• Nenhum resultado encontrado

A PERSPECTIVA DIALÓGICA PARA A LEITURA CRÍTI- CA DE ARTIGO DE OPINIÃO EM SALA DE AULA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A PERSPECTIVA DIALÓGICA PARA A LEITURA CRÍTI- CA DE ARTIGO DE OPINIÃO EM SALA DE AULA"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

Maria Aparecida Garcia Lopes-Rossi Universidade de Taubaté lopesrossi@uol.com.br

A PERSPECTIVA DIALÓGICA

PARA A LEITURA

CRÍTI-CA DE ARTIGO DE OPINIÃO

EM SALA DE AULA

RESUMO

A formação de um leitor profi-ciente e crítico é um dos princi-pais objetivos do ensino de lín-gua portuguesa. Para esse fim, é necessária a articulação de conceitos advindos de diversas fontes teóricas sobre leitura, linguagem, ensino e, ainda, a consideração de que os Parâ-metros Curriculares Nacionais recomendam o trabalho com leitura de gêneros discursivos no ensino de língua portugue-sa. Gênero discursivo é um conceito bakhtiniano e deve ser abordado em sala de aula de acordo com a perspectiva e-nunciativo-discursiva da lin-guagem proposta por Bakhtin

(1992), da qual se destaca como característica principal o dialo-gismo. O objetivo desta pesquisa é, a partir de um corpus de 6 tex-tos do gênero discursivo jornalístico artigo de opinião, publicados em VEJA e em O Estado de S. Paulo, indicar procedimentos de leitura úteis para orientar o aluno para um nível de leitura crítica desse gênero. A análise fundamenta-se nos conceitos bakhtinianos de dialogismo e gênero discursivo, na concepção sociocognitiva de leitura e em estudos sobre o artigo de opinião. Os resultados da análise evidenciam que a leitura crítica desse gênero depende cru-cialmente de conhecimentos enciclopédicos e de atualidades, e de inferências sócio-histórico-ideológicas sobre o gênero e de suas características constitutivas. Esse é um gênero cujas relações dia-lógicas com enunciados atuais e passados estabelecem-se muito fortemente, e por isso, como conclusão, sugerem-se alguns cuida-dos para a seleção de textos a serem levacuida-dos para a sala de aula a fim de que os procedimentos sugeridos orientem eficientemente o percurso de leitura do aluno que ainda apresenta poucas habili-dades desenvolvidas em sua trajetória de leitor.

(2)

1.

INTRODUÇÃO

A formação de um leitor proficiente e crítico é um dos principais objetivos do en-sino de língua portuguesa. Pela concepção de linguagem e de enen-sino assumidas pelos do-cumentos oficiais de orientação sobre o ensino – especialmente Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998) – e pelos resultados de pesquisas desenvolvidas no âm-bito da Linguística Aplicada ao ensino, um bom trabalho com leitura em sala de aula exi-ge a articulação de conceitos advindos de diversas fontes teóricas sobre leitura e, especi-almente, sobre gênero discursivo, um conceito bakhtiniano e que deve ser abordado em sala de aula de acordo com a perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem proposta por Bakhtin (1992), da qual se destaca como característica principal o dialogismo. O obje-tivo desta pesquisa é analisar um corpus de 6 textos do gênero discursivo jornalístico arti-go de opinião, publicados em VEJA e em O Estado de S. Paulo, e indicar procedimentos de leitura úteis para orientar o aluno para um nível de leitura crítica desse gênero.

2.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

A fundamentação teórica desta pesquisa baseia-se nos conceitos bakhtinianos de dialogismo e gênero discursivo, na concepção sociocognitiva de leitura e em estudos sobre o artigo de opinião.

A proposta atual para o ensino de Língua Portuguesa, de acordo com os Parâme-tros Curriculares Nacionais – PCN – (BRASIL, 1998), baseia-se na concepção enunciativo-discursiva da linguagem, pela qual a linguagem é concebida como um fenômeno sócio-histórico, de acordo com Bakhtin (1992), não dissociado de seus falantes e de seus atos, das esferas sociais, dos valores ideológicos. Os atos de linguagem se realizam por meio de enunciados orais e escritos, produzidos nas inúmeras esferas sociais, sendo cada enuncia-do reconhecienuncia-do e nomeaenuncia-do pelos falantes da língua por suas características típicas e cons-titutivas, quais sejam: aspectos sócio-comunicativos (condições de produção e de circula-ção), propósito comunicativo, temática, elementos composicionais verbais e não-verbais, estilo. Cada enunciado é uma realização de um gênero discursivo, unidade real e concreta da comunicação humana e, portanto, toda a interação humana se dá por meio desses gê-neros.

Um gênero discursivo escrito compõe-se não apenas por elementos verbais. Em certas esferas de atividade humana, como a jornalística – que interessa particularmente a

(3)

3

este artigo – diagramação, cores, fotos, infográficos, tamanho das letras, elementos gráfi-cos são constitutivos de seus gêneros discursivos. Muito mais do que uma organização linguístico-textual, os gêneros discursivos, “São formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos.” (MARCUSCHI, 2006, p. 19). Dionísio (2005) explica que os gêneros discursivos são multimodais porque são produzi-dos por, no mínimo dois moproduzi-dos de representação, como palavras, gestos e entonações, pa-lavras e imagens, papa-lavras e cores, fotos, padrões de diagramação, texturas no papel, apli-ques.

Com base nos trabalhos de pesquisadores da Universidade de Genebra, dentre os quais Dolz e Schneuwly (1996), os PCN sugerem que os gêneros discursivos das diver-sas esferas sociais (literária, jornalística, publicitária, comercial, de divulgação científica, entre outras) sejam tomados como objetos privilegiados no ensino de língua portuguesa, visando ampla e rica abordagem das condições de produção de linguagem, situações de comunicação e relações dialógicas constitutivas dos enunciados para que o aluno amplie seu domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas.

A propriedade dialógica da linguagem humana, uma de suas características mais marcantes de acordo com Bakhtin (1992), pode ser definida pelo conceito de dialogismo: todo enunciado é sempre uma réplica (não necessariamente imediata) a outro enunciado. A palavra é sempre perpassada pela palavra do outro; um enunciado é uma reação-resposta a outros enunciados, revela sua posição em relação àqueles outros enunciados a que se contrapõe, não é neutro – traz consigo visões de mundo, emoções, juízo de valor – mantém com outros enunciados uma interação viva e tensa, permite resposta, como co-mentam Fiorin (2006), Marcuschi (2006), Rodrigues (2005). Para apreender o sentindo de um enunciado, explica Fiorin (2006, p. 23), "[...] é preciso perceber as relações dialógicas que ele mantém com outros enunciados”.

Daí decorre o fato de a língua não poder ser dissociada de seus falantes e de seus atos, das esferas sociais, dos valores ideológicos. Bakhtin (1992) comenta que:

O enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. [...] refuta-os, con-firma-os, completa-os, baseia-se neles, supõe-nos conhecidos e, de um modo ou de ou-tro, conta com eles. (BAKHTIN, 1992, p. 316)

É por essa característica da linguagem que Fiorin (2009) afirma que o sen-tido não pode constituir-se senão nas relações dialógicas; a apreensão dessas relações do texto é fundamental à compreensão.

(4)

Na perspectiva bakhtiniana de gênero discursivo, destacam Faraco (2003) e Fiorin (2006), a produção do enunciado vincula-se às condições e coerções da situação de interação, da língua, do gênero, sendo, pois, a situação social constitutiva dos gêneros discursivos. A vinculação dos enunciados ao contexto sócio-histórico-ideológico, por meio da relação dialógica que cada produção de linguagem (enunciado) estabelece com outros enunciados, é fundamental para orientar as práticas de leitura de gêneros discursivos.

A partir desses pressupostos sucintamente apresentados, assumimos que um dos requisitos essenciais para a leitura crítica de um exemplar de um gênero discursi-vo – um artigo de opinião, por exemplo – é a percepção de suas relações dialógicas com outros enunciados atuais e antigos, bem como com outros futuros que poderão dela de-correr. Supõe-se, para isso, um leitor com determinadas habilidades de leitura e conheci-mento das principais características constitutivas do gênero objeto da leitura. Para um trabalho em sala de aula de formação de um leitor mais proficiente de artigo de opinião, faz-se, portanto, necessária a articulação desses pressupostos com os de uma abordagem sociocognitiva de leitura e com conhecimentos sobre as características específicas do gêne-ro discursivo alvo da leitura.

Abordagens cognitivas de leitura desenvolvidas a partir dos anos 80, co-mo as apresentadas por Kato (1985), Kleiman (1989), Solé (1998), sugerem procedimentos de leitura muito eficientes como ativação de conhecimento prévio sobre o assunto antes da leitura, leitura global (de exploração) do texto, estabelecimento de objetivos de leitura e leitura detalhada apoiada em processos inferenciais. Atribuem grande importância aos conhecimentos prévios do leitor mobilizados durante a leitura.

Atualmente, a abordagem sociocognitiva de leitura, representada no Brasil, principalmente, por Kock e Elias (2006) e Marcuschi (2008), revisita o conceito de leitura de base cognitiva e o amplia porque, como explica Marcuschi (2006, p. 19), a língua, a partir da perspectiva bakhtiniana, é vista como atividade social, histórica e cog-nitiva, e os gêneros discursivos “Devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os aspectos cognitivos, os interesses, as relações de poder, as tecnologias, as atividades dis-cursivas e no interior da cultura.”. A compreensão é, portanto, mais do que uma atividade cognitiva, “[...] é uma atividade de seleção, reordenação, reconstrução, em que certa mar-gem de criatividade pemitida”. (MARCUSCHI, 2008, p. 256). A compreensão é uma ativi-dade dialógica.

(5)

5

[...] uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se reali-za evidentemente com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.

Essa atividade de leitura, certamente, pressupõe habilidades e criticidade do lei-tor, embora a abordagem sociocognitiva de leitura não defina leitura crítica. As várias de-finições de leitura crítica disponíveis desde os anos 80, como comenta Taglieber (2000), em essência pressupõem um leitor capaz de compreender o conteúdo proposicional de um texto; de avaliá-lo a partir de um determinado contexto sócio-histórico; e de tomar deci-sões que afetem positivamente esse contexto e/ou sua vida. Alguns autores caracterizam o leitor crítico por suas atitudes e comportamentos a partir da leitura.

As definições de leitura crítica são muito similares às de pensamento crítico, sen-do citadas como habilidades características de ambos, de acorsen-do com muitos autores cita-dos por Taglieber (2000): retenção de julgamento até a obtenção de evidências, questio-namento, flexibilidade de pensamento, inferências, processamento de informações, análi-se, sínteanáli-se, predições de conseqüências, reconhecimento de tendências, avaliação de idéi-as, elaboração de julgamento.

3. O GÊNERO DISCURSIVO ARTIGO DE OPINIÃO

De acordo com Martins Filho (1990) e o Manual de Estilo da Editora Abril (1992), o artigo de opinião é um gênero discursivo da esfera jornalística; também chamado de “coluna de opinião”. É sempre assinado; pode apresentar foto do autor do artigo (no pa-drão 3x4); pode ser escrito por jornalista (certamente um profissional bem experiente no assunto) ou por profissionais de outras áreas convidados pelo jornal ou revista (nesses ca-sos há sempre informações sobre o autor, no final do artigo); pode aparecer em todos os cadernos versando sobre assunto pertinente ao caderno, por exemplo: economia, política, esportes. Em revistas, pode ocupar a página toda ou parte dela, sempre delimitada por um box (uma margem). A diagramação destaca, com letras maiores e eventualmente cores e traços, o título, o nome do autor e uma frase (destacada como “olho”).

Rodrigues (2005) e Lopes-Rossi (2010) comentam que os temas abordados são plêmicos na sociedade, relevantes para o momento, ou fatos recentes que despertaram o-piniões divergentes da população e que, na opinião dos editores do veículo de comunica-ção, interessam aos leitores daquela publicação.

(6)

O autor do artigo, seja ele um jornalista que vem acompanhando a polêmica ou um especialista no assunto, tem uma opinião formada sobre o assunto e a manifesta no ar-tigo de forma a tentar convencer os leitores daquele seu ponto de vista. O propósito co-municativo do gênero artigo de opinião é colocar um assunto em discussão, mostrar um ponto de vista e provocar outras discussões, pois os leitores não são obrigados a concor-dar com aquela opinião. No entanto, para dialogar com o texto, o leitor precisa conhecer essas características sociocomunicativas do gênero e perceber que um determinado texto pode trazer um propósito implícito de promover determinada figura política, defender in-teresses político-partidários, comerciais ou outros.

Esse conhecimento sobre aspectos sociocomunicativos do gênero e outras infor-mações ou comentários sobre a esfera jornalística, como: o perfil editorial das publicações que os alunos conhecem, os critérios para o convite a um determinado profissional para escrever um artigo de opinião para aquela publicação, a relação do público com os meios de comunicação, as relações de poder que a mídia estabelece com o público-alvo, as influ-ências políticas sobre os meios de comunicação, ajudam na formação do leitor proficiente de artigo de opinião porque ampliam seu conhecimento sobre o funcionamento da esfera jornalística e porque permitem a compreensão do texto, em nível inferêncial, no que se re-fere ao assunto da reportagem e às escolhas discursivas do repórter.

A organização textual básica do artigo de opinião é a da argumentação clássica: introdução ao tema (opcional); posicionamento do autor (a tese que ele defende, ou seja, se é contra determinada idéia ou a favor dela, se defende determinado ponto de vista no-vo sobre um assunto) – em geral esse posicionamento assumido aparece explícito, mas pode às vezes não ser apresentado claramente, cabendo ao leitor inferi-lo; argumentos a-presentados para sustentar esse ponto de vista; contra-argumentos possíveis e refutação desses (opcional); conclusão. Os argumentos podem ser: 1) evidências: fatos históricos, fa-tos atuais, exemplos, dados estatísticos; 2) raciocínios lógicos: explicação, relações de cau-sa e consequência, reflexões ou outros; 3) argumento(s) de autoridade(s). O artigo de opi-nião termina com uma conclusão.

4.

ANÁLISE DO CORPUS

O corpus desta pesquisa é constituído dos artigos “Sucesso tem fórmula”, de Claudio de Moura e Castro (VEJA, 24/02/2010); “Quem descobriu o Brasil? Lula ou Ca-bral?, de Maílson da Nóbrega (VEJA, 05/05/2010); “Lula, os pobres e a carga tributária”,

(7)

7

de Maílson da Nóbrega (VEJA, 30/06/2010); “A bolsa dos votos”, de Gaudêncio Torquato (O Estado de S. Paulo, 11/07/2010); Duro é escapar de vizinhos”, de Mauro Chaves; (O Estado de S. Paulo, 27/03/2010); “Havana não é só de Fidel”, (O Estado de S. Paulo, 28/03/2010).

Seguindo procedimentos de leitura específicos para o gênero, estabelecidos a partir dos pressupostos teóricos mencionados, iniciamos a análise de cada um dos artigos pelo primeiro procedimento de leitura, constituído da leitura global (rápida, de explora-ção) dos elementos verbais e não-verbais mais destacados, como: título, frase em desta-que (olho), foto do autor (quando há), informações sobre o autor, data, parte do jornal ou da revista em que o texto se encontra.

Destacamos que essa leitura rápida permite a compreensão do assunto abordado pelo artigo, em função do título, e é até possível, em muitos casos, identificar o posicio-namento do autor ou levantar algumas hipóteses sobre ele, seja por inferências a partir do título e do olho, seja por conhecimento prévio sobre o autor e sua atuação na área aborda-da pelo artigo. Por exemplo: Maílson aborda-da Nóbrega é identificado como “Economista”, mas se sabemos que ele foi um colaborador do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e que continua alinhado com a proposta política do PSDB. A partir desse conhecimento prévio e de outros sobre o contexto sócio-histórico – especialmente o político – de produ-ção dos seus artigos, podemos inferir que ele não vai falar bem do presidente Lula nos ar-tigos “Quem descobriu o Brasil? Lula ou Cabral?” e “Lula, os pobres e a carga tributária”. De fato, lendo o artigo, confirmamos essa hipótese inicial.

O esquema a seguir representa alguns elementos desse primeiro procedimento, a leitura rápida dos elementos mais destacados – exemplificado com o artigo “Quem desco-briu o Brasil? Lula ou Cabral?, de Maílson da Nóbrega (VEJA, 05/05/2010).

(8)

Esse primeiro nível de compreensão suscita curiosidades motivadoras para a lei-tura detalhada, que devem ser formalizadas como objetivos de leilei-tura, no segundo proce-dimento. Sabendo que a organização do artigo de opinião segue predominantemente a es-trutura da argumentação clássica: título, apresentação do tema, explicitação da idéia (opi-nião) do autor a ser defendida, argumentos, refutação de contra-argumentos e conclusão, o leitor proficiente pode sempre estabelecer como objetivos de leitura detalhada, para compreensão do conteúdo proposicional básico do texto, as seguintes perguntas: Qual é o assunto do texto? Ou: O assunto do texto é mesmo o que imaginei pelo título? Qual é a posição assumida pelo autor (ele é contra o quê ou a favor de quê?) Quais os argumentos que ele apresenta para sustentar sua posição?

Nos artigos analisados, observamos que o leitor sempre encontra respostas a es-sas perguntas e que, além da compreensão das proposições básicas do texto, a leitura de-talhada ainda pode permitir inferências a partir de habilidades como: comparar informa-ções, sintetizar, distinguir fato de opinião, prever consequências, interpretar dados, entre

CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO

Aspectos sociocomunicativos (esfera jornalística, condições de produção e de circulação, propósito comunicativo, temática)

Título Nome do autor Foto do autor olho Fonte, Data Profissão do autor

(9)

9

outras possibilidades. Há várias informações dessa natureza que podem ser exploradas por um leitor proficiente.

O posicionamento crítico do leitor de artigo de opinião pressupõe esse nível de compreensão das proposições do texto e inferências a partir delas como pré-requisito, mas não pode ficar apenas no nível do assunto do texto. Julgamento e posicionamento crítico exigem critérios, parâmetros. Confirmamos, pela análise do corpus, que o leitor de artigo de opinião deve se basear em características sócio-discursivas do gênero e em seus aspec-tos dialógicos para chegar à leitura crítica, como anunciaram os texaspec-tos teóricos de Faraco (2003) e Fiorin (2006; 2009). Para refletir um pouco mais sobre o que leu e situar essa in-formação no contexto atual, o leitor – no caso do aluno, com a ajuda do professor – pode realizar uma leitura crítica a partir das seguintes perguntas, embora não sejam todas ne-cessárias em todas as leituras de um artigo:

Por que o autor escolheu esse assunto?

O ponto de vista do autor ficou claro? Ele apresentou argumentos convincentes? Que relação tem o assunto desse artigo com temas discutidos no passado ou em discussão atualmente na nossa sociedade? Para quem esses temas são relevantes?

Quem na nossa sociedade poderia ter pontos de vista diferentes e divergentes dos do autor do artigo?

Que contra argumentos essas pessoas teriam? (O leitor pode ser uma dessas pes-soas que não concordam com o ponto de vista do autor).

Que influências ou reações (de concordância ou de divergência) esse artigo pode provocar nos leitores?

A análise do corpus desta pesquisa demonstrou que essas podem não ser as úni-cas perguntas possíveis para a avaliação crítica do artigo, nem necessariamente todas es-sas precisam ser propostas para um único artigo, mas certamente orientam o leitor num percurso de leitura crítica que inclui a reflexão sobre a qualidade das informações dispo-nibilizadas pelo texto – seu conteúdo proposicional – e sobre o modo de atuação sócio-discursiva que aquele exemplar do gênero discursivo realiza em nossa sociedade.

A leitura crítica exige que o leitor identifique o diálogo que o artigo estabelece com outros enunciados antigos e atuais da nossa sociedade e as atitudes responsivas que podem assumir seus leitores. Com isso, o leitor pode situar o evento comunicativo que o

(10)

artigo representa no contexto sócio-histórico e tomar decisões sobre seu próprio posicio-namento diante do assunto abordado no texto lido.

Com essas perguntas, o leitor começa a tecer a rede dialógica que o artigo – que é um enunciado – estabelece com outros enunciados: ecos e lembranças, refutações, confli-tos, confirmações, complementações, respostas variadas que projetam outros enunciados futuros. A análise dos dados evidenciou que, nesse nível de leitura, principalmente, o lei-tor precisa ter muitos conhecimentos enciclopédicos e de atualidades. Alguns temas são mais fáceis, talvez por serem mais veiculados pela mídia ou mais próximos da realidade do grande público, como o tema educação, do artigo “Sucesso tem fórmula”; outros são mais difíceis, pois exigem conhecimentos dos fatos políticos e econômicos do passado e do presente, como “Quem descobriu o Brasil? Lula ou Cabral?, “Lula, os pobres e a carga tributária”, “A bolsa dos votos”, Duro é escapar de vizinhos”. Outros, ainda, como “Ha-vana não é só de Fidel”, exigem conhecimentos de história, de política internacional, de economia, de conflitos globais atuais. Um artigo com essa dificuldade não seria uma leitu-ra adequada em aulas de Língua Portuguesa do ensino fundamental. Paleitu-ra o ensino mé-dio, seria necessário o professor avaliar se o grau de conhecimento pressuposto é encon-trado nos seus alunos.

5.

CONCLUSÃO

Os resultados da análise do corpus desta pesquisa, a partir de pressupostos teóri-cos sobre leitura, concepção enunciativo-discursiva da linguagem e o conceito de gênero discursivo, especificamente o gênero discursivo artigo de opinião, mostram que o posi-cionamento crítico do leitor de artigo de opinião depende de três níveis de leitura – a lei-tura rápida dos elementos mais destacados; a leilei-tura detalhada com objetivos relaciona-dos à compreensão das proposições básicas do texto; e a leitura crítica dependente de in-ferências sócio-histórico-ideológicas, de conhecimentos enciclopédicos, de atualidades, das características sociocomunicativas do gênero discursivo artigo de opinião e das rela-ções dialógicas do artigo lido com enunciados presentes, passados e futuros, determina-das pelo posicionamento ideológico do meio de comunicação e de seu autor e, ainda, pelo suposto perfil do seu público-alvo.

Também podemos concluir que é possível sugerir alguns procedimentos de leitu-ra de artigo de opinião em sala de aula, organizados por meio das perguntas citadas nesta pesquisa – independentemente de perguntas específicas sobre o assunto de cada texto lido

(11)

11

– num trabalho direcionado à formação do aluno que ainda apresenta muitas lacunas de conhecimentos pressupostos para a leitura crítica.

O professor deve levar em consideração o tipo de conhecimento pressuposto por um determinado artigo e avaliar se esse texto pode resultar em uma leitura agradável e de interesse de seus alunos. Escolhidos os textos, os procedimentos de leitura sugeridos o a-judam a orientar eficientemente o percurso de leitura de seus alunos.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília : MEC/SEF. 1998.

DIONÍSIO, Ângela P. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, Acir M.; GAYDECZ-KA, Beatriz; BRITO, Karim S. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. Palmas-PR: Kaygangue, 2005. p. 159-177.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Genres et progression en expression orale et écrite. Eléments de réflexions à propos d'une expérience romande. Enjeux, p. 31-49, 1996.

FARACO, Carlos A. Linguagem & Diálogo: as idéias lingüísticas do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar, 2003.

FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.

______. Leitura e dialogismo. In: ZILBERMAN, R.; RÖSING, T. M. K. (Org.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009. p. 41-59.

KATO, Mary A. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

KLEIMAN, Angela. Texto e Leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1989.

KOCH, Ingedore V.; ELIAS, Vanda M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

LOPES-ROSSI, Maria Aparecida Garcia. Procedimentos para a leitura de editorial e artigo de opinião. Taubaté: Universidade de Taubaté, 2010. (Não publicado).

MANUAL DE ESTILO DA EDITORA ABRIL. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

MARCUSCHI, Luiz A. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, Acir M.; GAYDECZKA, Beatriz, BRITO, Karim S. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. 2. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. p. 23-36.

______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de redação e estilo O Estado de São Paulo. 2ªed. São Paulo, Maltese, 1992.

RODRIGUES, Rosângela H. O gêneros do discurso da perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005. p. 152-183.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. Cláudia Schilling. 6. ed. ArtMed: Porto Alegre, 1998. TAGLIEBER, L. K. Critical reading and critical thinking: the state of the art. Ilha do Desterro. n. 38.

Referências

Documentos relacionados

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

A tem á tica dos jornais mudou com o progresso social e é cada vez maior a variação de assuntos con- sumidos pelo homem, o que conduz também à especialização dos jor- nais,

Water and wastewater treatment produces a signi ficant amount of methane and nitrous oxide, so reducing these emissions is one of the principal challenges for sanitation companies

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

(2019) Pretendemos continuar a estudar esses dados com a coordenação de área de matemática da Secretaria Municipal de Educação e, estender a pesquisa aos estudantes do Ensino Médio

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das