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As garantias constitucionais do investigado no inquérito policial e o tempo do inquérito como tempo de pena

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GUILHERME RODRIGUES DE MORAES

AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INVESTIGADO NO INQUÉRITO POLICIAL E O TEMPO DO INQUÉRITO COMO TEMPO DE PENA

NITERÓI 2017

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GUILHERME RODRIGUES DE MORAES

AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INVESTIGADO NO

INQUÉRITO POLICIAL E O TEMPO DO INQUÉRITO COMO TEMPO

DE PENA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientadora Profª. Esther Benayon Yagodnik

Niterói, RJ 2017

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direito Moraes, Guilherme Rodrigues de.

As garantias constitucionais do investigado no inquérito policial e o tempo do inquérito como tempo de pena / Guilherme Rodrigues de Moraes. – Niterói, 2017.

1. Inquérito policial. 2. Processo penal. 3. Direitos e garantias individuais. 4. Duração razoável do processo. 5. Contraditório.

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GUILHERME RODRIGUES DE MORAES

AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INVESTIGADO NO INQUÉRITO POLICIAL E O TEMPO DO INQUÉRITO COMO TEMPO DE PENA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito.

Aprovado em: 15/12/2017

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________________ Profª. Esther Benayon Yagodnik - UFF

Orientadora

______________________________________________________________________ Prof. Arthur Cunha da Costa Lima - UFF

______________________________________________________________________ Profª. Joyce Abreu de Lira - UFF

______________________________________________________________________ Prof. Victor Hugo Pacheco Lemos - UFF

Niterói, RJ 2017

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me dado as forças necessárias ao longo de toda a minha vida e me guiado nos momentos de maior dificuldade.

Aos meus pais Carla e Waldo por todo o apoio e carinho, desde o sustento material até o suporte espiritual e motivacional. Por terem feito sacrifícios para que eu tivesse as melhores oportunidades disponíveis e por sempre terem me amado do jeito que eu sou.

Ao meu irmão Michel e minha avó Celina pela companhia diária e pelo incentivo nos momentos que eu precisei.

A minha orientadora, Profª. Esther, pelo auxílio na elaboração deste trabalho e pelas aulas ministradas.

Ao meu psicólogo Sérgio por ouvir pacientemente e me prestar a necessária ajuda para lidar com os problemas da vida.

A Flávia e Millena pela amizade e companheirismo ao longo do curso, especialmente nos últimos e críticos períodos da faculdade.

A Leonardo e Nathália pela fiel companhia e por serem amizades marcantes de uma nova e importante fase da vida.

A Pedro Henrique pela amizade que vêm desde a época do ensino fundamental e perdura até o fim deste curso.

Aos meus primos Marina e Rafael por, desde a minha infância, serem grandes amigos e fontes de inspiração.

Aos meus orientadores do estágio Bruno e Hellen por terem sido sempre pacientes e me ajudado no crescimento profissional.

A todo o restante da minha família, dos meus amigos e aqueles que, embora não citados diretamente, tiveram também importante papel para o meu crescimento pessoal.

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“A agonia da incerteza tornou-se, afinal, intolerável e, com cautela, movi-me para diante, com os braços estendidos, os olhos saltando-me das órbitas, na esperança de apanhar algum débil raio de luz.”

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RESUMO

O objetivo deste artigo foi analisar se as garantias constitucionais do processo poderiam ser aplicadas na fase de inquérito policial de modo a proteger os direitos e dignidade do investigado. Não obstante a visão tradicional seja de que o inquérito é uma fase pré-processual, este trabalho irá mostrar que as garantias do processo devem ser aplicadas também nesta etapa. O artigo se restringe a focar em duas das principais garantias do processo, traduzidas pelo princípio do contraditório e ampla defesa e o princípio da duração razoável do processo. Além de dissertar sobre a importância de tais princípios, o artigo busca explicitar os graves prejuízos do descumprimento das garantias constitucionais, mesmo na fase de inquérito. Considerando a existência do instituto da detração, busca-se argumentar que deveria ocorrer consequência semelhante em caso de violação às garantias constitucionais, uma vez que a liberdade do indivíduo também está sendo restringida de certo modo em razão do abalo psicológico sofrido com a investigação.

Palavras-chave: Inquérito, processo, garantias constitucionais, investigado, duração razoável, contraditório.

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ABSTRACT

The purpose of this article was to analyze whether the constitutional guarantees of the process could be applied at the police investigation stage in order to protect the rights and dignity of the suspect. Although the traditional view is that the investigation is a pre-procedural phase, this work will show that the guarantees of the process must also be applied at this stage. The work is restricted to focus on two of the main guarantees of the process, which are the principle of adversarial procedure and the principle of the trial within a reasonable time. In addition to discussing the importance of such principles, the article seeks to make explicit the grave prejudices caused by non-compliance with constitutional guarantees. Considering the detraction institute, it is argued that a similar consequence should occur in case of violation of constitutional guarantees, since the freedom of the person of interest is also being restricted somehow due to the psychological damage suffered because of the investigation.

Key words: Investigation, process, constitutional guarantees, suspect, reasonable time, adversarial procedure.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO ... 10

2. O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E O TEMPO DO INQUÉRITO COMO TEMPO DE PENA ... 16

CONCLUSÃO... 23

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INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo abordar o inquérito policial sob o ponto de vista das garantias constitucionais do investigado. Para tanto, necessário se faz definir o inquérito policial e descobrir se as garantias constitucionais do processo podem ser aplicadas a ele. De modo simplório, o inquérito pode ser definido como um procedimento desenvolvido pela autoridade policial 1 para obter os indícios de autoria e a prova da materialidade de um crime 2. Para obter a chamada “justa causa”, a autoridade policial desenvolve uma investigação que

traz consequências práticas na vida de diversas pessoas, especialmente o investigado, por este correr o risco de responder a um processo. Por esse motivo, necessário se faz refletir acerca das garantias e dos direitos que estão presentes na fase de inquérito policial.

Deste modo, este artigo buscará mostrar como os princípios constitucionais normalmente ligados ao processo propriamente dito podem ser aplicados também na fase de inquérito policial. Embora existam diversos princípios que poderiam ser comentados, o objetivo do trabalho é focar em dois dos mais importantes: o contraditório e a duração razoável do processo. Embora o inquérito tenha natureza inquisitorial segundo doutrina majoritária, há direitos mínimos de defesa do investigado a serem respeitados para que o mesmo não seja tratado como mero objeto de investigação. Já a duração razoável do processo poupa o investigado de vivenciar um tempo excessivo de angústia e incerteza. Não obstante a legislação não mensure essa “duração”, a razoabilidade deve ser avaliada de acordo com os demais princípios fundamentais, especialmente da dignidade da pessoa humana, macroprincípio do ordenamento jurídico 3.

Além disso, o artigo objetiva mostrar os prejuízos, alguns deles irremediáveis, gerados pelo descumprimento de tais princípios. O desrespeito ao princípio do contraditório, por exemplo, pode comprometer as provas obtidas na fase de inquérito. Defende-se aqui um contraditório amplo em que o advogado possa, inclusive, interferir em provas periciais, formulando quesitos. Caso contrário, as provas obtidas acabarão prejudicadas pela parcialidade da autoridade policial.

1 Ismar Estulano Garcia define o procedimento como a documentação das diligências efetuadas pela Polícia

Judiciária. (GARCIA, 2004).

2 Segundo Afrânio Silva Jardim, trata-se do lastro probatório mínimo para dar suporte à acusação formulada.

Desse modo, a prova da materialidade e os indícios de autoria, elementos que o inquérito objetiva adquirir, formam a justa causa para a deflagração da inicial acusatória. (JARDIM, 2007).

3 Segundo Flávia Piovesan, trata-se de super princípio no qual a ordem jurídica encontra seu próprio sentido,

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Do mesmo modo, o desrespeito à duração razoável do processo pode trazer prejuízos irreparáveis, uma vez que o tempo de angústia e aflição nunca será recuperado. Ademais, como será abordado posteriormente, quanto maior a demora, maior a chance de uma punição injusta, pois a pessoa punida não será a mesma que cometeu o crime, já que os seres humanos estão em constante transformação.

Em razão de tais prejuízos, seria razoável que o investigado no inquérito policial tivesse uma espécie de compensação por ter suas garantias violadas; especialmente no caso do desrespeito à duração razoável do processo, o tempo de investigação no inquérito poderia ser contado também como tempo de pena, de modo relativizado. As violações de garantias constitucionais não podem passar impunes. Os argumentos de que o inquérito é de natureza inquisitorial ou que é uma mera fase pré-processual não são suficientes para justificar descumprimento de direitos fundamentais. Esse desrespeito aos direitos fundamentais deve acarretar consequências, como será discutido mais adiante, sendo que um dos assuntos a serem abordados posteriormente é a possibilidade de abatimento do tempo do inquérito na contagem do tempo de pena em conceito semelhante ao utilizado com o instituto da detração (artigo 42 do Código Penal).

1. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO

O princípio do contraditório é previsto expressamente na Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 5º, inciso LV. O contraditório pode ser definido, basicamente, como o direito à manifestação. Ou seja, ambas as partes em um processo devem ter o direito de expor seus argumentos e tentar influenciar a decisão judicial. Tal definição aplica-se tanto no âmbito do direito civil como do direito penal. No direito penal ganha uma importância ainda maior quando ligado ao direito de manifestação do réu ou investigado. Uma vez que o sujeito está em risco de ter um de seus maiores direitos restringidos pelo Estado, o direito à liberdade, ele deve ter todos os meios possíveis para se manifestar em todas as partes do procedimento buscando o convencimento do Juízo.

Assim, o contraditório ao longo do processo é caracterizado pela possibilidade de o acusado e de seu defensor/advogado terem conhecimento de todos os atos praticados e terem o direito de manifestação acerca deles. O artigo 263 do Código de Processo Penal, por exemplo, dá ao acusado o direito da autodefesa e da defesa técnica, ou seja, o direito de defender-se, caso tenha habilitação, e o direito de nomear um defensor de sua confiança para

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defendê-lo. São exemplos também da aplicação do princípio a possibilidade de o acusado manifestar-se acerca do oferecimento da denúncia através da resposta à acusação (artigo 396 do Código de Processo Penal), bem como apresentar alegações finais (artigo 403 do mesmo diploma legal).

Não obstante a inegável importância do princípio seja reconhecida unissonamente pela doutrina na fase do processo penal propriamente dito, uma parcela minoritária apenas defende a sua aplicação já na parte do inquérito policial. Ademais, nas poucas vezes em que se fala sobre o princípio já nesta fase pré-processual, este costuma se restringir apenas ao direito do advogado de assistir o investigado na delegacia, conforme prevê a súmula vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal. No entanto, o princípio na fase de inquérito não se restringe apenas ao conteúdo de tal súmula, sendo razoável que o advogado participe mais diretamente do procedimento, como será abordado adiante.

Debruçando-se sobre a doutrina, percebemos que a maioria dos autores não conceitua o inquérito policial como um processo que possui garantias.4 No máximo, afirmam ser uma fase pré-processual. André Nicolitt, por exemplo, afirma tratar-se de um procedimento administrativo, no qual não existiria o contraditório.

O inquérito policial tem natureza administrativa, trata-se de verdadeiro procedimento administrativo. (...) O inquérito policial, como o dissemos, é um procedimento. Assim, o que distingue o procedimento do processo é a existência ou não do contraditório. Na fase do inquérito, não há contraditório, portanto ele é inquisitivo. NICOLITT, 2013.

Não obstante a posição do autor, há na doutrina entendimento de que seria possível a aplicação dos princípios constitucionais do processo na fase de inquérito policial, ainda que este não seja ainda um processo. Aury Lopes Junior, por exemplo, citado por Tiago Augusto Wolker, defende a possibilidade de garantias constitucionais no inquérito, inclusive do contraditório.

Desta forma, Aury Lopes defende a tese de que se deve aplicar sim o contraditório e o direito de defesa no inquérito policial (...) cita que o indiciado pode exercer no inquérito policial a autodefesa positiva ou negativa (...) O indiciado também possui o direito a defesa técnica, que é o acompanhamento do ato do interrogatório por um profissional do direito. WOLKER, 2017.

4 Guilherme de Souza Nucci, por exemplo, afirma tratar-se de procedimento preparatório da ação penal, de

caráter administrativo. (NUCCI, 2008). Eugênio Pacelli afirma que é a fase pré-processual da persecução penal. (PACELLI, 2014).

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O investigado pode, então, durante o inquérito, apresentar sua autodefesa, mais comumente quando é chamado para prestar declarações na delegacia. Lá, ele pode apresentar a versão própria do ocorrido (autodefesa positiva), ou ainda, pode exercer o direito ao silêncio, desmembramento do artigo 5º, inciso LXIII, da Carta da República (autodefesa negativa). Pode ainda receber o auxílio de seu advogado ou defensor quando do colhimento de seu depoimento, conforme a já mencionada súmula vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, deve-se reconhecer a interpretação extensiva do dispositivo constitucional quando utiliza a expressão “acusados em geral” para se referir aos titulares do direito ao contraditório. O artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, assegura aos “acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Dessa forma, deve-se entender que o termo “acusado” abrange também os investigados no inquérito policial, uma vez que estes já são acusados de certo modo, ainda que não formalmente. Ademais, no espírito do Estado Democrático de Direito, não há que se restringir direitos com fundamento apenas em discussões terminológicas. Na defesa dessa interpretação extensiva, muito bem afirma Gracimeri de Castro Gaviorno:

Ainda que se entenda que acusado seja adjetivo utilizado para indicar a condição de réu em um processo penal, a expressão “em geral” não pode ter outro significado senão o de conferir uma interpretação extensiva do vocábulo. Isso porque no imaginário popular, acusado é qualquer pessoa suspeita de crime, independente de ter contra si um processo criminal instaurado. Uma interpretação em sentido diverso vai de encontro ao espírito do legislador constituinte e aos anseios do povo brasileiro que, naquele momento histórico, esperava da Carta Democrática um amplo respeito aos direitos individuais e à dignidade do homem. GAVIORNO, 2017.

Na análise do Direito Comparado, mais especificamente o Direito italiano, percebemos que, realmente, há melhores alternativas do que o uso do vocábulo “acusado” no dispositivo constitucional. Tal uso acaba dando margem a interpretações restritivas das garantias fundamentais. Tourinho Neto, ao manifestar-se sobre a redação do artigo 5º, inciso LV, da Carta da República, afirma que “acusado” é termo usado só quando já está instaurada a ação penal. Dessa forma, no inquérito policial, não haveria acusado, e sim indiciado, e a este não estariam assegurados o contraditório e a ampla defesa.

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Não obstante afirmar que não existiria o contraditório e a ampla defesa na fase do inquérito policial, o autor reconhece que uma melhor alternativa seria o texto da Constituição Italiana, que prevê tais garantias em qualquer fase do procedimento. Nas palavras dele, “avançada, e acertadamente, está a Constituição italiana, o país do juiz “das mãos limpas”, que no artigo 24, reza: ‘A defesa é direito inviolável em qualquer estado ou grau de procedimento’”. (TOURINHO NETO, 2017).

Não obstante as divergências doutrinárias, parece apropriada uma interpretação extensiva do dispositivo constitucional de modo a proteger o máximo possível as garantias constitucionais. E embora a existência do contraditório na fase de inquérito não possa ser reduzida ao simples acompanhamento do advogado nos atos processuais, deve-se reconhecer que tal direito é um desmembramento do princípio do contraditório. O direito de comunicação do advogado com o seu cliente, ainda que este esteja detido pela autoridade policial (artigo 7º, inciso III, da Lei nº 8.906/94 ) e o direito de acesso aos autos do inquérito (artigo 7º, inciso XIV, do mesmo diploma legal) nada mais são do que garantias do exercício ao contraditório e da ampla defesa, ainda que na fase pré-processual, mostrando que o interesse do Estado na persecução criminal não pode se sobrepor aos direitos fundamentais do indivíduo investigado. Como afirma Romeu de Almeida Salles Junior, o advogado pode, inclusive, requerer a realização de diligências cabíveis pela autoridade policial.

(...) muito embora as providências a serem tomadas no curso do inquérito devam ser determinadas pela autoridade competente, nada impede que o advogado requeira a realização daquelas que entender indispensáveis à defesa de seu constituinte, ficando a critério do delegado deferi-las ou não, conforme a respectiva relevância e pertinência para a apuração objetiva do fato ou da sua autoria. SALLES JUNIOR, 2005.

É necessário, portanto, que haja o respeito a um contraditório efetivo já na fase de inquérito, uma vez que este, por si só, já pode constituir uma pena em razão do estigma e da angústia sofridos. E como contraditório efetivo deve-se entender justamente a possibilidade de uma participação mais direta do advogado, requerendo diligências ou formulando quesitos para a perícia, por exemplo 5. Tal possibilidade poderia até mesmo facilitar e agilizar o processo judicial, uma vez que certos questionamentos que surgiriam apenas na fase processual já teriam sido respondidos na fase de inquérito.

5 O artigo 159 §3º do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de o acusado indicar assistentes técnicos e

formular quesitos para a perícia. Entende-se, em favor de uma interpretação extensiva do dispositivo, que tal possibilidade estende-se também ao investigado no inquérito, ainda que não haja indiciamento.

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Devemos entender que a garantia do contraditório, no espectro do Estado Democrático de Direito, não faz sentido se for reduzida de acordo com a conveniência e arbítrio estatais. Como um dos direitos fundamentais, não pode sofrer reduções e deve ser interpretado da forma mais ampla possível. Como afirma Eugênio Pacelli, não é possível entender a ciência do processo penal afastada do referencial constitucional.

A ciência do processo penal brasileiro inicia o século XXI com pelo menos uma grande pretensão de certeza: a de que não é mais possível empreender qualquer pesquisa dogmática afstada do referencial constitucional. Aliás, mesmo no plano exclusivamente teórico, afastada de um específico sistema normativo, toda investigação que se queira fazer ao nível de uma teoria processual estará fadada, não ao insucesso de seus resultados possíveis, mas ao inevitável questionamento acerca da pertinência de seus propósitos, quando não inserida em determinado ordenamento constitucional. PACELLI, 2012.

A existência do princípio do contraditório no curso do processo não é sequer questionada pela maioria dos juristas, mas sua aplicação na fase de inquérito ainda encontra profunda resitência. Um questionamento surge com a aplicação do princípio do contraditório e outras garantias já no inquérito policial. As provas colhidas no inquérito poderiam, então, ser usadas para condenar o réu, uma vez que foram produzidas sob o crivo do contraditório? Embora seja um questionamento pertinente, tal fato já ocorre na prática, de certo modo.

Observa-se que não é incomum ver juízes utilizando de elementos do inquérito para condenar o réu, sob a justificativa de tais elementos estarem harmonizados com as demais provas colhidas 6. Ora, se há a utilização de tal artifício, ainda sem haver previsão legal 7, deve haver pelo menos uma garantia mínima de contraditório na fase pré-processual, constatada ao menos no auxílio do advogado ao seu cliente quando inquirido em sede policial, situação já assustadora para muitos.

6 Segundo jurisprudência da 3ª Turma do TRF da 1ª Região (Processo ACR 27348020114014200), a retratação

em juízo do depoimento prestado pelo agente à autoridade policial não retira seu valor probante, pois não há como desconsiderá-lo quando harmonizado com as demais provas produzidas e serve de supedâneo à condenação. De igual modo, segundo jurisprudência da Sexta Câmara Criminal, do TJ-RS (Processo ACR 70043074335), a confissão do réu em sede policial deve ser considerada quando analisada sistematicamente com os dizeres da vítima.

7 Pelo contrário, o artigo 155 do CPP determina que o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente em

elementos informativos colhidos em fase de investigação. Não obstante o uso do vocábulo “exclusivamente” possibilite a interpretação a contrario sensu do dispositivo, no sentido de que o juiz pode se basear em tais elementos se aliados a outros colhidos com o crivo do contraditório, tal interpretação possibilitaria fundamentações muito subjetivas para legitimar a valoração de provas obtidas sem garantias constitucionais.

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Devemos reconhecer também que, mesmo com a aplicação do princípio na fase pré-processual, o contraditório no inquérito provavelmente não teria o mesmo peso que o contraditório no processo judicial, de modo que, ainda assim, não justificaria a valoração das provas obtidas no inquérito no processo. O que deve ser pensado é que a violação de garantias em ambas as fases devem ser combatidas e devem acarretar consequências. Sob o ponto de vista do Estado Democrático de Direito, da proteção às garantias individuais e da dignidade da pessoa humana, não seria adequado defender que princípios sejam aplicados em uma fese do procedimento e restringidos em outra. Essa contradição é bem demonstrada por Amilton Bueno de Carvalho.

A seguinte hipótese bem demonstra o teratóide gerado pela valoração da prova policial: imagine-se, na instrução judicial, a inquirição de testemunha sem a presença defensiva; a solução é por demais simples (e por todos aceita): o ato é nulo; no entanto, dá-se valor a inquirição celebrada em Delegacia de Polícia sem o advogado do indiciado. Como justificar isso racionalmente? E o princípio da racionalidade está na base do labor judicante. CARVALHO, 2017.

Nesse sentido, o autor supracitado parece levantar um importante questionamento: Por que só haveriam consequências quando a violação aos princípios ocorrem no curso do processo, não havendo consequências semelhantes quando o mesmo ocorre no curso do inquérito? Se, na instrução judicial, a violação ao contraditório acarreta em consequência tão grave (nulidade do ato praticado), a mesma violação em fase pré-processual também deveria acarretar consequências.

O sujeito no inquérito já sofre com a angústia da investigação, investigação esta que pode durar longos anos. São longos anos em que ele não sabe se será processado, se será preso, se será chamado novamente para depor ou se terá o seu inquérito arquivado. É uma incerteza que pode trazer graves abalos psicológicos na vida de uma pessoa. Essa angústia será acentuada se baseada numa investigação inconstitucional. O nosso ordenamento jurídico parece entender que só há violência contra o investigado no inquérito policial no caso de prisão preventiva, de modo que existe o instituto da detração (artigo 42 do Código Penal). No entanto, mesmo contra o investigado solto, pode existir um tipo de violência, ainda que menos acentuada, de modo que a violação de suas garantias também deve acarretar em consequências, semelhantemente ao que já ocorre com a detração, assunto que será desenvolvido adiante no trabalho.

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2. O PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E O TEMPO DO INQUÉRITO COMO TEMPO DE PENA

O princípio da duração razoável do processo, previsto na Constituição da República, no artigo 5º, inciso LXXVIII, talvez seja um dos mais difíceis de se definir, especialmente porque não há previsão legal de qual seria o limite de tempo para que o Estado perca a sua legitimidade de punir. Com exceção dos prazos de prescrição, não há outro limite que se impõe à demora excessiva dos procedimentos. Desse modo, a fixação de um limite fica à interpretação da doutrina e análise da jurisprudência 8, o que é um problema, pois dificulta o exercício de um possível controle sob a duração dos procedimentos.

Muitos dos crimes de maior gravidade, cujo prazo de prescrição se estende a vinte anos, têm investigações longas, complexas e cansativas, sem que o investigado tenha qualquer certeza de quando obterá uma resposta da autoridade policial ou do Juízo. Em alguns casos, é chamado repetidas vezes para prestar depoimento na delegacia, sem qualquer definição se o inquérito será arquivado ou se prosseguirá para o oferecimento da denúncia. São períodos em que o investigado sofre com a incerteza de sua vida.

Em razão dessa demora excessiva, muitas vezes caracterizada por um abuso ou uma ineficiência do Estado em matéria de persecução penal, seria razoável a aplicação do princípio mesmo diante de uma fase entendida por muitos como “pré-processual”. Isto porque, mesmo sem ser denunciado, o investigado no inquérito ainda pode sofrer danos em razão de estar na iminência de ser processado 9. Cabe observar também que o investigado não pode ser

prejudicado em razão da ineficiência do Estado em concluir o procedimento, mas pelo contrário, ele deve ser compensado por tal ineficiência.

A aplicação do princípio da duração razoável do processo ainda na fase de inquérito policial é defendida por Aury Lopes Junior. Afirma o autor que o inquérito deve ser concluído da forma mais célere possível.

8 Ruchester Marreiros Barbosa, delegado de polícia e professor de processo penal, constata que atingida uma

proporção aproximada de 2/5 entre o tempo de duração do processo (também extensível, segundo ele, à investigação preliminar) e o prazo prescricional do crime, já haveria violação à garantia fundamental da duração razoável do processo. (BARBOSA, 2017). Nesse sentido, há também jurisprudência do STJ, em HC 209406/RJ, que constatou a violação em caso de homicídio (prescrição em 20 anos) em que houve inércia do Estado por 7 anos.

9 Segundo André Nicolitt, a garantia fundamental da duração razoável do processo se aplica ao inquérito em

razão das repercussões relevantes do procedimento investigatório sobre a esfera da dignidade da pessoa humana, com fundamento no artigo 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil. (NICOLITT, 2014).

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O inquérito deverá ser concluído com a maior brevidade possível e, em todo o caso, dentro do prazo legal. Ademais, não há que se esquecer do direito de ser julgado no prazo razoável, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição (...) cuja incidência na fase pré-processual é imperativa e inafastável. JUNIOR, 2011.

Não obstante a existência do princípio, o que ocorre na prática é o excessivo prolongamento dos procedimentos, alguns até o advento do prazo de prescrição. Na legislação, o prazo para conclusão do inquérito policial é definido no artigo 10 do Código de Processo Penal, sendo de dez dias com o indiciado preso e trinta dias com o indiciado solto. Ocorre que os prazos não são absolutos, eles podem ser prolongados, conforme parágrafo 3º do mesmo artigo, e verificando-se o cotidiano do Ministério Público e das delegacias, eles são alarmantemente prolongados. 10

A lei não impõe um limite para o número de vezes em que se pode pedir a prorrogação do prazo de um inquérito policial, de modo que, em muitos os casos, os inquéritos se revezam entre o Ministério Público e a Delegacia para o suposto complemento das diligências imprescindíveis à continuidade das investigações até o advento do prazo de prescrição, sem que surja nenhum elemento novo. Ou seja, a ingústia e o estigma sofridos pelo investigado no inquérito são prolongados sem necessidade.

Não é possível admitir que o descumprimento ao princípio da duração razoável do processo, com a normalização da “doutrina do não-prazo”, não tenha qualquer efeito prático, ficando o indivíduo a mercê da ineficiência estatal.11 Quando o investigado é preso preventivamente, o tempo que ele passou encarcerado é descontado na eventual aplicação de uma pena privativa de liberdade, como já prevê o Código Penal no artigo 42 com o instituto da detração. Conceito semelhante deveria ser aplicado para o indivíduo que passa tempo demasiado sendo investigado num inquérito policial, ainda que não esteja preso.

Muitas vezes, e especialmente em casos de crimes graves com longos prazos de prescrição, pode-se constatar um abuso do Estado no prolongamento dos prazos para conclusão do inquérito. Imagina-se a situação do investigado: ele é chamado para depor na delegacia, momento em que tem conhecimento de que está sendo investigado por um crime.

10 Nas palavras de Aury Lopes Junior, no inquérito policial, a regra geral é o descumprimento sistemático dos

prazos. Principalmente estando o sujeito em liberdade, os prazos para conclusão do inquérito policial não são obedecidos e, muitas vezes, prescrevem antes do oferecimento da denúncia. (JUNIOR, 2011).

11 A “doutrina do não-prazo” é expressão utilizada por Aury Lopes Junior ao criticar o alongamento excessivo

dos prazos do inquérito. Defende o autor que os prazos do inquérito deveriam ser fixados categoricamente e que deveria haver uma sanção em caso de descumprimento. (JUNIOR, 2011).

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Passados anos depois, o inquérito ainda está em andamento, não tendo o cidadão qualquer informação sobre se será processado ou se terá seu procedimento arquivado.

Inegável a angústia sofrida por esse indivíduo em razão da incerteza quanto ao seu futuro. Angústia essa semelhante à da prisão preventiva, mas em menor proporção em razão de o investigado não estar sendo efetivamente privado do seu direito de liberdade. A consequência inevitável, nesse caso, deve ser a redução da pena eventualmente aplicada, que é a mesma consequência da prisão preventiva, uma vez que o próprio processo em si já consitui uma pena, como muito bem afirma Aury Lopes Junior.

Entendemos adequado falar-se em uma nova pena processual decorrente desse atraso, onde o tempo desempenha uma função punitiva no processo. É a demora excessiva, que pune pelo sofrimento decorrente da angústia prolongada, do desgaste psicológico (o processo como gerador de depressão exógena), do empobrecimento do réu, enfim, por toda estigmatização social e jurídica gerada pelo simples fato de estar sendo processado. JUNIOR, 2005.

Embora a ideia de que o processo deva ser tratado como pena esteja normalmente ligada ao processo propriamente dito, a fase de inquérito policial também pode consituir uma pena. Isto porque o estigma social e a angústia provocada pela incerteza quanto ao seu destino são, senão os mesmos, ao menos semelhantes.

O investigado no inquérito policial é comumente chamado para prestar declarações na delegacia. Lá, frequentemente é vítima de um tratamento não muito cordial e já carrega em si a angústia por imaginar a possibilidade de vir a responder uma ação penal. Por esse motivo, já há na fase pré-processual uma pena a partir do momento em que o investigado toma conhecimento de que há um inquérito policial instaurado contra ele. Deve-se reconhecer, no entanto, a diferença entre estar sendo investigado num inquérito policial, ser réu num processo e estar preso preventivamente.

No último caso (da prisão preventiva), há efetivamente uma violência física, consistente na perda da liberdade do investigado, tratando-se, por esse motivo, de uma situação de maior gravidade. No primeiro e no segundo caso (estar sendo investigado num inquérito e ser réu num processo), há uma violência psicológica, consistente no abalamento emocional do indíviduo ao perceber que está tendo o seu convívio social em julgamento.

Apesar de a violência psicológica ser uma situação de profunda gravidade, parece menos grave do que a violência física, já que esta última restringe um dos maiores direitos do cidadão, que é o direito à liberdade. No entanto, mesmo sendo tipos de violência diferentes,

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deve-se reconhecer que ambas são violências. Sendo ambas violências, por que não aplicar a detração para ambas as situações? Fazendo-se a ressalva de que o aspecto punitivo de uma prisão preventiva não é o mesmo que o de uma investigação em fase pré-processual, não há motivos para que o instituto não seja aplicado nos dois casos. Reconhecendo-se a gravidade extremamente superior da primeira situação (a prisão preventiva), a detração também poderia ser aplicada ao investigado solto, relativizando, no entanto, a proporção do abatimento da pena.

Como mediríamos então a intensidade da punição para efeito da redução da pena a ser aplicada? Nesse sentido, a solução pode ser dada pela Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. A teoria explica como o tempo é relativo e relacionado a aspectos psicológicos do sujeito. Por exemplo, um evento marcado por tristeza e agonia parece durar muito mais do que um evento marcado por prazer e satisfação. Desse modo, em relação à prisão preventiva, em razão da violência física infringida ao investigado, sob o ponto de vista da relatividade do tempo, será situação mais grave do que o simples processo ou investigação ao indivíduo solto. A teoria é mencionada por Aury Lopes Junior em seu livro.

O tempo é relativo à posição e velocidade do observador, mas também a determinados estados mentais do sujeito, como exterioriza Einstein na clássica explicação que deu sobre a relatividade à sua empregada: quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora – Isso é relatividade. JUNIOR, 2005.

Enquanto o tempo de prisão, mesmo no curso do inquérito, é detraído, conforme artigo 42 do Código Penal, o tempo de investigação policial quando o investigado está solto não é detraído de nenhuma forma. Dado o sofrimento do investigado pelas já citadas razões, o tempo do inquérito poderia ser considerado também como tempo de pena, de modo relativo. No caso de uma prisão preventiva, parece evidente que o tempo deve ser contado da mesma forma que seria se o investigado estivesse efetivamente cumprindo a pena de prisão após a sentença penal condenatória transitada em julgado. Ou seja, se o investigado/réu cumpre um mês de prisão preventiva, é certo que um mês deve ser reduzido de sua pena após eventual sentença condenatória, como já prevê o artigo 42 do Código Penal com o instituto da detração. No caso do réu que responde o processo solto, no entanto, a violência e a punição não é a mesma que a de uma prisão preventiva.

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Então, o tempo deve ser considerado de modo relativo. Se, por exemplo, o sofrimento provocado ao réu pelo processo foi de 1/4 do que seria se tivesse preso, 1/4 do tempo de duração do processo deveria ser reduzido de sua pena final. No caso do investigado no inquérito policial, o sofrimento causado é, em tese, ainda menor. Portanto, digamos que o sofrimento gerado seja de 1/8 do que seria se estivesse preso preventivamente (ou metade do que seria se estivesse respondendo a um processo de fato). Nesse caso, 1/8 do tempo de duração do inquérito deveria ser reduzido da pena final.

Esse parâmetro é apenas uma sugestão, ressaltando-se a dificuldade em objetivar algo tão subjetivo. No entanto, apesar da complexidade do tema e da falta de exploração pelos teóricos do Direito, poderia ser possível chegar a uma solução após mais estudos sobre o assunto. Esse modo de encarar a aplicação da pena é apenas uma forma mais humanista de enxergar o Direito Penal, em consonância às garantias constitucionais, de modo que este não seja mero veículo de vingança, mas reconheça na figura do investigado um cidadão com direitos. E como qualquer cidadão com direitos, quando tais direitos são violados, ele deve ter uma forma de compensação.

O processo penal é uma ciência repleta de teorias, mas quando nos debruçamos sobre a aplicação prática, percebemos que há divergências. Enquanto na teoria, há diversas garantias do réu/investigado, tais como os princípios do contraditório e da duração razoável do processo aqui mencionados, na prática é possível identificar processos em demora excessiva e investigados sem terem acesso a assistência técnica de advogados/defensores. Se as garantias penais existirem só na teoria, qual seria o sentido da pena? Se fundamentada num processo sem garantias, a pena se aproximaria das ideias de vingança e castigo abordadas por Oswaldo Duek Marques.

Atualmente, embora os sistemas penais busquem alicerçar-se teoricamente em postulados tidos como racionais e científicos, com limites traçados pelos princípios fundamentais de direitos humanos, constantes em textos constitucionais, do ponto de vista prático arrimam-se em fundamentos míticos de vingança e castigo. MARQUES, 2016.

Há ainda uma outra problemática decorrente da duração excessiva do processo e consequente descumprimento do princípio constititucional de ser julgado em um prazo razoável. Esta é uma questão de viés filosófico pouco notada pelos doutrinadores do direito, mas muito bem explicada por Aury Lopes Junior. Atenta o renomado jurista para a

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problemática de se julgar no presente um acontecimento de um passado distante com base nas provas colhidas em um passado próximo.

O problema não seria tão relevante se as pessoas não mudassem, se permanecessem iguais ao longo de toda a vida, em uma aparente estagnação No entanto,as pessoas mudam, e a pessoa que é punida no presente não será a mesma que praticou o crime num passado distante. Na filosofia, é muito comum usar a famosa frase de Heráclito para explicar tal transformação do homem. O filósofo expõe bem como o ser humano está em constante transformação, assim como o mundo a sua volta, afirmando que nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na banhar-segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tampouco o homem.

Aplicando-se o conceito no processo penal, percebemos duas coisas: o fato que está sendo julgado não é o mesmo que foi praticado, uma vez que o fato é reconstruído de acordo com as provas colhidas e a chamada “verdade real” não é possível de ser alcançada, restando apenas uma espécie de “verdade virtual/processual”; ademais, o homem que está sendo julgado não é o mesmo que cometeu o suposto crime, uma vez que está sempre em processo de transformação.

Apesar de as mudanças serem constantes, tanto dos fatos (que mudam de acordo com as provas e indícios obtidos) como do homem, é possível amenizar a problemática com um processo justo e célere. Quanto maior o tempo de duração de um processo, maior a chance de o indivíduo ter efetivamente se transformado em um cidadão totalmente diferente do que cometeu o crime, situação em que estaríamos diante de uma punição injusta. Consequentemente, quanto menor o tempo de duração do inquérito, maior a chance de estarmos diante de uma punição justa, já que o indivíduo teve menos tempo para mudanças radicais. Daí a importância do princípio da duração razoável do processo.

Trata-se de um paradoxo temporal ínsito ao ritual judiciário: um juiz julgando no presente (hoje), um homem e seu fato ocorrido num passado distante (anteontem), com base na prova colhida num passado próximo (ontem) e projetando efeitos (pena) para o futuro (amanhã). Assim como o fato jamais será real, pois histórico, o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e, com certeza, não será o mesmo que cumprirá essa pena e seu presente no futuro será um constante reviver o passado. JUNIOR, 2005.

Nossa Constituição garante ainda que a pena não passará da pessoa do condenado no artigo 5º, inciso XLV. Não obstante o uso da palavra “condenado”, devemos entender que a

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pena não passará da “pessoa que cometeu o crime”. Afinal, se o sentido da pena é ressocializar, reinserir, enfim, “melhorar” a pessoa, não faz qualquer sentido se a pena é aplicada a pessoa diferente da que cometeu o crime.

Talvez o aspecto por vezes excessivamente dogmático do Direito cause estranheza para alguns entenderem, mas é evidente que as pessoas mudam, como já abordado no trabalho. Uma pessoa condenada por fato que cometeu dez anos atrás não é a mesma que quando da época em que cometeu tal fato. Se a pessoa que se pune não é a mesma, o mínimo que se pode fazer é reduzir a pena final, de modo que seja considerado que o indíviduo já cumpriu parcela da pena quando da investigação policial e quando do curso do processo.

Se provoca estranheza o pensamento de que um indivíduo que não está sequer sendo processado criminalmente pode estar sofrendo uma punição, devemos considerar que a punição não está só na privação da liberdade, mas especialmente no tempo. O investigado num inquérito policial sofre em decorrência do tempo esperado. Ao prestar depoimento em delegacias e ter contato com policiais, é frequentemente vítima de abusos físicos e/ou psicológicos (que podem constituir tortura). Observa-se o que diz Luiz Fernando Camargo de Barros Vidal sobre a tortura no decorrer do processo.

Ouvi de um colega que muito prezo, a propósito do tema da tortura, a seguinte observação: que novidade há no fato do réu alegar que foi torturado? Todos falam a mesma coisa! Pensei então se mentiras reiteradas se tornam verdades, ou se verdades reiteradas podem tornar-se mentiras. VIDAL, 2017.

A tortura sempre foi usada como um meio de investigação penal, principalmente para a obtenção de uma confissão. Acertadamente, o nosso ordenamento jurídico atual não possibilita que a confissão em fase de inquérito policial sirva como prova no processo; ela deve ser confirmada perante o juízo, vide artigo 155 do Código de Processo Penal. Se estamos diante de um sistema que, notoriamente, não costuma respeitar garantias constitucionais, especialmente na fase de inquérito, aceitar tal confissão seria aceitar confissões obtidas a qualquer custo. No passado, no Direito Romano, no entanto, tal confissão, obtida por tortura, era principal forma de prova, como diz Paraguassu:

No século IV, no Baixo Império Romano, a confissão obtida pela “questão” ou pela “tortura judiciária” ganha ainda mais importância, sendo a confissão a principal prova de um crime. A tortura torna-se um procedimento geral e habitual da investigação penal. SILVA, 2011.

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Passando para a situação atual brasileira, há que se reconhecer que não existe apenas tortura física, mas também psicológica, e que um indivíduo que vai prestar depoimento na delegacia na condição de investigado por um crime (especialmente em casos de crimes que possam provocar repulsa e indignação) não costuma receber um tratamento cordial. Tal fato somado à aflição por estar sendo investigado e também por estar sendo vítima de todo tipo de julgamento pelas pessoas que tem conhecimento do fato constituem já uma punição, punição esta que deve ser abatida da pena final.

Ainda não há um parâmetro para como tal abatimento seria feito, sendo que este trabalho traz apenas algumas considerações e sugestões, ressaltando-se que a temática ainda é pouco discutida pela doutrina. No entanto, ao intensificar os estudos na área, poderíamos chegar a uma solução concreta que amenizasse o sofrimento do investigado no curso do inquérito, bem como possibilitasse uma maior valorização de suas garantias.

CONCLUSÃO

As garantias constitucionais estão intrínsecas no Estado Democrático de Direito e não podem se desvencilhar do inquérito policial. Entender o contrário seria como tratar o investigado no inquérito como mero objeto à mercê da arbitrariedade estatal ao invés de tratá-lo como um sujeito de direitos. 12 Desse modo, o fim do processo penal deve ser, não a aplicação da pena, mas garantir o direito de liberdade da pessoa, de modo a controlar o poder punitivo estatal. Caso contrário, o investigado continuaria sendo mero objeto no processo penal.

Reconhecer as garantias constitucionais no inquérito policial nada mais é do que reconhecer o Estado Democrático de Direito. Assegurar e ampliar as garantias do cidadão é um meio de conter o Estado de Polícia (muito intenso especialmente em fase de inquérito) e o “Direito Penal do Inimigo”. 13 Em um Estado Democrático de Direito, o direito penal não

pode deixar de manter e aperfeiçoar as garantias dos cidadãos, de modo a reduzir o Estado de polícia. Caso contrário, o direito penal perderia sua essência e seu conteúdo, liberando poder punitivo de forma irresponsável e aniquilando o verdadeiro Estado de Direito.

12 Segundo Fabiana Zamalloa do Prado, o acusado deve ser concebido como sujeito de direitos, e não como mero

objeto de investigação. (PRADO, 2006).

13 Em sua clássica obra “O Inimigo no Direito Penal”, o autor argentino Raúl Eugênio Zaffaroni expõe o perigo

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Como vimos, ainda que consideremos o inquérito como uma fase pré-processual, não é possível admitir violação de garantias constitucionais em nenhuma fase do procedimento sob pena de não enxergar no investigado um ser humano, sujeito de direitos, mas um mero objeto de investigação.

Ademais, como tudo no âmbito do Direito produz uma consequência, a violação de tais garantias durante o curso do inquérito policial também deveria produzir consequências. Uma vez que quando o investigado está preso no curso do inquérito, já temos a consequência da detração (artigo 42 do Código Penal), semelhante consequência deveria ocorrer quando o investigado está solto. Como já abordado, uma solução seria contar o tempo do inquérito também como tempo de pena, de modo semelhante ao instituto da detração, mas de modo relativizado. Tal prática possibilitaria amenizar o dano psicológico causado pela demora excessiva e violação de garantias nos procedimentos. Deste modo, poderia existir um direito penal mais humano, atento às garantias constitucionais do investigado e não deixando que a violação destas passem impunes.

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UNIVERSIDAD E FEDERA L FLUMINENS E FACULDAD E D E DIREITO-COORDENAÇÃ O D O CURS O D E GRADUAÇÃ O AT A D E DEFESA-TRABALH O D E CONCLUSÃ O D E CURS O (TCC ) Ao s 1 5 dia s d o mê s d e dezembr o d o an o d e 2017 , reuniram-s e o s membro s d a banc a examinador a compost a pelo s professore s abaix o relacionado s par a examina r e avalia r a defes a ora l d o trabalh o intitulad o A S GARANTIA S CONSTITUCIONAI S D O INVESTIGAD O N O INQUÉRIT O POLICIA L E O TEMP O D O INQUÉRIT O COM O TEMP O D E PENA , apresentad o pelo(o ) discent e GUILHERM E RODRIGUE S D E MORAE S matrícul a n ° ^OO^^^^ , n o Curs o d e Bacharelad o e m Direit o dest a Faculdade , qu e tev e com o orientado r a professor a ESTHE R BENAYO N YAGODNIK . Apó s a apresentaçã o d o trabalh o o s membro s d a Banc a Examinador a atribuíra m a s seguinte s notas : SIAP E D O PROFESSO R NOM E D O PROFESSO R NOT A ATRIBUÍD A ASSINATUR A D O PROFESSO R ESTHE R BENAYO N YAGODNI K ARTHU R CUNH A D A COST A UM A JOYC E ABRE U D E LIR A VICTO R HUG O PACHEC O LEMO S MEDI A FINA L

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