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A Resolução Nº 125/2010 do conselho nacional de justiça como forma de efetivação do princípio da inafastabilidade da jurisdição no instituto da mediação

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A RESOLUÇÃO Nº 125/2010 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA

JURISDIÇÃO NO INSTITUTO DA MEDIAÇÃO

Florianópolis 2014

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A RESOLUÇÃO Nº 125/2010 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA

JURISDIÇÃO NO INSTITUTO DA MEDIAÇÃO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Paulo Roberto Sandrini, Dr.

Florianópolis 2014

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Agradeço a Deus por confiar a mim tão importante missão. Aos meus padrinhos, Paulo e Rosaura, por acreditarem em mim e me auxiliarem nessa jornada. Ao meu companheiro, Tiago, por me instigar a ser uma pessoa melhor todos os dias. Ao meu irmão, Lucas, pelas palavras de incentivo. Aos colegas de faculdade, por me mostrarem que a conclusão desse trabalho era possível. A todos que compreenderam a importância dessa etapa da minha vida, permanecendo ao meu lado, mesmo com a minha ausência. Ao professor Paulo Sandrini, que, com sua dedicação, me orientou com muita sabedoria.

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O presente trabalho discute a prática da mediação, buscando entender suas implicações com o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, estatuído no art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil. Para a consecução do objetivo foi utilizado o método dedutivo, utilizando-se a técnica de pesquisa bibliográfica e documental. A Jurisdição originou-se da soberania Estatal, como função necessária à manutenção da ordem jurídica estabelecida no Estado Democrático de Direito. Visando essa manutenção, foi consagrado o

princípio da inafastabilidade da jurisdição, que ordena que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Constatou-se que para o atingimento desse

objetivo na sociedade atual, foi necessário buscar alternativas que respondam à demanda da sociedade, não apenas no aspecto jurídico, como também no aspecto humanístico. A mediação inclui-se como uma dessas alternativas, pois abrange esses aspectos. A Resolução n.º 125/2010 do CNJ foi editada, introduzindo a mediação como mais uma das práticas no rol das práticas judiciárias do sistema jurídico nacional.

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1 INTRODUÇÃO... 10

2 A INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO... 12

2.1 JURISDIÇÃO: ORIGEM E CONCEITO... 12

2.1.1 Jurisdição quanto função estatal ... 16

2.2 O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO... 18

3 CONFLITO E COMUNICAÇÃO... 23

3.1 COMUNICAÇÃO E SEUS PRECEITOS... 23

3.2 A INSTAURAÇÃO DO CONFLITO ... 25

3.3 CARACTERÍSCAS DO CONFLITO ... 28

4 MEDIAÇÃO... 30

4.1 HISTÓRIA DA MEDIAÇÃO... 30

4.2 CONCEITO DE MEDIAÇÃO E A FIGURA DO MEDIADOR ... 31

4.3 O CONFLITO NA MEDIAÇÃO... 34

4.4 PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO ... 36

4.4.1 Princípio da autonomia das partes ... 36

4.4.2 Princípio da boa-fé ... 36

4.4.3 Princípio da confidencialidade... 37

4.4.4 Princípio da igualdade entre as partes ... 37

4.4.5 O princípio da informalidade... 38

4.4.6 O princípio do empoderamento das partes... 38

4.4.7 Princípio da eficácia ... 39

5 A RESOLUÇÃO N.º 125/2010 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO NO INSTITUTO DA MEDIAÇÃO... 40

5.1 A INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO TRADUZIDA NA RESOLUÇÃO N.º 125/2010 DO CNJ ... 45

6 CONCLUSÃO... 50

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1 INTRODUÇÃO

Para atingir a finalidade do Estado, o ordenamento jurídico brasileiro foi construído sobre normas legisladas, de maneira que as normas positivadas se sobreponham em relação a outras fontes de direito. Essas normas tem, dentre outras finalidades, a manutenção da vida em sociedade e a distribuição de bens. Em conformidade ao sistema pátrio, inclusive princípios foram exprimidos em textos legais.

A jurisdição pode ser entendida como a forma pela qual o Estado atinge a finalidade das leis. Além de regular a vida em sociedade, deve garantir a todos o acesso a essa ordem jurídica, de modo que todos os cidadãos tenham seus direitos preservados. Há a geração de conflitos entre os indivíduos quando estes não tem seus direitos atendidos e respeitados, precisando que a jurisdição lhes diga a solução concreta dessa insatisfação, que é vista como um fator antissocial.

A prestação jurisdicional, no entanto, chegou a um ponto em que necessita de modificações para atingir a finalidade a qual se propõe, tendo que buscar alternativas para a solução dessas controvérsias. Entre essas alternativas encontra-se a mediação, que figurava como um instituto à margem da normatização estatal.

Visa-se, aqui, demonstrar como o sistema jurídico brasileiro, em conformidade com o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, consagrando no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil, teve a necessidade de incorporar o instituto da mediação através da edição da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça para a efetivação da prestação jurisdicional.

Para isso, foi utilizado o método de abordagem dedutivo, o qual parte de uma proposição genérica para uma específica, em que a técnica de pesquisa histórica (adotando o método de procedimento de característica bibliográfica e documental), busca o sustentáculo para a problemática.

O trabalho foi dividido em seis capítulos, sendo o primeiro introdutório e o último conclusivo. Os demais capítulos foram estruturados com o embasamento teórico do tema.

No primeiro capítulo serão apresentados a origem e o conceito de jurisdição, a jurisdição quanto função estatal, com especial atenção ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição: histórico, significado e consagração pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O segundo capítulo tratará dos conceitos pertinentes ao conflito (também tratado como controvérsia) e à comunicação, para demonstrar como a comunicação está

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intrinsecamente relacionada ao conflito, trazendo, ainda, a comunicação e seus preceitos, a forma como se dá a instauração do conflito e a caracterização de conflito nas relações interpessoais.

O terceiro capítulo tratará da mediação como modelo de solução de conflitos, buscando as origens desse instituto, como foi introduzida no Brasil, além de seu conceito. O capítulo também trata da figura e atuação do mediador, o tratamento do conflito pela mediação, bem como alguns princípios basilares da mediação.

O capítulo derradeiro traz a criação e formação do Conselho Nacional de Justiça, a edição da Resolução n.º 125/2010, os aspectos trazidos pela resolução, bem como a inafastabilidade da jurisdição abordada através da mediação.

Necessário destacar que o trabalho não pretende exaurir o tema, e, sim, despertar um novo olhar para os meios que a jurisdição pode utilizar para concretizar seus objetivos.

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2 A INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO

Para o entendimento do princípio da inafastabilidade da jurisdição são necessárias algumas noções introdutórias, as quais passarão a serem discorridas.

2.1 JURISDIÇÃO: ORIGEM E CONCEITO

Antes da formação do Estado, nas civilizações primitivas, aqueles que pretendiam determinado bem realizavam sua vontade impondo-se sobre os demais, ou seja, garantiam a satisfação dessa vontade por meio da força, no que hoje chamamos de autotutela.

Hobbes (1651 apud DALLARI, 2007, p. 13) nos ensina que esse estado de

ameaça pode prejudicar a vida em comunidades, naquilo que ele chamava de “guerra de todos contra todos”. Assim, o homem começa a viver por associações a fim de dar continuidade à

sua existência. Através desse agrupamento em sociedade houve a formação dos Estados, figuras que surgiram exatamente com a finalidade de ajudar os indivíduos a suprirem aquilo que lhes faltava, o essencial à sua subsistência (DALLARI, 2007).

Contudo, a ideia de Estado propriamente dito remonta à Grécia (com Aristóteles

afirmando que o “homem é um animal político”) e à Roma Antigas (com Cícero propagando a

ideia de que “a primeira causa da agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que certo instinto de sociabilidade a todos inato”) (DALLARI, 2007, p. 10). Porém, nessas civilizações havia a ideia de que uma elite compunha a classe política dominante (DALLARI, 2007).

Segundo Bonavides (2000, p. 73), “a polis dos gregos ou a civitas e a respublica dos romanos eram vozes que traduziam a ideia de Estado, principalmente pelo aspecto de personificação do vínculo comunitário, de aderência imediata à ordem política e de

cidadania”. Entretanto, nessa época, os indivíduos ainda rejeitavam qualquer tipo de

intervenção em sua autonomia (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2005).

A passagem da Antiguidade para Idade Média foi marcadamente influenciada pelo cristianismo. A Igreja afirmou-se como grande unificador dos impérios ao proclamar que

“todos os cristão deveriam se integrados numa só sociedade política” (DALLARI, 2007, p.

66).

Na Idade Média, o feudalismo era a forma de produção dominante, sendo sustentado na posse da terra, onde cada feudo era uma unidade autônoma, tendo cada um o seu senhor soberano (SOARES, 2004).

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O Estado como o conhecemos, só vem aparecer com a extinção do feudalismo e a centralização do governo nas mãos dos monarcas. Fatores determinantes para essa mudança foram, em meados dos séculos XIV e XV, o aparecimento do mercantilismo e a formação da burguesia. O capital gerado pelo mercantilismo burguês pôde criar um mercado interno muito forte para os países, assim, os monarcas podiam subsidiar um exército permanente, se fortalecendo perante seus súditos, e também perante Estados rivais. Uma das grandes características dos Estados, nessa época, foi o monopólio legítimo da força, pois os Estados tinham um sistema coercitivo fortemente atuante (SOARES, 2004).

Os regimes absolutórios que dominaram o mundo até o século XVIII sustentavam sua legitimidade na religião. Os monarcas eram tidos como enviados divinos para governar e dirigir o povo. Surge, então, o Estado como algo que exprime uma vontade geral. Maquiavel é quem inaugura esse conceito dizendo que o governante submete múltiplas vontades e unifica os interesses dos indivíduos, mesmo que submissos à vontade do rei. (BONAVIDES, 1999, 2000).

Nessa época, a prestação jurisdicional servia como meio de domínio do povo, atendendo aos interesses do clero e da nobreza. O Estado absolutista exaltava o monarca sobre a lei, servindo o governo como forma de opressão sobre a população, e “ideias de legalidade e justiça não poderiam, portanto, caracterizar a atividade jurisdicional naqueles tempos” (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 55).

Sinteticamente, a jurisdição,

Como função estatal, foi exercida pelos antigos reis de direito absoluto, por si ou por intermédio de delegados. Entre certos povos primitivos, cabia à assembleia da tribo ou do clã [...]. O pretor romano, concedendo as fórmulas, criou o jus honorarium e lançou as bases do direito codificado. Na Idade Média, a fragmentação do poder público entre os senhores feudais implicou a multiplicação das jurisdições baroniais e eclesiásticas, que se foram extinguindo na medida em que os reis logravam consolidar seu poderio e unificavam seus povos, criando os Estados. (CARNEIRO, 2009, p. 4)

Conforme o Estado foi se consolidando, conseguiu impor-se sobre os particulares, interferindo na esfera de liberdade destes, e foi, consequentemente, englobando o poder de solucionar seus conflitos (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2005, p. 24). O mesmo entendimento é encontrado em:

Com o fortalecimento do Estado e com o aperfeiçoamento do verdadeiro Estado de Direito, a justiça privada já desacreditada por sua impotência, foi substituída pela Justiça Pública ou Justiça Oficial. O Estado moderno, então, assumiu para si o encargo e o monopólio de definir o direito concretamente aplicável diante das

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situações litigiosas, bem como o de realizar esse mesmo direito, se a parte recalcitrante recusar-se a cumprir espontaneamente o comando concreto da lei (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 45).

Com a passagem do Estado absolutista para o Estado liberal, através do iluminismo, que se centrou no homem e suas qualidades inerentes de liberdade e igualdade (THEODORO JÚNIOR, 2011), buscou-se a ampliação do conceito de cidadania, com a

legitimação da “igualdade jurídica como marco dos direitos fundamentais” (SOARES, 2004,

p. 86). O Estado liberal procurou, portanto, proteger os cidadãos, garantindo-lhes a liberdade. De acordo com Paula (1999, p. 106), “o liberalismo não estava propiciando conquistas às camadas desfavorecidas da população, e em muitos casos, até mesmo gerando verdadeira submissão do homem pelo homem, o que infringia regras básicas do humanismo”. O Estado liberal, então, migrou para o Estado de Direito, ou Estado Moderno, valorizando instrumentos jurídico-formais, como a separação dos poderes, apregoada por Montesquieu,

cuja ideia central foi o de “evitar abusos despóticos e concentração de poder nas mãos de uma só pessoa, ou de um pequeno grupo” (GERAIGE NETO, 2003, p. 12).

Para que haja um Estado, o poder não pode se confundir com a pessoa que o exerce, sendo o Estado a fonte da qual emana o Direito (FILOMENO, 2012). Como forma de solucionar essa questão, Montesquieu afirmava em sua teoria, que a tarefa de se criar direitos seria exclusiva do poder legislativo, enquanto a jurisdição deveria aplicá-la, já que o Estado liberal se preocupava em defender os cidadãos contra o império do rei (MARINONI, 2012). A ideia central era limitar e controlar o poder (PAULA, 1999).

Essa mudança foi derivada de uma série de fatores:

A história do Estado Moderno é, de maneira particular, uma história de integrações crescentes, de progressivas reduções à unidade. Verifica-se essa integração em múltiplos sentidos que a análise minuciosa a muito custo consegue individualizar. Surge, historicamente, pelo alargamento dos domínios das monarquias absolutas por meio de guerras intermináveis, de atos felizes de diplomacia, de casamentos e laços de parentescos, de compras, cessões e trocas de territórios, de golpes de audácia de políticos e de frios cálculos de mercadores; pela consolidação das coroas reais relativamente às pretensões dos cetros e das tiaras; pela supressão das prerrogativas baroniais, dos entraves corporativos e das franquias das comunas; pela fixação de fronteiras que se consideram intocáveis, sagradas como os lindes da propriedade quiritária; pelo predomínio de um dialeto que se torna o idioma oficial, consagrado pela literatura das artes e das ciências; pelo intercâmbio mercantil que transborda dos limites municipalistas até colher em suas redes de interesses a todos os habitantes de um reino; pela constituição de um aparelhamento administrativo correspondente aos interesses que se cruzam e se alargam exigindo a certeza e a segurança de um Direito objetivo único; pelos exércitos que se adestram como elementos garantidores desses interesses e desses direitos; pelo primado da lei sobre o primitivo direito consuetudinário que era pluralista e regional por excelência; pela unificação progressiva da jurisdição segundo o imperativo do princípio fundamental da igualdade de todos perante a lei; pela formação de uma raça histórica surgida dos

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cruzamentos étnicos seculares; pela elaboração de uma consciência de individualidade nacional, feita de tradição, de lembranças de fatos militares e de conquistas gloriosas na arte e na ciência, de reveses que não raro unem mais que as vitórias, de sentimentos que as fanu1ias acalentam desde o berço e a vida robustece no choque dos contrastes e das lutas (REALE, 2000, p. 43).

O Estado Moderno, logo, é firmado sobre um território e povo independente dos demais territórios e demais povos, surgindo a soberania como aspecto primordial do poder do Estado, chamado, agora, de Estado Nacional (REALE, 2000).

Como assinala Jellinek (1954 apud SOARES, 2004, p. 96), esses são os três elementos básicos do Estado, do qual emanam a ordem jurídica nacional: povo, território e soberania. Ensina Dallari (2007, p. 80) que a palavra “soberania” possui dois sentidos. No

sentido político, é o “poder incontrastável de querer coercitivamente fixar competências”. No sentido jurídico, soberania seria “o poder de decidir em última instância”. Deste último

sentido, decorre a jurisdição, hoje reconhecida como uma das funções essenciais do Estado (PINHO, 2013).

Para Reale (2000, p. 359), “à medida que a sociedade começa a se estender, constitui-se naturalmente uma hierarquia de poderes, limitando-se uns a garantir a ordem e o direito dos grupos particulares, enquanto um outro poder, o institucionalmente mais alto, se

põe como regulador da vida coletiva”.

Assim, jurisdição é uma função inerente à soberania do Estado, sendo uma função una e homogênea (CARNEIRO, 2009), não admitindo divisões.

A obediência a essa soberania decorre de uma vontade geral, legitimada por uma convenção racional do homem, que se beneficiaria dessa obediência ao evitar o perecimento do gênero humano. O contrato social serviria para regular a dupla relação do cidadão-súdito com o corpo político: fazer e obedecer à lei (ROUSSEAU, 1996), donde reside a função social do Estado, para realizar os valores humanos, dentre os quais se destaca a justiça. Em Pinho (2013, p. 147) “hoje se sabe que o poder, como expressão da soberania estatal, é uno e

indivisível”.

As modificações progressivas das quais decorreram o Estado, como conhecido hoje, fizeram com que:

Toda a formação do Direito, mas toda a proteção do Direito juridicamente ordenada fica sendo incumbência do Estado. O Poder Judiciário passa exclusivamente para as suas mãos, de sorte que toda a jurisdição lhe pertence. Torna-se, finalmente, direito do Estado o de regular o Direito que vigora dentro de suas fronteiras (REALE, 2000, p. 242).

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A jurisdição, então, consolidou-se como função inerente à soberania do Estado, fazendo parte do próprio conteúdo do Estado, não podendo ser objeto de delegação (REALE, 2000). A sujeição à soberania “significa que os povos renunciaram em confiar à força e à vingança a proteção ou a reintegração dos direitos subjetivos substantivos, para confiá-la, pelo contrário, ao sujeito imparcial, o juiz, que opera em um procedimento disposto e ordenado

pelas normas e pelos costumes” (CAPPELLETTI, 2001, p. 20). Sendo a jurisdição uma

função pública, não há autonomia de vontade. Há vinculação a uma finalidade previamente estabelecida. E onde há vinculação há um poder-dever (MELLO, 1998).

Tendo se estabelecido como uma função decorrente da soberania do Estado, a jurisdição pode ser entendida como uma extensão do Poder Legislativo, uma forma que o Estado encontrou para empregar os meios necessários a fim de garantir a ordem jurídica por ele implantada (SANTOS, 2012).

Para Chiovenda (apud CARNEIRO, 2009, p. 13), a atividade jurisdicional seria uma atividade substitutiva, onde o Estado, através do Poder Judiciário, age em substituição ou sub-rogação dos sujeitos envolvidos na controvérsia.

Então,

A jurisdição se qualifica como o poder conferido ao Estado de solucionar conflitos de interesses não resolvidos no âmbito extrajudicial, devendo ser destacado que esse poder se diferencia dos demais poderes do Estado em decorrência da característica da decisão proferida pelo representante do ente estatal em resposta à solicitação de pacificação do conflito (MONTENEGRO FILHO, 2013, p. 48).

Disto, infere-se que jurisdição vem a ser o poder do Estado de decidir imperativamente e impor decisões aos seus jurisdicionados (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2005).

2.1.1 Jurisdição quanto função estatal

A jurisdição se firmou como uma função precípua à pacificação social. Essa atividade pacificadora é o que difere a jurisdição das demais funções do Estado (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2005). É exercida pelo Estado “por nele presumir-se interesse

em resguardar a ordem jurídica estabelecida” (SANTOS, 2012, p. 91).

A jurisdição seria ao mesmo tempo um poder, uma função e uma atividade:

Poder, como capacidade de impor suas decisões imperativamente. Função, como encargo que o Estado assume de pacificar os conflitos sociais. Nesse sentido,

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ressalta Dinamarco (2001, p. 297) que a jurisdição não consiste em um poder, mas o próprio poder estatal que é uno. Além disso, o autor salienta que “a recondução da jurisdição ao conceito político de poder estatal, entendido este como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões, é fator importantíssimo para o entendimento da natureza pública do processo e do direito processual, bem como para sua colocação entre as demais funções estatais e distinção em face de cada uma delas” (PINHO, 2013, p. 147).

Chiovenda (1797 apud FREIRE; MONTANS DE SÁ, 2012, p. 31) entendia que

“a jurisdição se caracterizava – e, assim, distinguia-se das demais funções estatais – pela

substitutividade, vale dizer, a substituição de uma atividade que primariamente deveria ser realizada pelas partes por uma atividade do Estado, e pela atuação da vontade da lei”. Assim, em vez de conceituar a jurisdição como poder, é preferível considerá-la como função estatal (THEODORO JÚNIOR, 2011). A teoria de Chiovenda tem origem na alegação que no Estado Moderno as leis devem ser elaboradas numa função distinta daquela em que são aplicadas (PAULA, 1999).

Preceituando a substituição da vontade das partes pela imposição estatal, Chiovenda teve objeção de Lacerda (apud CARNEIRO, 2009), que suscita que essa teoria não é satisfatória posto que existem conflitos que tratam de direitos indisponíveis. Porém, mesmo versando sobre direitos indisponíveis, as partes em contenda deveriam dirimir a questão em âmbito privado, primariamente. A jurisdição só é substitutiva porque avocada pelo Estado.

Essa função do Estado, voltado para a pacificação social, é reflexo dos resultados que o mesmo se dispõe a alcançar na sociedade, levando benefícios aos cidadãos (DINAMARCO, 1993 apud AMENDOEIRA, 2012). Para Cintra, Grinover e Dinamarco

(2005, p. 139), a jurisdição, como função do Estado, e monopólio Estatal, “expressa o encargo

que tem os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante realização do direito justo e através do processo”.

A partir da vedação da autotutela pelo Estado, tendo assumido o monopólio da jurisdição, as partes envolvidas no conflito não podem dizer quem está certo ou errado, a única atitude que as partes podem ter é valerem-se do Estado para dirimir suas divergências (AMENDOEIRA, 2012). Desse modo, além de função substitutiva, a jurisdição é atividade estatal secundária, que o Estado realiza de maneira impositiva pela sua força, posto que essa

atividade deveria ser exercida “de maneira pacífica e espontânea” pelos próprios envolvidos

na disputa de interesses (CALAMANDREI, 1945 apud THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 48). Fiel aos ensinamentos de Chiovenda, Calamandrei conceitua a jurisdição como forma de defesa da autoridade estatal, para que os cidadãos respeitem a norma positivada pela legislação (PAULA, 1999).

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Nas palavras de Montenegro Filho (2013, p. 147), “verificamos que a jurisdição está ligada à existência do conflito de interesses, sob a forma do litígio (conflito não resolvido)”, e como função estatal, a jurisdição deve dirimir esses conflitos que envolvem interesses subjetivos, controlando condutas opostas à lei (como no caso do Direito Penal), fazendo cumprir suas decisões de modo impositivo e coercitivo, a fim de atingir a pacificação social. “Isso significa que o objetivo do Estado, no exercício da função jurisdicional, é assegurar a paz jurídica pela atuação da lei disciplinadora da relação jurídica em que se

controvertem as partes” (SANTOS, 2012, p. 92).

A função jurisdicional, tendo sido provocada, não pode ser negada pelo agente estatal, portanto sua atuação é determinada pela Constituição Federal. A prestação da função jurisdicional não pode ser recusada pelo ente estatal, pois não representa uma faculdade. Representa um dever de agir (MONTENEGRO FILHO, 2013). O dever de agir provém dos valores sociais concebidos e positivados pelo Estado.

A jurisdição quanto função estatal é de tal relevância ao ordenamento jurídico que

garante a cada indivíduo o direito “ao exercício da função jurisdicional sobre determinada

pretensão de direito material, sobre o mérito do seu pedido” (GRECO, 2005, p. 230). Nesse contexto, podemos dizer que a atuação da jurisdição se qualifica como uma especificidade do Poder Legislativo, posto que individualiza a lei, formulada de maneira abstrata, inserindo-a no caso concreto levado ao Estado.

Enquanto função, a jurisdição permite que o Estado atinja a finalidade pelas leis por ele propostas na função legislativa, alcançando os resultados de bem comum idealizados (AMENDOEIRO, 2012). Assim, a jurisdição confirma o Estado como instituição política de maior relevância para uma sociedade, determinando o direito que deve ser acatado - função primária -, e obrigando a realização da norma - função secundária (VIEIRA, 2010).

2.2 O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO

Podemos conceituar princípio como base, fundamento, uma diretriz moral, norte sobre a qual qualquer indivíduo ou instituição deve se erguer e trabalhar. Princípios não são imutáveis. Eles se transformam e se adequam de acordo com a evolução política e social de uma sociedade, demonstrando sua maturidade e os objetivos pelos quais o povo se mantém unido.

Feracine (1999 apud NETO, 2003, p. 15) explana que “sempre houve uma aptidão humana natural por princípios, à medida em que o homem [...] teria sempre inerente à sua

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mente pensante certa disposição para trabalhar com os elementos básicos da reflexão

filosófica”. Neste sentido, já trabalhava Tomás de Aquino dizendo que os princípios guiam o

homem no mundo real, e para quem, principio é aquilo que procede alguma coisa (FERACINI, 1999 NETO, 2003).

Araújo (2007, p. 66) diz que os princípios são normas mestras que devem ser reconhecidas dentro de um sistema jurídico a fim de indicar o caminho a ser seguido pelo intérprete, dado que são responsáveis pela orientação a ser adotada. No mesmo sentido, Larenz (1979 apud ÁVILA, 2008, p. 15) ministra que princípios são “normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou

indiretamente, norma de comportamento”.

Conclui-se que:

Daí a definição de princípios como deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas: normativas, porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem; fáticas, porque o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos (ÁVILA, 2008, p. 27).

Princípio jurídico também pode ser definido como:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (MELLO, 1998, p. 451).

Ainda, princípios são chamados de mandamentos de otimização, pois são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes (ALEXY, 1995 apud SILVA, 2003, p. 610).

Ao discorrer sobre princípios, Reale (2010) conceitua princípio como algo que serve de fundamentos para um conjunto de certezas, e o Direito enquanto ciência precisa desses alicerces lógicos do conhecimento humano, visto que:

Não há ciência sem princípios, princípios, que são verdades válidas para um determinado campo de saber, ou para um sistema de enunciados lógicos. Prive-se uma ciência de seus princípios, e tê-la-emos privado de sua substância lógica, pois o Direito não se funda sobre normas, mas sobre os princípios que as condicionam e as tornam significantes (REALE, 2010, p. 60-61).

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O renomado jurista ainda nos ensina que alguns princípios são denominados monovalentes, porque são válidos apenas no mundo jurídico, eis que o Direito precisa levar segurança ao meio social (REALE, 2010).

Acrescenta-se a esse entendimento que:

Os princípios gerais são apenas [...] normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulado: mas então servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas? (BOBBIO, 1995 apud CUNHA JÚNIOR, 2012, 156).

Um princípio constitucional se diferencia dos princípios gerais de direito na medida em que esses são forças vinculantes, pois são ponto de partida de qualquer atividade jurisdicional e devem ser de observância obrigatória. Os princípios constitucionais devem ser aplicados em primeiro lugar (e não em último), o que decorre da supremacia das normas constitucionais sobre as demais normas jurídicas (CÂMARA, 2007). Por isso, os princípios são as bases de quaisquer outras normas, constitucionais ou infraconstitucionais.

Dentre outros princípios, a Constituição da República Federativa do Brasil, no inciso XXXV do artigo 5º instituiu como um dos direitos fundamentais a inafastabilidade da jurisdição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” (BRASIL, 1988), o que proporcionou o surgimento de uma série de disposições normativas que visam garantir ao cidadão a efetivação dos seus direitos:

Dessa forma, o Estado, vedando que o cidadão tente solucionar problemas cuja competência institucional, via de regra, lhe é privativa, positivou no Brasil a regra segundo a qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito, representada pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República vigente (GERAIGE NETO,2003, p. 12).

O princípio da inafastabilidade da jurisdição também é conhecido como princípio da proteção judiciária, representando a principal garantia dos direitos, decorrendo do princípio da separação dos poderes (GERAIGE NETO, 2003), pertencendo “à categoria dos

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denominados direitos cívicos”, portanto “representam a garantia fundamental da pessoa para a defesa dos seus direitos” (LIEBMAN, 1957 apud SILVA, 2005, p. 431).

O aludido princípio decorre da separação dos poderes, pela função precípua do Poder Judiciário de tutelar interesses individuais, sendo recomendável pelo fato de que o "crivo imparcial do Judiciário contraria muita vez a prepotência dos governantes, que se podem, cuidam de impedir sua fiscalização" (FERREIRA FILHO, 2013, p. 317-318), funcionando como um regulador social. Trata-se da garantia constitucional do acesso à justiça, pois nem mesmo o legislador, poderá excluir “da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a direito” disposto no art. 5º, inciso XXXV, da CRFB (BRASIL, 1988).

Podemos influir disto que a intenção desse princípio é afastar qualquer tentativa de privação ou abuso de direitos, garantindo aos indivíduos que eles possam ser amparados pelo Poder Judiciário caso sintam-se ameaçados.

O princípio da inafastabilidade tem sua gênese no due process of law (sistema jurídico oriundo do direito anglo-saxão), que expressa a ideia da “observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da

propriedade”, podendo o poder jurisdicional aplicar sanções graves no caso de alguém ser

destituído desses direitos (GERAIGE NETO, 2003, p. 31).

Segundo Marinoni (2013), esse princípio já havia sido inserido no ordenamento

jurídico brasileiro no Código Civil de 1916, no art. 75, que preceituava que “a todo o direito corresponde uma ação que o assegura”. O autor ainda apregoa que afirmação constitucional

veio apenas na Constituição de 1946, em seu art. 141, § 4º: “a lei não poderá excluir da

apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”, sendo reproduzido nas

Constituições de 1967 (art. 150, § 4º) e na Emenda Constitucional n.º 1, de 1969 (art. 153, § 4º).

Assim como os demais princípios e garantias fundamentais, o princípio da inafastabilidade da jurisdição foi consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) pela necessidade de proteger o cidadão dos abusos do Estado, tendo em vista os anos sombrios da Ditadura Militar vividos pela sociedade brasileira nos anos que antecederam a CRFB/88. Geraige Neto (2003, p. 34) nos ensina que o Ato

Institucional nº 5 de 1968 institui em seu art. 11 que “excluem-se de qualquer apreciação

judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos”.

Esta norma foi recepcionada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969, na medida em que o art. 181 preconizava que “ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os

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atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964”, bem como o art. 182 dispunha que “continuam em vigor o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e os demais Atos posteriormente baixados” (BRASIL, 1969).

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, voltou a se constituir no País um Estado Democrático de Direito, e como tal, assegurou aos cidadãos garantias e direitos fundamentais, dentre eles a inafastabilidade da jurisdição, estatuído no art. 5º, XXXV, como princípio basilar, garantidor da participação do cidadão na ordem jurídica vigente.

Assim, a função jurisdicional passa a ser vista sob o enfoque do jurisdicionado, vez que, ao apresentarem seus conflitos ao Estado, tem a garantia de que estes serão apreciados, e, através da observância dos institutos processuais adequados, serão ouvidos.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição representa mais que o direito de ingressar com uma ação com a finalidade de ver apreciado o direito que entende estar ameaçado. Representa que a demanda deve ser apreciada e que o Poder Judiciário deve dar uma resposta efetiva ao caso (CARVALHO, 2004).

Outro princípio que decorre do art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal é o princípio de acesso à justiça. Assim, a inafastabilidade da jurisdição deve tratar da efetivação do direito pela parte pretendido.

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3 CONFLITO E COMUNICAÇÃO

Ao falar de conflito, é necessário entender alguns aspectos ligados a ele. Esses aspectos que serão apresentados propiciarão o entendimento de como a comunicação está intrinsecamente ligada ao conflito.

3.1 COMUNICAÇÃO E SEUS PRECEITOS

Comunicação geralmente é entendida como a interação entre emissor e receptor, por meio de um canal. Logo, a comunicação pode acontecer de diversas formas: oral, gestual, escrita, visual. O conceito de comunicação engloba, inclusive, o comportamento:

Um indivíduo vivo não tem como deixar de comportar-se. Comportamento é comunicação. Toda comunicação é interacional, é troca de mensagens. Por mais que um indivíduo se esforce é-lhe impossível não comunicar. Atividade e inatividade são comunicações. Possuem valor de mensagem e, dessa forma, influenciam outros e estes não podem não responder a essas comunicações e, portanto, também estão se comunicando.[...] Enfim, relações humanas são interações, e estas são sistemas que, sendo vivos (biológicos, psicológicos e comunicativos), são abertos (VASCONCELOS 2008, p. 64).

Fiorelli, Fiorelli e Medalhas Junior (2008, p. 95) completam afirmando que “a toda comunicação enviada corresponde outra de retorno, o feedback, ainda que o receptor nada faça. A forma, o conteúdo e o fluxo da comunicação refletem o sistema [básico de

comunicação]”.

Para Beltrão (1993, p. 13), “a comunicação é um fenômeno dinâmico que ocorre

intencionalmente entre um indivíduo e outro com o objetivo de obter uma reação, estabelecendo, assim, a troca de sentimentos e ideias”. Nesse entender, a comunicação é uma troca de ideias e informações para estabelecer as relações entre os indivíduos.

Um conflito, portanto, pode nascer de uma comunicação ineficiente ou de percepções errôneas. Para que isso não aconteça, deve-se, então, trabalhar uma comunicação construtiva, sendo que uma das formas de solucionar o conflito é melhorar a comunicação entre as partes envolvidas, diminuindo as diferenças existentes, afastando os sentimentos negativos, mostrando que as partes podem fomentar seu crescimento pessoal, seu autoconhecimento, pois se há conflito é porque existe relação em sociedade. Para que isso ocorra, a comunicação deve conduzir a esse processo de autoconhecimento, promovendo uma reciclagem das percepções distorcidas pelos sentimentos negativos (MANDELBAUM, 2014).

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Nesse entender, “a comunicação entre as partes dará a oportunidade de modificar-se a partir das comunicações que o próprio mediador estabelecerá com as partes, ou modificar-seja, a forma com a qual o mediador se comunica irá produzir efeitos diretos na comunicação entre as partes, como condição prévia” (SILVA, 2004, p. 43).

O processo pelas vias judiciais reproduz o domínio sobre a técnica do direito material e processual, visando a obtenção de um determinado fim, já a ação comunicativa, irá promover um diálogo entre os envolvidos, perquirindo através da comunicação aquilo que melhor atender os interesses das partes, e da sociedade (SALES, 2004).

Os preceitos da comunicação construtiva são citados por Vasconcelos (2008, p. 65): “a) conotação positiva; b) escuta ativa; c) perguntas sem julgamento; d) reciprocidade discursiva; e) mensagem como opinião pessoal; f) assertividade; g) priorização do elemento racional; h) reconhecimento da diferença; i) não reação; j) não ameaça”.

Na conotação positiva se reconhece o valor da comunicação do outro, independente de julgamentos, possibilitando outros enfoques. Para Rangé, citado por Fiorelli, Fiorelli e Medalhas Junior (2008, p. 11-12), inferir uma conotação positiva “permite lidar com situações regulares de maneira a evitar todo o complexo processamento que existe quando uma situação é nova, evitando desgastes necessários”. Quando se passa a interpretar a fala do outro de maneira positiva, o sentido beligerante (de defender-se do que foi falado) não é despertado (VANCONCELOS, 2008).

Estabelecida uma conotação positiva à fala do outro, inicia-se um processo de compreensão da necessidade que o outro tem de se expressar. Com essa compreensão, é possível se estabelecer uma escuta ativa, reconhecendo que o outro tem espaço na relação. É esse entendimento que possibilita questionamentos sem julgamentos. Aquele que escuta ativamente o outro adquire a capacidade de questionar, de modo a ajudar o outro a relatar e contextualizar seus anseios de uma forma mais clara e objetiva, permitindo que o outro se responsabilize pela sua fala e pelo seu comportamento (VANCONCELOS, 2008).

Conforme se percebe a necessidade do outro, surge a ideia de igualdade entre as partes. Na comunicação construtiva, as oportunidades devem ser equitativas. Apenas falar, sem perceber que o outro precisa se expressar, pode levar ao monopólio do diálogo, o que contribui para o desequilíbrio da relação (VANCONCELOS, 2008).

Outro fator que pode causar desequilíbrio na relação é deixar de emitir as opiniões sobre as questões em debate em primeira pessoa. Ao se utilizar a primeira pessoa uma transformação é causada, pois se passa a ter responsabilidade sobre o discurso proferido, à medida em que se torna claro para o outro que a opinião emitida é uma impressão, uma

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mensagem pessoal da situação. Desse contexto decorre a assertividade, que pressupõe honestidade e boa-fé no discurso e no agir. Ser assertivo é validar sua fala perante o outro sem que haja nenhuma espécie de subjugação Outra forma de ser assertivo é não reagir perante uma acusação, mesmo que injusta ou infundada. Ao reagir, o indivíduo revida, e acaba por demonstrar uma dependência em relação ao outro, deixando de ser protagonista daquele diálogo para ocupar a posição de adversário. É fundamental diante da acusação que se reformule o discurso acusatório, para se romper o ciclo de ofensa-reação (VANCONCELOS, 2008).

Ao agir dentro desses parâmetros, os envolvidos começam a separar os problemas subjetivos dos problemas objetivos, o que possibilita que a relação entre as partes seja restaurada:

Essa restauração pressupõe uma capacitação, uma conscientização, uma reelaboração dos sentimentos e percepções de cada um [...], uma revisão de situações originais, o que enseja uma abertura para que se estabeleça um diálogo identificador dos interesses subjacentes, interesses comuns e opções (VASCONCELOS, 2008, p. 69).

Com a relação restaurada, torna-se praticável que as partes saiam de sua posição e ponham-se no lugar do outro, o que ajuda a reconhecer diferenças de pontos de vista sobre o conflito, gerando empatia e consciência em relação ao outro. Com o estabelecimento da empatia, jogos de ameaça são desfeitos, já que a ameaça é um jogo de poder, onde aquele que ameaça quer demonstrar que é mais forte que o outro (VASCONCELOS, 2008).

3.2 A INSTAURAÇÃO DO CONFLITO

Onde há aglomeração humana há conflito. Pode-se dizer que os conflitos existem desde que existe vida em sociedade. As diferenças entre as pessoas - sejam diferenças econômicas, sociais, religiosas -, agregadas muitas vezes à intolerância ao ponto de vista do outro, acabam gerando conflitos. Essas diferenças podem ocorrer entre pessoas, grupos, organizações, países, pois o homem interage de modo complexo com a sociedade que o cerca. Essa complexidade pode ser verificada à medida que o indivíduo participa de vários núcleos de interações: família, escola, trabalho, meio religioso.

O homem tende a resguardar seu estado, lutando por seus objetivos, e para isso pode originar ideias de propriedade sobre determinado bem ou pessoa (propriedades materiais ou imateriais), o que muitas vezes gera resistência à vontade do outro (SILVA, 2004).

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Para que haja conflito é necessário que duas forças dinâmicas e antagônicas reajam uma sobre a outra, manifestando uma “intenção hostil, geralmente com relação a um

direito” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 45).

Theodoro Júnior (2011, p. 47) preleciona que “há conflito de interesses quando

mais de um sujeito procura usufruir o mesmo bem”. Corroborando, Cintra, Grinover e

Dinamarco (2005, p. 22), dizem que os conflitos podem ser caracterizados em situações em que um indivíduo, reclamando para si certo bem da vida, não pode tê-lo porque “a) aquele que poderia satisfazer sua pretensão não o faz, seja porque b) o próprio direito proíbe a satisfação

voluntária da pretensão”.

Não é só pela não satisfação de uma pretensão que se inicia o conflito. As falhas na comunicação entre os indivíduos colaboram significativamente para a percepção de que o outro não está querendo satisfazer a pretensão. Ao iniciar uma observação e interpretação sobre o comportamento do outro, inicia-se um processo de julgamento, baseado em valores subjetivos, calcados em experiências anteriores. Essa interpretação nem sempre corresponde àquilo que realmente o outro gostaria de expressar. A incompetência na maneira de se expressar e compreender pode desencadear o conflito (MANDELBAUM, 2014).

Outro fator que deve ser apurado é a forma como o relacionamento entre os envolvidos na controvérsia se dá. Relações de poder e de competição frequentemente originam um conflito, pelo fato de que esse tipo de relação ser baseada no individualismo e satisfação do ego (MORAIS; SPENGLER, 2012).

De acordo com Almeida (2003), “o senso comum aponta que o conflito é uma

situação desagradável e que deve ser evitada a todo custo porque só traz prejuízos às pessoas envolvidas e, muitas vezes, nenhuma compensação”.

Como cada um dos envolvidos possui sua própria visão particular da situação conflitiva, acaba por revestir o conflito de sentimentos e percepções ruins, destrutivos. Assim, o conflito acaba vindo a se tornar uma luta onde cada uma das partes reivindica o seu bem da vida (material ou imaterial), querendo neutralizar ou até mesmo eliminar aquele que entende ser seu oponente (FREUND, 1995 apud MORAIS; SPENGLER, 2012).

Nas palavras de Azevedo (2013, p. 36), “intuitivamente se aborda o conflito como um fenômeno negativo nas relações sociais que proporciona perdas para, ao menos, uma das partes envolvidas”. Há essa tendência, pois o conflito gera uma inquietação devido ao estresse que uma situação nova, com a qual não se sabe lidar, causa. Completam Cintra, Grinover e Dinamarco (2005, p. 22) nos ensinando que “a insatisfação é sempre vista como fator

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O conflito tende a ser visto de uma forma negativa, como algo que atrapalha a paz social, que desequilibra a harmonia coletiva, eis que afeta as relações sociais, alterando o curso natural das atividades que as pessoas exercem, desestruturando as relações entre as pessoas. Sob outra ótica, o conflito pode ser entendido como uma forma de interação entre as pessoas, grupos, organizações (MORAIS; SPENGLER, 2012).

Para Vasconcelos (2008, p. 19) “a consciência do conflito como fenômeno inerente à condição humana é muito importante. Sem essa consciência tendemos a demonizá-lo ou a fazer de conta que não existe. Quando compreendemos a inevitabilidade do conflito, somos capazes de desenvolver soluções [...]”.

É através do conflito que mudanças são geradas, por isso deve sempre ser visto de forma positiva. Pode-se afirmar, então, que o conflito é uma forma de transformação social, com capacidade de promover a evolução dos envolvidos (MORAIS; SPENGLER, 2012). Silva (2004, p. 92) afirma que “[...] a vida é um conflito, é movimento, é crescimento, é desenvolvimento. E, apesar desse equilíbrio temporário e localizado, enquanto vivermos teremos inúmeros outros conflitos que clarificaremos ou não até a morte ou o sonhado retorno

ao útero materno”.

O conflito precisa que nos posicionemos em relação a ele, o que pode fazer com que tenhamos novas ideias, se tornando uma oportunidade única de aperfeiçoamento pessoal. (SILVA, 2004).

O que ocorre é que nas relações conflituosas uma parte tende a impor sua vontade sobre a outra, acabando por não escutar o argumento do outro, ocorrendo, desse modo, a polarização, gerando sentimentos negativos em relação à outra parte, que passa a ser vista como um obstáculo a obtenção do seu objetivo. A polarização pode ser entendida como a subjetivação da realidade conflituosa, restringindo a visão sobre o conflito (MORAIS; SPENGLER, 2012).

Warat (2001) propõe que a resistência à mudança que o conflito pode gerar leva ao medo, que impede de enfrentá-lo e vivenciá-lo, gerando sofrimento e anulando toda possibilidade de aprendizado. E é nesse contexto que a mente cria o conflito.

Quando ocorre a polarização de um conflito, o indivíduo passa a entender que está correto, enquanto o outro, que passa a ocupar uma posição oposta, está errado. O outro passa a ser visto como um inimigo, um malfeitor (AZEVEDO, 2013). Transformar a visão negativa do conflito para uma visão positiva significa facilitar a resolução deste. Os envolvidos precisam afastar os sentimentos como mágoa e orgulho para compreender e aceitar sua posição e reponsabilidade dentro do conflito. “O ato ou efeito de não perceber um diálogo ou

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um conflito como se houvesse duas partes antagônicas ou dois polos distintos (um certo e outro errado) denomina-se despolarização” (AZEVEDO, 2013, p. 41). Como bem elucida Warat (2001, p. 17): “a verdade não pode ser conhecida por uma mente agressiva; tampouco

pode ser descoberta pela violência”. Por isso da necessidade de se despolarizar um conflito.

A confrontação da realidade objetiva pelas partes possibilita a identificação da problemática envolvida no conflito, o que viabiliza a compreensão do outro e a retomada do relacionamento afetado. Desse modo, a outra parte deixa de ser vista como adversário e passa a ser vista como colaborador na resolução do conflito (MANDELBAUM, 2014).

3.3 CARACTERÍSCAS DO CONFLITO

Com os apontamentos anteriormente realizados, podemos definir conflito como:

Conflito é dissenso. Decorre de expectativas, valores e interesses contrariados. [...] Portanto, o conflito ou dissenso é fenômeno inerente às relações humanas. É fruto de percepções e posições divergentes quanto a fatos e condutas que envolvem expectativas, valores ou interesses comuns (VASCONCELOS, 2008, p. 20).

Com esses interesses contrariados, começa uma luta interna, entre “o que quero e o que devo” (GALANO, 2014, p. 69), que pode ser exteriorizada, iniciando um conflito.

O conflito pode ser caracterizado a partir de três elementos:

a) Relação interpessoal: conflito interpessoal pressupõe, pelo menos, duas pessoas em relacionamento, com suas respectivas percepções, valores, sentimento, crenças e expectativas. Ao lidar com o conflito não se deve desconsiderar a psicologia da relação interpessoal. A qualidade da comunicação é o aspecto intersubjetivo facilitador ou comprometedor da condução do conflito.

b) Problema objetivo: o conflito interpessoal tem a sua razão objetiva, concreta, material. Essa materialidade pode expressar condições estruturais, interesses ou necessidades contrariados. Portanto, o aspecto material, concreto objetivo, muitas vezes, supõe prévia abordagem da respectiva relação interpessoal.

c) Trama ou processo: expressa as contradições entre o dissenso na relação interpessoal e as estruturas, interesses ou necessidades contrariados. Como foi, por que, quando, as circunstâncias, as responsabilidades, as possibilidades e processos do seu desdobramento e implicações (VASCONCELOS, 2008, p. 20).

Sob o viés da relação interpessoal, verifica-se que o conflito está diretamente ligado na forma como se dá a relação interpessoal entre as partes envolvidas. Geralmente, a relação está estruturada numa dinâmica de poder, em que os indivíduos medem forças para concretizarem seu interesse. As forças utilizadas podem ser desde violência física até a emocional.

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Aqui entram as questões relacionadas à culpa e a responsabilização. Como cada um dos envolvidos na controvérsia enquadra a questão sob o seu ponto de vista, costuma atribuir ao outro a culpa a e a responsabilidade sobre a situação conflitiva (AZEVEDO, 2013). O conceito de culpa, especialmente, está mais ligado a aspetos emocionais e religiosos, e essa percepção não permite uma visão real do conflito (VEZZULLA, 2006 apud SALLES, 2007).

Com a retirada do conceito de culpa, ocorre a responsabilização sobre os próprios atos que levaram ao conflito, de modo que “a percepção de que ambos são responsáveis permite uma participação maior na busca pela solução do conflito, permitindo uma mudança

de comportamento” (SALES, 2007, p. 29-30).

Retirada a culpa, o problema passa a ser analisado pela ótica de sua razão concreta. A partir do estabelecimento de um diálogo entre as partes, com a despolarização, elas evoluem para detecção dos acontecimentos que levaram ao conflito. São averiguados os fatos que verdadeiramente instauraram a controvérsia (SALES, 2007). O problema objeto consiste num direito material violado, por uma, ou ambas as partes evolvidas na disputa. Quando esse problema torna-se o foco do diálogo, a resolução da questão começa a ganhar contornos mais claros, pois os envolvidos (e consequentemente, seus valores, preconceitos, sentimentos) já não são mais os atores principais da causa.

A partir da identificação do problema objetivo, torna-se possível a identificação dos fatores que levaram a instauração do conflito. Em outras palavras, qual trama, qual conjunto de ações, de comportamentos das partes que propiciaram a formação da controvérsia. A identificação desses fatores é essencial para que os contentores se conscientizem e se responsabilizem pela postura que adotaram durante a controvérsia (RODRIGUES, 2010).

Essa participação dos indivíduos é destacada no agir comunicativo:

A Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas (Theorie dês Kommunikative Handels), procura um conceito comunicativo de razão e um novo entendimento da sociedade, ou seja, sociedade na qual os indivíduos participam ativamente das decisões individuais e coletivas conscientemente, ensejando-lhes a responsabilidade por suas decisões. Esta teoria entende o indivíduo como ente participativo, que antes de agir avalia as possíveis consequências, tendo em vista, por exemplo, as normas e sanções apresentadas pelo ordenamento jurídico do País (SALES, 2004, p. 172).

Portanto, ao agir de maneira participativa e avaliar as consequências de seus atos, começa-se a atuar de maneira a afastar os sentimentos que permeiam o conflito instaurado e passam a entrar num processo comunicativo-colaborativo, buscando a racionalidade, ao invés da paixão que moveu o desejo pelo bem da vida.

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4 MEDIAÇÃO

Para que seja possível falar de mediação, algumas considerações devem ser feitas. É primordial falar da história da mediação, como também dos seus conceitos e aplicações quando instaurado um conflito.

4.1 HISTÓRIA DA MEDIAÇÃO

A mediação é uma das formas mais antigas de resolução de um litígio. Confúcio, na China, 400 anos antes do calendário cristão, chegou à conclusão que a mediação era a melhor forma de resolução de um conflito (RODRIGUES JÚNIOR, 2006).

Já na Roma antiga, havia o instituto da Diritto Fecciali, uma forma de direito baseada na justiça provida pela fé e religião, em que a mediação era uma das formas mais usuais de solução de disputas (CACHAPUZ, 2003).

No Japão, a conciliação e a mediação foram os primeiros meios de resolução de disputas, utilizados pelos aldeãos para negociação e manutenção das relações interpessoais. Nas negociações envolvendo o mundo dos negócios, a mediação sempre foi vista como forma de construção de relação entre as partes que pretendem fechar o negócio (KOVACH, 2004 apud FALECK; TARTUCE, 2014, p. 175).

Também encontramos relatos de mediação nas comunidades bíblico-judaicas, onde os rabinos desempenhavam papéis de mediadores entre integrantes de sua mesquita, garantindo a união da comunidade. Ainda, a Igreja Católica, como principal organização da Idade Média à Renascença, exercia a mediação entre seus seguidores, cabendo ao clero mediar conflitos desde o âmbito familiar até disputas entre a nobreza (MOORE, 1998).

Como discorre Moore (1998), culturas como a islâmica já utilizavam a mediação em reuniões comunitárias onde os participantes deliberavam sobre os conflitos. Também o hinduísmo e budismo, onde grupos mediavam e arbitravam as disputas dentro das comunidades. Países como Estados Unidos e Canadá tiveram os primórdios da mediação nos povos nativos, tendo incorporado aspectos trazidos por comunidades religiosas como os Puritanos e os Quakers.

No Brasil teve inicio no período das Ordenações Filipinas, em seu Livro 3º, T. 20,

§1º, que dizia que “E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que

façam despezas, e se sigam entre elles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre he duvidoso

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[...]”. A Carta Constitucional de 1824 reconheceu a função do Juiz de Paz que antecedia o

desenrolar do processo, conforme redação do art. 161, que regulamentava que "sem se fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum”,

como também no art. 162, em que "para esse fim haverá juiz de paz” (WATANABE, 1996).

Com as devidas atualizações legislativas, chegamos em 1943, quando a conciliação foi instituída na Consolidação das Leis Trabalhistas no art. 764: “os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos

à conciliação” (BRASIL, 1943).

No Estado Brasileiro, a partir da década de 90, passou-se a utilizar da mediação a partir da reforma do Código de Processo Civil, com as alterações dadas pela Lei 8.952/94, que estabeleceu, no art. 331, a audiência de conciliação prévia. Do mesmo modo, a Lei n.º 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Ainda, Em 1996, foi editada a Lei n.º 9.307/96, regulamentando a arbitragem no Brasil. A partir desse período, houve contribuições doutrinárias fomentando o tema (BEDÊ; FERENC; RUIZ, 2008).

Pelos anos 2000, pode-se destacar a Lei n.º 9.958/2000, que deu redação ao art. 625-A da CLT, criando as Comissões de Conciliação Prévia, instituídas nas sedes das empresas e nos sindicatos. Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça -CNJ, editou a Resolução n.º 125, que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento de conflitos, que buscou efetivar os ditos métodos alternativos de solução de conflitos como formas adequadas de tratamento de controvérsias, incluindo-se, aí, a mediação (WATANABE, [20--?]).

Conforme Calmon (2007, p. 119): “a mediação pode ser meramente informal, o

que ocorre desde as sociedades primitivas até o Estado moderno”. Portanto, definida a história

da mediação quanto instituto milenar, passa-se a análise da mediação contemporaneamente.

4.2 CONCEITO DE MEDIAÇÃO E A FIGURA DO MEDIADOR

Há autores que, tal qual Torres (2005, p. 124), conceituam mediação “como forma de negociação assistida, em que uma terceira pessoa, como mediadora, atua no sentido de colocar termo à disputa”.

Nazareth (1998) entende que a mediação é um método de condução de conflitos aplicado com o objetivo de restabelecer a comunicação produtiva e colaborativa entre as pessoas que se encontram em um impasse. Para Moore (1998, p. 23) “a mediação é um

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processo voluntário em que os participantes devem estar dispostos a aceitar a ajuda do interventor se sua função for ajudá-los a lidar com suas diferenças – ou resolvê-las”.

Para Vasconcelos (2008), a mediação é um meio geralmente não hierarquizado de solução de disputas em que duas ou mais pessoas, com a colaboração de um terceiro, o mediador – que deve ser apto, imparcial, independente e livremente escolhido ou aceito –, expõem o problema, são escutadas e questionadas, dialogam, construtivamente e procuram identificar os interesses comuns, opções e, eventualmente, firmar um acordo. Mais adiante, o

autor ainda afirma que a mediação é “baseada num complexo interdisciplinar de

conhecimentos” (VASONCELOS, 2008, p. 36).

Entretanto, o conceito que melhor atende os anseios da mediação (do qual se aproxima Vasconcelos, à medida que trata a mediação, não como técnica, mas como ferramenta de transformação social) é dado por Warat (2001, p. 75): “entendo a mediação no direito, em uma primeira aproximação, como um procedimento indisciplinado de auto-eco-composição assistida (ou terceirizada) dos vínculos conflitivos com o outro em suas diversas modalidades”. Barbosa (2006, p. 7) complementa dizendo que a mediação se

estabelece como um espaço de “criatividade pessoal e social, como acesso à cidadania, aproximando as pessoas”.

Ainda para Warat (1999, p. 33) “fazer mediação nada mais é que viver, viver em harmonia com a própria interioridade e com os outros, viver em harmonia com a própria reserva selvagem”. Isto quer dizer que aqueles que aceitam participar da mediação devem agir de forma íntegra, sincera, de boa- fé.

O autor ainda explica que “a mediação precisa ser entendida, vivida, acionada com outra cabeça, a partir de outra sensibilidade, refinada e ligada com todas as circunstâncias, não só do conflito, mas do cotidiano de qualquer existência. Quem vai mediar, precisa estar ligado com a vida” (WARAT, 2004, p. 98). Neste entendimento, o conceito de mediação nos leva à oportunidades de aprendizagem.

Em regra, na mediação, podemos perceber o conflito sob a ótica do direito e das relações interpessoais. Há o conflito estritamente jurídico, que trata dos direitos desrespeitados (ou que as partes creem terem sido desrespeitados), e o conflito interpessoal, que aborda fatores subjetivos (emocionais).

Warat (apud BEDÊ; FERENC; RUIZ, 2008, p. 169) elucida que:

[...] à diferença do que ocorre em um processo judicial, no qual na realidade são os advogados que intervêm e manejam o conflito, na mediação são as partes os principais atores, as donas do conflito que mantêm, em todos os momentos, o

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controle do mesmo, dizendo quais são as questões que estão envolvidas, assim como o modo de resolve-las. O acordo decorrente de uma mediação, satisfaz, em melhores condições, as necessidades e os desejos das partes, já que estas podem reclamar o que verdadeiramente precisam e não o que a lei lhe reconheceria. Permite o encontro de alternativas que escapam das possibilidades que a justiça ou o árbitro podem oferecer, limitados pelas disposições legais e jurisprudenciais.

O procedimento da mediação é complexo, demandando várias etapas a serem seguidas. A primeira providência a ser tomada é de minimizar-se as diferenças havidas entre os envolvidos, desconstruindo os sentimentos negativos para que haja efetiva comunicação entre as partes. A partir disso, a controvérsia passa a ser abordada de modo positivo, buscando melhorar a vida dos envolvidos (SALES, 2004).

Sobre a comunicação, pode-se afirmar que:

A comunicação se constitui em um fator relevante entre as partes. De como se prepara o mediador para administrar o processo de comunicação na mediação pode depender uma grande escala de êxito e o fracasso desta prática de resolução de conflitos. A forma na qual o mediador desempenha seus deveres profissionais revelará suas condições no seu caráter, seu intelectual, sua criatividade, suas habilidades técnicas, seus valores morais e seu desenvolvimento social e comunitário. Seu desenvolvimento buscará pontos de apoio às aptidões manifestas e às partes que consistirão em sua flexibilidade, imparcialidade, integridade e objetividade (SILVA, 2004, p. 44).

Neste sentido, a figura do mediador passa a ser essencial, à medida que em que compreende as relações conflituosas apresentadas, e através de sua formação, ajuda as partes a refletirem e dialogarem, identificando suas reais necessidades.

Com a tônica do conflito modificada, as partes retomam o relacionamento, passando a reconhecer suas diferenças e refletindo sobre o tema em discussão. Passam a racionalizar o conflito, buscando soluções para o impasse. Por essa característica comunicativa, a mediação é um procedimento que propicia o contraditório e a ampla defesa, e deve ser entendido como um processo continuado, em que as partes podem amoldar o processo conforme o envolvimento de cada um.

Através da aquisição de consciência de cada um dos envolvidos na controvérsia, surge a possibilidade do autoconhecimento. A modificação da realidade reflete no agir de cada indivíduo, que passa a entender a função positiva do conflito, mudando o sentido da situação.

Na mediação é importante que o mediador estabeleça uma comunicação eficiente com as partes. (MOORE, 1998). Neste sentido, a função do mediador reside em equilibrar a controvérsia instalada, de modo a captar os interesses comuns das partes, aproximando-as.

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Podemos citar conflitos de vizinhança, separação, divórcio, conflitos trabalhistas, como exemplos de conflitos aptos a mediação. (THEODORO JUNIOR, 2011).

O mediador deve então:

Propiciar aos envolvidos a percepção de que o outro não deve ser considerado como parte adversa, mas como mais um interessado em resolver suas questões. Passa-se assim para um período em que as partes começam a se compreender mutuamente e a perceber que seus interesses podem ser convergentes. O mediador deve, portanto, atuar de modo a estimular que as partes passem a observar o contexto fático por meio de uma lente conciliatória (e não mais por uma lente judicatória) (AZEVEDO, 2013, p. 125).

Conclui-se, então, que a mediação é um meio adequado para resolução de disputas, pois se baseia mais na composição de interesses, do que, propriamente, na alegação de direitos. É um processo voluntário em que as partes buscam o entendimento, a convergência de seus interesses, viando a continuidade da relação. (VEDANA, 2003).

4.3 O CONFLITO NA MEDIAÇÃO

Soares (apud FIORELII; FIORELLI, MEDALHAS JUNIOR, 2008, p. 7), define conflito para a mediação como:

Um processo que se dá entre duas ou mais partes em que predominam as relações antagônicas nas quais as pessoas intervêm como seres totais com suas ações, pensamentos, afetos e discursos, que algumas vezes, mas não necessariamente, podem ser processos conflitivos agressivos, que se caracteriza por ser um processo co-construído pelas partes e que pode ser conduzido por elas ou por um terceiro.

As pessoas “tem questões a serem resolvidas e não, necessariamente, conflitos”

(MUNIZ, 2014, p. 220). Essa identificação é de suma importância para o processo de mediação, posto que as questões podem resultar apenas de diferenças de percepções e significados, não impedindo a comunicação entre os indivíduos, podendo ocorrer um diálogo, inclusive, sobre essas perspectivas diferentes. Os conflitos são encadeados de tal forma que a carga emocional trazida gera a recusa de se estabelecer comunicação entre as partes (MUNIZ, 2014).

Partindo desse pressuposto, Vezzulla (2006, p. 84) apresenta uma diferenciação, mostrando que existem conflitos subjetivos, que envolvem relacionamentos, e, por suposto,

“emoções, pontos de vista diferentes [...], falhas na comunicação e na compreensão dos fatos”, e conflitos objetivos “que envolvem questões mensuráveis e concretas”. O autor ainda

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