NO RIO PIRACICABA (SP, BRASIL) *
Sidnei Eduardo LIMA-JUNIOR
1e Roberto GOITEIN
2RESUMO
Os objetivos deste trabalho são descrever a variação sazonal do Fator de Condição de Pimelodus maculatus no Rio Piracicaba (SP) e verificar se o ciclo sazonal de desenvolvimento ovariano exerce alguma influência significativa sobre a variação desse índice. A partir dos dados de 241 indivíduos (161 fêmeas), calcularam-se o Fator de Condição Alométrico com inclusão e com exclusão da massa gonadal, a freqüência de ocorrência dos estádios de maturação gonadal e o Índice Gonadossomático das fêmeas. Os resultados indicam que a desova da espécie no Rio Piracicaba se dá no verão e que os menores índices de condição são registrados no outono, possivelmente em decorrência da mobilização das reservas energéticas durante a atividade reprodutiva. Além disso, observou-se que o ciclo sazonal de desenvolvimento gonadal não exerce influência significativa sobre a variação da condição corpórea de Pimelodus maculatus.
Palavras-chave: condição fisiológica; efeito sazonal; índice gonadossomático; Pimelodus maculatus;
reprodução
CONDITION FACTOR AND GONADAL CYCLE OF FEMALES OF Pimelodus maculatus (OSTEICHTHYES, PIMELODIDAE)
IN PIRACICABA RIVER (SP, BRAZIL)
ABSTRACT
This study aims to describe the seasonal variation of the Condition Factor of Pimelodus maculatus in Piracicaba River (SP, Brazil), and to test whether the seasonal cycle of ovarian development exerts a significant influence on the condition variation of the species. From the data of 241 individuals (161 females), the Allometric Condition Factor by including and excluding the ovarian weight, the frequency of occurrence of the gonadal maturity stages and the Gonadosomatic Index of the females were calculated. The results indicate that spawn occurs in the Piracicaba River during the summer and that the lowest condition indices appear during the autumn, as a possible effect of the energetic reserves mobilization during the reproductive activity. Besides that, it was observed that the seasonal cycle of gonadal development does not exert a significant influence over the body condition variation of Pimelodus maculatus.
Key words: physiologic condition; seasonal effect; gonadosomatic index; Pimelodus maculatus;
reproduction
Nota Científica: Recebida em 26/04/2005 – Aprovada em 24/10/2005
1 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Laboratório de Análise e Monitoramento Ambiental do Gás Natural (GASLAB) Rodovia Dourados – Itahum, km 12, Dourados, MS, Brasil - CEP: 79804-970 - e-mail: selimajunior@hotmail.com
2 Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Zoologia – C.P.: 199, Rio Claro, SP, Brasil CEP: 13506-900
* Pesquisa financiada pelo CNPq
INTRODUÇÃO
O Fator de Condição é um índice bastante utilizado no estudo da biologia de peixes, pois fornece impor- tantes informações sobre o estado fisiológico desses animais, a partir do pressuposto de que indivíduos com maior massa em um dado comprimento estão em melhor condição. Com base nesse conceito, a variação desse índice ao longo do ano pode ser uti- lizada como dado adicional ao estudo dos ciclos sazonais dos processos de alimentação e reprodu- ção ( BRAGA , 1986; LIMA-JUNIOR et al., 2002). De fato, vários trabalhos demonstram que existe correlação positiva entre o acúmulo de gordura corpórea e a condição de peixes, bem como estreita relação (tanto direta quanto inversa) entre o desen- volvimento gonadal e a variação sazonal do Fator de Condição desses animais ( ANTONIUTTI et al., 1985;
BARBIERI e VERANI , 1987; ANDRIAN e BARBIERI , 1992; ENCINA e GRANADO-LORENCIO , 1997;
LIZAMA e AMBRÓSIO , 2002; CHELLAPPA et al., 2003; SANTOS et al., 2004).
Informações sobre a biologia reprodutiva de Pimelodus maculatus (Siluriformes, Pimelodidae) podem ser encontradas nos trabalhos de GODINHO et al. (1974) e BAZZOLI et al. (1997), que descrevem as alterações gonadais observadas ao longo do ciclo reprodutivo, BASILE-MARTINS et al. (1975), que tes- taram a influência de fatores abióticos sobre a matu- ração dos ovários, GODINHO et al. (1977), que pesqui- saram sobre a fecundidade e o tipo de desova, e FENERICH et al. (1975), BARBOSA et al. (1988) e BRAGA (2000), que estimaram o comprimento da primeira maturação gonadal da espécie em diferentes sistemas aquáticos.
Paralelamente, dados sobre dieta e atividade alimentar dessa espécie, de hábito onívoro, estão registrados nos artigos de BASILE-MARTINS et al.
(1986), LOLIS e ANDRIAN (1996), BRAGA (2000), LOBÓN-CERVIÁ e BENNEMANN (2000) e LIMA- JUNIOR e GOITEIN (2003 e 2004).
Apesar de Pimelodus maculatus ser um dos peixes mais abundantes nos sistemas aquáticos da Bacia do Paraná e estar relativamente bem documentado quanto a sua biologia reprodutiva e alimentar, há na literatura apenas dois artigos com dados a respeito da variação observada em sua condição ao longo do ano.
O trabalho de NOMURA et al. (1972) apresenta apenas resultados obtidos num intervalo de quatro meses (agosto a novembro); além disso, esses autores calcularam o Fator de Condição pela expressão de
Fulton, método que, segundo BRAGA (1986), apresenta a limitação de não permitir comparações entre exemplares de diferentes tamanhos.
BRAGA (2000), por outro lado, realizou uma análise mais completa, pois calculou o Fator de Con- dição Alométrico – que permite estabelecer compa- rações entre indivíduos de diferentes tamanhos – de Pimelodus maculatus ao longo de um ciclo anual de amostragem. Contudo, esse mesmo autor, BRAGA (2000), determinou a condição dos peixes, ajustando uma curva de peso-comprimento para cada mês, estratégia que, segundo GODINHO (1997) e LIMA- JUNIOR et al. (2002), pode mascarar a real variação sazonal do Fator de Condição.
Com base nos fatos apresentados, e visando com- plementar as informações já conhecidas para Pimelodus maculatus, o objetivo deste trabalho é descrever a variação sazonal do Fator de Condição dessa espécie no Rio Piracicaba. Além disso, pretende- se também verificar se o ciclo sazonal de desen- volvimento gonadal exerce alguma influência signi- ficativa sobre a variação do Fator de Condição de Pimelodus maculatus.
MATERIAL E MÉTODOS
Os peixes utilizados no estudo foram capturados no Rio Piracicaba, na região da cidade de Piracicaba (22°42’ S, 47°38’ W), Estado de São Paulo, Brasil (Figura 1).
Nesse local, a mata ciliar encontra-se profun- damente degradada ou substituída por construções ou vegetação rasteira (pasto ou grama). Além desses impactos nas imediações do local de coleta, o Rio Piracicaba também não apresenta água potável, em razão do despejo de esgotos domésticos e industriais em suas águas.
Entre março de 1998 e fevereiro de 1999 coletou- se, neste local do Rio Piracicaba, um total de 241 indi- víduos da espécie Pimelodus maculatus, utilizando-se tarrafas de malhas variadas (1 cm, 2 cm e 3 cm entre nós opostos). A fim de minimizar eventuais erros amostrais decorrentes de capturas pontuais, realizaram-se duas coletas em cada estação do ano (Tabela 1).
De cada indivíduo obtiveram-se a massa corpórea
total (em g, aproximada em 0,5 g) e o comprimento
padrão (em cm, aproximado em 0,1 cm). Ainda, dos
exemplares do sexo feminino (n=161) registraram-se
a massa dos ovários (em g, aproximada em 0,01 g) e o
estádio de maturação gonadal conforme escala
proposta por GODINHO et al. (1974).
Estado de São Paulo
Brasil
Rio Piracicaba Rio Paraná Rio Tietê
N
O Fator de Condição Total dos animais (K
1) foi calculado pelo método alométrico, a partir da expres- são K
1=W/L
b, na qual W representa a massa total e L, o comprimento padrão dos indivíduos. Para estimar o valor do coeficiente b, ajustou-se uma única equação de relação peso-comprimento (W=aL
b), a partir do conjunto de todos os indivíduos coletados, conforme metodologia discutida por LIMA-JUNIOR et al. (2002).
Para avaliar a real contribuição da massa dos ovários para a condição dos exemplares do sexo femi- nino, calculou-se ainda o Fator de Condição Parcial, a partir da expressão K
2=(W-W
G)/L
b(BARBIERI e VERANI, 1987), na qual W
Grepresenta a massa dos ovários. O valor do coeficiente b aplicado nesta fórmula foi o mesmo utilizado para o cálculo de K
1(b=2,934).
Além disso, para que se pudesse analisar a variação sazonal do desenvolvimento gonadal, estimou-se o Índice Gonadossomático (IGS) para cada fêmea, a partir da expressão IGS=100(W
G/W) (McADAM et al., 1999), na qual são utilizadas as mesmas siglas identificadas nos parágrafos anteriores.
Figura 1. Mapa do Estado de São Paulo (Brasil),
indicando o local de coleta de Pimelodus maculatus, assinalado como um círculo sobre o Rio Piracicaba
Tabela 1. Data das coletas e número de indivíduos
capturados no Rio Piracicaba (SP), em cada estação, no período mar./1998-fev./1999
Estação Data da coleta (n
oindivíduos) Outono 25/03 (30) e 16/05 (31) Inverno 16/07 (30) e 10/08 (30) Primavera 15/10 (30) e 09/12 (30) Verão 21/01 (30) e 10/02 (30)
Os resultados obtidos para as variáveis K
1(reunindo os sexos e agrupando somente as fêmeas), K
2e IGS ao longo das quatro estações foram sub- metidos à comparação sazonal, pela aplicação do teste de Kruskal-Wallis, complementado pelo teste a posteriori descrito por ZAR (1999). A correlação exis- tente entre essas variáveis foi também testada pela aplicação do Coeficiente de Comparação de Postos de Spearman (ZAR, 1999), utilizando-se somente os dados provenientes de exemplares do sexo feminino.
O nível de significância (a) de 0,05 foi estabelecido para todos os tratamentos estatísticos citados.
RESULTADOS
Os indivíduos capturados, em um total de 241, foram assim distribuídos entre os sexos: 72 machos, 161 fêmeas e 8 com sexo indeterminado (Tabela 2).
A amplitude de variação dos valores de compri- mento padrão dos indivíduos coletados é de 16,3 cm a 27,0 cm, enquanto que a de massa total é de 98,0 g a 595,5 gramas. A equação da relação peso-compri- mento, ajustada a partir dos dados dos 241 indiví- duos capturados, assumiu a seguinte forma:
W=0,0318*L
2,934.
Tabela 2. Número de indivíduos de cada sexo
coletados no Rio Piracicaba (SP), em cada estação, no período mar./1998-fev./1999 (M=macho; F=fêmea;
Ind.=indeterminado)
Estação M F Ind. Total
Outono 22 35 4 61
Inverno 21 38 1 60
Primavera 19 38 3 60
Verão 10 50 0 60
Os dados expostos na figura 2A e na tabela 3 indicam que Pimelodus maculatus não apresenta diferenças sazonais significativas em sua condição durante as estações inverno, primavera e verão.
Contudo, observa-se que o Fator de Condição Total da espécie é, em comparação com as estações citadas, estatisticamente menor no outono. Resultados idênticos foram registrados para o Fator de Condição das fêmeas (Figura 2B; Tabela 3) e para Fator de Condição Parcial das fêmeas (Figura 2C; Tabela 3), que foi calculado a partir da exclusão da massa dos ovários.
Complementando essa comparação, constatou-se
que os valores obtidos a partir da aplicação do Fator
de Condição Parcial das fêmeas (K
2) apresentam correlação altamente significativa com os calculados a partir do método que inclui a massa das gônadas (K
1) no valor da massa total dessas fêmeas (Tabela 4).
Além disso, observa-se também que os resultados cal- culados para K
1e K
2não diferem estatisticamente entre si em nenhuma das quatro estações, indepen- dentemente de incluir ou excluir os machos do cálculo de K
1(teste de Mann-Whitney, p > 0,05).
Figura 2. Medianas e desvios interquartílicos do Fator
de Condição Total de machos e fêmeas reunidos (A), do Fator de Condição Total de fêmeas (B) e do Fator de Condição Parcial de fêmeas (C) de Pimelodus
maculatusno Rio Piracicaba (SP), no período mar./1998-fev./1999
ovários (evidenciado pelo incremento do IGS), os quais atingem o desenvolvimento máximo no verão (Figura 4; Tabela 3). Nesta estação ainda foram coletadas fêmeas com ovários maduros (6,00%) e esgotados (2,00%), característicos do período de desova (Figura 3).
Comparando-se o Índice Gonadossomático com o Fator de Condição Total (K
1) das fêmeas ao longo das estações, nota-se que essas variáveis não apresentaram o mesmo padrão de variação sazonal e, conseqüentemente, não apresentaram correlação significativa entre si (Tabela 4).
0 2,9 3,2 3,5
3,8 C
0 2,9 3,2 3,5
3,8 A
Fator de Condição Total(K1)Fator de Condição Parcial (K2)
0 2,9 3,2 3,5
3,8 B
Fator de Condição Total(K1)
machos + fêmeas
fêmeas
fêmeas outono inverno primavera verão
outono inverno primavera verão
outono inverno primavera verão 0
2,9 3,2 3,5
3,8 C
0 2,9 3,2 3,5
3,8 A
Fator de Condição Total(K1)Fator de Condição Parcial (K2)
0 2,9 3,2 3,5
3,8 B
Fator de Condição Total(K1)
machos + fêmeas
fêmeas
fêmeas outono inverno primavera verão
outono inverno primavera verão
outono inverno primavera verão
ovários esgotados ovários maduros ovários em maturação ovários em repouso fêmea jovem
verão
Freqüência de ocorrência (%)
0 25 50 75 100
outono inverno primavera verão
ovários esgotados ovários maduros ovários em maturação ovários em repouso fêmea jovem
verão
Freqüência de ocorrência (%)
0 25 50 75 100
outono inverno primavera verão
Figura 3. Freqüência de ocorrência (%) dos estádios
de maturação gonadal das fêmeas de Pimelodus
maculatusno Rio Piracicaba, no período mar./1998- fev./1999
0 2,0 4,0 6,0
outono inverno primavera verão
Índice Gonadossomático (IGS)
0 2,0 4,0 6,0
outono inverno primavera verão
Índice Gonadossomático (IGS)
Figura 4. Medianas e desvios interquartílicos do
Índice Gonadossomático de fêmeas de Pimelodus
maculatusno Rio Piracicaba, no período mar./1998- fev./1999
Os resultados representados na figura 3 indicam
que os ovários das fêmeas de Pimelodus maculatus
começam a apresentar diferenciação oocitária na
primavera, pois, em 42,11% das fêmeas coletadas
nessa estação, as gônadas encontravam-se em
maturação, evento que não ocorreu nas duas estações
anteriores. Além disso, observa-se que a partir da
primavera houve aumento da massa relativa dos
DISCUSSÃO
Segundo GODINHO et al. (1977), as fêmeas de Pimelodus maculatus apresentam desova parcelada, com maturação de lotes de óvulos em diferentes momentos ao longo do período reprodutivo.
BAZZOLI et al. (1997) corroboram essa observação de GODINHO et al. (1977) e afirmam ainda que no reservatório de Marimbondo (localizado no Rio Grande, na divisa dos Estados de Minas Gerais e São Paulo) foram encontradas fêmeas desta espécie em atividade reprodutiva durante todo o ano.
Apesar disso, BRAGA (2000), que também realizou sua pesquisa com exemplares de Pimelodus maculatus provenientes do Rio Grande, observou indivíduos da espécie com gônadas maduras ou esgotadas apenas nos meses compreendidos entre
Tabela 3. Comparação estatística (teste de Kruskal-Wallis) entre as diferentes estações, quanto aos resultados
referentes ao Fator de Condição Total (machos e fêmeas reunidos e somente fêmeas) e ao Fator de Condição Parcial e Índice Gonadossomático de fêmeas de Pimelodus maculatus no Rio Piracicaba, no período mar./1998- fev./1999
Est. versus Est. Fator de Condição Total (K1) (machos + fêmeas)
Fator de Condição Total (K1)
(fêmeas)
Fator de Condição Parcial (K2)
(fêmeas)
Índice Gonadossomático
(IGS) (fêmeas)
Outono versus
Inverno P<0,05 (*) p<0,05 (*) p<0,05 (*) p>0,05 (ns) Outono versus
Primavera P<0,05 (*) p<0,05 (*) p<0,05 (*) p>0,05 (ns) Outono versus
Verão P<0,05 (*) p<0,05 (*) p<0,05 (*) p<0,05 (*) Inverno versus
Primavera p>0,05 (ns) p>0,05 (ns) p>0,05 (ns) p<0,05 (*) Inverno versus
Verão p>0,05 (ns) p>0,05 (ns) p>0,05 (ns) p<0,05 (*) Primavera
versus Verão p>0,05 (ns) p>0,05 (ns) p>0,05 (ns) p<0,05 (*)
*: diferença significativa ns: diferença não significativa
**: correlação altamente significativa ns: correlação não significativa
Tabela 4. Coeficiente de correlação de Spearman
calculado na comparação do Fator de Condição Total com o Fator de Condição Parcial e com o Índice Gonadossomático de fêmeas de Pimelodus maculatus no Rio Piracicaba, no período mar./1998-fev./1999
Fator de Condição Total
(K1) versus r p