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Academic year: 2021

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(1)52. C APÍTULO II: DO LIVRO (SUA CAPA), DOS DISCURSOS E DO PARATEXTO – Este livro não é meu! Meu Deus, o que fizeram do meu livro? Oriana Fallaci. O Autor, o editor e o paratexto Uma pessoa tem a idéia de escrever um texto. Resolve que será do gênero policial e o criminoso somente será reconhecido pelo leitor na última linha. Escreve, escreve, escreve. Revisa, revisa, revisa (ele aprendeu que o bom texto é aquele do qual mais se corta do se preserva). Terminada a tarefa, ele, agora, um Autor, quer que muitos leiam o seu texto. O que fazer? Dadas as novas tecnologias, pensou em colocar na internet. Como não entendia nada daquilo, procurou um amigo que era webdesigner. “A gente podia criar um blog e publicar um pouco de cada vez. Em capítulos. Daí você espalhava pros amigos o link (www.[...])”. Blog? Link ? Achou moderno demais. Ele queria que fosse livro. “Tem mais prestígio. Ler na tela de computador não é nada prazeroso. Se o leitor quisesse imprimir, talvez ficasse mais caro...”. Livro. É isso. Envia cópias de seu original para diversos editores. Recebe vários nãos, algumas cartas corteses “no momento temos muitos originais e não estamos aceitando outros”. E depois de algum tempo, quando já começava a se decidir pelo blog (chegara a conversar com o amigo webdesigner para viabilizar o projeto), recebe um convite. Um editor o convida para uma reunião. Quer discutir o texto, tem umas sugestões, uma idéia muito boa. Uma, duas, três reuniões. Entusiasmo, frustração. Está quase decidindo pelo blog. “Não era essa a minha idéia, não foi bem assim que escrevi”. Depois se entusiasma “É, o editor tem razão. Vai ficar bom com as sugestões dele.”. Livro. É isso mesmo. Agora o seu texto começará a ser pensado como livro. Como um objeto e um produto que será vendido. Uma mercadoria. Assina-se o contrato, define-se que ele irá receber 5% de direitos autorais. “Sabe, você é autor novo. A gente tá se arriscando. Depois, se vender bem, a gente conversa”. O editor convoca seus auxiliares e o livro passa a ser produzido. Que formato terá? Que fontes escolher? Determinar a mancha impressa. Terá prefácio? Se houvesse alguém muito conhecido que fizesse um texto de apresentação, ia ajudar muito. E o papel? De quanto vai ser a tiragem da primeira edição? E a capa? É, a capa é muito importante: “Ela é a porta de entrada para o seu texto”. Reuniões, reuniões, reuniões. Depois de meses, o livro está pronto. Tiragem de 3000 exemplares. É um policial. Aguça a curiosidade. O texto tem qualidade. A primeira capa é atraente. Tem o nome do Autor, no alto, em destaque, depois o título (que é chamativo) no centro. Logo abaixo, menciona-se que o prefácio é de (porque o prefaciador é bom, tem prestígio). No rodapé, o selo da editora. Tudo bem diagramado e centralizado. A imagem – cena noturna em que, um frouxo foco de luz, permite ver um corpo caindo de uma janela de um hotel. O contraste de luz e sombra dá o clima de mistério característico de um gênero policial (antecipa-o sem o revelar). A quarta capa dá continuidade àquela cena e os poucos focos de luz permitem ver alguns barcos atracados em um modesto cais e a sombra de uma pessoa (Homem? Mulher?) que se esgueira em direção a um dos barcos. Sobre essa cena, em tipos brancos, discretos para não quebrar o tom, um trecho do prefácio com elogios ao Autor: “uma verdadeira revelação” ... “há muito não surgia no panorama das histórias policiais um Autor” ... “a narrativa é empolgante” ... “não ficaria surpreso se ele virasse filme ou minissérie” ...). Exemplares são enviados a críticos, devidamente acompanhados de press-release que abre com partes do texto do... prefaciador. Exemplares são distribuídos pelas poucas livrarias do país. Para as livrarias virtuais. Agora, lá está ele, o livro, na vitrine e nos balcões das livrarias,.

(2) 53. na primeira página do site da livraria virtual, destacado como lançamento e, sob a reprodução de sua primeira capa, um pequeno trecho do pref... você sabe. A ansiedade do Autor é tanta que compra jornais para ver se alguém dá alguma notícia. Nada. “Os jornais de hoje não dão a mínima para a literatura, principalmente a brasileira.” Resigna-se o Autor que continua comprando jornais. Num sábado, num cantinho de página, reconhece, numa pequena foto, o seu livro. Uma breve descrição (sim!), seu nome, o da editora e o preço. Resenha que é bom, nada. “O gênero policial é desprestigiado. Dizem que não, mas as evidências contrárias são muitas”. Conforma-se o Autor. Mais alguns meses se passam. O Autor recebe o primeiro pagamento de seus direitos. “Não dá pra muita coisa, mas ajuda”. Lamenta o Autor. Um dia, recebe um convite: reunião com o editor. “Ele vai dizer que encalhou”. Imagina o Autor. Para sua surpresa, o editor o recebe com alegria. Oferece-lhe bebida. Conversam sobre amenidades. “Ele está preparando o meu espírito para a bomba”. Continua imaginando o Autor. Depois de algum tempo, o editor abre um largo sorriso: “Meu, teu livro tá bombando! Tá vendendo muito”. O Autor não compreende bem: a relação entre essas palavras do editor e o dinheiro que recebeu parece dizer o contrário. “Nesses dois últimos meses, a coisa pegou. Sabe, o boca-a-boca. Marketing viral, como dizem os modernos. O seu romance tá vendendo que nem água. Você vai sentir isso no próximo pagamento”. “É mesmo?” entusiasma-se o Autor. “É. Já tem a nova tiragem quase pronta. Dez mil! Dez mil!” “É messsssmo?!” Muito entusiasmado o Autor pergunta: “E o negócio dos direitos?” O editor tergiversa “Sabe, ainda fica como está. Dez mil é uma tiragem de risco. Que editora faria isso? Vamos ver como a coisa vai andar, depois a gente conversa. Ah! E tem outra história no gatilho? Precisamos aproveitar o sucesso”. continua. Neste trabalho, considera-se o livro como sendo um “evento comunicacional”, ou seja, ele é objeto construído por sujeitos que, sob várias condições (sociais, econô micas, históricas...) elaboram vários textos que produzem variados efeitos de sentido sobre outros sujeitos. Para esclarecer melhor e, também, definir alguns termos que foram empregados na Introdução, toma-se uma situação como exemplo. Um sujeito escreve um romance. Enquanto este romance não vem a público, define-se aqui que se trata de um texto original. Ao se decidir por sua publicação em livro, outros sujeitos passam a se dedicar àquele texto original com a finalidade de torná- lo público. Passado algum tempo, o livro se torna um objeto que, agora, contém em seu interior, um texto principal. Por que principal? Exatamente porque, em torno desse texto principal, há outros textos que cumprem outras funções. O objeto livro, numa livraria, é um evento comunicacional, ele está diante do público que, a rigor quer se apossar do texto principal, porém, para chegar até ele, lê outros: a capa talvez seja o primeiro deles. A capa comunica-se com o público, bem como as demais partes do livro. Assim, se há interesse por uma obra acadêmica, ele poderá, depois de passar por alguns textos, verificar se no livro, há um índice remissivo, isso o orientaria a comprá- lo ou não. Dessa forma, pode-se dizer que o índice se comunicou com aquele público. Mesmo se não houvesse índice, algo seria comunicado: o público poderia entender que a editora não o respeitou e, por extensão, formaria uma imagem ruim daquela casa editorial..

(3) 54. É necessário ampliar esse universo, pois os discursos não se dão de forma tão simples. Conforme Maingueneau (2001, p. 59-60), a sociedade é dividida “em diferentes setores: produções de mercadorias, administração, lazer, saúde, ensino, pesquisa científica etc. – setores que correspondem a grandes tipos de discurso”. Afirma o autor que estas divisões, “baseiam-se em grades sociológicas mais ou menos intuitivas”. A esses grandes tipos de discurso, correspondem tipos de discurso que, por sua vez, têm, em seu interior, os gêneros de discurso. No esquema abaixo, talvez esses conceitos possam ser mais bem compreendidos.. Figura 15: ESQUEMA DOS DISCURSOS. Sociedade. Gêneros de discurso Grandes tipos de discursos. Tipos de discursos. Aplicando-se o esquema ao objeto livro, que, segundo Sandra Reimão (2004, p. 102), foi o “primeiro produto cultural a ser industrializado e estandardizado”, obter-se-á a seguinte categorização: na sociedade, um dos grandes tipos de discurso é o midiático. Como o livro participa desse universo e o seu conjunto é um texto (comunica e comunica-se), pode-se afirmar que o discurso editorial é o tipo de discurso que o categoriza. Porém, o objeto livro não se apresenta de forma homogênea, ele é constituído de partes (capa, página de rosto etc.).

(4) 55. que também comunicam, afirma-se que dentro do tipo discursivo editorial, há gêneros de discurso – que correspondem às partes que compõem um livro. Assim, a partir da próxima seção, caracteriza-se o discurso editorial, entendendo-o como um tipo de discurso em que estão presentes não somente os procedimentos adotados na confecção do objeto livro, como também as condições de sua produção. Apresentam-se, depois, os gêneros do discurso editorial que correspondem às partes em que se estrutura um livro – com maior atenção à capa. Como também o livro é mercadoria e os discursos não ocorrem de forma autônoma e isolada, discute-se, ainda, a relação que há entre o discurso publicitário e o discurso editorial. Por fim, retoma-se o conceito de paratextualidade para aprofundá- lo e compreender de que forma ele pode ser encontrado tanto no discurso editorial quanto no gênero de discurso em que se constitui a capa de livro.. 1. DO DISCURSO EDITORIAL Antes de caracterizar o discurso editorial, é necessário compreender como se construiu, historicamente, a função editor. Emanuel Araújo (1986, p. 36) afirma que a figura do editor, caracterizada como um “preparador de originais”, que era “responsável pela edição de um texto a ser divulgado (transcrito) pelos copistas”, passou a existir, no Ocidente, desde o século III a.C. – ainda à época do rolo. No entanto, os cuidados desse editor não impediam os excessivos defeitos observados nos volumens, causados “pela ausência de textos normalizados”: por exemplo, decisões quanto a como pontuar, como transcrever, como dividir palavras ficavam a critério de cada copista que procediam de forma arbitrária e, por vezes, prejudiciais à fidelidade do original (ARAÚJO, 1986, p. 36-37). Ainda, segundo Araújo (1986, p. 37), um texto original jamais combinava com suas cópias precisamente pela multiplicação de variantes [grifo do autor] introduzidas de forma involuntária, por falta de normas que guiassem o trabalho dos copistas de modo a uniformizar os textos segundo um padrão considerado ideal ou correto.. A consciência de que era necessária a adoção de critérios que levassem à normalização dos textos pode ser notada após a fundação da Biblioteca de Alexandria, ocorrida por volta de 290 a.C., e que, até 47 a.C. – ano em que um incêndio a destruiu – influenciou sobremaneira os procedimentos editoriais. De acordo com Araújo (1986, p. 37-38), os prostates (diretores da Biblioteca) assumiram a tarefa de “recuperar e normalizar, em edições críticas, o maior.

(5) 56. número possível de textos”, de modo a fixar “um texto único e completo a partir das inúmeras cópias que corriam” e só encerravam essa “tarefa depois de a obra achar-se catalogada, revisada, comentada, provida de sumário, índice e glossário, tabelas explicativas”, dentre outros cuidados. Foi com essa mesma consciência que os livros manuscritos (os códices) foram produzidos, especialmente, a partir do século V, “quando o processo de crítica textual se intensificou até o século XV”, graças, sobretudo, “à iniciativa dos monges, que estenderam sua atividade por toda a Europa.” (ARAÚJO, 1986, p. 39-41). A rigor, os editores nesse período continuavam a adotar aqueles princípios estabelecidos na Biblioteca de Alexandria. Em meados do século XV, o aparecimento da imprensa fez com que, aos poucos, se mudasse “o lugar social da produção dos livros”: transferiu-se para mãos leigas uma atividade que, anteriormente, estava concentrada nos conventos, submetida a uma “estrutura fortemente hierarquizada e conservadora, cerceadora da expansão do conhecimento, especialmente se novo”, criando-se, assim, “as possibilidades para o surgimento de novas relações de poder na produção e na circulação do livro e, por conseqüência, em toda a cultura européia da época.” (BRAGANÇA, 2002). Num primeiro momento, segundo Emanuel Araújo (1986, p. 45-46), criou-se a atividade do impressor. No entanto, como adotava cuidados quanto à “normalização do texto”, podia ser considerado também editor – tanto que Aníbal Bragança (2002) nomeia esses profissionais como “editores- impressores”. Profissionais que foram decisivos para que, “em menos de trinta anos, o novo produto” tomasse “a aparência como conhecemos até hoje.” (ARAÚJO, 1986, p.45). A possibilidade de se produzir livros padronizados, em série e em quantidade maior, trouxe como conseqüência a ampliação do mercado editorial, atraindo novos leitores e, por extensão, que os participantes do mundo editorial tivessem seus papéis mais bem definidos, uma vez que imprimir, editar e vender eram atividades que se confundiam. Conforme Bragança (2002), ao lado dos editores- impressores, surgem também profissionais que se dedicam ao comércio do livro – os livreiros – que “mais freqüentemente de livreiros se tornam editores- livreiros”. Um dos primeiros passos na direção de definir as especializações dentro do universo editorial ocorrera já no século XVI. Afirma Araújo (1986, p. 49) que, naquele momento, começaram a surgir “as primeiras casas publicadoras ou editoras, dirigidas por pessoas sem qualquer vínculo com ‘a famosa arte de impressão’”. Entretanto, as definições começaram a ficar mais claras após a segunda metade do século XVIII: “nos centros urbanos mais desenvolvidos, com efeito, separaram-se nitidamente as funções do publicador das do impressor ou tipógrafo e das do livreiro, o que se tornaria definitivo com a especialização imposta pela Revolução Industrial”..

(6) 57. Como, então, a partir daí, ficaram definidas as atribuições do editor? Para Araújo (1986, p. 35-36), poder-se-ia fazer uma distinção entre editor e publicador (o autor aqui trabalha com as diferenças presentes na língua inglesa: editor e publisher). O primeiro é definido como “a pessoa encarregada de produzir, [grifo do autor] dentro de determinados padrões literários e gráfico-estéticos, uma obra destinada a divulgação comercial” – para referendar tal designação, Araújo menciona que a Unesco (apud ARAÚJO, 1986, p. 36) define o termo editor como “pessoa responsável pelo conteúdo ou pela preparação da publicação de um documento para o qual pode ou não ter contribuído”. Já publicador refere-se ao “proprietário ou responsável de uma empresa organizada para a publicação de livros”. Mais adiante, Araújo (1986, p. 53) afirma ser o editor responsável pela fidedignidade do original apresentado pelo escritor bem como pelo “suporte material [grifos do autor] com que se apresentará o texto (...) de modo a não trair – ao contrário, preservar, ressaltar – o pensamento do autor”. Por fim, Araújo (1986, p. 54) define que, na produção de livros, as atribuições do editor. consistem basicamente em supervisionar a publicação de originais em todo o seu fluxo préindustrial (seleção, normalização) e industrial (projeto gráfico, composição, revisão, impressão e acabamento). Assim entendido, o vocábulo recupera, ao menos parcialmente, o seu sentido original, sua velha dignidade de bibliakós [grifo do autor], “versado no conhecimento dos livros”.. Em contraste a essa definição, Houaiss (1967a, p.3) entende que as atribuições acima correspondem ao “editor de texto” ou “diretor de texto” – neste caso, aproxima-se do conceito de editor utilizado no inglês. Assim, para ele, o sentido da palavra editor, na língua portuguesa, – semelhantemente ao que ocorre no francês (editeur), no espanhol (editor) e no italiano (editore) que, por sua vez, acompanham o significado do inglês publisher – designa, restritamente, ou a pessoa sob cuja responsabilidade, geralmente comercial, corre o “lançamento, distribuição e venda em grosso do livro”, ou a “instituição, oficial ou não, que, com objetivos comerciais ou sem eles”, responsabiliza-se pelo lançamento, pela distribuição e, às vezes, pela “venda do livro”. A síntese dessas duas definições pode ser encontrada em Aníbal Bragança (2005, p. 221), para quem, no conceito do termo editor, devem estar incluídas ambas as atribuições (tanto a de preparar o livro, dando-lhe uma feição, quanto a de publicar), justificando que, dessa forma, fica mais bem representado.

(7) 58. o complexo campo de suas atividades na indústria editorial. Especialmente, porque insere implicitamente como encargo do editor a publicação, não apenas no sentido de dar à luz o livro impresso, mas na ação de torná-lo publicamente conhecido, isto é, difundido, distribuído, consumido e lido.. Neste trajeto para se compreender a função exercida pelo editor, pode-se ter a impressão de que todo o trabalho necessário para a produção de um livro é executado somente por ele. Para que não paire dúvida quanto a isso, faz-se necessário afirmar que, segundo Araújo (1986, p. 297), da feitura do produto livro [grifo do autor] dependerá a legibilidade ideal do escrito, mesmo – e sobretudo – combinando-se este a recursos iconográficos, como a intercessão de gravuras, fotografias, mapas, gráficos etc., para não falar na vital escolha adequada de tipos, na harmonia das páginas e na perfeita impressão de toda a obra.. Desse processo – que Araújo (1986, p. 297) chama de industrial –, participam muitos outros profissionais, tais como, o revisor, o ilustrador, o designer gráfico, o produtor gráfico, o impressor, entre outros. Antonio Houaiss (1967a, p.4), vai além, afirmando que, na passagem de um texto original a livro, entre esse original e o leitor, “intermedeia uma série maior ou menor de profissionais, que vão emprestar ao seu trabalho o concurso de seus conhecimentos, experiência, sabedoria, técnica e operosidade (...)” e coloca, entre esses profissionais, o editor. Aníbal Bragança (2005, p. 224) não concorda com isso, pois, para ele, o editor tem papel fundamental nesse processo, até porque, o “movimento de criação nasce – ou não nasce – a partir da decisão do editor de pub licar – ou recusar – o original” e enfatiza: São os editores, enfim, que decidem que textos vão ser transformados em livros. E, pensando em qual públic o a que devem servir, como serão feitos esses livros. Mesmo quando não é deles a iniciativa dos projetos, é deles que parte a direção a seguir. É neste lugar de decisão e de comando, e de criação, que está o coração do trabalho de editor. É também esse lugar que exige dele saberes específicos (“escolher, fabricar, distribuir”), que o diferenciam dos demais agentes envolvidos no processo editorial, e lhe impõe responsabilidades únicas, profissionais, sociais, econômicas, financeiras, administrativas e mesmo (juntamente com os autores) judiciais.. Independentemente disso, não há como negar que, em todas as decisões tomadas pelo editor para que o livro chegue até o público, no momento em que este tem o livro em suas mãos, estará com um objeto no qual ressoam diversas e diferentes vozes. Até mesmo para decidir se deve ou não publicar um texto, o editor não o faz de forma solitária, uma vez que fatores sociais, históricos, mercadológicos, culturais estarão presentes no aceite (ou na recusa) de um original..

(8) 59. Com base nisto, nos fatores históricos apresentados e em como a função do editor veio se configurando, é possível, enfim, caracterizar o discurso editorial como uma tipologia discursiva. Assim, ao ler um livro, o leitor estará em contato com um objeto polifônico (embora não precise ter consciência disso). Se a legibilidade lhe é garantida, porque o designer gráfico definiu mancha gráfica, ou seja, a parte impressa delimitada pelo tamanho atribuído às margens do papel, e escolheu tipos adequados, é a voz daquele designer que estará presente no momento da leitura. Ou se a capa de um livro exposto na livraria o atraiu de modo a tomá- lo em suas mãos e a folheá- lo, será a voz do capista que nesse instante se fará ouvir. Ainda mais, no trabalho do designer, do capista e do editor, há vozes que lhes são anteriores: toda a tradição que veio sendo construída ao longo do tempo estará ressoando. Por exemplo, se um texto é composto no tipo denominado Times New Roman (como se faz neste trabalho), trata-se de uma escolha que remonta à própria criação daquele tipo a partir de uma idéia de Stanley Morison e desenhada por Victor Lardent, em 1932, atendendo a uma encomenda do jornal The Times, de Londres. Já a composição em Garamond, recua ainda mais no tempo, a 1530, quando Claude Garamond concebeu esse tipo (FERLAUTO; JAHN, 2001, p. 10). Foram as diversas utilizações bem-sucedidas desses tipos, de que tanto designer gráfico quanto o editor têm conhecimento, que propiciaram o seu emprego.. Figura 16: primeira capa de Mad Maria Arquivo do autor. Figura 17: aplicação de cinta sobre primeira capa do livro Trem-Fantasma Arquivo do autor.

(9) 60. É possível também caminhar para fora do objeto livro para que outras vozes possam ser ouvidas. Em 2005, a TV Globo levou ao ar a minissérie Mad Maria. Foi um momento oportuno para que a Editora Record lançasse uma nova edição de Mad Maria [fig.16], de Márcio Souza, “Livro que inspirou a minissérie da TV Globo”, como revela o enunciado que vem no alto da capa, logo abaixo de seu título. Se esta é uma decisão que obedece a uma lógica mercadológica evidente, o que dizer do lançamento pela Companhia das Letras, também em 2005, da 2ª edição (revista e ampliada) de Trem-fantasma: a ferrovia MadeiraMamoré e a modernidade na selva, de Francisco Foot Hardman? O livro chegou às livrarias acompanhado de uma cinta promocional em que se podia ler: “A aventura da construção da ferrovia que inspirou a minissérie Mad Maria” [fig.17]. Nestes dois exemplos, ocorre o diálogo entre vários discursos: o literário, da obra de Márcio Souza; o científico, de Francisco Foot Hardman; o editorial, presente no objeto livro e o televisivo, por meio do gênero minissérie. E, em todos, as vozes se cruzam. Eis, portanto, outra particularidade dos discursos. Porém, afirmar que se trata de um produto polifônico, não faz do livro algo que não tenha um sujeito que se responsabilize por ele, ou, então, que essa responsabilidade deva ser creditada a todos os participantes. É o editor esse sujeito, uma vez que, ao final do processo, é ele quem toma as decisões e por elas responde. Para Bragança (2005, p. 224), o editor atua como “um filtro no elo entre autor e leitor. Filtro que pode ser uma barreira intransponível entre um escritor, com um manuscrito, e um autor, e os leitores, mas que pode, também, ser a ponte entre um escritor inédito e um autor consagrado e lido”. A escolha da palavra filtro, permite compreender como atua o editor: aceita algumas soluções, rejeita outras, ou, até mesmo, interfere no próprio texto do escritor (BRAGANÇA, 2005, p. 222). A palavra ponte, por sua vez, indica o resultado final, quando, por meio do editor, o livro alcança o público. Ambas, portanto, revelam que no livro há a presença das vozes e dos tempos, e que foram as decisões do editor que possibilitaram que o livro tivesse aquele aspecto e não outro. Nesta última afirmação, evidencia-se outra característica discursiva: diante de um produto acabado, pode-se intuir que aquela finalização poderia ter outra feição, caso outros fatores tivessem sido levados em conta. Como se pode notar pelas palavras de Maria Augusta Babo (apud BRAGANÇA, 2005, p. 224) que destaca “o duplo desempenho mediático” presente na função editor: “entre o texto e o leitor através do livro; entre o mundo da publicação possível e o da publicação efetiva. Mediação esta, de natureza performativa, na medida em que é o mundo da publicação efetiva que determina o mundo da leitura possíve l”. Ou seja, entre a “publicação possível” e a “efetiva”, muitos fatores serão relevantes e marcarão não só o aspecto do livro, como ainda o seu consumo..

(10) 61. Para Aníbal Bragança (2005, p. 224), exatamente no espaço, entre o possível e o efetivo, em que o editor atua ora como “juiz”, ora como “polinizador, entre as leituras possíveis e as efetivamente disponíveis na sociedade, entre a apatia e a dinamização do mercado de bens culturais, é que se deve buscar sua dimensão histórica, econômica, social e cultural”. Com estas palavras, inseridas em texto em que não trata da questão do discurso, Aníbal Bragança permite que se conclua esta seção, ressaltando que a busca pela “dimensão histórica, econômica, social e cultural” em que se deve compreender o trabalho do editor, corresponde à síntese com que se pode caracterizar o discurso editorial: um livro será apresentado ao público (que poderá ser um provável leitor) em uma determinada forma. Esta, por sua vez, será um resultado possível obtido graças às múltiplas tomadas de decisões realizadas por um sujeito que chegou até elas de acordo com as condições de produção existentes durante o tempo que foi necessário para que aquele projeto livro fosse executado. Caracterizado o editorial como um tipo de discurso, torna-se necessário apresentar e compreender quais gêneros discursivos nele estão presentes e como se caracterizam, dando-se ênfase à parte extratextual que corresponde exatamente aos procedimentos adotados na confecção da capa de um livro.. 2. DOS GÊNEROS DISCURSIVOS PRESENTES NO DISCURSO EDITORIAL “Conhecer” um livro não é tê-lo lido integralmente, é examinar sua folha de rosto, ler o prefácio ou a introdução, consultar o índice, a errata, se houver, o colofão e as orelhas. De outro modo eu nunca poderia conhecer os meus livros, mas dessa forma eu os “conhecia” todos. Plínio Dolyle. Os gêneros discursivos que pertencem ao tipo de discurso editorial serão considerados e caracterizados tendo por referência a forma como um livro é estruturado. Essa estrutura, que há muito tempo está normalizada, foi construída por meio das inúmeras soluções adotadas desde a época dos volumens e dos manuscritos e, em especial, depois que o livro passou a ser impresso. A normalização das publicações pode ser encontrada em obras que tratam do objeto livro, bem como nos manuais de metodologia que orientam a elaboração de artigos, de trabalhos de conclusão de curso, de dissertações de mestrado e de teses de doutorado. Para muitas das definições adotadas, tanto em livros quanto em publicações científicas, há normas.

(11) 62. e padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Nesse caminhar, diversos aspectos – culturais, econômicos, gráficos, dentre outros – foram determinantes para que uma publicação ganhasse a forma e a estrutura com que ela se apresenta ao público. Emanuel Araújo (1986, p. 430) revela vários desses aspectos. Assim, nos papiros e pergaminhos já era possível encontrar “elementos estruturais formalizados”, tais como, “a divisão da obra em capítulos e estes organizados em seções maiores, a abertura e o fechamento do livro sob formas tradicionais, ilustrações arranjadas na página de modo padronizado”. Os primeiros impressores aproveitaram “da tradição manuscritora os elementos básicos que viriam conformar a estrutura mesma do livro”. Porém, a imprensa, ao mesmo tempo em que se pautava naquelas tradições, teve que adotar novas soluções “em benefício de sua linguagem, o que se traduziu em uma normalização eficaz antes de o livro impresso completar cem anos de história”. Tal normalização pode ser observada nas partes que compõem um livro e que o estruturam. Ainda que não haja divergências quanto à noção de que um livro é composto por partes distintas, no momento de classificá-las, Antonio Houaiss (1967b) e Emanuel Araújo (1986) apresentam algumas diferenças. Para Houaiss (1967b, p. 45), o livro, depois da imprensa, “consta, do ponto de vista material, essencialmente de folhas, cujo conjunto passou pouco depois a ser revestido” e, inicialmente, teria duas partes: revestimento (encadernação ou brochura) e “corpo, isto é conjunto de folhas impressas”. Mais adiante, Houaiss (1967b, p. 49) afirma que o “texto lato sensu, isto é, como equivalente de tudo o que seja impresso em tipos ou caracteres móveis no livro” pode ser dividido em duas partes: a textual (o texto strito sensu) e a extratextual (partes pré-textual e pós-textual). Emanuel Araújo (1986, p. 430), por sua vez, afirma que, atualmente, o livro tem uma estrutura composta por quatro partes, a saber: pré-textual; textual; pós-textual e extratextual. Entre as duas estruturações mencionadas, entende-se que aquela apresentada por Emanuel Araújo permite compreender que, embora todo o fazer editorial tenha como objetivo produzir o livro como um objeto íntegro e harmonioso, há procedimentos peculiares a cada uma das quatro partes que propiciam a caracterização de gêneros discursivos distintos, como se verá a seguir..

(12) 63. 2.1 O GÊNERO DISCURSIVO PRÉ- TEXTUAL. Como o próprio nome já diz, a parte pré-textual é formada por uma série de elementos que antecedem o texto principal – nem todos são obrigatórios e tampouco obedecem a uma regularidade, uma vez que, conforme cada editora, podem ser encontradas variações quanto à localização de algumas informações. Araújo (1986, p. 431) apresenta “os elementos mínimos” que podem constituir essa parte pré-textual e na ordem a seguir (que, para ele, seria a ideal): falsa folha de rosto; folha de rosto; dedicatória; epígrafe; sumário ; lista de ilustrações; lista de abreviaturas e siglas; prefácio e agradecimentos. Nessa relação, Emanuel Araújo inclui ainda a introdução. Porém não há como defender a idéia de ela pertencer à parte pré-textual, uma vez que sua redação é de responsabilidade do autor e integra o corpo do seu texto. Dessa forma, ela está relacionada à parte textual. Como faz a Secretaria da Cultura do estado do Paraná (2004, p.36) em suas Normas para edição de livros, bem como autores que orientam a apresentação de trabalhos acadêmicos, como Pedro Furasté (2006, p. 75-76); Israel Azevedo (2002, p. 54) e André Rodrigues (2005, p. 71). E o prefácio, quando escrito pelo autor, também não deveria ser considerado textual? Neste caso, não, uma vez que, embora possa ser redigido pelo autor, possui características e função diferentes. No prefácio, o autor tem liberdade: seja para explicar aspectos referentes à própria construção de seu texto, seja para relacionar o texto principal a outros (dele ou não), seja para fazer agradecimentos. Além disso, muitas vezes, o prefácio é elaborado por outra pessoa, tornando-se mais fácil compreendê-lo como prétextual. Devido às características de cada obra, nem sempre a parte pré-textual de um livro apresentará todos aqueles elementos. Por exemplo, da publicação de um romance, geralmente, não constarão sumário, listas de ilustrações, de abreviatura e de siglas. Um livro de contos, por sua vez, terá sumário, porém não as listas. Alguns são opcionais (dedicatória, epígrafe, agradecimentos e prefácio); outros, obrigatórios (falsa folha de rosto e folha de rosto, e nos textos técnico-científicos, também o sumário e as listas – quando for o caso, por exemplo, de apresentar iconografia). Estes poucos detalhes permitem perceber como se caracteriza o gênero discursivo prétextual: compõe-se de uma série de decisões quanto a quais enunciados podem ser produzidos e como podem ser apresentados. Que objetivos pretendem ser alcançados com eles? Que função cada elemento exerce? Como exemplo, pode-se retornar à questão do prefácio. Se produzido por autor diferente, a escolha poderá recair sobre uma pessoa que tenha.

(13) 64. credibilidade – ou por se tratar de autoridade no tema abordado pelo texto, ou porque tem prestígio social. Dele se espera a elaboração de um prefácio que terá a função de enaltecer o texto principal, de destacar a sua relevância. Ou seja, será uma escolha determinada por fatores que interessam tanto ao autor quanto à projeção de seu trabalho. Quanto aos aspectos gráficos, é possível notar como várias tomadas de decisão podem ser causadas pelas condições de produção do livro e dos efeitos pretendidos. Se houver muitas páginas antecedendo o texto principal, o custo poderá se elevar e uma das soluções será utilizar tipos em corpo menor para diminuir o número de páginas. Essa solução, todavia, poderá prejudicar a legibilidade do texto principal. Ou, então, compor o prefácio em itálico para diferenciá- lo, visualmente, de outras partes do livro. Em obras autobiográficas, colocar foto do autor no verso da falsa folha de rosto ou na própria folha de rosto. Razões estéticas podem fazer com que se rompam alguns padrões, como no caso do livro Cheiro de Deus, de Roberto Drummond, cuja folha de rosto avança para o verso da falsa folha de rosto, com ilustrações sobre um fundo vermelho presentes em ambas as páginas [fig. 18].. Figura 18: Folha de rosto de O cheiro de Deus Arquivo do autor. No entanto, o gênero discursivo pré-textual caracteriza-se mais pela sobriedade, pela predominância do branco do papel, de modo a fazer com que a legibilidade seja o efeito maior pretendido. Isso, porque há uma quantidade maior de enunciados informativos (título, autor, nome da editora e seu endereço, ano de publicação, ficha catalográfica, créditos, identificação.

(14) 65. do detentor do copyright, dentre outros) do que de estéticos – sendo estes mais notáveis na escolha dos tipos com que o título vem apresentado na folha de rosto.. 2.2 O GÊNERO DISCURSIVO TEXTUAL. A segunda parte da estrutura do livro corresponde ao texto principal produzido pelo autor, razão primeira e principal que determina a produção de um livro. Neste caso, dois discursos encontram-se imbricados: o do próprio texto principal (por exemplo, se obra de ficção, será literário; se de não-ficção, será científico, pedagógico, didático, entre outros) e o da apresentação gráfica do texto – o gênero discursivo textual. Na maior parte das vezes, o autor concentra-se na elaboração de seu original sem, necessariamente, se preocupar em como ele será apresentado ao público. Atualmente, com o computador e o uso de um programa de edição de texto, é possível que o autor considere essa questão no momento em que está escrevendo e possa participar de modo consciente das soluções gráficas para a publicação de seu original. É na questão da legibilidade do texto principal que o discurso textual estará mais evidente, a começar pela definição da mancha gráfica. Caso ela seja muito longa e composta por tipos de corpo pequeno, o ritmo da leitura será prejudicado, monótono, e, por extensão, em se tratando de um texto literário, dificultará a sua fruição ou, sendo ele um texto acadêmico, a compreensão dos conceitos apresentados será mais difícil. Jornais e revistas apresentam seus textos em colunas – em livros, essa solução raramente é empregada –, permitindo a utilização de tipos em corpo menor sem que a legibilidade fique comprometida, já que o espaço a ser percorrido pelo olho do leitor será menor. Basta que se observe o parágrafo abaixo, composto em duas colunas, com tipo de corpo 10 e entrelinhas simples para que isso possa ser comprovado. Em que medida essa decisão afetaria o prazer e/ou a cognição do texto?. É na questão da legibilidade do texto principal que o discurso textual estará mais evidente, a começar pela definição da mancha gráfica. Caso ela seja muito longa e composta por tipos de corpo pequeno, o ritmo da leitura será prejudicado, monótono, e, por extensão, em se tratando de um texto literário, dificultará a sua fruição ou, sendo ele um texto acadêmico, a compreensão dos conceitos apresentados será mais difícil. Jornais e revistas apresentam seus textos em. colunas – em livros, essa solução raramente é empregada –, permitindo a utilização de tipos em corpo menor sem que a legibilidade fique comprometida, já que o espaço a ser percorrido pelo olho do leitor será menor. Basta que se observe o parágrafo acima, composto em uma só coluna, com tipo de corpo 12 e entrelinhas 1,5, para que isso possa ser comprovado. Em que medida essa decisão afetaria o prazer e/ou a cognição do texto?.

(15) 66. Outras questões que merecem atenção nesse momento podem ser apontadas. As notas, quando necessárias, podem ser colocadas no rodapé da página, ou ao final de cada capítulo, ou, então, no final do texto principal – antes das referências bibliográficas. Alguns livros experimentaram um novo local para as notas: a margem direita ou a esquerda, ao lado de sua referência no corpo do texto principal, reduzindo, dessa maneira a mancha impressa. Em todos esses casos, a fluência de leitura do texto será afetada. Quando a obra está dividida em capítulos, como fazer a abertura de cada um deles? Em seqüência? Em nova página? Ou sempre em página ímpar? Estas decisões redundariam em menor ou maior custo de produção e afetariam a forma de ler o texto principal. Para além do aspecto gráfico em que o texto do autor é apresentado, há problemas envolvendo os profissionais que atuam diretamente nele, como, por exemplo, o revisor que poderá alterar o sentido original ao colocar ou retirar uma vírgula, ao propor que uma frase tenha uma construção sintática diferente daquela elaborada pelo autor. Um descuido propiciará sensível desastre, como ocorreu, em 1902, no lançamento da segunda edição do livro Poesias completas, de Machado de Assis, pela Livraria Garnier. Rubens Borba de Moraes (1998, p. 101) conta que, naquela época,. quase todos os livros dessa editora eram impressos na França e, apesar do cuidado com que era feita a revisão, escapavam erros. Mas nenhum tão grave quanto o que apareceu nesse livro. No prefácio (página VI) Machado escreveu “... cegara o juízo...”. O tipógrafo francês trocou o e por um a! Imagine-se a cara que deve ter feito o pudibundo autor vendo esse erro borrando sua obra! O pior é que só percebeu o engano quando já estavam vendidos alguns exemplares. No meio da consternação geral Everardo Lemos, empregado da livraria, propôs raspar com todo o cuidado a fatídica letra a e escrever no lugarzinho a letra e a nanquim. Assim foi feito para sossego de todos. Mais tarde Garnier mandou reimprimir a folha contendo o fatal engano e substituí-la em todos os exemplares.. Azar do autor, do editor, do revisor; sorte dos bibliófilos, já que os primeiros exemplares com o erro danoso são os mais raros e, portanto, os mais valiosos. Há casos em que o desconhecimento do estilo do autor (no caso que se irá contar, trata-se de uma autora) e a falta de contato entre editor e autor podem provocar reações como a da escritora italiana Oriana Fallaci, autora de Un uomo, e do grito – que se pôde ouvir na epígrafe com que se iniciou este capítulo – dado em 1981, quando sua obra foi traduzida para o português com o título de Um homem. Desta vez quem conta a história é Emanuel Araújo (1986, p. 23). O texto original de Oriana apresentava uma estrutura de parágrafos “construída em forma de monólogo compacto”. Eram “blocos de longo discurso interior” colocados entre aspas para indicar diálogos recordados. Na tradução, as aspas foram substituídas por.

(16) 67. travessão. Nessa nova formatação, o que no original era memória de diálogos, converteu-se em diálogo efetivo. Há outras questões editoriais ou de mercado – ou ambas – que podem interferir no texto do autor. Entre a primeira edição do livro Cidade de Deus, de 1997, e a segunda, lançada em 2002, há uma diferença de cerca de 150 páginas. Porém não foram decisões gráficas que a provocaram. Afirma Paulo Lins (ANGIOLILLO, 2002), que uma das razões foi motivada pelos tradutores estrangeiros que alegaram ter muita dificuldade com a linguagem do seu texto. Até aí, não haveria a necessidade de reduzi- lo a 404 páginas. Conforme Paulo Lins, essa redução serviria para atender às características do mercado internacional em que é muito difícil “colocar livro tão longo”. Se nos casos precedentes, as marcas do discurso textual podem ser vistas gráfica ou lingüisticamente, neste ele fica oculto, é opaco. Poder-seia afirmar que somente o discurso literário foi alterado, pois somente o autor foi o responsável pelas mudanças, no entanto, o gênero discursivo textual ali está presente e, se o próprio escritor não o tivesse explicitado, permaneceria em sua opacidade, fazendo com que o pesquisador, colocando lado a lado os dois livros e, notando a visível diferença de volume – e, claro, confrontando as duas versões – tivesse que lançar mão de subentendidos para tentar compreender e interpretar que condições teriam levado o autor a proceder tão radicais mudanças em sua obra.. 2.3 O GÊNERO DISCURSIVO PÓS -TEXTUAL. A parte pós-textual localiza-se depois do texto principal, guardando relativa semelhança com a pré-textual tanto por sua aparência gráfica quanto pela quantidade de informações que nela se reúnem e também pelas variações que pode apresentar. Os elementos que a constituem podem ser as referências bibliográficas, os anexos, o posfácio, a errata, o glossário, os índices – remissivo e/ou onomástico – e o colofão. Como se pode perceber, com exceção do posfácio e do colofão, os demais são mais afeitos às publicações de caráter acadêmico ou técnico-científico, e menos às produções literárias. Assim, o gênero discursivo pós-textual será marcado também pela sobriedade (podendo ser mais vistoso nos anexos iconográficos e, algumas vezes, no colofão) e pela garantia de que as informações possam ter mais destaque do que os efeitos estéticos. O posfácio, como diz o nome, corresponde a um texto – do próprio autor ou não – que foi produzido depois de o texto principal estar pronto, e nele, como no prefácio, há liberdade de assuntos que podem ser abordados. Quando do próprio autor, pode trazer comentários à.

(17) 68. obra, dizer de como foi feita, ou fazer- lhe reparos. Quando escrito por autor diferente, pode ser uma apreciação crítica ou um artigo de jornal comentando a obra e trazido agora para o livro. Enfim, diz mais da obra do que da edição. A errata, por sua vez, que não é tão comum atualmente e, às vezes, vem em folha solta insertada na parte pré-textual, traz à presença do público problemas ocorridos na confecção do livro. Tem, portanto, dupla face, pois, ao mesmo tempo em que mostra alguns erros percebidos somente depois de o livro concluído, revela a humildade de quem o produziu, bem como respeito e consideração pelo leitor. Há um exemplo muito pitoresco de errata – neste caso, assumido pelo autor – que ocorreu na primeira edição do romance Flor de Sangue, de Valentim Magalhães, publicado pela Laemmert & C., Editores, em 1897, como pode ser observado em transcrição feita por José Mindlin (2005, p. 479):. Errata. Deixando á intelligencia do leitor corregir lapsos e erros de somenos importancia, julgamos indispensavel, no entretanto, emendar os seguintes: Á pagina 206, linha 2ª – em logar de “bosque nemoroso” – leia-se – bosque umbroso; e á pagina 285, 4ª linha, em vez de – “estourar os miolos” – leia-se – cortar o pescoço.. A presença de índices remissivos e/ou onomásticos é uma estratégia que atende aos interesses do público, do editor e do autor, já que permite localizar no corpo do texto principal, e com rapidez, conceitos e nomes que esteja pesquisando e que, muitas vezes, podem ser determinantes para a compra ou não de um livro. No entanto, a composição do índice requer cuidados quanto à apresentação gráfica, garantindo a legibilidade dos termos e das páginas em que se encontram e quanto à exatidão dessas informações, já que erros indiciam falta de cuidado e podem colocar sob suspeita o trabalho editorial. De todos os elementos da parte pós-textual, entretanto, o que tem mais tradição é o colofão, que significa “ápice, coroamento, remate” e, por isso, “é o último elemento impresso do miolo do livro.” (ARAÚJO, 1986, p. 466). Ele já estava presente nos papiros egípcios, e se manteve nos manuscritos, e, conforme Araújo (1986, p. 467), trazia informações técnicas como data de conclusão, de sua revisão e, por vezes, o título da obra e o nome do copista. Nos manuscritos, podiam ser encontradas, ainda, rezas ou breves anotações. Nos primeiros impressos, a prática foi mantida. Afirma Araújo (1986, p. 467) que, no incunábulo Psalmorum codex, encontra-se “o primeiro colofão impresso, onde se registram o título (...), os nomes dos tipógrafos-publicadores (Johann Fust e Peter Schöffer), o local da impressão (Mogúncia) e a data exata de sua conclusão (14 de agosto de 1457)”. Mais tarde, depois de.

(18) 69. separadas “as atividades do impressor e do publicador, restringiu-se o colofão à referência do estabelecimento gráfico e da data em que se montou o último caderno do livro”. Todavia, atualmente, são muitas as variações quanto às informações nele contidas e à sua apresentação gráfica. Tanto que, em muitos livros, encontra-se apenas a identificação do impressor; em outros, a do impressor e a data de sua conclusão; em alguns, além destas informações, indicam-se as características dos papéis utilizados na confecção da capa e na do miolo, bem como a tipologia empregada. Porém, apesar da importância de tais informações, há livros que sequer trazem colofão. Por outro lado, quando ele está presente, pode se tornar boa oportunidade para que se mostrem soluções criativas e que despertam a atenção do leitor. Tradição... cultura... economia... enfim, como ocorre nos gêneros discursivos anteriormente apresentados, o pós-textual será o resultado das decisões que possibilitam dar mais clareza às informações necessárias, maior credibilidade à própria editora e, ao leitor, um espaço de interação com todos os elementos – seja antes da leitura, no momento em que, numa livraria, enquanto consulta o índice, poderá ser atraído pelo colofão; seja depois de ler e de ter apreciado o texto principal, poderá prolongar essa satisfação, folheando as derradeiras páginas do livro e podendo se informar, por meio do colofão, de aspectos técnicos, de pessoas que participaram daquele processo (como aquele espectador que, terminado o filme, permanece sentado em sua poltrona, fruindo a música, lendo nomes de pessoas que jamais conhecerá ou esperando o crédito das músicas executadas durante o filme para saber de autores e de intérpretes e, quem sabe, comprar o cd com a trilha sonora).. 2.4 O GÊNERO DISCURSIVO EXTRATEXTUAL. Quando trata dos elementos extratextuais, Emanuel Araújo (1986, p. 470-472) referese à parte que reveste o livro “sob a designação genérica de ‘capa’, encadernada (revestimento duro) ou brochada (revestimento flexível)”. Como se viu, anteriormente, durante muitos séculos, a encadernação – com seus variados materiais, com menos ou com mais luxo – foi a proteção mais comum do livro. No século XVIII, não somente começam a se elaborar encadernações mais baratas, como também os livreiros passam a “brochar os livros, cobrindoos com uma simples folha de papel ordinário” nas quais se repetia o texto da folha de rosto. Segundo Araújo (1986, p. 470), depois disso, “consolidou-se a capa [grifo do autor] da brochura (...)” que é o espaço em que se insere o objeto de interesse desta pesquisa. A capa, em seu conjunto, conforme Emanuel Araújo (1986, p. 470), é formada por diferentes elementos, a saber:.

(19) 70. – primeira capa (face externa da segunda capa), necessariamente área impressa ou de grafismo; – segunda capa (face interna da primeira capa), área não destinada à impressão; – terceira capa (face interna da quarta capa), área não destinada à impressão; – quarta capa (face externa da terceira capa), opcionalmente área impressa ou de grafismo; – primeira orelha (dobra da primeira capa); – segunda orelha (dobra da quarta capa); – sobrecapa (aplicável sobretudo a encadernações; – lombada.. A rigor, o senso comum costuma chamar de capa somente à primeira capa, exatamente, pelo maior poder de visibilidade que ela possui e que, por isso mesmo, requer os maiores cuidados quando de sua execução. Considerando-se o livro exposto em uma vitrine ou em um balcão de livraria, é por meio da primeira capa que o público travará contato inicial com o livro. Por isso, Araújo (1986, p. 471) ressalta que ela recebe “tratamento enfático, às vezes agressivo mesmo, nos tipos e cores, a fim de provocar impacto visual”. Porém, a adoção de tal procedimento não é unânime, como afirma Houaiss (1967b, p. 51) existe “uma luta (incruenta, por certo...) entre os que advogam capas desenhadas e os que advogam capas tipográficas”. Para ele, a capa desenhada caracteriza-se pela “busca contínua de efeitos novos, não raro sensacionalistas, embora não mais que alusivos, sugestivos, convidativos”; mas, “o livro dignificado pelo tempo e pelo equilíbrio gráfico pede a capa tipográfica”. Em contraponto à afirmação de Houaiss, feita em meados da década de 1960, o editor Enio Silveira (ALMEIDA; FERNANDES e SENRA, 2003, p. 156), da Civilização Brasileira, enaltece o trabalho do capista Eugenio Hirsch, desenvolvido naquela editora, também em plena década de 1960: O livro brasileiro era igual a um livro francês, igual. A capa era tipográfica, não era ilustrada (...) houve uma revolução gráfica, sobretudo nas capas de Eugenio Hirsch. Suas capas eram muito vigorosas. Ele dizia assim: “Não vim para agradar, vim para agredir”. Agredir no sentido visual. Ele era um criador e chamou muita atenção.. Por outro lado, se a afirmação de Houaiss parece soar ultrapassada, ela encontra respaldo em Flávio George Aderaldo (CABRINI; GUEDES e FERREIRA, 1992, p. 41), um dos fundadores da editora Hucitec, que, em relação às capas, afirma gostar “da tipografia alemã e da inglesa: livros simples e muito bem feitos. Não gosto da apelação visual da tipografia americana”. Pensamento semelhante se vê em Moema Cavalcanti (2005), profissional que se dedica à execução de capas de livro há mais de 35 anos, para quem.

(20) 71. as capas nacionais apresentam algumas influências, como a da escola norte-americana, que trazem imagens mais pesadas para chamar a atenção. Eu prefiro as escolas francesa e alemã, que geralmente são capas tipográficas, com o nome do livro e do autor, que é o que interessa. Nelas, prevalece uma linguagem mais sóbria. Mas claro que, neste caso, estamos falando de países altamente alfabetizados. Já as editoras espanholas fazem algo que é um meio termo. Apresentam imagens impactantes, mas não apelativas. Eu ainda prefiro as capas discretas.. Desenhadas ou tipográficas, agressivas ou discretas, podem encontrar apoiadores de um ou de outro modo de conceber a primeira capa de um livro, já, quanto ao que de essencial se deve colocar nessa parte, não há divergência: o nome do autor, o título da obra e a editora responsável pela publicação. Até porque são referências fundamentais para a identificação do livro. Do mesmo modo, pode-se dizer da lombada que é local de alta visibilidade, tendo em vista, agora, o livro colocado em pé numa prateleira. É por meio dessas informações que o público poderá facilmente localizar o livro procurado. Porém, nesse local de espaço reduzido, também ocorre uma diferença quanto à forma como as informações podem ser dispostas: “à francesa (...), que se lêem de baixo para cima”, ou “à inglesa (à norte-americana), que se lêem de cima para baixo.” (HOUAISS, 1967b, p.47). Embora Emanuel Araújo (1986, p.472), recomende que seja adotado o padrão francês, no Brasil, atualmente, as editoras adotam uma ou outra forma. Isso causa um desconforto ao público que busca algum livro em uma prateleira, quando se depara com essas variações. Já para livros mais volumosos, o problema não se apresenta, uma vez que os dizeres da lombada são dispostos horizontalmente. Outro ponto de muita visibilidade é a quarta capa (que alguns denominam contracapa). Este espaço oferece maior liberdade para seu preenchimento: pequeno resumo do texto; depoimentos elogiosos, geralmente assinados por outros autores e/ou críticos; relação de outras obras do mesmo autor; outros títulos publicados pela mesma casa editora, entre outros. Um dos procedimentos recomendáveis é fazer da quarta capa uma extensão da primeira de tal forma que – juntamente com a lombada – obtém-se um espaço coeso e harmonioso que resulta em forte apelo visual. Atualmente, a quarta capa deve conter também o código de barras e o ISBN – International Standard Book Number – do livro. O ISBN é um código, criado em 1967, que, por meio de uma combinação de números, permite identificar o título, o autor, o país, a editora e a edição de cada livro. O preenchimento das orelhas, como ocorre com a quarta capa, tem ampla liberdade e seus textos podem variar do mesmo modo. Pode-se optar pela produção de um texto que tenha início na primeira orelha e se complete na segunda. Ou, então, trabalhar cada orelha de forma autônoma: por exemplo, na primeira, faz-se uma apresentação da obra e, na segunda, trechos de depoimentos elogiosos. Um recurso comum, na parte inferior da segunda orelha, é a.

(21) 72. apresentação de informações biobliográficas do autor, por vezes, acompanhada de foto. Atualmente, algumas editoras têm produzido livros com orelhas que possuem tamanho semelhante aos da primeira e da quarta capas. Isso possibilita que tais livros possam ser expostos com as duas orelhas abertas e justapostas, compondo com a primeira e a quarta capas um objeto que chama a atenção e permite que o livro tenha três pontos de forte visibilidade ao mesmo tempo. A sobrecapa, segundo Emanuel Araújo (1986, p. 471), foi adotada a partir da década de 1830 e se apresenta como uma “folha solta que envolve ou protege (sobretudo em livros encadernados) a capa”. Sua elaboração segue de perto os mesmos procedimentos adotados na confecção de uma primeira capa. Há uma forma variada de sobrecapa, denominada cinta, que possui “altura equivalente a um quarto ou um terço da capa” (ARAÚJO, 1986, p. 471-472), geralmente, elaborada para atender a interesse publicitário, quando se quer destacar algum fato que se considere relevante, tais como, um prêmio obtido “pelo autor ou pelo livro”; o número de exemplares vendidos; a sua adaptação para o cinema ou para a televisão, entre outros. Num formato ou noutro, ambas são caracterizadas pela facilidade com que podem ser descartadas (a inteiriça menos, a cinta mais). Após o detalhamento que se fez, pode-se notar que o gênero discursivo extratextual é, dentre todos, o que requer maiores cuidados já que lida com elementos que resultarão no primeiro impacto que o livro poderá causar no público. Em especial, na primeira capa, as decisões devem levar em conta tanto o caráter informacional – autor, título e editora – ou seja, a sua funcionalidade, quanto o apelo visual (escolher entre uma capa tipográfica ou desenhada; mais discreta ou mais agressiva; tipos grandes ou pequenos e assim por diante), neste caso, o seu aspecto estético. As razões apontadas acima aliadas às questões de custo e às condições de elaboração dos elementos que compõem a capa de um livro revelam ser este um espaço que se construirá depois de superados vários pontos de tensão. Por exemplo, entre estética e funcionalidade, quando a primeira prevalece, poderá resultar no emprego de soluções que oneram o custo do livro. Para Bruno Munari (2002, p. 5-6), na tensão entre beleza e funcionalidade, o “luxo é (...) o uso errado de materiais dispendiosos sem melhoria das funções. É, portanto, uma estupidez. (...) Em suma, quero dizer que o luxo não é uma questão de designer”. Outro aspecto a ser considerado, e de fundamental importância, diz respeito às prescrições que orientam a confecção de uma capa. Aqui, autor, editor e capista, às vezes, travam verdadeiras batalhas. Mauro Ferreira (MENEZES A., 2002), por exemplo, não gosta de pressões: “As melhores capas que fiz não tiveram a intromissão do autor. Gosto de ter livre.

(22) 73. escolha”. Fátima Amaral e Silvio Ribeiro concordam com ele. Ela diz que já ficou oito meses trabalhando “numa capa por causa de um autor implicante”. E Silvio reitera: “Na maioria dos casos, as interferências gráficas que os editores fazem são muito ruins, apesar de a orientação do conteúdo ser de extrema importância para o resultado final” (NIGRI, 2001). Victor Burton diz com ênfase: “... odeio quando um editor não gosta de uma capa e me sugere outra solução”. Porém, não deixa de reconhecer a importância da participação do editor no processo de confecção da capa e entende que é preciso saber ouvi- lo (CASTELLO, 1996). Quem expressa essas questões de forma mais veemente é Moema Cavalcanti (FERLAUTO; JAHN, 2001, p. 71): A capa é a embalagem do livro. Papel mais grosso, muita cor para chamar a atenção. Quando um editor me chama para fazer uma capa, vai logo dizendo que estou livre para criar e vai passando as coordenadas: bota orelha/não bota orelha. Mas acha a orelha muito caro porque gasta mais papel... Formato? O de sempre. Não pode mudar. Os livreiros não suportam livros que não caibam nas prateleiras. Tem título (enorme, geralmente) e subtítulo para o leitor entender melhor o que o autor quis dizer com o título. Tem o nome do autor (ou vários). É autor importante? Vende muito? É artista de TV? Então coloca o nome dele bem grande. Grandão! Tem logotipo da editora na primeira capa, na quarta capa, na lombada. “Dá pra ser colorido? Dá pra ser maiorzinho?” Ah, sim! Bota novamente o autor e o titulo na capa de trás. É para o leitor não se esquecer quando acabar de ler todo aquele texto da quarta capa. Olhe! Não se esqueça do código de barras e do ISBN. É importante, sabe, a globalização, a gente precisa mostrar que é “muderno”. Acabou? Não. Falta o texto da orelha – geralmente tirado do prefácio, ou seja, lá dentro do livro tem o mesmo texto, de novo.) Pra quando? Depois de amanhã, sem falta. O pagamento? No dia dez do mês que vem, geralmente, estamos no primeiro dia do mês anterior. Então o editor me diz: a gente escolheu você porque você é criativa. Quero uma capa linda. Ponha sua imaginação para trabalhar. OK! Se sobrar espaço na capa... É assim. Setecentas e cinqüenta vezes foi assim na minha vida.. Em sua exposição, Moema Cavalcanti revela que, em todos os elementos constituintes da parte extratextual, as soluções para cada um deles são variáveis, conforme as condições econômicas, culturais, sociais e históricas de produção que se configuram nesse processo. Mostra, assim, que além do editor e do capista, há outros sujeitos que, direta ou indiretamente, influenciarão estes ou aqueles procedimentos. Por exemplo: o autor que, mesmo não atuando de forma direta, poderá fazer com que o editor decida destacar seu nome na primeira capa – ou porque é um escritor de boa vendagem, ou porque, sendo um artista de TV, terá seu nome reconhecido de forma mais rápida. As pressões de ordem econômica, por sua vez, podem influir nas decisões, seja pelo custo da produção, seja pela possibilidade de seu produto.

(23) 74. participar de um mercado globalizado. A tradição poderá ser fator relevante no momento de se definir o formato do livro. Tudo porque, além de seu valor imanente, simbólico, o livro é um objeto, um produto que se comercializa. E isso aponta para uma questão que será aprofundada a seguir: o encontro do discurso editorial com o discurso publicitário.. 3. UM OBJETO , DOIS DISCURSOS Aluísio Azevedo é no Brasil talvez o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa da sua pena, mas note-se que apenas o pão: as letras no Brasil ainda não dão para a manteiga... Valentim Magalhães. Rio de Janeiro, o ano é 1887. Às vésperas de lançar o romance O homem, pela Garnier, Aluísio Azevedo imprime duas mil etiquetas com o título de seu livro e as espalha pela cidade. Aproveitando-se da distração dos caixeiros do Café de Londres, Aluísio coloca uma dessas etiquetas em uma pilha de pães sobre o balcão. É a hora do almoço, o local está lotado. De repente, ouve-se: “Que porcaria é esta?! Estou a comer o pão e trinco isto, O HOMEM! Que quer dizer isto?”. E se vê um indignado homenzarrão, de sobrecasaca e óculos, de pé, com um papelucho entre os dedos. Aluísio se levanta e diz muito sério: O HOMEM, a que se refere este papel, é aquele que, segundo as profecias, deve trazer ao mundo a palavra da Verdade, que, como o meu amigo sabe, é o pão espiritual. Por isso, naturalmente, escolheu, para veículo, o pão. Se o cavalheiro se revolta contra O HOMEM, que achou no pão, por que não brada contra a hóstia, por exemplo, que também contém, em substância, um Homem? Saiba o amigo e saibam quantos aqui se acham que este Homem, que aqui está, é um dos tipos mais perfeitos da criação – 300 páginas, edição Garnier, e aparecerá depois de amanhã. Tenho dito.. Quem conta este episódio é o escritor Coelho Neto e encontra-se reproduzido em Raimundo de Menezes (1958, p. 175-176) e em Brito Broca (1993, p. 110). Coelho Neto (apud BROCA, 1993, p. 110-111) afirma que todos gargalharam e, naquela noite, “na Rua do Ouvidor, e [...] nos teatros, o HOMEM do pão é assunto das palestras” e completa: quem não fizer isso não vende seus livros, pois, “Sem ruído é escusado: não há autor que vença. Eu ainda acabo com uma carrocinha, como o homem dos abacaxis e das melancias, correndo essas ruas com os meus romances, apregoando-os aos berros. Imaginação, estilo... isto que monta?! O que vale é o anúncio”..

Referências

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