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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas

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ASPECTOS ORGANIZACIONAIS EM GÉNEROS TEXTUAIS

Rosalice PINTO1

RESUMO: Este trabalho, que segue fundamentalmente a perspectiva teórica do Interaccionismo Sociodiscursivo, pretende mostrar que alguns exemplares de textos inseridos em géneros textuais distintos apresentam aspectos organizacionais coibidos por questões de ordem genérica. No intuito de desenvolver esta contribuição, assumimos, de um lado que todo texto empírico é produzido a partir da adaptação/adopção de certo modelo de género e, por outro, que todo texto é uma unidade comunicativa global, situado numa determinada prática social, sofrendo coerções ditadas pelas actividades/discursos em que se inserem. A partir desses princípios epistemológicos, procuraremos observar, seguindo uma metodologia descendente de análise, de que forma a escolha pelo agente produtor de recursos verbais ou não-verbais, que funcionam como organizadores textuais, nos gêneros em análise, é influenciada por aspectos genéricos. Este estudo se centrará na análise desses elementos em três exemplares de géneros textuais que circularam no Brasil entre 1998 e 2002.

PALAVRAS-CHAVE: Interaccionismo Sociodiscursivo; Género textual; Géneros Persuasivos; Argumentação; Organizadores Textuais.

Introdução

Este artigo, que segue fundamentalmente o quadro teórico-epistemológico do Interaccionismo Sociodiscursivo (doravante ISD) pretende mostrar de que forma aspectos organizacionais, presentes em géneros textuais diversos, podem vir a ser influenciados por questões de ordem genérica. Nesta contribuição2, interessa-nos sobretudo o estudo de algumas unidades verbais e não-verbais que entram na composição/estruturação de textos que

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Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa (CLUNL), Departamento de Linguística, Rua da Lomba 14, 2710-708, Sintra, Portugal, rosapinto1@netcabo.pt.

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A reflexão sobre organizadores textuais em géneros persuasivos que desenvolvo neste trabalho está inserida em (PINTO, 2006). Contudo, esta contribuição integra um conjunto de várias investigações desenvolvidas no âmbito do grupo GeTOC (Géneros Textuais e Organização do Conhecimento), do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa durante os anos de 2003 e 2006.

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apresentam certa finalidade persuasiva. Essas unidades apresentam, como veremos, algumas especificidades em função do exemplar de género textual em que se inserem.

De forma a corroborar essa tese, admitimos que um agente produtor, ao produzir determinado texto empírico, deve adoptar modelos de texto já existentes no arquitexto e adaptá-los, de forma mais ou menos criativa, em função de várias condicionantes da actividade3, das próprias representações da acção4 que realiza, dos interlocutores, da finalidade a que se propõe. Sublinhemos que géneros menos instituídos5 seriam mais permeáveis à adaptação do que outros.

Dado o carácter dinâmico, social, interactivo da categoria género, o seu estudo deve lidar com toda essa complexidade, evitando reducionismos de vários tipos, como menciona Maingueneau:

On s´accorde aujourd´hui à penser que la notion de genre joue un rôle central dans une analyse du discours qui vise à ne pas considérer les lieux indépendamment des paroles qu´ils autorisent (réduction sociologique), ni les paroles indépendamment des lieux dont elles sont partie prenante (réduction linguistique).

(MAINGUENEAU, 2004, p. 107)

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Bronckart faz uma distinção entre actividade e actividade de linguagem. A primeira marca a própria organização social das espécies animais, já a segunda tipifica a espécie humana que, frente a uma complexidade de formas de organização e de actividade, desenvolveu um modo de comunicação particular que é a própria linguagem. Contudo, a atividade de linguagem está em constante interacção com as outras actividades, cf. (BRONCKART, 1999, p. 31).

4 Bronckart distingue a acção (termo geral) da acção de linguagem (termo específico). A primeira diz respeito a uma “parte” da actividade social imputada a um ser humano particular (ponto de vista do observador externo). A segunda tem caráter mais individual e refere-se a representações construídas por determinado ser humano quando da participação em determinada actividade (ponto de vista interno).

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Para Maingueneau, nos géneros instituídos, existe certa estabilidade quanto ao papel dos interlocutores envolvidos e estes gêneros apresentam-se em quatro modos distintos. Para mais detalhes, ver: (MAINGUENEAU, 2005, p. 100).

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A partir do pressuposto de que todo texto está forçosamente integrado a um género, procuraremos mostrar de um lado, a certeza de que o global determina o local, como afirma Rastier (cf. RASTIER, 2001, p. 13), e, do outro, a partir de uma metodologia descendente, privilegiada dentro do quadro do Interaccionismo Sociodiscursivo6, de que forma a escolha pelo agente produtor de recursos verbais e/ou não-verbais, que actuam como organizadores textuais7 nos género em análise, é influenciado por aspectos genéricos.

De fato, ao fazermos as análises, consideramos que devemos, inicialmente, pontuar as actividades de linguagem ou discursos. Em seguida, podemos passar aos textos - que são submetidos a coerções genéricas - e, por fim, conseguimos estabelecer a correlação dos textos com a língua – ou aos vários recursos linguísticos /ou não que a materializam.

Na verdade, os aspectos acima mencionados estão directamente relacionados ao conceito actual de langue saussuriano. Esta deve ser analisada tanto por seu carácter normativo, como sistema, mas também pelo fato de se relacionar a formas mobilizadas pelo discurso. E é realmente esse plano discursivo que actua como decisivo para a estabilização do sistema : (...). “Toute innovation arrive par improvisation, en parlant, et pénètre de là soit dans le trésor intime de l´auditeur ou celui de l´orateur; mais se produit donc à propos du langage discursif.” (SAUSSURE, 2002, p. 95).

Como vamos pontuar alguns organizadores textuais presentes em certos exemplares de géneros textuais, vale salientar que o termo argumentação assume, nesta contribuição, um sentido mais complexo do que o descrito tanto pela teoria ducrotiana da argumentação na língua, quanto por algumas perspectivas textuais que estudaram-na, sobretudo, como um dos

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O projecto do interaccionismo sociodiscursivo baseia-se tanto nos quadros teórico-epistemológicos desenvolvidos por Spinoza, Marx, Engels, Vygotski, atualizando-os, quanto se fundamenta nas abordagens sociofilosóficas de Habermas e de Ricoeur.. Para detalhes, ver: (BRONCKART, 1999, p. 21-67).

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Esta expressão foi proposta em Schneuwly, Rosat & Dolz e corresponde a unidades linguísticas responsáveis pela planificação textual, para detalhes ver: (SCHNEUWLY, ROSAT & DOLZ, 1989, pp. 40-58).

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vários tipos de sequências textuais8. Dentro do escopo deste trabalho, o acto de argumentar implica necessariamente um efeito persuasivo e deve ser descrito do ponto de vista linguístico e retórico, não deixando de considerar as diversas práticas sociais em que se integra.

Este estudo se centra na análise de diferentes exemplares de géneros textuais, que circularam, no Brasil nos anos de 1998 e 2002. O outdoor político e o editorial foram divulgados na época das eleições para o Presidente da República9. Já a petição inicial foi publicada em 1998. Vale ressaltar que, por questões de ordem prática, escolhemos um exemplar de cada género, devido ao carácter prototípico que os caracteriza. Ao lermos os textos em análise, não temos dúvida de que se trata dos géneros textuais mencionados.

2.Fundamentação teórica

A espécie humana é a única que apresenta um agir verbal que mobiliza signos organizados em textos. Para Bronckart, esse agir corresponde ao agir da linguagem e está directamente relacionado tanto ao colectivo – actividades de linguagem – cujas propriedades variam de acordo com as diversas formações sociais em que estão inseridas – quanto ao lado mais individual e irrepetitível – acção de linguagem -, materializada em textos, forçosamente inseridos em um género.

Todo texto empírico é o produto de uma acção de linguagem, é sua contraparte, seu correspondente verbal ou semiótico; todo texto empírico é realizado por meio de empréstimo de um género e, portanto, sempre pertence a certo modelo de género; entretanto, todo texto empírico também procede de uma adaptação do género-modelo aos valores atribuídos pelo

8 Para Adam existem blocos de unidades denominadas seqüências prototípicas que são espécies de esquemas de base de representação de ordem cognitiva de que o indivíduo dispõe. Já Bronckart retoma essa classificação. Contudo, para este último autor, as sequências não são modelos cognitivos pré-existentes. O agente produtor, ao fazer uso de protótipos de sequências, deverá tomar certa decisão que dependerá do destinatário e do objectivo da comunicação. Ver: (ADAM, 2008, p. 203-252) e (BRONCKART, 1999, p. 217-248).

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Tanto o outdoor político quanto o editorial circularam em 2002, época em que Luis Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) vence no 2º turno o candidato José Serra do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB).

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agente à sua situação de acção e, daí, além de apresentar as características comuns ao género, também apresenta propriedades singulares, que definem seu estilo particular.

(BRONCKART, 1999, p. 111) À semelhança de Bronckart, pensamos que os textos são objectos empíricos que seguem, com maior ou menor variabilidade, formatos de géneros existentes numa espécie de reservatório mental de que dispomos, enquanto seres que fazem uso da linguagem nos diversos sectores sociais. Dessa forma, os textos empíricos estão situados historicamente e constituem unidades comunicacionais, como mencionamos, oriundas de processos interactivos vários, sendo coibidos por questões de ordem genérica.

Da mesma maneira que o género, enquanto modelo textual com certo grau de estabilidade e de dinamicidade, está directamente relacionado a aspectos históricos, sociointeraccionais, materiais, os textos empíricos que dizem respeito à materialização do próprio género devem, por sua vez, concretizar toda essa complexidade. Com isso, questões que eram desprezadas pelas semânticas lógico-gramaticais, como, por exemplo, o contexto de produção, considerado como extra-linguístico e, por conseguinte, sem importância no universo textual, passa a ter, numa linguística dos géneros10, uma importância reconhecida.

Dessa forma, dentro da perspectiva teórica em que nos situamos, podemos pensar que o texto (que pode vir a ser plurissemiótico) – sempre empírico – apresenta duas vertentes que lhe são constitutivas11: uma de que fazem parte aspectos contextuais e outra em que estão presentes aspectos linguístico-textuais. Os primeiros dizem respeito às várias coerções contextuais que influenciam na materialização textual. Os outros correspondem ao trabalho de

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Termo adoptado por Rastier – cf. (Rastier, 2001, p.231). 11

Os componentes do género foram pontuados por vários teóricos. Maingueneau pontua 5 componentes: lugar

e momento de realização, legitimidade e estatuto dos parceiros, finalidade, suporte material e plano de texto –

cf. (MAINGUENEAU, 1996, p.44). Por outro lado, Adam define 8 componentes: o semântico, o enunciativo, o

pragmático, o estilístico e o fraseológico, o composicional, o material, o peritextual e o metatextual – cf.

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organização micro e macro textual que, dependendo do género em análise, assume características diferentes. O esquema a seguir tenta explicitar o que foi dito:

Aspectos Contextuais

Género Texto

Aspectos Linguístico-Textuais

No entanto, é importante salientar que esse desdobramento tem apenas um carácter didático-metodológico. É uma tentativa de análise que será por nós desenvolvida para, seguindo um percurso descendente de análise, como preconizamos anteriormente, chegar à organização interna dos textos a partir de questões de ordem ´externa´ ao universo textual. Inclusive, Coutinho12 salienta a questão paradoxal que se coloca na análise textual numa perspectiva de género, uma vez que devemos descrever a dimensão textual, sem desprezar factores contextuais (que lhe são inerentes).

Os textos são, assim, objectos complexos que estão em constante interacção com questões contextuais que, como dissemos, são-lhe intrínsecos. Dentro dessa perspectiva, ao lidar com textos pertencentes a géneros com certo teor persuasivo, porque visam à adesão de um interlocutor a determinada ideia, o termo argumentação assume um sentido bem mais complexo.

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Neste trabalho, a argumentação, numa perspectiva de género, deve ser descrita a partir de aspectos linguísticos/não-linguísticos (no caso de géneros plurissemióticos) com especificidades retóricas13 e organizacionais que estarão em constante interacção entre si e com outros elementos situacionais. Na realidade, defendemos a tese da existência, no interior de cada texto inserido em um género textual persuasivo (em que a finalidade persuasiva é relevante), de uma argumentação complexa, dinâmica e, consequentemente, própria e diferenciada. Contudo, como já foi ressaltado, interesso-me nesta contribuição a pontuar apenas alguns dos elementos responsáveis pela organização micro-macro textual nos exemplares de textos em análise.

Vale salientar que para dar conta do estudo desses elementos, procederemos a um percurso descendente de análise, que passa dos componentes contextuais aos internos. No entanto, limitar-nos-emos, nas análises, a salientar apenas alguns aspectos contextuais que nos pareçam mais relevantes para a depreensão desses organizadores textuais.

Organizadores textuais – Qual a acepção adoptada?

Como sabemos, os elementos linguísticos responsáveis pelas operações de conexão, planificação e segmentação textual, podem vir a ser “etiquetados” de formas diversas em função dos diversos autores e respectivas abordagens teóricas. Não nos parece importante, aqui, neste trabalho, fazer um inventário desses estudos. Convém apenas ressaltar que, ao assumir aspectos interaccionais e situacionais como condicionantes da materialização linguístico-textual, a noção de organizadores textuais proposta por Schneuwly, Dolz e Rosat, em trabalho de 1989, nos parece, de forma geral, mais adequada.

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Ducrot faz a distinção entre argumentação linguística e retórica. As escolhas linguísticas feitas ao nível textual (argumentação linguística) influenciariam a construção textual da imagem do locutor (ethos) (argumentação retórica) – cf. (DUCROT, 2004, p. 33).

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São considerados pelos autores organizadores textuais (doravante OTs), unidades linguísticas que associam conexão à segmentação, actuando na planificação textual; não fazem parte das estruturas proposicionais; ligam-nas e organizam-nas inserindo-as num cotexto e/ou em um contexto de produção e não estão sujeitas à concordância (em género e número), como por exemplo o caso da anáfora.

Esses OTs apresentam várias subcategorizações, em função de uma dimensão de subordinação e de sintagmatização, dos diferentes modos de organização cognitiva dos conteúdos, do modo de ancoragem, ou, ainda, dos princípios de estruturação do texto.

Por outro lado, convém ressaltar algumas limitações impostas pelos autores na definição e na classificação dos OTs. Em primeiro lugar, os autores não consideram aspectos cromáticos, tipográficos como recursos não-verbais relevantes na planificação textual. Contudo, à semelhança dos estudos por Coutinho14, consideramos que os processos gráficos (caixa, sublinhado, tamanho de letra) e, ainda, aspectos cromáticos podem ser considerados OTs relevantes em alguns géneros textuais.

Além disso, os OTs podem vir a ter um papel duplo, tanto participando da planificação textual como tendo um comportamento anafórico15 em determinados géneros, como será observado na petição inicial.

Ademais, há ainda OTs com papel triplo, actuando não apenas como organizadores, mas tendo um comportamento anafórico e denotando certa responsabilidade enunciativa. Inclusive, o processo de retoma (nos OTs com função anafórica) estará, a nosso ver, relacionado a certa responsabilidade enunciativa. Caberá ao enunciador focalizar partes do

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Cf. (COUTINHO, 2004) 15

A relação entre os OTs e a anáfora não nos parece novo. Berrendonner desenvolve mais a correlação entre os conectores pragmáticos e os mecanismos anafóricos, sendo os primeiros um caso particular dos demais. O autor afirma que “les connecteurs sont, comme tous les anaphoriques, des morphèmes présupposants: dire donc p, ou

mais p, ou alors p, etc., c´est caractériser d´énonciation de p comme impliquant la présence en mémoire d´une

certaine information […], variable selon le connecteur, c´est donc actualiser une configuration sémantique […]”. Cf. (BERRENDONNER, 1983, p.237).

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texto que lhe interessam de forma que o interlocutor proceda à recuperação do referente. Adam, inclusive, em seu trabalho de 2008, enumera alguns marcadores de escopo de responsabilidade enunciativa.

Análise dos textos

Breve Contextualização

Os textos analisados são três exemplares de géneros textuais: um editorial, um outdoor político e uma petição inicial. Estes textos apresentam aspectos contextuais diversos em função da actividade social em que estão inseridos.

O género editorial, como sabemos, traz a opinião institucional sobre determinado assunto de interesse social, político e económico que circula na sociedade, na época. Tendo como finalidade persuasiva prioritária transmitir determinada opinião sobre um facto, levando o seu leitor a reflectir ou mesmo a se posicionar sobre certo assunto, este género faz uso de estratégias persuasivas bem claras e facilmente reconhecíveis. Ainda, sendo de responsabilidade da própria equipa dirigente do veículo, tal género é claramente constrangido pela linha editorial do jornal e pelo espaço em que circula: no jornal O Globo era publicado na página 6. Esta, por sua vez, traz vários géneros textuais com certo carácter opinativo, como: a Carta dos Leitores, o Leitor no Globo.

O exemplar seleccionado foi extraído do jornal O Globo, na editoria Opinião e foi publicado em 6 de outubro de 2002: dia de eleições no Brasil com grande disputa entre Luis Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores e José Serra do Partido Social Democrata Brasileiro.

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O género outdoor16 político, como sabemos, tem como finalidade fazer com que determinado eleitor vote em determinado candidato. Para tal, faz uso de mecanismos argumentativos prototípicos bem característicos, em função do espaço de circulação e do próprio suporte em que é veiculado. Lembremos que tal género é exposto em locais em que há uma passagem rápida tanto de peões quanto de carros. Por conseguinte, a leitura, por parte dos transeuntes deve ser rápida e eficaz. Dessa forma, as escolhas verbais e não-verbais (cores, tipografia, fotos) efectuadas pela(s) instâncias produtoras do material17 devem se adequar a esses constrangimentos impostos por essas questões genéricas. O exemplar que foi por nós seleccionado circulou também em 2002.

O género petição inicial é um documento específico de solicitação por parte de um indivíduo que se sinta lesado e invoca a tutela jurisdicional do Estado. Esse direito é exercitado a partir da formulação desse documento que corresponde a um acto introdutório de um processo civil.

Essa inicial (ou petição inicial), que é redigida e assinada por um advogado, representante legal do indivíduo lesado, corresponde ao pedido a um juiz de uma providência processual adequada. Sem esse documento, nenhum juiz dá início ao processo.

Tal peça processual é estruturada conforme coerções impostas pelo Código de Processo Civil (doravante CPC) nos artigos 282 e 295 (nos termos do inciso II do CPC)18 e apresenta um alto grau de institucionalização, estando os aspectos linguísticos e estruturais regulados

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Para Marcuschi, o outdoor, por si só, é meramente um suporte, não devendo mais ser considerado um género, como o considerava anteriormente. Na verdade, tal suporte veicula géneros bastantes especializados, segundo o autor – cf. (MARCUSCHI, 2008, p. 182). Nesta contribuição, o outdoor político é considerado um género veiculado em um suporte – o outdoor. Este é simplesmente um lugar físico, com formato específico, servindo mostrar determinado texto e ser afixado.

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Refiro-me aqui a toda uma máquina partidária em que se inserem os membros do partido, o próprio candidato, elementos da própria agência de marketing político, dentre outros.

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Estes dizem respeito à necessidade do uso de formas legais para requerer a tutela jurisdicional do Estado e à exigência de conter na peça processual a qualificação do autor; à obrigatoriedade de, a partir da narrativa dos factos, chegar-se logicamente à conclusão, respectivamente.

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pelo próprio CPC. Consequentemente é um texto com carácter de institucionalização bem acentuado.

Do ponto de vista arquitextual, o especialista, ao construir textos pertencentes a este género, já tem em mente modelos de textos estocados em sua memória a longo termo e sabe que, ao produzir estes textos, deve defender juridicamente um ponto de vista, seguindo subsídios legais e mesmo formatações por eles impostos. Consequentemente, será preconizada, principalmente, uma organização textual que privilegia prioritariamente um raciocínio dedutivo (uma organização que procurará a partir de aspectos genéricos ´chegar´ a uma particularização). E, como veremos, de forma a que o texto apresente esse tipo de raciocínio, por exemplo, alguns organizadores textuais (responsáveis pela abertura e fechamento de blocos textuais de tamanho variável serão utilizados) bem característicos dessa actividade são empregados.

Quanto ao lugar de circulação, vemos que estes documentos circulam em esferas restritas. Aquele que lê este texto, prioritariamente, será o Juiz a quem compete tomar decisões em relação ao rumo que o processo deverá tomar. Dessa forma, a estrutura desses textos é bem clara e objectiva. Para atingir tal objectivo, a escolha dos OTs é de extrema importância para que o Juiz, com pouco tempo disponível para a interpretação e decisão dos documentos que tem em mãos, possa realizar uma leitura organizada e produtiva dos elementos de que dispõe.

Em relação à finalidade, como vimos, todos os textos em análise têm em comum o facto de apresentar determinada finalidade persuasiva. O outdoor político visa a fazer determinado indivíduo votar em um candidato; o editorial tem como objectivo fazer passar a opinião de determinado órgão da imprensa sobre determinado fato e a petição inicial, por sua vez objectiva fazer com que um juiz acate determinada ideia, sustentada legalmente. Contudo,

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cada género textual apresentará estratégias linguístico-textuais diversas de forma a atingir o objectivo a que se propõe.

OTs nos textos em análise

Para efeito de sistematização, consideramos que o texto 1 corresponde ao outdoor político; o 2, ao editorial e o 3, à petição inicial.

No texto 1, observamos a presença do organizador temporal “agora”. Este dêitico temporal marca uma transição de uma acção já terminada, marcada por um enunciado implícito no pretérito perfeito do indicativo [Antes foi Fernando Henrique] e outra a se realizar (num intervalo de tempo aberto à direita19). Inclusive este “agora” pode ser parafraseado por “a partir de agora”. Ainda, este organizador temporal apresenta também no exemplar de género textual seleccionado um valor argumentativo agregado. Na verdade, se pensarmos em termos de unidades textuais20 no texto em análise, observamos que tal dêitico introduz uma unidade textual que funciona como argumento “Agora é Lula” para a tese explicitada no cartaz apenas pelas iniciais do partido PT, inserido na estrela vermelha (símbolo do partido). Por processos inferenciais, a tese do texto seria [Então vote no PT].

Dessa forma, este organizador temporal “agora” apresenta também, no universo do género textual em que se insere, uma função argumentativa relevante.

Ainda, podemos pensar que neste texto o recurso a elementos não-verbais tanto tipográficos quanto cromáticos é uma estratégia relevante neste género textual. Quanto ao primeiro aspecto, observamos que as unidades textuais que actuam como argumento: “Agora é Lula” e “vice José Alencar” são apresentadas em itálico. Por outro lado, a tese do texto

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Para um detalhamento sobre a descrição do “agora” no português europeu, ver: (SOUSA, 2000). Ainda o trabalho de Coutinho et alii recuperaa descrição do “agora”, numa perspectiva de género – cf. (COUTINHO et

alii, 2009).

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Esta correspondem tanto a unidades verbais (constituídas por segmentos discursivos diferentes ou mesmo por sequências prototípicas), quanto a unidades não-verbais (exigidas pelo próprio género textual).

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(representada pelo próprio símbolo do partido), aparece em caracteres retos. Esta mudança tipográfica induz, de certa forma, o leitor/eleitor a acompanhar determinado movimento argumentativo no texto: [Se quiser ter como Presidente da República Lula e Vice-Presidente José Alencar então o eleitor deve votar PT]. Em relação ao segundo item, ressaltamos que a unidade textual em branco “Agora é Lula” ocupa cerca de dois terços do cartaz e aparece na parte azul; já a própria tese, representada pelo símbolo do PT, é evidenciada espacialmente pelas estrelas em tamanho variável no texto que vêm sempre em vermelho (cor do Partido Trabalhista). As próprias cores, aqui, também funcionam como organizadores textuais, segmentando o texto em duas partes com funções argumentativas distintas: de um lado, temos o argumento: “Agora é Lula” e, do outro, a tese representada pelas iniciais do partido “PT”.

No texto 2, encontramos muitos OTs tradicionalmente descritos. São várias as incidências de organizadores argumentativos (conectores argumentativos contra-argumentativos, introdutores de argumentos-forte21). São duas as incidências do “mas”, no parágrafo 4; ou do “porém” no mesmo parágrafo, tanto no interior dos enunciados quanto introduzindo-os. Ou ainda, de organizadores temporais como “agora” (§5); “desde então” (§5), “já” (§10) e de conectores argumentativos conclusivos “assim” (§2). Na verdade, ressaltemos que o editorial é um texto que, de forma a “mascarar” a própria opinião do jornal, tende a apresentar uma construção argumentativa mais ponderada. Com isso, a contra-argumentação e os organizadores textuais que a tipificam têm um papel relevante neste gênero textual.

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Denominação proposta por Adam para conectores como “mas, porém, contudo, entretanto, no entanto…”, cf. (ADAM, 2008, p. 179-191),

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Contudo, pode-se encontrar também um exemplo de OT com função múltipla, por exemplo unidades de balizagem22 com uma espécie de funcionamento regressivo. Na verdade, a compreensão das mesmas acontece a partir da recuperação de informações anteriormente presentes no texto23 e, no escopo deste trabalho, podem ser consideradas OTs, uma vez que introduzem um ‘novo bloco textual’. No texto em análise, por exemplo, o sintagma nominal “essa travessia” que retoma informações anteriormente elencadas no texto pode ser considerada uma unidade de balizagem, desempenhando o papel de um organizador textual.

O texto 3, como já mencionámos é altamente institucionalizado e apresenta organizadores textuais característicos desta peça processual. Por exemplo, observamos a presença, no início de dois parágrafos, do termo anafórico “O Autor”, retomando o nome próprio “João Lopes”. Esse sintagma nominal que demarca blocos textuais e segmenta parágrafos é uma característica desse género textual em que a redundância é uma das principais estratégias textuais. Inclusive, lembremos que existem coerções institucionais que não permitem que os nomes próprios sejam anaforizados por outro sintagma nominal que não seja “O Autor” ou “O requerente”. Podemos, assim, pensar que esses sintagmas nominais, enquanto termos anafóricos, podem vir a funcionar como OTs neste género textual

Ainda, a presença de expressões linguísticas anafóricas, demarcando certa responsabilidade enunciativa, mostra-se um marcador prototípico do gênero em análise. Essas expressões também funcionam como organizadores textuais nestes textos. No texto em análise, temos “não obstando isto”, “posto isso” que, além de retomar partes anteriores do texto, demarcam, por parte do enunciador, certo posicionamento enunciativo. Lembremos que o enunciador, ao escolher determinado conteúdo textual em detrimento de outros, selecciona

22

Para Schneuwly, Rosat & Dolz, essas expressões delimitam a níveis diferentes partes do texto, cf. (SCHNEUWLY, ROSAT & DOLZ, 1989, p. 44).

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Normalmente, tais expressões não são consideradas OTs. Contudo, à semelhança de Coutinho e Pinto consideramo-nas OTs uma vez que demarcam blocos textuais – cf. (COUTINHO, 2004) e (PINTO, 2006).

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os elementos que mais lhe interessam para defender o ponto de vista. Por fim, a expressão “Termos” introdutora da unidade textual “TERMOS em que PEDE DEFERIMENTO” também pode vir a funcionar, neste género, um organizador textual porque delimita uma parte do texto, apresentando, além disso tanto carácter anáforico quanto certa responsabilidade enunciativa agregada.

Vale ressaltar que a multiplicidade de funções de organizadores textuais é comum neste género, como o é em outros géneros instituídos em que se busca sempre um teor mais demonstrativo e, consequentemente, um ´tom´ mais racional.

Considerações finais

Nos diversos exemplares de géneros textuais analisados, vimos que as unidades verbais e não verbais que actuam como organizadores textuais podem vir a se materializar de forma diversa em função dos diversos constrangimentos contextuais que lhe são impostos.

No caso do outdoor político, o espaço de circulação e mesmo as estratégias de produção utilizadas coíbem determinadas escolhas plurissemióticas efectuadas pela agência de marketing político. Neste género, em que a concisão e o impacto visual se impõem, as cores, a tipografia, funcionando como organizadores textuais, têm um papel ainda mais relevante do que os próprios organizadores textuais linguísticos, na segmentação e estruturação do texto.

Em relação ao editorial, o espaço de circulação na página do veículo, as estratégias de produção também imporão coerções ao nível da materialização textual. O facto de se encontrar na rubrica “Opinião”, na página 6 do jornal, obriga a equipa de produção a utilizar estratégias argumentativas. E, ainda, de forma a “mascarar” a verdadeira opinião institucional,

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o uso de organizadores contra-argumentativos se impõe como uma estratégia persuasiva relevante.

Quanto à petição inicial, género com alto grau de instituicionalização, o raciocínio dedutivo se impõe. E para que este seja atingido, a língua, em consonância com coerções impostas pelo próprio Código de Processo Civil, disponibiliza de signos específicos para transmitir esta planificação textual neste gênero textual específico. Vimos, inclusive, uma predominância clara de unidades anafóricas funcionando como OTs, neste género textual.

Com isso, procurámos assumir ao longo dessa contribuição, seguindo preceitos teóricos defendidos por exemplo por Bronckart e Rastier, que a categoria género é central para a análise de textos empíricos. E, ao trabalharmos com o ensino da produção/interpretação de textos empíricos em sala de aula, devemos sensibilizar os alunos para o facto de que determinada unidade linguística pode vir a cumprir papéis vários em função de interacções diversas a que é submetida.

Dessa forma, ressaltámos que os organizadores textuais observados o foram em função do género textual em que se encontravam, uma vez que, na perspectiva em que nós trabalhamos, eles são submetidos a coerções genéricas e interagem também com aspectos textuais vários (enunciativos, estilísticos). E é este carácter dinâmico, social e interactivo desses organizadores textuais que podem vir a ser realizados por unidades linguísticas e não-linguísticas, que procuro enfatizar neste trabalho. Na verdade, tomo « ao pé da letra » a orientação dada por Saussure para o estudo do signo :

[...]un système de signes proprement fait que pour la collectivité comme le vaisseau pour la mer. Il n´est fait que pour s´entendre entre plusieurs ou beaucoup et non pour s´entendre à soi seul. C´est pourquoi à aucun moment, contrairement à l´apparence, le phénomène sémiologique quel

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qu´il soit ne laisse hors de lui-même l´élément de la collectivité sociale : la colletivité sociale et ses lois est un des ses éléments internes et non externes, tel est notre point de vue.

(SAUSSURE, 2002, p. 290)

Referências bibliográficas:

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BERRENDONNER, Alain (1983). “Connecteurs pragmatiques” et anaphore. Cahiers de Linguistique Française 5, pp. 215-246.

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Anexo 1 – Outdoor do PT (2002)

Anexo 2

(20)

Anexo 3

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Referências

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