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O pathos nosso de cada dia: psicanálise aplicada à saúde no trabalho

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Academic year: 2021

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1 O pathos nosso de cada dia: psicanálise aplicada à saúde no trabalho

Jaqueline Ferreira

Minha prática como psicanalista junto ao corpo técnico e/ou trabalhadores de uma empresa privada faz com que me valha, aqui, da concepção psicanalítica de trabalho. Considerando o trabalho como uma experiência subjetiva em uma organização, pretendemos levantar algumas considerações sobre o normal e o patológico.

Lacan considera o que Marx define como “mais-valia” como “mais-de-gozar”. O discurso capitalista, em sua dimensão global, anuncia que tudo é possível e incita a sociedade ao consumo ao gozo a mais. Se, por um lado, as organizações precisam daquilo que há de mais humano – criatividade, emoção, sensibilidade –, por outro, acirram a competitividade no ambiente de trabalho, alteram o contrato com os trabalhadores para vínculos pautados exclusivamente no desempenho e resultados.

Vamos partir daelaboração do conceito de laço social:1) em Freud, instituído a partir das renúncias pulsionais advindas do advento da interdição do incesto e o insucesso do parricídio, e 2)em Lacan,nas matrizes dos quatro discursos –do mestre, universitário, da histérica e do(a) analista – até a formulação do discurso capitalista.

O trabalho éuma modalidade de laço sociale traduz-se em um investimento pulsional propiciador de saúde ou pathos. Para pensarmos essas duas caracterizações do trabalho, apresentamos as contribuições de Foucault e Canguilhem. O primeiro caracteriza o indivíduo e a sociedade,desde o século XVIII, regulados pela norma e a disciplina, designados por ele como biopoder. O segundo define o normal como variações quantitativas em relação ao anormal. As contribuições dos autores também nos permitem pensar qual a modalidade discursiva preponderante nas organizações e quais os efeitos sobre os trabalhadores, bem como quais as respostas subjetivas ao trabalho: saúde ou pathos.

Segundo Canguilhem, o estado patológico não é a ausência de qualquer norma, mas a doença é uma norma de vida incapaz de se transformar em outra norma. Já a saúde é a possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir outras normas diante de situações novas.

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2 O laço social em Freud

Para Coelho dos Santos (2010), em “Projeto para uma psicologia científica” (1950 [1895]), Freud considera o desamparo como a fonte de todos os motivos morais e o modelo originário das relações humanas se realiza a partir do acolhimento do Outro materno diante dessedesamparo primordial. A origem da civilização com o parricídio éa tese sustentada por Freud em “Totem e tabu” (1912-13). Esse crime de autoria coletiva teria se perpetuado como consciência inconsciente de culpa, superego enraizado naquilo que, em cada indivíduo, motiva o laço social.Com o assassinato do pai que gozava de todas as mulheres, os filhos tiveram de abdicar do gozo ilimitado e fundaram uma comunidade fraterna.

Martello (2014), ao comentar “Psicologia de grupo e análise do eu” (Freud, 1921), afirma que as noções freudianas de identificação e ideal do eu nos permitem também esclarecer o modo de constituição do laço social. “A concepção do ideal do ego permite um primeiro exame da estrutura social, de onde se retira que o ideal moral da civilização é constituído com base no narcisismo” (p.2). Diante da incapacidade de renúncia do modo de satisfação narcísica já obtida, a transferência da libido constitui o fundamento do laço social. Assim, a libido, aqui representante da pulsão, está inserida não apenas no fundamento do psiquismo, mas também no fundamento da organização social. O esclarecimento dos mecanismos identificatórios, a partir do ideal do ego, amplia o alcance da libido, tornando-a um instrumento na origem da organização social. Em “Além do princípio de prazer”(1920),o funcionamento psíquico está relacionado à quantidade de excitação presente na mente; o aumento de excitação produz desprazer e a redução produz prazer. Freud revela a descoberta de uma tendência à repetição na busca do mínimo de excitação, “retorno à quiescência do mundo inorgânico” (p.83), tendência à morte. A vida seria aquilo que resiste à morte, e Freud se vê compelido a afirmar que “o objetivo de toda vida é a morte” (p.56) e a possibilidade de vida consiste em frear essa tendência à morte.A existência de uma força pulsional mais poderosa do que a vontade de se curar e ser feliz leva o indivíduo a apegar-se ao seu sintoma e a repetir compulsivamente eventos desastrosos que dão indícios de não querer se curar.

Em “O mal-estar na civilização”(1930[1929]),a pulsão de morte é apresentada como uma agressividade onipresente e silenciosa nas relações humanas. Para Martello (2014), o superego será abordado pelo viés da agressividade que originalmente é tanto interna como externa, mas dirigida para fora. O fortalecimento do superego não advém

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apenas do componente agressivo do complexo de Édipo, da renúncia ao investimento libidinal, mas das consequências dessa renúncia agressiva. “Contra a autoridade externa, a renúncia da satisfação pela via do recalque é suficiente. Contra o superego essa renúncia não é suficiente, na medida em que o desejo persiste e não pode ser escondido” (p.1).O laço social é apresentado não apenas como vicissitudes da libido, mas também sob o aspecto radical da pulsão de morte. Em vários momentos, vemos e estrutura referida ao ideal do egosemelhante à estrutura do superego, sendo o segundo o representante internalizado da estrutura social ao cumprir seu papel recalcante diante das pulsões sexuais. E o conflito psíquico é estruturado pela tensão egoica entre as exigências sociais e as exigências pulsionais.

Freud (1930[1929]), em “O mal-estar na civilização”, considera o trabalho, e também os relacionamentos humanos a ele vinculados como relacionado à economia da libido, sendo o trabalho a principal técnica para garantir ao indivíduo um lugar seguro na sociedade. Todas as modalidades de laço social serão permeadas por um mal-estar, um mal-entendido, mas a fonte de sofrimento mais penosa é aquela resultante de nossas relações com os outros. O trabalho, “como caminho para a felicidade, [...] não é altamente prezado pelos homens” (p.99), e a grande maioria das pessoas trabalha sob a pressão da necessidade. Entretanto, nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende tão firmemente o homem à realidade como a ênfase concedida ao trabalho, pois este lhe fornece um lugar seguro entre os demais. O trabalho é também uma técnica que permite deslocar para os relacionamentos a ele referidos grande quantidade de componentes libidinais, sejam eles narcísicos, agressivos ou eróticos. Mas a fonte de satisfação especial é aquela livremente escolhida por meio da sublimação e capaz de tornar possível o uso de inclinações existentes e de pulsões persistentes. Podemos depreender da leitura de Freud que o trabalho cumpre a função de promotor do laço socialdo indivíduo com a sociedade.

Discurso e modalidades de laço social

Coelho dos Santos (2010) apresenta a estrutura do laço social equivalente a de um discurso, ou seja, os laços sociais são soluções de compromisso entre o desejo de um e a censura de todos, entre o sujeito e a civilização. O discurso, para Lacan (1969-1970),cumprirá a função de tentar circunscrever o ilimitado do gozo e cada um dos discursos revela modalidades distintas deste, formas de tentar contornar o incontornável. São quatromodulações de gozo, determinadas pela composição de quatro

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elementos. Os lugares podem serocupados por quatro elementos distintos einscrevem um novo modo discursivo. São dois campos distintos: o do “Sujeito”, onde situamos o “agente” e a “verdade”, e o do outroonde se apresentam o “outro” e a “produção”. Esses dois campos discursivos nos permitem compreender o que chamamos de laço social, e essese dá entre dois campos e não entre dois sujeitos. Um “agente” movido por uma “verdade” se dirige ao “outro” que reponde com sua “produção”. Em outras palavras, a dominante de cada modalidade de laço é “agente” de uma “verdade”, que tem a intenção de fazer com que o “outro”“produza” algo.

De acordo com Coelho dos Santos e Sant‟Anna (2009), Lacan reduziu o sujeito aparelhado como sintoma nessas quatro modalidades discursivas, por meio da permutação de quatro notações: S1 (significante mestre), S2 (saber), $ (sujeito dividido

pelo significante) e o objeto a (lucro, mais-valia, mais-de-gozar). Quatro lugares arranjados como um tetraedro. Essas quatro notações mudam de lugares, no sentido horário, permitindo a emergência de quatro discursos: do mestre, universitário, da

histérica e do(a)analista (p.123).

O discurso do mestre demonstra a ação da palavra, o S1, com sua ação sobre o

outro, deixando o sujeito assujeitado ao significante mestre. No discurso do mestre, o objeto a designa um “mais-gozar”no lugar da “produção”, aqui entendida como Marx nos ensinou, isto é, como resultado do trabalho. E o S1 é o significante que ordena,

significante mestre que intervém sobre S2, sendo esse segundo o que condensa os outros

significantes.O mestre está com a verdade e o escravo está com o saber e o gozo.

No discurso universitário, o $ é o “produto” e o saber é o “agente”. O sujeito sofre os efeitos do saber, vetor no mal-estar na civilização com o qual ele não sabe o que fazer. O S2 como “agente” dominante do discurso universitárioconvoca um saber

poderoso, universal. Nesse discurso, o saber está no lugar de senhor, tiranizando o outro, tratando-o como objeto (a), como resto, como coisa.

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O discurso da histérica ($) dirige-se ao mestre (S1), e a histérica oferece seu

sintoma como enigma para ser decifrado pelo saber do mestre, para melhor demonstrar a falha do outro. O produto do discurso da histérica é um saber (S2), mas é um

saberalienado ao outro.

O discurso do analista é aquele que se coloca no lugar de objeto a, causa do desejo que provoca a palavra. O S2, o saber construído, está no lugar da “verdade”,

saber suposto ao analista, mas também aoinconsciente.Discurso que permite aparecer equívocos, mal-estares, mal-entendidos, para que se produza um S1, significante

singular. O sujeito ($) no discurso do analista é um sujeito ativo, inventivo, um sujeito que trabalha, e que não está pronto e acabado.

Todas as matrizes discursivas apresentadas são formas de laço social, tentativas de contornar o impossível, o mal-estar constitutivo de nossa divisão subjetiva.

O trabalho e o discurso capitalista

Lacan (1969-1970) levanta uma questão relativa ao discurso do mestre, isto é, como esse discurso pode ter mantidosua dominação, pois explorados ou não, os trabalhadores trabalham. E acrescenta, “Jamais se honrou tanto o trabalho, desde que a humanidade existe. E mesmo, está fora de cogitação que não se trabalhe. [...] Isto é um sucesso, então, do que chamo de discurso do mestre” (idem, p.160). Podemos dizer que o capitalismo mudou o discurso do mestre. Tal afirmativa pode ser esclarecida com a posição de Lacan sobre o mais-de-gozar: “[...] a partir de certo dia, o mais-de-gozar se conta, se contabiliza, se totaliza. Aí começa o que se chama de acumulação de capital” (idem, ibidem). O a mais que o capitalista retira do trabalho proletário se acrescenta ao capital, e é contabilizado, segundo Marx, como “mais-valia”, ou seja, representa o lugar ambíguo do “trabalho a mais”, do “mais de trabalho” (p.17), isso para explicitar que a entrada do homem no mundo do trabalho, na perspectiva capitalista, engendra uma nova modalidade de fruição, o lucro – a lógica de funcionamento da sociedade moderna seriaa de um excesso, um gozo-a-mais.

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Mrech (2010), ao comentar Lacan (1972), afirma que ele introduz o matema do discurso do capitalista, preservando o lado direito do algoritmo tal qual no discurso do mestre, ou seja, invertendo o lado esquerdo, considerado o lado do sujeito. O ($) ocupa o lugar de “agente”, mas a seta sai diretamente do objeto a, mais-de-gozar, em direção ao sujeito barrado ($), indicando que o objeto-mercadoria torna-se o que causa o desejo do sujeito. Assim, o objeto de fato é o sustentador desse discurso, indicando um apagamento do sujeito diante do objeto. O saber (S2) é transformado em mercadoria e

passa a valer de acordo com o que se pode vender ou comprar. “Prima-se pela eficiência técnica e pelo saber bem aplicado, visando resultados que não ocasionem perdas, sejam elas de energia, tempo, dinheiro ou qualquer outra forma de investimento” (p.3). Temos a passagem da relação entre homens para a relação entre coisas, dada a inexistência de vetor entre agente e o outro, evidenciando a fragilidade do laço social. O laço social a partir do discurso capitalista é um laço particularizado que altera as relações em jogo na existência (relações pessoais, sociais, de trabalho e outras), assim como no funcionamento dos outros discursos.

Lacan (1950),em “Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia”, discute o conceito de coletividade, argumentando que a sociedade exige dos indivíduos uma “integração vertical extremamente complexa e elevada da colaboração social, necessária à sua produção”, por outro lado, “propõe aos sujeitos [...] ideais individuais que tendem a se reduzir a um plano de assimilação cada vez mais horizontal” (p.146). Essa fórmula designa um aspecto dialético numa civilização, ou seja, o alcance do ideal individualista até então desconhecido.

Para Foucault (1988), a partir do século XVIII, o poder sobre a vida desenvolveu-se, sobretudo, em dois polos interligados: no corpo como máquina, no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões e na sua integração a sistemas de controle eficazes, procedimentos de poder caracterizados como disciplinas “anátomo-política do

corpo humano” (Foucault, 1988, p.151); e no “corpo-espécie” (idem, p.152), corpo esse

transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos como a proliferação, o nível de saúde, a longevidade, processos de controle e controles reguladores, denominados “biopolítica da população” (idem, ibidem). “Abre-se, assim, a era de um „biopoder‟” (idem, ibidem).

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O biopoder é atrelado ao desenvolvimento do capitalismo e aos mecanismos de poder: “Esse biopoder, sem a menor dúvida, foi elemento indispensável ao desenvolvimento do capitalismo, que só pôde ser garantido à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção por meio de um ajustamento dos fenômenos de população aos processos econômicos” (p.153-154). Uma das consequências deste desenvolvimento do biopoder é a importância crescente assumida pela atuação da norma, com a tarefa de cuidar da vida – que terá a necessidade de mecanismos contínuos, reguladores e corretivos, a expensas do sistema jurídico e da lei. Poder esse que pela sua natureza tem que “qualificar, medir, avaliar, hierarquizar” (Foucault, 1988, p.157, grifo nosso).

Segundo Teixeira (2008), é Canguilhem quem nos esclarece que a psicologia, a partir do século XIX, foi se afirmando como prática de expertise, tendo como função determinar objetivamente a capacidade técnica dos indivíduos. Esse processo de reificação instrumental converte os sujeitos em entidades mensuráveis, procedimento perfeitamente alinhado ao modo de organização capitalista, esforço explícito de estabelecer critérios de equivalência formal,dos objetos reduzidos à forma de mercadoria, tal como descrito por Marx.

Passemos às contribuições de Canguilhem para pensarmos o trabalho como saúde ou phatos.

O trabalho: o normal e o patológico

Canguilhem (2011) considera imenso o problema das estruturas e dos comportamentos patológicos no homem.Em O normal e o patológico,o autor afirma: “Trata-se de uma tese segundo a qual os fenômenos patológicos são idênticos aos fenômenos normais correspondentes, salvo pelas variações quantitativas” (p.8). Vejamos, a seguir, algumas implicações de tal postulado.

Compete ao próprio ser vivo, considerado em sua polaridade dinâmica, a responsabilidade de distinguir o ponto em que a doença tem início. Isso pressupõe que o indivíduo será sempre o ponto de referência. Trata-se de evidenciar o “ser doente” a partir de uma norma individual. Sigerist, apud Canguilhem (2011), também insiste na relatividade individual do normal biológico, ou seja, nas condições do indivíduo examinado (p.125-126). “Portanto, se o normal não tem a rigidez de um fato coercitivo coletivo, e sim a flexibilidade de uma norma que se transforma em sua relação com as condições individuais, é claro que o limite entre o normal e o patológico torna-se

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impreciso” (Canguilhem, 2011, p.126). Isso não implica uma continuidade entre normal e patológico idênticos em essência. A fronteira entre o normal e o patológico é bem precisa para um único e mesmo indivíduo, ou seja, aquilo que é normal em determinadas condições poderá se tornar patológico se permanecer inalterado. O indivíduo é quem avalia essa transformação, pois é ele quem sofre as consequências e se sente incapaz de realizar determinadas tarefas impostas por uma nova situação (p.126).

O estado patológico não é a ausência de qualquer norma, mas a doença é uma norma de vida incapaz de se transformar em outra. Ser vivo doente é aquele que “perdeu a capacidade normativa, a capacidade de instituir normas diferentes em

condições diferentes” (p.127, grifo nosso). Assim, os sintomas patológicos expressam

as relações estabelecidas entre o organismo e o meio; correspondem à norma modificada pelas transformações do organismo, alterações de normas em um organismo modificado.“A doença surge quando o organismo é modificado de tal modo que chega a reações catastróficas no meio que lhe é próprio” (Goldstein, apud Canguilhem, 2011,p.128-129). O doente é doente por sua incapacidade de ser normativo, sendo capaz de admitir somente uma norma. Dessa forma, “a doença não é uma variação da dimensão da saúde; ela é uma nova dimensão da vida” (p.129).

As concepções de alguns autores apresentadas por Canguilhem (2011) evidenciam que o estado patológico não se reduz linearmente do normal. Segundo Goldstein (apud Canguilhem, 2011):“Curar, apesar dos déficits, sempre é acompanhado de perdas essenciais para o organismo e, ao mesmo tempo, do reaparecimento de uma ordem. A isso corresponde uma nova norma individual”(p.137). A redução em maior ou menor número dessas possibilidades de inovação, de uma nova ordem, é que dá a medida da gravidade da doença. ParaCanguilhem (2011), se considerarmos que a doença não deixa de ser uma espécie de norma biológica, o estado patológico só pode ser considerado anormal em relação a determinada situação. E, quanto à saúde, “Ser sadio significa não apenas ser normal em uma situação determinada, mas ser, também, normativo, nessa situação e em outras situações eventuais” (p.138). E afirma: “O que caracteriza a saúde é a possibilidade de ultrapassar a norma que define o normal momentâneo, a possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir normas novas em situações novas” (p.138). E acrescenta: “a saúde é uma margem de tolerância às infidelidades do meio” (p.139). A vida para o ser vivo não é uma dedução monótona ou um movimento retilíneo, tanto que as categorias de saúde e doença não podem ser assim reconhecidas a não ser no plano da experiência. “A saúde é um guia regulador das

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possibilidades de reação. A vida está, habitualmente, aquém de suas possibilidades, porém, se necessário, mostra-se superior à sua capacidade presumida” (p.140). O homem sadio mede sua saúde pela capacidade de superar as crises orgânicas e instaurar uma nova ordem, assim como se considera com boa saúde se alguém se sente adaptado ao meio e às suas exigências, além de ser normativo é capaz de seguir novas normas de vida.

Considerar o normal e o patológico como diferenças de intensidade em suas manifestações significa, paraCanguilhem (2011), estabelecer outra relação com os conceitos de saúde e doença, em que a primeira é definida como criadora de valor das normas vitais e a segunda como um modo de viver mediante as flutuações do meio.

Retomando os conceitos freudianos de pulsão de vida e morte, vemos que o primeiro se impõe ao segundo como forma de garantir a continuidade da vida, a cura e a capacidade de ser feliz, sendo a pulsão um instrumento da organização social. No mundo contemporâneo, de constantes pressões e crescentes exigências de maior performance profissional, as respostas subjetivas ao ato de trabalhar poderão ocorrer via saúde ou pathos, variantes da capacidade de enfrentar as flutuações do meio, bem como reveladoras de intensidades pulsionais, de vida ou de morte.

Referências

CANGUILHEM, G. (2011) O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

COELHO DOS SANTOS, T. e SANT‟ANNA, A. (2009) A psicanálise aplicada às organizações: sobre os efeitos subjetivos do discurso do capitalismo, in COELHO DOS SANTOS,Tânia(Org.) Inovações no ensino e na pesquisa em psicanálise aplicada, Rio de Janeiro: 7 Letras.

COELHO DOS SANTOS, T. (2010) A dimensão real da inserção social na ordem simbólica. Disponível em <www.isepol.com/asephallus/numero_11/artigos.html>. Acesso em 31.07.2014.

FOUCAULT, M. (1988) História da sexualidade I: A vontade saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon. Rio de Janeiro: Graal.

FREUD, S. (1976) Edição da standard brasileira de obras completas de Freud. Rio de Janeiro: Imago.

______.(1930 [1929]) “O mal-estar na civilização”, v. XI, p.73-171. ______. (1920) “Além do princípio do prazer”, v.XVIII, p.13-85.

______. (1921) “Psicologia de grupo e análise do eu”, v.XVIII, p.89-179. ______. (1912-13)“Totem e tabu”, v. XIII, p.13-194.

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LACAN, J. (1998/1950) Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

______. (1968-70/1992) O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

MARTELLO, A. (2014 [1930]) “O mal-estar na civilização”. Disponível em: <www.isepol.com/mal_estar_civilizacao.html>. Acesso em 21/07/2014.

______. (2014 [1921])“Psicologia das massas e análise do eu”. Disponível em: <www.isepol.com/psicologia_massas.html>. Acesso em 21/07/2014.

MRECH, L. (2010) Sujeito dividido, proliferação de objetos e desinserção social: os laços sociais e o discurso capitalista na cultura contemporânea. Disponível em: <www.isepol.com/asephallus/numero_11/artigo_05_revista11.html>. Acesso em 21.07.2014.

TEIXEIRA, A. (2008) “O objeto da psicanálise no impasse da avaliação”, in Psicologia

em Revista 37, Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p.37-46, junho 2008. Disponível em:

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