c a p a c i d a d e j u r í d i c a g er a l o u g e n ér i c a d a s o c i e d a d e , e n t e n d e n d o q u e o a f a st a m e n t o d o f i m t r a d u z u m a m e r a i r r e g u l a r i d ad e e n ão u m v í c i o f u n d a m e n t a l d o a c t o – v . g . , O l i v e i r a A s c e n s ã o , i n “ D i r e i t o C i v i l - T e o r i a G e r a l ” , v o l . I , p á g . 2 6 6 , e L u í s S e r p a O l i v e i r a , i n R . O . A . , 5 9 . º , I , J a n . / 9 9 , p á g s. 3 8 9 a 4 1 2 , “ P r e s t a ç ã o d e G a r a n t i a s p o r S o c i e d a d e s a D í v i d a s d e T e r c e i r o s ” , e s t u d o d e q u e n o s p e r m i t i m o s t r a n s c r e v e r a s se g u i n t e s c o n c l u s õ e s q u e b e m i l u s t r a m o r e f e r i do e n t e n d i m e n t o : “ 1 . ª - A 1 . ª D i r e c t i v a c o m u n i t á r ia s o b r e d ir e i t o d a s so c i e d a d e s e s t a b e l e c e u , n o s e u a r t . º 9 . º , a r e g r a da v i nc u l a ç ã o à so c i e d a d e d o s a c t o s p r at i c a d o s p e l o s s e u s ó r g ã o s s o c i a i s , d e n t r o d a s c o m p e t ê n c i a s q u e a l e i l h e s c o n f e r e o u p e r m i t e c o n f e r i r , m e s m o q u e t a i s a c t o s s e j a m c o n s i d e r a d o s u l t r a v i r e s ; 2 . ª - E m c o n s e q u ê n c i a d e s t a r e g r a , e d o m o d o c o m o e l a f o i t r a n s p o st a p a r a o d ir e i t o n a c i o n a l , a d o u t r i n a p a s s o u a c o n s i d e r ar q u e , e m m a t é r i a d a c a p a c i d a d e d a s p e s s o a s c o l e c t i v a s e x i s t e u m a a t r i b u i ç ã o g e n é r i c a , m e s m o q u e p a r a d et e r m i n a d o s a c t o s d e u m c e r t o t i p o , a p e s s o a c o l e c t i v a c a r e ç a d e le g i t i m i d a d e – a d e t e r mi n a ç ã o , e m c o n c r e t o , d e t a i s a c t o s a p u r a - s e a t r a v é s d o f i m i m e d i a t o d a p e s s o a c o l e c t i v a o u d a so c i e d a d e c o m e r c i a l , s e n d o a l e g it i m i d a d e r e s p e c t i v a a t r i b u í d a e m c o n c r e t o ; 3 . ª - A s s i m , é d e s a d e q u a d o a f i r m a r , p e l o m e n o s e m t e s e g e r a l , q u e a s p e s s o a s c o l e c t i v a s e , e m e s p e c i a l , a s s o c i e d a d e s c o m e r c i a i s e s t ã o s u j e i t a s a u m a i n c a p a c i d a d e , p o d en d o s u c e d e r , e m c a s o s m u i t o d e t e r m i n a d o s , q u e e x i s t a a p e n a s u m d e s v i o e m r e l a ç ã o a o f im d a p e s s oa c o l e c t i v a , j á q u e a r e s p e c t i v a c a p a c i d a d e é g e n é r i c a e n ã o e s p e c í f i c a . ” . 5 A e s t e r e s p e i t o , d e f e n d e M e n e z e s C o r d e i r o , i n o b . c i t . , p á g . 3 4 3 , q u e n ã o h á a q u i u m v e r d ad e i r o p r o b l e m a de ( i n ) c a p a c i d a d e : h á , s i m , u m a p r o i b i ç ã o l e g a l , s e n d o q u e a i n o b s e r v â n ci a d a s l i m i t a ç õ e s l e g a i s à p o s s i b i l i d a d e d a p r á t ic a p e l a s p es s o a s c o l e c t i v a s , d e c e r t o s a c t o s , c o n d u z , e m p r i n c í p i o , à n u l i d ad e d o a c t o p o r v i o l a çã o d e l e i e x p r e s s a ( 2 9 4 . º ) o u p o r i l i c i t u d e ( 2 8 0 . º , n . º 1 ) : n ã o p o r i n c a p a c i d a d e .
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4 – A despeito da afirmação contida na parte final da
conclusão 2, certo é que parece não bastar a simples gratuitidade
dos actos praticados pela sociedade para que os mesmos sejam
colocados fora da respectiva capacidade, uma vez que – e cada vez
mais na conjuntura actual
6– as sociedades lançam mão de actos
desse tipo, que validamente podem praticar, desde que, segundo a
terminologia legal, eles se mostrem necessários ou, pelo menos,
convenientes à prossecução do fim societário.
5 – A latitude com que o preceito legal (art.º 6.º, n.º 1, C.S.C.)
intenta, assim, definir o âmbito da capacidade da sociedade é de tal
modo ampla que pode conduzir a que, na prática, seja postergado o
dito princípio da especialidade, sendo certo que, no limite, defere a
qualificação do acto praticado para a apreciação casuística das
circunstâncias que envolveram a respectiva formalização, a tal não
escapando, a nosso ver, as liberalidades
7que possam ser
consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as
condições da própria sociedade
8, eleitas pelo n.º 2 do mesmo artigo
como não contrárias ao fim da mesma.
6 É c a d a v e z m a i s f r e q ue n t e a s e m p r e s a s i nt e r v i r e m , s e m c o n t r a p r e s ta ç ã o , n a p r o m o ç ã o d e o b j e c t i v o s c u l t u r a i s , d e s p o r t i v o s , a s s i s t e n c i a i s , o q u e n ã o p r ej u d i c a r á a f i n a l i d a d e g e r a l d a s o c i e d a d e , q ue n ã o d e m an d a q u e t o do e q u a l q u er a c t o s e u p r o d uz a l u cr o , a n t e s r e q u e r q u e t a i s a c t i v i d ad e s s e i n s i r a m e m o b j e c t i v o s g e n e r i c a m e n t e l u c r a t i v o s . 7 P e s e e m b o r a e s t a s l i b e r a l i d a d e s s e r e m i d e n t i f i c a d a s g e r a l m e n t e c o m o d o n a t i v o s c o n f o r m e s a o s u s o s i n t e g r a d o s n o c o n j u n t o d e t é c n i c a s e m é t o d o s u s a d o s n a d e f i n i ç ã o d a e s t r a t é g i a c o m e r c i a l n o s s e u s d i v e r s o s a sp e c t o s , p a r t i c u l a r m e n t e , n o s e s t u d o s d e m e r c a d o ( “ V i d e ” P . º C . P . n . º 1 0 6 / 2 0 0 3 D S J - C T , n o t a 9 de r o da p é ) . 8 E n q u a n t o p a r a a l g u n s ( “ v i d e ” O s ó r i o d e C a s t r o , i n R .O . A . , 1 9 9 8 , p á g .5 7 9 ) , f a l t a a e s t a s l i b e r a l i d a d e s o e sp í r i t o d e l i b e r a l i d a d e p e l o q u e j u s ta m e n t e n ã o s ã o d o a ç õ es, s e n d o a s d o a çõ e s a l t r u í s t a s v á l i d a s a p e na s s e s e v er i f i c a r o r eq u i s i t o d o j u s t i f i c a d o i n t e r e s s e p r ó pr i o d a s o c i e d a d e pr e v i s t o n o n . º 3 d o a r t i g o 6 . º, par a o u t r o s ( “ v i d e ” C o u t i n h o d e A b r e u , i n o b . c i t . , p á g s . 1 9 5 e s e g s . ) , a d i s p o s i ç ã o c o n t id a n o i n v o ca d o n .º 2 do ar t i g o 6 . º é “… um a n o r m a e s s e n c i a l m e n t e d i r i g i d a a d o a çõ e s . N e m t o d a s a s l i b e r a l i d a d e s o u a c t o s g r a t ui t o s s ã o d o a ç õ e s ( v . g . , n ã o s ã o d o a ç õ e s o m ú t u o g r a t u i t o , o c o m o d a t o , a p r e s t a ç ã o g r a t u i t a d e p e n h o r ) . M a s a s l i b e r al i d a d e s - n ã o d o a ç õ e s , … p o d e m n ã o s e r n u l a s , p o d e m e n t r a r n o c í r c u l o d a c a p a c i d a d e d a s s o c i e d a d e s m e s m o q u e n ã o s e j a m c o n s i d e r a d as u s u a i s . E s t e p r e c e i t o j á é ne c e s s á r i o … p a r a c o n s i d e r a r v á l id a s , n ã o c o n t r á r i a s a o f i m s o c ia l , c e r t a s d o a ç õ e s . To d a a do a çã o r eq u e r , a l é m d o e sp í r i t o d e l i b e r a l i d a d e, u m a a t r i b u i ç ã o p a t r im o n i a l a o d o n a t á r i o s e m c o r r e s p ec t i v o , d e q u e r e s u l t a i m e d i a t a m e n t e u m a d i m i n u i ç ã o d o p a t r i m ó n i o d o d o ad o r ( a r t . º 9 4 0 . º , n . º 1 , C . C. ) . O r a , h á d o a ç õ e s f e i t a s h a b i t u a lm e n t e p o r s o c i e d a d e s c o m f i n a l i d a d e ( o u t a m b é m c o m f i n a l i d a d e ) i n t e r e s s e i r a p a r a p r o m o v e r a s v e n d a s do s s e u s p r o d u t o s , a um e n t a r a p r o d u t i v i dad e , a c r e d i t a r o n o m e e a i m a g e m , p a g ar m e n o s i m p o s t o s … . T e n d o e m v i s t a o s t e m p o s q u e c o r r e m , t o d a s e s t a s d o a ç õ e s , q u a n d o a s i t u a ç ã o p a t r i m o n i a l d a s s o c i e d a d e s o p e r m i t a , h ã o - d e s e r c o n s i d e r a d a s u s u a i s ; e n t r a m , p o i s , n o c a m p o d e a p l i c a ç ã o d o n . º 2 d o a r t .º 6 .º . N ã o o b s ta n t e , m e s m o s e m e s t a n o r m a , e l a s i n c l u i r - s e - i a m n a c a p a c i d a d e s o c i e t á r i a - m o s t r a m - s e c o n v e n i e n t e s à p r o s s ec u ç ã o d o f i m s o c i a l ( n . º 1 , a r t . º 6 . º ) . O n d e
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6 – A circunstância de, no caso “sub judice”, se estar em
presença de uma doação pura feita a menor parece excluir, à
partida, a possibilidade de se tratar de um dos figurados actos
gratuitos susceptíveis de cabimento na esfera da capacidade de
gozo da sociedade doadora, justificáveis à luz do fim lucrativo
societário.
Acontece que mesmo assim, não olvidando as contraditórias
interpretações doutrinárias de que o preceito legal em apreço tem
sido alvo, e tendo embora presente a dificuldade em configurar uma
situação na qual a doação de um imóvel a menor se insira no fim
social de obtenção de lucro – entendemos que, face à
indisponibilidade dos elementos objectivos capazes de nos permitir
a apreciação de tal facto, não deverá ser recusado o ingresso no
registo – como já não o foi a titulação – do respectivo negócio
jurídico, por não ser manifesta a sua nulidade.
9Face ao exposto, entendemos que o recurso merece provimento.
Deliberação aprovada em sessão do Conselho Técnico de 31 de
Janeiro de 2008.
Maria Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira, relatora.
Maria Madalena Rodrigues Teixeira, vencida, com declaração de voto em
anexo.
Esta deliberação foi homologada pelo Exmo. Senhor Presidente
em 12.02.2008.
s e r e v e l a a p l e n a u t i l i d a d e d o n . º 2 d o a r t .º 6 . º é n o c a m p o d a s d o a ç õ e s f ei t a s c o m e s p í r i t o a l t r u í s t a . ” . 9A c o m p a n h am o s , d e s t e m o d o , n a s i t u a ç ã o c o n c r e t a , a o r i e n t aç ã o s u f r aga d a ( p o r u n a n i m i d a d e ) , e m t e s e g e r a l , po r e s t e C o n se l h o n o a tr á s c i t a d o P. º C . P . 1 0 6 / 2 0 0 3 D S J - C T .
In st it ut o d o s Re gi st os e d o N o ta ri a d o . mo d. 4
Proc. R.P. 122/2007 DSJ-CT
Declaração de voto
1. Voto vencida o parecer com base no seguinte entendimento:
Considerando o disposto no artigo 6º do Código das Sociedades Comerciais
(CSC), do título deveriam constar, pelo menos, a invocação de um fim
interessado ou interesseiro que, em abstracto, permitisse arredar o ânimo
ou escopo altruísta – artigo 6º, nº1, do CSC - ou quaisquer elementos
que, no entender da sociedade doadora permitissem classificar a doação
como usual, segundo as circunstâncias da época e as condições da
sociedade – artigo 6º, nº2, do CSC.
Na verdade, não compete ao conservador apreciar em concreto das razões
da doação ou liberalidade e, designadamente, decidir se preenchem ou não
os requisitos de validade do acto contidos no artigo 6º do CSC, porquanto,
tratando-se de conceitos amplos e sem definição legal, na livre apreciação
de prova a que estes requisitos naturalmente se achariam sujeitos em
sede judicial poder-se-ia, efectivamente, chegar a resultado ou conclusão
diversos.
A meu ver, a diferença está em que, se nada constar no título o valor
negativo do acto pode oscilar entre o ser inequivocamente nulo – porque
inexiste interesse - e o poder ser nulo – porque existe interesse, ainda
que o mesmo possa vir a ser julgado como juridicamente irrelevante.
Parece-me, por isso, que atenta a finalidade do registo, a exigência de
indicação no título de um interesse na liberalidade ou de uma perspectiva
de usualidade na doação não visam habilitar o conservador a decidir em
definitivo sobre a validade do negócio jurídico - tratando-se de um acto
que pode provocar a diminuição do património afecto à garantia do
passivo, caberia, em primeira linha, aos credores demonstrar a falta de
interesse ou a impossibilidade da doação poder ser considerada conforme
aos usos sociais e às condições da sociedade – antes se justifica como um
mínimo de controlo de legalidade – artigo 68º do Código do Registo Predial
- pela necessidade de vincular o doador a uma finalidade ou propósito
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