RevPortCardiol.2015;34(3):159---161
www.revportcardiol.org
Revista
Portuguesa
de
Cardiologia
Portuguese
Journal
of
Cardiology
COMENTÁRIO
EDITORIAL
Foramen
ovale
patente:
uma
visão
através
da
neblina
Patent
foramen
ovale:
Seeing
through
the
mist
Lídia
de
Sousa
∗Servic¸odeCardiologia,CentroHospitalarLisboaCentral,Lisboa,Portugal;CentrodoCorac¸ão,HospitalCuf,Lisboa,Portugal
DisponívelnaInterneta27defevereirode2015
Em 1877 Connheim descreveu pela primeira vez o meca-nismo de embolia paradoxal através do forâmen ovale patente(FOP),fenómenomúltiplasvezesdocumentadoem autópsias e estudos ecocardiográficos. Além da migrac¸ão de umtromboatravés do defeitoseptal,outros mecanis-mostêmsidopropostosparaimplicaroFOPemfenómenos cardioembólicos,nomeadamenteumaumentoda vulnerabi-lidadeauricularaarritmiascompotencialembolígenooua formac¸ãolocaldetrombos1.
Múltiplos estudosevidenciaramumaassociac¸ãoentrea presenc¸a deum FOPe a ocorrênciade acidente vascular cerebral (AVC) criptogénico, enquanto outros questionam essarelac¸ão2---4.Aquestãoassumearelevânciaqueos
núme-ros lheconferem: cerca de 25% da populac¸ão tem FOPe cercade40%dosAVCisquémicostêmetiologia indetermi-nada(criptogénicos),sendooFOPummecanismoapelativo paraasuaexplicac¸ão.
Num achadotãoprevalentecomo o FOP,como estabe-lecer a sua culpabilidade ou inocência, em particular no contextodeumAVCisquémico?Distinguirassociac¸ãode cau-salidade é sempre umdesafio que se revelacrítico nesta questão.
Os três estudos aleatorizados de oclusão percutânea do FOP versus terapêutica médica5---7 não evidenciaram
benefícioparanenhumadasestratégiasterapêuticas, mas apresentam importantes limitac¸ões. As mais relevantes sãooreduzidopoderestatísticoderivadodobaixonúmero de doentes e de eventos,cross-over entreos dois brac¸os dos estudos, heterogeneidade de critérios de inclusão,
DOIdoartigooriginal:http://dx.doi.org/10.1016/j.repc.2014.08.009
∗Autorparacorrespondência.
Correioeletrónico:lidiasousa@netcabo.pt
diversidade da terapêutica médica utilizada, tipo de dis-positivodeoclusãoutilizadoe metodologiana definic¸ãoe avaliac¸ãodeeventos.Umfactoimpressionantefoiotempo necessário para aleatorizar um número relativamente reduzidodedoentes,queem doisdosestudosultrapassou osdezanos.
Noentanto,análisesposterioresdestesensaiostêm con-tribuídocom algumas clarificac¸ões, como a existência de causasalternativaspara explicar arecorrência deAVC no casodoCLOSUREI8eobenefícioincrementalaolongodos
anosnobrac¸odaoclusãopercutâneanoRESPECT.
Os resultados de meta-análises também têm revelado resultadoscontraditórios, emboradeummodogeral favo-ráveisàoclusãopercutânea9,10.
Face à evidência dipsonível não existe nenhuma recomendac¸ão das sociedades científicas internacionais paraaoclusãopercutâneadoFOP,emboraalgumas socieda-desougruposdesociedadesnalgunspaísestenhamdiretivas dequandoéaceitávelprocederàintervenc¸ãopercutânea. Nas recentes recomendac¸ões da American Heart Associa-tion/AmericanStrokeAssociationparaaprevenc¸ãodoAVC11
éadmitidaaoclusãopercutâneadoFOPapenasnocontexto deAVCetrombosevenosaprofundaconcomitante.
No artigo de Paiva et al.12, publicado neste número
da revista, é descrito o primeiro estudo observacio-nal e prospetivo em Portugal em doentes submetidos a oclusãopercutâneadoFOPapósAVC.Dosresultados apre-sentados alguns pontos merecem destaque: trata-se de uma populac¸ão com uma idade média baixa e reduzidas
http://dx.doi.org/10.1016/j.repc.2015.01.002
0870-2551/©2015SociedadePortuguesadeCardiologia.PublicadoporElsevierEspaña,S.L.U.Todososdireitosreservados.
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co-morbilidades, traduzindo uma referenciac¸ão teorica-menteadequadaàtécnica;abaixataxadeefeitosadversos gravesrelacionadoscomoprocedimento;eoperíodolongo de seguimento dos doentes, fundamental para se coli-girefeitos adversos nestetipo de patologia. Algumasdas limitac¸õesdoestudosão referidaspelos própriosautores, mashá pontos adicionaisimportantes:é dificil extrapolar reduc¸ão de risco relativo com o procedimento no grupo estudadocomumcontrolohistóricoderivadodeuma meta--análise; na análise de eventos no grupo de terapêutica percutânea a execuc¸ão deecocardiograma transesofágico nãofoicontemplada,tendooecocardiogramatranstorácico reconhecidaslimitac¸õesnaavaliac¸ãodeshuntresidualouda presenc¸adetrombosintracavitáriose/ouassociadosao dis-positivo;aterapêuticamédicaconcomitantetambémpode tertidoumainfluênciaimportante nosresultadosobtidos. Asconclusõesderivadasdosestudosobservacionaisobrigam necessariamente os investigadores a procurar se existem alternativasparaexplicar osresultados,o que nestecaso serelevaparticularmentedifícil.
Existem três estudos aleatorizados ainda em curso nesta área (Patent Foramen Ovale Closure or Antico-agulants versus Antiplatelet Therapy to Prevent Stroke Recurrence-CLOSE, Device Closure versus Medical The-rapyforCryptogenicStroke PatientswithHigh-RiskPatent Foramen Ovale-DEFENSE-PFO e Gore Helex Septal Occlu-der/GoreSeptalOccluderforPatentForamenOvaleClosure in Stroke Patients-REDUCE), mas o relativo baixo número de doentes a aleatorizar, associado ao reduzido número de eventos previsível nesta populac¸ão, são dois fatores que fazem prever que ainda não seja com estes dados que a questão do valor da oclusão percutânea de FOP na prevenc¸ão secundária de eventos isquémicos se vá resolver.
Enquantoaguardamosqueexistamaisevidênciaparanos guiar, algumas estratégias podem ajudar na definic¸ão da opc¸ãoterapêutica.
Antes de mais devemosrecordar que o diagnóstico de AVCcriptogénicoobrigaaumamarchadiagnósticaextensa e exaustivade estudo etiológico, implicando a existência deequipas multidisciplinares,em queaneurologia, medi-cinainterna e imagiologiatêmpapeiscentrais. Aimagem neurorradiológicaéumacomponenteessencialqueos car-diologistasnão estão treinados para avaliar, com padrões sugestivosdedoenc¸apotencialmentecardioembólica13.As
característicasanatómicasdoFOPsãooutrapotencialajuda à decisão, com estudos a apontar para a existência de marcadores de risco acrescido, como a dimensão do FOP e do shunt, shunt espontâneo em repouso (sem manobra de Valsalva), a presenc¸a de aneurisma do septo14.
Final-mente,osinvestigadoresdoestudoRoPE15conceberamum
scorederisco paraselecionar os doentes que mais pode-rãobeneficiardaopc¸ãoterapêuticapercutânea.Estescore
ébaseadoemquatrovariáveisclínicaspelanegativa,cada umapontuadacom umponto(ausência dehistoria prévia deHTA, diabetes, AVC/AIT,tabagismo), uma imagiológica (presenc¸adeenfarte cerebralcortical) tambémpontuada comumpontoe na idade (subdivisãoem seisdécadasde vida, dos 18 anos a superior a 70 anos, com atribuic¸ão pontual decrescente a cada década de 5 até 0). Quanto maioro score(máximode dez),maioraprobabilidadede umeventoisquémico relacionadocomoFOPeserámuito
importante avalidac¸ão destescoreem estudos eanálises futuras.
Em resumo, a selec¸ão de doentes que possam bene-ficiar da oclusão percutânea do FOP como opc¸ão de prevenc¸ão secundáriadeveserindividualizada,submetida a uma marcha diagnóstica exaustiva e multidiscipli-nar. Só assim poderemos garantir homogeneidade no tratamento, seguranc¸a nos resultados e otimizac¸ão de recursos.
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