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Como Surgem as Espécies ? Gustavo Gollo

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Academic year: 2022

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Como Surgem as Espécies ?

Gustavo Gollo

(2)

Resumo

Discuto alguns dos mecanismos de especiação usualmente apresentados e proponho outros mecanismos, com a intenção de explicar o surgimento das espécies biológicas (que satisfazem o conceito biológico de espécie). Veremos que isto acarreta a solução para a explicação do surgimento de novos tipos (espécies tipológicas) e da diferenciação ecológica entre as espécies (espécies ecológicas). Apresento um conjunto de simulações que

confirmam a viabilidade dos mecanismos e dos processos propostos.

(3)

ÍNDICE

PARTE I CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS INTRODUÇÃO

CAP.1 AS DEFINIÇÕES DE ESPÉCIE 1.1 Considerações Históricas

1.2 Considerações Lógicas 1.2.1 Não-contraditória 1.2.2 Unicidade

1.2.3 Transitividade

1.3 Esboço de uma Classificação das Definições de Espécie 1.3.1 Definições tipológicas

1.3.2 As definições biológicas de espécie 1.3.2.a Algumas Definições biológicas 1.3.2.b Limitações das Definições

1.3.3 A Definição de Espécie por Reconhecimento 1.3.4 A Definição Ecológica

1.3.5 Definições Evolucionárias 1.3.6 Definições Híbridas

1.4 É Impossível a Existência de “Ring Species”

CAP. 2 ESPECIAÇÃO

2.1 A Condição Necessária e a Suficiente para a Especiação 2.2 Isolamento Reprodutivo

2.2.1 A Gênese do Isolamento Reprodutivo

2.2.2 Considerações sobre o Surgimento de Isolamento Reprodutivo

2.3 A Condição Necessária para a Especiação 2.4 A Condição Suficiente para a Especiação 2.5 Mecanismos de Especiação

2.6 Mecanismos de Especiação Alopátrica

2.6.1 Primeiras Críticas à Possibilidade de Hegemonia deste Mecanismo 2.7 Especiação Peripátrica ou Estasipátrica

2.7.1 Comentários 2.8 Especiação Direta

2.8.1 Comparação Entre os Modelos

2.8.2 Especiação Direta por alteração no Cariótipo 2.8.3 Especiação Direta por Mudança de Hospedeiro 2.8.4 Outros Modos de Especiação Direta

2.8.5 Comparações

(4)

2.8.6 Outras Críticas aos Mecanismos de Especiação Geográfica 2.8.7 Uma Objeção aos Mecanismos de Especiação Direta

2.9 Qual o Menor Número de Diferenças Genéticas que Duas Espécies Boas Podem Ter ? 2.10 Raças São Espécies Incipientes ?

CAP.3 REPLICADORES

3.1 Definição

3.2 O Fenótipo Estendido 3.3 O Genótipo Estendido

3.4 A Espécie Como “Replicador”

3.5 Metaespécies

3.6 Porque Existem as Espécies ? 3.6.1 Metaespécies

3.6.2 Um Outro Enfoque

3.7 Comentários sobre a Seleção Natural

3.8 Um Teste Crucial Entre os Mecanismos de Especiação Gradual e Não-Gradual

CAP.4 CASOS EXEMPLARES

4.1 Especiação em Orquídeas

4.2 A Especiação entre os Grilos do Havaí

4.3 Um Caso de Especiação Simpátrica entre as Drosófilas do Havaí 4.3 Quais São as Unidades Evolutivas ?

PARTE II SIMULAÇÕES

CAP.5 ESPEC

5.1 Descrição do Programa ESPEC 5.2 O Programa

5.3 Os Parâmetros

5.4 A Operação do Programa 5.5 Interpretação dos Dados

5.6 Método de Análise das Simulaçòes 5.7 Análise de uma Simulação

5.8 Especiação 5.9 Simulações

5.9.1 Variação no Número de Demes

5.9.2 Variação no Número de Indivíduos por Deme

(5)

5.9.3 Variação na Intensidade da Preferência 5.9.4 Variação no Intensidade da Seleção Natural 5.9.5 Variação no Número de Genes

5.9.6 Variação na Taxa de Migração 5.9.7 Comentários

CAP.6 ESPEC2

6.1 A Simulação

6.2 Descrição do Programa 6.3 A Operação do Programa 6.4 O Arquivo DAD.FOR 6.5 Simulações

6.6 Simulação do Surgimento de Uma Nova Espécie 6.7. Outras Simulações

CAP.7 ECOSPEC3

7.1 A Simulação

7.2 Descrição do Programa 7.3 A Operação do Programa 7.4 O Arquivo DAD3.FOR 7.5 Simulações

CAP.8 ECOSPEC4

8.1 A Simulação

8.2 Descrição do Programa 8.3 A Operação do Programa 8.4 O Arquivo DAD4.FOR 8.5 Simulações

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

APÊNDICE

(6)

“Em biologia nada tem sentido se não se considera sob o prisma da evolução.”

Th. Dobzhansky

Introdução

Como surgem as espécies ?

Esta pergunta é tão antiga quanto a afirmação de que as espécies não foram todas criadas no mesmo dia. Para respondê-la, no entanto, são necessários alguns conhecimentos prévios. Darwin (1859), parecia prometer uma solução para este problema no título de sua obra máxima “sobre a origem das espécies”, mas não possuía estes conhecimentos, conforme Mayr (1970) salientou. Sua teoria da pangênese não permitia a explicação da herança de novidades genéticas por acarretar a homogeneização dos indivíduos ao longo das gerações; deste modo, a teoria darwiniana da herança não podia justificar o surgimento das inovações evolutivas. Além disto, esta pergunta só pode ser respondida, penso, se utilizamos o conceito biológico de espécie (B.S.C.). A profusão de definições de espécies existentes mais confunde que esclarece o problema. É interessante notar que diferentes definições de espécie impõem respostas distintas à questão.

Além da questão expressa no título, neste texto faço uma abordagem sobre

“replicadores” (entidades que geram outras similares a si mesmas): se as próprias espécies

são tratadas como replicadores, a especiação equivale à reprodução. Este enfoque sugere

um teste entre os vários mecanismos de especiação.

(7)

A segunda parte deste texto inclui apenas as simulações dos mecanismos de

especiação propostos a seguir. Elas constituem uma ilustração destes mecanismos e

confirmam as predições realizadas na primeira parte. Podemos considerar as populações

geradas nas simulações como uma analogia com populações de seres vivos. Se preferimos,

porém, podemos tratá-las diretamente como seres vivos artificiais. Creio que estas são as

primeiras espécies biológicas (quero dizer, que satisfazem a definição biológica de

espécie), geradas a partir de outras, em um computador.

(8)

1. AS DEFINIÇÕES DE ESPÉCIE

1.1 Considerações Históricas

Provavelmente, concepções sobre o que são as espécies vêm sendo desenvolvidas, desde o surgimento das primeiras sociedades humanas, umas mais apuradas, outras menos.

Podemos supor que nossos antepassados remotos elaboraram sistemas tão complexos de classificação dos organismos quanto o sistema de reconhecimento de pássaros desenvolvido pelos nativos da Nova Guiné que, segundo Mayr (1970) distinguem 137 das 138 espécies de pássaros reconhecidas pelos ornitólogos e que ocorrem na região.

Ainda que, provavelmente, a preocupação com o significado do termo “espécie”

não seja tão antiga, ela já tem hoje mais de três séculos. Costuma-se citar John Ray, que em

1686 afirmou “não há nenhum critério mais certo de espécie, que aquele no qual ela se

acasala dentro de seus próprios limites”. (“No more certain criterion of a species exists

than that it breeds true whithin its own limits.”) (Grant, 1963, p.336). Linnaeus tinha,

obviamente, uma grande preocupação com “espécie”. Segundo ele “Reconhecemos tantas

espécies quantos foram os tipos constantes e diversos criados no início”. (“We reckon as

many species as there were diverse and constant forms created in the beginning.”) (Grant,

1963, p.337). Ainda de acordo com Grant (1963, p.337), “Buffon (1749), seguido por Kant

(1775), definiu espécie como grupos de reprodutores mantidos isolados do resto da criação

por barreiras de esterilidade.” ( “reproducible groups set apart from the rest of creation by

sterility barriers”). Voigt (1817), Oken (1830), Lindley (1831), Gloger (1833,1856), e

Godron (1853) definiram espécie como grupos de indivíduos que intercruzam uns com os

outros, mas não com outras espécies.” (“groups of individuals which interbreed with one

(9)

another but not with other species”). Em 1865 Gloger afirmou: “Uma espécie é um grupo que permanece ligado, seja por descendência ou por reprodução”. (“A species is what belongs toghether either by descent or for the sake of reprodution.”) , o que, nitidamente, constitui uma antecipação do conceito biológico de espécie, que será discutido

posteriormente. Grant nos oferece ainda uma lista de autores que apresentaram algumas definições de espécie durante o século dezenove e início do vinte.

Hoje, podemos dizer que há uma definição dominante que é admitida pela maioria dos autores: trata-se do chamado conceito biológico de espécie (B. S. C.) proposto por Mayr. Apesar disto, muitas críticas são feitas a esta definição.

A existência das várias definições alternativas, e as muitas críticas a todas elas devem prolongar o debate sobre a melhor definição de espécie por mais alguns séculos ainda. De qualquer modo, este conceito é tão fundamental que, em quase todos os trabalhos biológicos, é necessário que se assuma, mesmo que implicitamente, alguma definição de espécie.

1.2 Considerações Lógicas

Mesmo antes de conhecer uma definição de espécie, podemos estabelecer certas pré- condições que ela deve satisfazer para que seja considerada aceitável.

1.2.1 Não contraditoriedade

(10)

Por razões lógicas, uma definição aceitável não pode ser contraditória (se utilizamos a lógica clássica, de uma contradição podemos deduzir qualquer conseqüência (ver Popper, 1959)). Esta advertência não pode ser menosprezada, como veremos posteriormente.

1.2.2 Unicidade

Um indivíduo não pode pertencer a mais de uma espécie.

Algumas situações podem obscurecer ligeiramente a aplicabilidade deste requisito.

No caso de um indivíduo híbrido, ele deve ser considerado como não pertencente a nenhuma espécie. Seria extremamente inconveniente considerá-lo pertencente a duas espécies distintas.

1.2.3 Transitividade

Como corolário da condição acima, temos que, dos três indivíduos X, Y e Z, se X e Y pertencem à mesma espécie, e, se Y e Z pertencem à mesma espécie, então, X e Z pertencem à mesma espécie. É simples perceber que esta condição decorre da anterior, basta que nomeemos as espécies: se X e Y pertencem à mesma espécie, digamos, A, então, X pertence a A, e Y pertence a A. Se Y e Z pertencem à mesma espécie, como Y pertence a A, então, Z pertence a A. Portanto, como X e Z pertencem à espécie A, ambos pertencem à mesma espécie.

A explicitação das três condições acima pode parecer desnecessária. No entanto,

como veremos posteriormente, algumas das definições de espécie mais difundidas não

satisfazem uma ou mais destas pré-condições, o que, a meu ver, torna-as inaceitáveis.

(11)

1.3 Esboço de uma Classificação das Definições de Espécie

As várias propostas podem ser agrupadas em certas classes conforme os fatores que elas enfocam. Deste modo, podemos distinguir as seis seguintes classes de definições de espécie:

1) tipológicas;

2) biológicas;

3) por reconhecimento;

4) ecológicas;

5) evolucionárias;

6) híbridas.

1.3.1 Definições tipológicas

Entre as tipológicas podemos listar:

1) o conceito comum de espécie;

“Espécie é uma classe de indivíduos com atributos comuns e designados por um mesmo nome.”

(Species- 1 a: a class of individuals having common attributes and designated by a

common name.), Webster Dictionary.

(12)

O conceito comum de espécie é bastante difuso e, a rigor, não encerra uma

verdadeira definição. Apesar disto, a idéia comum de espécie é a de grupos de seres vivos semelhantes.

2) a definição de Linnaeus;

“Consideramos tantas espécies quantas foram os tipos diversas e constantes criadas no início.” (in Grant, 1963)

( “We reckon as many species as there were diverse and constant forms created in the beginning.”)

3) a definição de Darwin;

“Espécie é um termo arbitrariamente aplicado, por conveniência, a um conjunto de indivíduos muito assemelhados uns aos outros, e que não difere essencialmente do termo variedade,o qual é usado para as formas menos distintas e mais variadas”. (in Grant, 1963) ( “species as one arbitrarily given for the sake of the convenience to a set of individuals closely resembling each other, and that it does not essentialy differ from the term variety, which is given to less distinct and more fluctuating forms.”).

As definições de Linnaeus e Darwin, do mesmo modo que a definição comum, enfocam a similaridade morfológica de certos conjuntos de organismos e as diferenças entre cada um destes conjuntos. Darwin, naturalmente, retira a ênfase que Linnaeus atribuía à constância e criação das espécies no início dos tempos.

4) a definição de espécie por coesão (Templeton,1989)

(13)

“Espécie é a população mais inclusiva de indivíduos com o potencial para a coesão fenotípica através de mecanismos intrínsecos de coesão.”

(“species is the most inclusive population of individuals having the potencial for phenotipic cohesion through intrinsic cohesion mecanisms.” )

1.3.2 As definições biológicas de espécie

Quando um taxonomista descreve uma espécie tipológica, ele traça arbitrariamente uma linha que engloba certos conjuntos de indivíduos e exclui outros. Seu procedimento pode ser considerado adequado, ou não, por outros taxonomistas; seu critério, no entanto, não pode ser refutado empiricamente.

Ao contrário, subjacente a todas as definições biológicas, existe a idéia de que as espécies são entidades reais (em algum sentido), e que o papel do taxonomista é descobrir os limites de cada espécie. É por esta razão que estas definições são ditas “biológicas”, pois tentam traduzir um aspecto da realidade biológica preexistente em vez de reunir

arbitrariamente os grupos. Há umas poucas definições que podemos considerar básicas e um conjunto enorme de reformulações muito ligeiras destas definições.

Cada definição básica enfoca o problema sob uma dada ótica, mas,

fundamentalmente, descreve o mundo da mesma forma. Quero dizer, para as taxonomias

que se baseiam nas definições biológicas, ainda que elas se atenham a fenômenos distintos,

quase sempre concordam nos resultados e descrevem as mesmas espécies, correspondendo

aos mesmos conjuntos de indivíduos.

(14)

1.3.2a Algumas definições biológicas

1. Gloger(1856): (in Grant 1963)

“Uma espécie é um grupo que permanece ligado, seja por descendência ou por reprodução.

“A species is what belongs together either by descent or for the sake of reprodution.”.

2. Mayr (1963): “Espécies são grupos de populações naturais, real ou

potencialmente intercruzantes, que estão isoladas reprodutivamente de outros grupos.”

(“groups of actually or potentially interbreeding natural populations which are reproductively isolated from other such groups.”).

À primeira vista, existem ao menos duas interpretações possíveis para a definição acima, conforme se entenda a palavra “intercruzante”. É provável que a maioria dos biólogos interprete “intercruzante” na definição acima como “diretamente intercruzante”, ou seja, entendem que dois grupos de indivíduos são potencialmente intercruzantes se, e somente se, é possível que indivíduos de um grupo cruzem com os do outro. Trata-se de um erro. Interpretada desta maneira, a definição é contraditória e, portanto, inaceitável. A contradição decorrente desta interpretação fica evidente no seguinte caso: seja uma espécie constituída por três populações, X, Y e Z. Suponhamos que os indivíduos de X e Y

intercruzem diretamente, que os de Y e Z intercruzem diretamente, mas que os de X e Z sejam incapazes de intercruzar diretamente. Neste caso, esta interpretação da definição acarreta que os indivíduos de X e Y pertencem à mesma espécie, digamos espécie A, pois são potencialmente intercruzantes, e que os de Y e Z também pertencem à mesma espécie, pelos mesmos motivos, mas, como os indivíduos de X e Z não são diretamente

intercruzantes, segue desta interpretação que os indivíduos de X e de Z não pertencem à

(15)

mesma espécie. Neste caso, temos que: os indivíduos de X e Y pertencem à mesma espécie, digamos “A”, os de Y e Z pertencem à mesma espécie, e, como os de Y pertencem a “A”

decorre que os de Z também pertencem a “A”. Mas, como vimos, os indivíduos de X e Z não pertencem à mesma espécie. Deste modo, segundo a interpretação acima, os indivíduos de X e Z pertencem e não pertencem à mesma espécie.

Esta contradição é evitada se consideramos a definição acima com a seguinte expressão subentendida: “Espécies são grupos de populações naturais, real ou potencialmente intercruzantes (direta ou indiretamente), que estão isoladas

reprodutivamente de outros grupos”. No exemplo acima, as populações X e Z devem ser entendidas como indiretamente intercruzantes, já que estão ligadas por uma cadeia de populações diretamente intercruzantes.

3. Dobzhansky (1970): “Espécies são sistemas de populações: a troca de genes entre estes sistemas é limitada ou impedida por um mecanismo de isolamento reprodutivo ou talvez por uma combinação de vários destes mecanismos.”, (in Templeton, 1989).

(“Species are systems of populations: the gene exchange between these systems is limited or prevented by a reprodutive isolating mechanism or perhaps by a combination of several such mechanisms.”).

4. Emerson (1954) (in Sokal e Crovello, 1984): “populações naturais evoluídas (e provavelmente evoluindo), geneticamente distintas e reprodutivamente isoladas.

(“evolved ( and probably evolving ), genetically distinctive, reproductively isolated,

natural population”.).

(16)

5. Grant (1957) (in Sokal e Crovello, 1984): “uma comunidade de indivíduos xenogâmicos unidos pelos laços de acasalamento e reprodutivamente isolados de outras espécies por barreiras ao acasalamento”.

(“a comunity of cross-fertilizing individuals linked together by bonds of mating and isolated reproductively from other species by barriers to mating”).

6. Tauber e Tauber (1989): “uma espécie consiste de um grupo de populações cujo caminho evolutivo é diferente do de outros grupos; este caminho evolutivo distinto do grupo é alcançado através do isolamento reprodutivo deoutros grupos.”

(“a species consists of a group of populations whose evolutinary pathway is separate from that of other groups; this distinct evolutionary pathway is achieved by the group’s

reprodutive isolation from other groups.”).

Há muitas objeções a todas estas definições. Duas destas, contudo, devem ser ressaltadas:

1.3.2.b Limitações das Definições

a) Todas estas definições são limitadas às populações que praticam alguma forma de

reprodução cruzada. A tentativa de aplicação de uma definição biológica de espécie a uma

população que não pratica reprodução cruzada levaria à solução trivial de que, nestes casos,

cada indivíduo constitui uma espécie inteira, resultado extremamente indesejável. Deste

modo, o âmbito da B.S.C.exclui um grande contingente de espécies.

(17)

b) Efetivamente, no trabalho prático, a taxonomia tipológica costuma ser muito mais simples que a biológica. Uma taxonomia decorrente de um B.S.C. deve

necessariamente recorrer a aspectos etológicos das populações, o que torna impossível, portanto, descrever uma espécie unicamente a partir de exemplares empalhados, fixados ou fossilizados (as espécies paleontológicas são sempre tipológicas). Há dificuldades também nas abordagens experimentais de laboratório, pois, em condições artificiais os indivíduos podem se comportar de maneira diferente da natural e, por isto, “sugerir” que constituem uma espécie diferente da natural. Por estas razões, a taxonomia efetivamente praticada, quase sempre, baseia-se em uma definição tipológica.

Observação: enquanto os zoólogos preferem utilizar as definições biológicas de espécie, os botânicos, na maioria das vezes, referem-se às espécies como unidades tipológicas. De acordo com Grant (1971, p. 74), “Um syngameon é o mais inclusivo sistema de populações intercruzantes em um grupo de espécies hibridizantes.O syngameon comporta-se como uma espécie biológica bem isolada em sua borda externa, mas difere em sua estrutura interna mais complexa.” Deste modo, o termo “syngameon” utilizado pelos botânicos corresponde ao que um zoólogo chamaria de “espécie politípica”.

1.3.3 A Definição de Espécie por Reconhecimento

Patterson (1993) Espécie é a população mais inclusiva de organismos biparentais

individuais que compartilham o mesmo sistema de fertilização.

(18)

(Species are (...) the most inclusive population of individual biparental organisms which share a common fertilization system.)

Para Patterson, as espécies são definidas pelos sistemas de isolamento reprodutivo pré-copulatórios, ao contrário das definições listadas acima entre as biológicas que se atêm ao fluxo gênico ou ao intercruzamento. Caso dois grupos intercruzem livremente mas produzam apenas híbridos inférteis, serão vistos como duas espécies pelos seguidores do B.S.C., pois não pode haver fluxo gênico entre os dois grupos. Por outro lado, estes dois grupos serão vistos como uma única espécie por Patterson, pois, de acordo com ele se os indivíduos dos dois grupos reconhecem-se como parceiros potenciais para o acasalamento, eles pertencem à mesma espécie.

As mesmas objeções, feitas acima, às definições biológicas valem para esta definição.

1.3.4 A Definição Ecológica

Fisher (1958, 1929, p. 135) discute o contraste entre as espécies com reprodução cruzada e as outras, e conclui que entre os grupos que não utilizam reprodução cruzada

“nós dificilmente esperaríamos encontrar espécies propriamente ditas, já que cada genótipo individual teria o mesmo direito de ser considerado como distinto especificamente, e nenhum grupo natural existe ligado, como espécie, por um intercâmbio constante de seu germo-plasma”. Apesar disto, para Fisher, “os grupos que mais correspondem às espécies seriam aqueles adaptados a preencher tão similarmente um lugar na natureza que qualquer indivíduo poderia deslocar um outro, ou mais explicitamente, que uma melhoria

evolucionária em qualquer indivíduo ameaça a existência dos descendentes de todos os

(19)

outros.” E prossegue, “dentro de um tal grupo o aumento no número dos tipos mais favorecidos seria contrabalançado pela contínua extinção das linhas menos adaptadas à sobrevivência, de modo que (...) podemos traçar a ancestralidade de todo o grupo de volta a um único progenitor”. Em seguida Fisher mostra que se analisamos uma população deste tipo, em qualquer momento podemos vislumbrar a época em que todos os indivíduos do grupo descenderão de um único indivíduo da população atual.

Ainda que Fisher não tenha proposto exatamente, como visto acima , uma definição de espécie, podemos considerar seu enunciado como uma verdadeira definição de espécie.

Em minha opinião, Fisher descreve os aspectos acima com muita propriedade e, se, para espécies que praticam alguma forma de reprodução cruzada , essa definição é

desnecessária, para as outras espécies podemos considerar estritamente que:

***“Espécies são grupos adaptados a preencher o mesmo lugar na natureza de forma que qualquer indivíduo pode deslocar um outro da mesma espécie” ou que

“Espécies são conjuntos de indivíduos tais que caso um deles sofra uma melhoria evolucionária, ameaça a existência dos descendentes de todos os outros”.

1.3.5 Definições Evolucionárias

“Uma espécie consiste de uma população ou grupo de populações que partilham um destino evolucionário comum ao longo do tempo”. (Templeton, 1989)

(“A species consists of a population or group of populations that shares a common

evolutionary fate through time.”)

(20)

Podemos colocar nesta classe qualquer definição de espécie que privilegie o desenvolvimento evolucionário dos grupos . Tratam-se de definições ad hoc que tornam extremamente difícil o trabalho taxonômico que consiste, neste caso, em um conjunto de hipóteses acerca da evolução passada e futura dos grupos envolvidos. Como exemplo, podemos apresentar a definição citada, mas não assumida, por Templeton.

(Simpson, 1961, p. 153 ).

Espécie é “uma ligação ( uma seqüência de populações ancestral-descendente) evoluindo separadamente de outras e com suas próprias tendência e papel evolutivos”.

1.3.6 Definições Híbridas

Várias definições propostas para o termo “espécie” apresentam características de duas das classes apresentadas anteriormente. Entre elas podemos citar:

a) filogenética ( Cracraft, 1989) Uma espécie filogenética é um “cluster”

irredutível (basal) de organismos, diagnosticavelmente distintos de outros clusters similares, e dentro do qual há um padrão paterno de ancestralidade e descendência”.

( A phylogenetic species is an irreducible (basal) cluster of organisms, diagnosably distinct

from other such clusters, and within which there is a parental pattern of ancestry and

descent.)

(21)

Esta definição engloba características evolucionárias aliadas à ênfase em padrões tipológicos explicitados na expressão “diagnosticavelmente distintos”.

b) Mayr ( 1982)

Muitos anos após sua primeira proposta para uma definição de espécie, Mayr apresentou a seguinte definição: Espécie é uma comunidade reprodutiva

( reprodutivamente isolada de outras) que ocupa um nicho específico na natureza.

( a species is a reproductive community (reproductively isolated from others) that occupies a specific niche in nature).

A meta desta definição é ampliar o domínio da definição biológica de modo que ela abranja também as espécies que não praticam reprodução cruzada. Esta definição não teve uma grande acolhida entre os biólogos, em parte, porque mistura duas definições

diferentes, o que pode acarretar certas confusões.

A meu ver, neste mesmo espírito de complementar a B.S.C., o melhor é apresentar duas definições e estipular o domínio de cada definição, o que nos leva a propor:

c) Para espécies com reprodução cruzada:

“Espécies são grupos de populações naturais real ou potencialmente intercruzantes que estão isoladas reprodutivamente de outros grupos.” (Mayr, 1963)

Para espécies sem reprodução cruzada:

(22)

“Espécies são grupos adaptados a preencher o mesmo lugar na natureza de forma que qualquer indivíduo pode deslocar um outro da mesma espécie” ou que “Espécies são conjuntos de indivíduos tais que caso um deles sofra uma melhoria evolucionária, ameaça a existência dos descendentes de todos os outros”. (Fisher, 1958, 1929)

Penso que o acoplamento destas duas definições provê um quadro claro e abrangente do que sejam as espécies.

1.4 É Impossível a Existência de “Ring Species”

Certos tipos de espécies têm merecido atenção especial em função de certas peculiaridades que elas apresentam. Entre elas, há certos tipos a que muitos livros sobre a teoria da evolução ( Mayr, Dobzhansky et alli, Futuyma entre outros) referem-se como dispondo-se em uma suposta distribuição de espécies em anel. De acordo com estes textos, esta distribuição seria caracterizada pela seguinte situação: em uma dada localidade

coexistem duas espécies, aparentadas mas distintas, caracterizadas normalmente por

diferenças fenotípicas não muito grandes mas diagnosticáveis e, principalmente, pelo

isolamento reprodutivo entre indivíduos dos dois tipos. Cada um dos tipos se distribui ao

longo de uma direção distinta. Ao longo deste percurso, as formas sofrem alterações

graduais, até que se encontram sem que os indivíduos de cada tipo apresentem diferenças

fenotípicas ou etológicas diagnosticáveis. Deste modo, duas espécies coexistiriam em certa

localidade mas apresentariam uma diferenciação gradual levando de uma espécie a outra ao

(23)

longo de uma vasta extensão aproximadamente circular. Assim, de acordo com Maynard- Smith (1958 p.189) “das três populações de gaivotas do Norte do atlântico primitivamente classificadas como três espécies distintas, Larus argentatus, L. fuscus e L. glaucoides, as duas primeiras que ficariam classificadas deste modo por serem distintas na zona de sobreposição da Inglaterra e do Noroeste da Europa foram depois encontradas juntas por uma série de formas intermediárias.”

A descrição acima corresponde à seguinte situação esquemática (discutida

anteriormente em 1.2): dois indivíduos, A e Z, coexistem em uma dada área mas pertencem a espécies distintas. Apesar disto, há uma série de indivíduos A,B,C... ...X,Y,Z, tais que A e B pertencem à mesma espécie, B e C pertencem à mesma espécie... , ...X e Y

pertencem à mesma espécie, Y e Z pertencem à mesma espécie. A situação esquematizada acima é logicamente impossível se cada indivíduo não pode pertencer a duas espécies distintas. Ainda que haja uma grande discussão sobre a definição de espécie, existem certas pré-condições que devem ser satisfeitas por qualquer candidato a esta definição. Entre estas pré-condições, uma é que um indivíduo não pode pertencer a duas espécies distintas (como visto em 1.2.2 acima). Assim, os híbridos devem ser classificados como pertencentes a uma espécie híbrida ou, então, como não pertencente a nenhuma espécie boa, mas consistindo em um híbrido decorrente do cruzamento de duas espécies boas. Em nenhum caso, no entanto, podemos aceitar uma definição que permita que um indivíduo pertença a duas espécies distintas.

Tendo isto em mente, podemos voltar ao esquema traçado anteriormente e perceber

que se A e B pertencem à mesma espécie, digamos, Larus argentatus, se B e C pertencem à

mesma espécie, C também pertence a L. argentatus, e se as reticências indicam pares de

indivíduos da mesma espécie, todos os indivíduos da série pertencem à mesma espécie, no

(24)

caso, L. argentatus. Deste modo, se há uma sucessão de indivíduos como os

esquematizados anteriormente, todos pertencem à mesma espécie, ainda que as duas formas extremas não sejam diretamente intercruzantes. Isto mostra que a definição biológica de espécie, a ser considerada aceitável, deve exigir que duas formas indiretamente

intercruzantes como as do esquema devam ser consideradas coespecíficas. Caso as duas formas extremas constituam, de fato, duas espécies boas, necessariamente deve haver uma ruptura em algum dos elos da corrente. Neste caso, em algum ponto do esquema, digamos, em M, devemos ter que M e N não pertencem à mesma espécie. Se isto ocorre, temos duas espécies parapátricas coexistindo em uma pequena área, e, nada há de especial para que seja tratado como um caso à parte, denominado “ring species” ; Neste caso, trata-se da situação muito comum de espécies próximas, coabitando áreas próximas.

Assim, nos caso acima, a conceituação de “ring species” mostra-se redundante ou

contraditória.

(25)

CAP. 2 ESPECIAÇÃO

The splitting and divergence of lineages is the most important phenomenon in biological science because it is the source of the earth’s kaleidoscopically varying forms. (Otte e Endler, 1989)

I can by no means agree with this naturalist that migration and isolation are necessary elements for the formation of new species. (Darwin 1859. 6th ed.;em referência ao biólogo J. T. Gulick) citado em Tauber e Tauber (1989).

2.1 A CONDIÇÃO NECESSÁRIA E A SUFICIENTE PARA A ESPECIAÇÃO

Se aceitamos a definição biológica de espécie (B.S.C.), segundo a qual espécies são

“grupos de populações intercruzantes reprodutivamente isoladas de outros grupos”, percebemos que a questão do surgimento das espécies está intimamente ligada ao fenômeno do isolamento reprodutivo, como já foi salientado por vários autores. Por esta razão, é conveniente classificar os mecanismos de isolamento reprodutivo para que possamos mostrar as condições necessárias e suficientes para a especiação.

2.2 ISOLAMENTO REPRODUTIVO

(26)

De acordo com Theodosius Dhobzhansky ( Dhobzhansky et alli, 1980, P. 173 ), os mecanismos de isolamento reprodutivo podem ser divididos entre os pré-zigóticos e os pós- zigóticos, e subclassificados da seguinte forma:

a) mecanismos de isolamento pré-zigótico:

1a) isolamento ecológico ou de habitat; ocorre se as espécies ocupam habitats distintos em um mesmo território.

2a) isolamento estacional ou temporal; acontece se os membros de dois grupos distintos atingem a maturidade sexual em épocas diferentes.

3a) isolamento etológico ou sexual; decorre da debilitação ou ausência de atração sexual entre indivíduos de dois grupos distintos.

4a) isolamento mecânico; resulta de estruturas reprodutivas distintas que

impossibilitam a cópula ou a transferência de esperma ou pólen para indivíduos de outros grupos. Entre as fanerógamas, distintas espécies podem ter-se especializado em atrair diferentes tipos de insetos que atuam como polinizadores.

5a) isolamento gamético; produz-se nos casos em que os gametas femininos e masculinos não se atraem, ou quando os gametas masculinos são inviáveis nos condutos sexuais das fêmeas.

b) mecanismos de isolamento pós-zigótico:

1b) inviabilidade dos híbridos; que pode ocorrer em qualquer etapa do

desenvolvimento do híbrido, desde a formação do zigoto até o momento em que ele atinge a maturidade sexual.

2b) esterilidade do híbrido.

(27)

3b) degradação do híbrido; reduz a viabilidade ou a fertilidade dos descendentes dos híbridos em f2 ou nas gerações seguintes.

2.2.1 A GÊNESE DO ISOLAMENTO REPRODUTIVO

Dentre os mecanismos de isolamento reprodutivo listados anteriormente, o isolamento ecológico pode algumas vezes ser obtido por estampagem. Na imensa maioria dos casos, no entanto, o isolamento reprodutivo decorre do surgimento prévio de alguma alteração genética. Deste modo, a existência de algum tipo de isolamento reprodutivo entre indivíduos de dois grupos, digamos, isolamento etológico, é, quase certamente, uma indicação de que os indivíduos de cada grupo possuem uma certa informação genética própria do grupo. O mesmo vale para os outros mecanismos de isolamento expostos acima.

Todos os seres vivos possuem um código genético que estabelece suas potencialidades fenotípicas. Entre estas potencialidades encontram-se codificadas as informações que determinam seus mecanismos de reprodução. Assim, muitas aves, por exemplo, exigem um elaborado ritual de danças e cantos para que o acasalamento possa ocorrer e esta

informação encontra-se determinada em seus genes. Caso um indivíduo possua alguma

alteração genética exatamente na parte do código que determina seus mecanismos

reprodutivos, este indivíduo poderá ser, em graus variados, reprodutivamente isolado de

seus ancestrais. É claro que algumas alterações genéticas podem tornar o indivíduo

absolutamente infértil, mas estas pouco importam para o assunto aqui tratado. Algumas

modificações genéticas, no entanto, podem tornar o indivíduo apto para a reprodução,

ainda que reprodutivamente isolado de seus ancestrais. Assim, pode ocorrer que alguma

(28)

alteração genética em um macho produza um isolamento mecânico entre ele e os de sua espécie, ou, que uma alteração análoga em uma fêmea produza o isolamento reprodutivo entre ela e sua espécie. Nestes casos, se o isolamento é total, o indivíduo muito

provavelmente não deixa descendentes, a menos que ele encontre um parceiro para o acasalamento que possua uma alteração análoga que possibilite a fecundação, o que é muito improvável, ou, que ele pertença a uma espécie capaz de reprodução apomítica.

Supondo-se que, em uma espécie cujos indivíduos são capazes de reprodução apomítica e cruzada, surja um indivíduo geneticamente alterado que se encontre

reprodutivamente isolado de seus ancestrais, este indivíduo poderá gerar apomiticamente um novo grupo de indivíduos reprodutivamente isolado de outros. O mesmo pode ocorrer, na hipótese sugerida anteriormente, do surgimento de um casal de indivíduos

reprodutivamente isolados de seus ancestrais, ou ainda, na hipótese mais provável do surgimento de indivíduos cuja alteração genética os tornem parcialmente isolados reprodutivamente de seus grupos ancestrais.

A gênese de um grupo reprodutivamente isolado, ou de um novo mecanismo de isolamento reprodutivo merece ser explicada pois a existência de grupos com mecanismos reprodutivos distintos que compartilham algum ancestral comum evidenciam o fato de que o surgimento de novos mecanismos reprodutivos ocorre com uma certa freqüência.

2.2.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O SURGIMENTO DE ISOLAMENTO REPRODUTIVO

Como já foi sugerido anteriormente, em populações com reprodução apomítica

opcional o surgimento de um indivíduo portador de uma alteração genética que o isola

reprodutivamente de seus ancestrais pode acarretar o surgimento de um grupo de

(29)

indivíduos reprodutivamente isolados. Em espécies que praticam exclusivamente a reprodução cruzada, no entanto, pode parecer, à primeira vista, improvável o surgimento de grupos reprodutivamente isolados, todavia, certas situações podem favorecer o

surgimento de tais grupos. Fisher ( 1958, p.146 e seguintes ) idealizou o assim chamado

“runaway process” que consiste no seguinte: caso uma parte das fêmeas, digamos, 10 % delas, tenham preferência por machos que possuam determinada característica, por exemplo, cor brilhante, então, os machos que possuem a característica selecionada devem deixar mais descendentes que os outros, pois, serão escolhidos preferencialmente por um grupo de fêmeas. Por outro lado, as fêmeas que se ligam a estes machos selecionados tendem a deixar descendentes de cores mais brilhantes que a média, que tenderão, por sua vez, a deixar mais descendentes que os comuns. Deste modo, tanto os machos escolhidos quanto as fêmeas que escolhem os indivíduos que possuem uma certa característica, ainda que esta seja seletivamente neutra, são beneficiados pela seleção sexual e acabam por deixar mais descendentes que a média. Assim, com o passar do tempo, a escolha sexual tende a ser compartilhada por todas as fêmeas do grupo, e os machos tendem a exibir um alto grau de desenvolvimento da característica selecionada.

Se uma dada população apresenta uma distribuição normal de certa característica,

como o tamanho dos indivíduos, e se uma parcela das fêmeas tem preferência, digamos,

pelos maiores indivíduos, de acordo com o processo de runaway descrito acima, com o

passar do tempo, todas as fêmeas terão preferência pelos machos maiores e os machos se

tornarão, em média, maiores que os de gerações anteriores, quando não havia a seleção por

tamanho. É interessante notar que o processo de runaway prossegue mesmo quando a

exacerbação da característica desejável diminui a aptidão dos indivíduos. Este processo

explica a existência de estruturas “incômodas” como as enormes caudas de certos pássaros,

(30)

como as das aves do paraíso, ou a cor exuberante de muitos animais, que tende a torná-los mais facilmente visíveis aos predadores.

Na maioria das espécies, aquilo que chamei acima de “preferência”, que faz com que um indivíduo tenda preferencialmente a deixar descendentes com indivíduos que possuem uma dada característica, está integralmente codificada nos genes do indivíduo.

Assim sendo, um indivíduo mutante que porte uma alteração genética exatamente em um local que codifica parte de sua preferência, deve carregar também uma alteração nesta preferência.

Suponha-se que, em um caso como o esboçado acima, em que uma população inteira adquiriu a preferência pelo acasalamento com os maiores machos e que estes se tornaram especialmente grandes, surja uma fêmea mutante que tenha a preferência pelos menores machos, esta fêmea, provavelmente, se acasala com um macho pequeno, e tende a deixar descendentes de baixa estatura e com preferência pelos menores machos. Com o passar das gerações, o tamanho dos indivíduos na população tende a assumir uma

distribuição bimodal, em que indivíduos pequenos se acasalam com pequenos, e em que os grandes indivíduos se acasalam com outros grandes. Deste modo, ocorre uma cisão no grupo transformando-o em duas populações reprodutivamente isoladas, uma, da outra.

Se em alguma espécie verificamos a suposição de que as fêmeas preferem os maiores machos, isto acarreta, com o passar das gerações, um aumento no tamanho médio dos indivíduos até que a desvantagem para a sobrevivência dos indivíduos causada por um tamanho excessivo equilibre a vantagem sexual que o grande tamanho proporciona.

Assim, o fato de que o processo de runaway se encarrega de exacerbar uma

característica até ao ponto em que ela diminua a aptidão dos indivíduos faz com que os

indivíduos que têm uma preferência antagônica à dominante tenham descendentes mais

(31)

aptos que a média. No caso em questão, as fêmeas que preferem os machos menores tendem a deixar descendentes pequenos, que tendem a ser mais aptos para a sobrevivência que os maiores indivíduos da espécie em questão, em virtude do referido processo de runaway.

A descrição acima evidencia a aquisição de um mecanismo etológico de isolamento reprodutivo, embora, todos os mecanismos listados anteriormente possibilitem o

surgimento de isolamento reprodutivo de maneira análoga à acima descrita, ainda que, nestes outros casos, exista, muitas vezes, uma pressão seletiva contrária ao surgimento do novo grupo reprodutivamente isolado. Veremos posteriormente de que maneiras podem surgir outros mecanismos de isolamento reprodutivo que não pressupõem considerações etológicas.

2.3 CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA A ESPECIAÇÃO

Se espécies são “grupos de populações intercruzantes, reprodutivamente isoladas de

outros grupos”, então, o surgimento de uma nova espécie corresponde ao aparecimento de

uma nova população intercruzante e reprodutivamente isolada de todas as outras espécies,

inclusive de sua espécie ancestral. A afirmação acima é uma tautologia, uma conseqüência

necessária da definição de espécie explicitada. Disto decorre, como corolário, que uma

nova espécie tem que possuir um mecanismo de isolamento reprodutivo diferente do da

(32)

espécie ancestral ( e do de todas as outras espécies ). Caso contrário, os indivíduos da população em questão intercruzariam com os de outras , e não constituiriam uma nova espécie. Deste modo, o problema da especiação se identifica ao da gênese de um novo mecanismo de isolamento reprodutivo.

Convém salientar, que a idéia comum de que novas espécies correspondem a novos tipos morfológicos é incompatível com a definição de espécie assumida acima. Um novo tipo morfológico só constitui uma nova espécie se ele possui um mecanismo reprodutivo distinto do que apresentava o tipo ancestral. Por outro lado, uma nova população

morfologicamente idêntica a seus ancestrais, mas que apresente um novo mecanismo reprodutivo que a isole reprodutivamente de todas as demais populações, constitui uma nova espécie.

No entanto, a maioria dos textos evolutivos identifica a questão da especiação com a da aquisição de um novo pico adaptativo, distinto do pico da espécie ancestral.

Provavelmente , é esta a concepção mais usual de “especiação”. Insisto que esta concepção não é compatível com a definição biológica de espécie e que não esclarece a formação de novos grupos reprodutivamente isolados, que sempre pressupõem um novo mecanismo de reprodução.

De fato, seguindo Grant (1971), podemos nos referir às espécies biológicas quando tratamos dos grupos que satisfazem o B.S.C., às espécies tipológicas se usamos uma definição tipológica de espécie, e às ecológicas quando nos referimos a grupos ecológicamente similares.

Caso uma população atinja um pico adaptativo e uma morfologia distintos dos da

população ancestral sem um mecanismo reprodutivo distinto, ambas as populações

(33)

permanecem intercruzantes e, portanto, pertencem à mesma espécie biológica, ainda que possam ser tratados como distintas espécies tipológicas e ecológicas.

Assim, a condição necessária para o surgimento de uma espécie biológica é o aparecimento de um novo mecanismo de isolamento reprodutivo.

2.4 CONDIÇÃO SUFICIENTE PARA A ESPECIAÇÃO

Dado que uma população adquire um mecanismo reprodutivo distinto do de todas as outras espécies ainda é necessário, para que ocorra a especiação, que este mecanismo seja “antagônico” a todos os outros. Um mecanismo de reprodução antagônico ao da espécie ancestral, é qualquer mecanismo que privilegie a reprodução de indivíduos desprivilegiados pelo mecanismo reprodutivo ancestral.

Para exemplificar um mecanismo antagônico a outro, podemos pensar em uma espécie cujas fêmeas preferem o acasalamento com os machos maiores. Caso surja uma população “da mesma espécie” cujas fêmeas prefiram o acasalamento com os menores machos, haverá uma tendência ao isolamento reprodutivo dos dois grupos. Neste caso, as duas preferências são nitidamente antagônicas, pois, os mais bem sucedidos no

acasalamento com um grupo de fêmeas corresponde ao grupo menos bem sucedido com outras. Esta é a característica que faz com que dois mecanismos reprodutivos sejam antagônicos.

Podemos também pensar em mecanismos reprodutivos antagônicos que não sejam

tão bem caracterizados como na ilustração anterior. Isto é o que ocorre se um grupo de

fêmeas exige uma inversão de etapas no comportamento de corte dos machos, que não é

(34)

aceito pelas outras fêmeas. Neste caso, analogamente à situação esboçada anteriormente, os machos preferidos por um dos grupos de fêmeas são os preteridos pelo outro.

Convém relembrar que, caso o novo mecanismo não seja antagônico ao anterior, o processo de runaway tende a alastrá-lo por toda a espécie.

Deste modo, a cisão em dois grupos reprodutivamente isolados (espécies) só ocorre se o novo mecanismo reprodutivo for antagônico ao anterior.

2.5 MECANISMOS DE ESPECIAÇÃO

Podemos subdividir os mecanismos ou modos de especiação em dois grupos fundamentais: os mecanismos gerais e os mecanismos particulares de especiação.

Os primeiros descrevem o modo geral de especiação de acordo com a concepção de cada autor. Freqüentemente são apresentados como o processo fundamental da gênese de novas espécies. Entre estes, podemos destacar:

a) mecanismos de especiação alopátrica;

b) mecanismos de especiação parapátrica (estasipátrica);

c) mecanismos de especiação simpátrica;

Os mecanismos particulares, em geral, atribuem a especiação a um evento abrupto.

Normalmente, não são propostos como uma explicação da forma geral de especiação, mas, como explicação para o surgimento de espécies determinadas.

Estes mecanismos, apesar da pouca generalidade da maioria deles, costumam estar mais bem fundamentados que os da outra classe. Como exemplos destes modos de

especiação, podemos citar:

(35)

1) poliploidia

2) isolamento estacional (sazonal) 3) isolamento em hospedeiro.

2.6 MECANISMOS DE ESPECIAÇÃO ALOPÁTRICA

Há variantes deste mecanismo básico. No entanto, em linhas gerais, pode ser descrito da seguinte forma: poucos indivíduos de uma dada espécie ( talvez, uma única fêmea prenhe), atingem uma região geograficamente isolada da área de distribuição da espécie. Estes indivíduos colonizam o local e multiplicam-se, e sofrem uma evolução própria, distinta da que ocorre com os indivíduos das populações localizadas na área central de distribuição da espécie.

O acúmulo de diferenças genéticas obtidas pelas populações geograficamente isoladas faz com que, após o reencontro de populações ou indivíduos destes dois grupos distintos, não sejam possíveis intercruzamentos entre os grupos.

Três fatores podem contribuir para acentuar a diferenciação genética postulada neste mecanismo.

1) O novo meio pode gerar pressões seletivas distintas das que a espécie recebe em sua área central de distribuição . Isto pode fazer com que certos genes que seriam deletérios na área original da espécie tenham funções adaptativas na nova região, acarretando a fixação destes genes nas populações da nova colônia.

2) Efeito do fundador. Se um pequeno grupo coloniza a nova área, é muito provável

que os indivíduos do grupo não possuam o mesmo patrimônio gênico que a espécie. Ao

(36)

contrário, provavelmente os indivíduos deste grupo portam muitos genes raros na espécie.

Isto faz com que a população descendente destes poucos indivíduos isolados tenham um espectro gênico distinto do de outras populações.

3) Revolução Gênica. Em conseqüência dos efeitos acima descritos, genes que são deletérios em condições normais da espécie podem mostrar-se adaptativos por coexistirem com os genes raros decorrentes do efeito do fundador e em decorrência de pressões

seletivas distintas na nova área de colonização.

Se tudo isto causa uma revolução gênica, a população rapidamente desloca-se para um novo pico adaptativo.

2.6.1 Primeiras Críticas à Possibilidade de Hegemonia deste Mecanismo.

Em linhas gerais, o mecanismo de especiação alopátrica parece factível. Uma população isolada, com o passar de muitíssimas gerações, pode acumular diferenças genéticas que acabam por torná-la reprodutivamente isolada do grupo de origem, devido aos fatores esboçados anteriormente. No entanto, as descrições destes mecanismos costumam eludir certos fatos que são relevantes para muitos dos processos reais de especiação.

Suponhamos que uma espécie se distribui por uma vasta área continental e que uns

poucos indivíduos conseguem colonizar uma ilha. Vamos considerar que as populações da

ilha sofrem uma revolução gênica que acarreta, entre outras coisas, uma alteração no seu

número de cromossomos. Pelas razões expostas na seção (2.n) a seguir, as populações com

(37)

números diferentes de cromossomos devem pertencer a espécies distintas.Deste modo, a descrição acima parece corresponder à de um fenômeno de especiação alopátrica.

Esta situação hipotética parece ilustrar bem o fenômeno. No entanto, se a analisamos em maiores detalhes vemos que, neste caso, o que ocorreu, de fato, foi a especiação simpátrica na ilha. Isto porque, se a população original tem um certo número de cromossomos, deve ter surgido um indivíduo anômalo com um número diferente de cromossomos e este indivíduo conseguiu obter sucesso na reprodução, gerando um grupo de indivíduos anômalos que acabaram colonizando toda a ilha e extinguindo localmente o tipo de indivíduo com número não alterado de cromossomos. Mas, notemos que tem que haver um momento em que os distintos grupos coexistem na ilha. Assim, fica claro que, neste caso, ocorreu especiação simpátrica na ilha, e, posteriormente, eliminação local da espécie ancestral.

Neste caso, que voltará a ser tratado posteriormente, podemos ter certeza de que ocorreu especiação simpátrica, porque uma única alteração é responsável pelo isolamento entre as espécies. Quando tratamos de fenômenos de especiação decorrentes de outros mecanismos de isolamento reprodutivo, podemos não ter evidências tão fortes de que as populações se isolaram reprodutivamente em simpatria, ainda assim, a mesma objeção sempre vale: as descrições de especiação alopátrica sempre omitem a maneira como surgem os mecanismos de isolamento reprodutivo, que, caso fosse desvendada, indicaria a especiação simpátrica em uma das regiões disjuntas.

Deste modo, se uma espécie possui uma distinção da espécie ancestral, que não

possa ser adquirida gradualmente, como por exemplo, diferente número de cromossomos,

podemos ter certeza de que o processo de especiação não sucedeu ao modo descrito pelo

mecanismo de especiação alopátrico.

(38)

2.7 Especiação Peripátrica ou Estasipátrica

De acordo com Dobzhansky (1937b), a especiação costuma ocorrer da seguinte forma:

Uma espécie se divide em dois ou mais conjuntos geograficamente isolados, o que impede o fluxo gênico entre os dois grupos. Ao longo das gerações, os dois grupos seguem processos independentes de evolução. Todas as circunstâncias aventadas pelo mecanismo de especiação alopátrica discutidas anteriormente são permitidas para justificar as

diferenças adquiridas pela evolução independente dos dois conjuntos. No entanto, o mecanismo de especiação peripátrica exige o reencontro das populações previamente isoladas antes que o processo de especiação esteja terminado. (Em caso contrário, a especiação peripátrica seria idêntica à alopátrica).

No momento do reencontro entre as populações previamente isoladas, ocorrem

hibridizações, mas os híbridos apresentam algum grau de debilidade em virtude da

evolução independente sofrida por seus ancestrais. Isto faz com que os indivíduos que

hibridizam estejam fazendo um mal investimento. Por esta razão, os indivíduos de ambos

os grupos que possuem alguma característica que faz com que eles tendam a se acasalar

com indivíduos do próprio grupo têm uma vantagem seletiva sobre os outros, e, tendem a

deixar mais descendentes que os indivíduos que não evitam a hibridização. Isto acarreta o

aumento da freqüência de indivíduos que evitam a hibridização, e, a longo prazo, acaba por

tornar os dois grupos, em definitivo, reprodutivamente isolados.

(39)

2.7.1 Comentários

Este engenhoso mecanismo de especiação propicia, de passagem, uma explicação para os elaborados rituais de corte presentes em muitas espécies. No entanto, em última análise, este processo explica o surgimento de mecanismos pré-zigóticos de isolamento reprodutivo, em decorrência do aparecimento prévio de um mecanismo pós- zigótico de isolamento reprodutivo.

Há objeções factuais a este mecanismo. Certas populações parecem manter o mesmo grau de isolamento reprodutivo há muito tempo, sem que qualquer mecanismo de reforço possa ser medido. Além disto, certas populações geograficamente isoladas

apresentam isolamento etológico sem que tenha havido contato prévio entre ambos.

Uma objeção mais forte que as anteriores é que as condições que propiciariam a especiação a partir de um mecanismo de reforço são extremamente instáveis. Isto, em virtude da consideração que, caso duas populações se encontrem nas condições

estabelecidas pelo mecanismo de especiação peripátrica, a população menos numerosa deve sofrer uma forte tendência à extinção. Isto só não ocorre se a população menos numerosa é muito mais apta para a sobrevivência que a outra, mas, neste caso, uma pequena flutuação populacional que acarretasse um ligeiro aumento demográfico do grupo mais apto levaria a outra espécie à extinção. De qualquer modo, as condições exigidas para a obtenção gradual de um mecanismo de reforço são extremamente instáveis e, acarretam mais facilmente a extinção de um dos grupos envolvidos, que o desdobramento dos grupos em duas espécies.

Apesar destas objeções, este mecanismo de especiação tem muitas virtudes, entre

elas, a de tentar explicar, efetivamente, um processo de alteração dos mecanismos de

(40)

isolamento reprodutivo, o que , a meu ver, é necessário para que se considere satisfatória qualquer explicação da formação de novas espécies.

2.8 Especiação Direta

Se aceitamos a definição biológica de espécie, segundo a qual “Espécies são grupos de populações naturais real ou potencialmente intercruzantes que estão isoladas

reprodutivamente de outros grupos”, temos como conseqüência que a especiação corresponde ao surgimento de um novo conjunto de populações intercruzantes e reprodutivamente isoladas de outros grupos. Mas, para que o novo grupo esteja

reprodutivamente isolado de seus ancestrais, é necessário que este novo grupo possua um novo mecanismo de isolamento reprodutivo diferente do deles, caso contrário, ambos os grupos intercruzam e constituem uma única espécie. Deste modo, explicar o surgimento de uma nova espécie biológica eqüivale a desvendar a forma com que um novo grupo adquire um novo mecanismo de isolamento reprodutivo, distinto do da espécie ancestral e dos de todas as outras espécies.

Em princípio, a aquisição de um novo mecanismo de isolamento reprodutivo pode

ocorrer gradualmente, em decorrência do acúmulo de pequenas alterações no mecanismo

original ou, diretamente, em conseqüência de uma alteração brusca que faz com que os

indivíduos pertencentes ao novo grupo tendam fortemente a se reproduzir com parceiros do

próprio grupo, mas, não se reproduzam com indivíduos da espécie ancestral.

(41)

Os vários mecanismos de especiação geográfica que já foram propostos pressupõem que uma população geograficamente isolada gradualmente adquire um novo mecanismo de isolamento reprodutivo e que, deste modo, se torna uma nova espécie.

O mecanismo de especiação direta descreve o fenômeno da especiação através de uma única alteração fundamental no mecanismo de isolamento reprodutivo que ocorre em apenas um, ou, em poucos indivíduos da espécie.

Em linhas gerais, a especiação direta pode ser descrita em poucos passos: 1) surgimento de um indivíduo anômalo que possui alguma alteração em seu mecanismo de isolamento reprodutivo; 2) reprodução do indivíduo anômalo; 3) alguns descendentes do indivíduo anômalo herdam sua alteração no mecanismo de isolamento reprodutivo; 4) descendentes anômalos do indivíduo alterado intercruzam entre si gerando indivíduos portadores da mesma anomalia que os impede de procriar com os indivíduos da espécie ancestral.

À primeira vista, algumas das etapas acima podem parecer muito improváveis, no entanto, todas correspondem a situações corriqueiras. O surgimento de um indivíduo portador de uma anomalia em seu mecanismo de isolamento reprodutivo pode ser uma conseqüência de uma alteração genética. Neste caso, a etapa 3) está praticamente garantida;

caso este indivíduo se reproduza, vários de seus descendentes devem herdar sua anomalia.

A etapa 2) acima pode gerar a seguinte objeção: se um indivíduo porta uma anomalia que acarreta uma alteração em seu mecanismo reprodutivo ele não consegue se reproduzir, o que impede a ocorrência das etapas 2), 3) e 4) acima. Esta objeção não pode ser sustentada.

Várias situações possibilitam a reprodução de indivíduos portadores de anomalias

reprodutivas. Tomemos, primeiramente, um indivíduo portador de uma anomalia

comportamental. Se a espécie em questão possui um ritual de corte elaborado, tanto os

(42)

machos quanto as fêmeas possuem informações em seus códigos genéticos que fazem com que os indivíduos executem rituais de corte determinados e tenham também uma

expectativa do comportamento de corte do parceiro geneticamente determinada. Caso uma fêmea tenha uma alteração genética que faça com que ela tenha uma expectativa de

acasalamento alterada, quero dizer, caso a alteração genética faça com que a escolha da fêmea recaia sobre um macho que não executa o ritual de corte sob a forma padrão, ela, provavelmente, não encontra um macho que se adeque às suas exigências para o ritual de corte. Isto deve fazer com que ela relaxe suas exigências e aceite o acasalamento com um macho que não a satisfaz plenamente. Há uma forte probabilidade de que o macho

escolhido por uma fêmea anômala não efetue exatamente o ritual de corte esperado pelas fêmeas comuns da espécie, e que, por esta razão, ele não consiga se acasalar com as fêmeas comuns que preferem os machos que executam o ritual de corte na maneira ortodoxa. Deste modo, se a anomalia postulada na etapa 1) constitui uma alteração comportamental do ritual de corte, a reprodução do indivíduo anômalo é possibilitada pelo abrandamento de suas exigências após sucessivos encontros com indivíduos que não satisfazem plenamente aos seus padrões. Mas, ocorrendo o acasalamento do indivíduo anômalo, muitos dos seus descendentes devem herdar sua anomalia reprodutiva, o que tende a acarretar o

acasalamento destes indivíduos com outros indivíduos anômalos gerando uma linhagem de indivíduos portadores de uma anomalia reprodutiva que impede que eles se acasalem com os indivíduos comuns da espécie. Isto faz com que os descendentes do indivíduo anômalo original constituam um grupo intercruzante e reprodutivamente isolado da espécie

ancestral, ou seja, uma nova espécie biológica.

Portanto, o mecanismo acima descrito, que se baseia no comportamento dos

indivíduos, permite a ocorrência das quatro etapas que compõem a especiação direta e

(43)

mostra que uma única alteração no mecanismo de isolamento reprodutivo não

necessariamente impede a reprodução do indivíduo anômalo, em virtude do relaxamento da exigência de um padrão definido para a escolha do parceiro para o acasalamento. Além disto, a ilustração acima mostra que uma única alteração genética pode acarretar a

formação de um grupo reprodutivamente isolado da espécie ancestral. Mas a formação de um grupo reprodutivamente isolado da espécie ancestral em decorrência de uma única alteração no mecanismo de isolamento reprodutivo não depende exclusivamente de alterações no comportamento. O principal impedimento à especiação decorrente de alterações abruptas no mecanismo de isolamento reprodutivo consiste na dificuldade de reprodução do primeiro indivíduo anômalo. Como as modificações genéticas específicas são muito raras, é extremamente improvável a coexistência de dois indivíduos com alterações genéticas compatíveis que os isolem reprodutivamente dos outros indivíduos.

Esta dificuldade pode ser superada do seguinte modo: certas anomalias genéticas não causam nenhuma alteração no indivíduo quando se encontram na forma heterozigota, mas, se expressam quando o indivíduo possui a anomalia na forma homozigota. Se ocorre o surgimento de uma anomalia recessiva que se expressa no mecanismo de isolamento reprodutivo, o primeiro indivíduo portador da anomalia reproduz-se normalmente. É possível, portanto, que o novo gene recessivo se espalhe por uma certa população. Neste momento, é provável que indivíduos portadores dos genes recessivos se reproduzam entre si gerando indivíduos portadores da anomalia reprodutiva sob a forma homozigota. Neste caso, ocorre a expressão do gene recessivo e isto pode acarretar uma barreira reprodutiva entre estes indivíduos e os indivíduos comuns. Por outro lado, isto possibilita o surgimento simultâneo de vários indivíduos cujo mecanismo de isolamento reprodutivo não

corresponde ao da espécie ancestral, mas que, ainda assim, conseguem encontrar parceiros

(44)

para a reprodução. Neste caso, para que a especiação se complete, é necessário ainda que o gene recessivo se extinga na espécie ancestral, impedindo o fluxo gênico unilateral

existente até então entre as duas espécies. Esta extinção é esperada em decorrência da deriva genética.

Há ainda uma terceira maneira de se escapar da objeção levantada anteriormente de que o primeiro indivíduo alterado não consegue se reproduzir. Se um indivíduo sofre uma alteração que dificulta bastante, mas não impede, sua reprodução com os indivíduos comuns da espécie, o indivíduo alterado pode, ainda assim, gerar descendentes. Caso a reprodução de indivíduos anômalos entre si não seja problemática, é possível que o novo tipo constitua populações em que ele seja predominante. Este é o caso do fenômeno conhecido como especiação cromossômica. Um indivíduo portador de uma alteração em seu cariótipo, digamos, uma fusão cromossômica, consegue deixar descendentes apesar da improbabilidade de que suas divisões meióticas sucedam com êxito. Seus descendentes podem vir a gerar uma população constituída exclusivamente por indivíduos portadores do cromossomo anômalo na forma homozigota. Neste caso, é necessário ainda que ocorra algum reforço no isolamento reprodutivo entre a nova e as antigas populações para que a especiação se conclua. É preciso salientar que a especiação cromossômica sempre

pressupõe um passo crucial que consiste no surgimento do primeiro indivíduo anômalo, e não pode, portanto, ser descrita por como um processo gradual. De fato, muitos pares de espécies intimamente aparentadas possuem uma diferença fundamental que, por si, garante o isolamento reprodutivo entre ambas, como a diferença entre o número de cromossomos.

Nestes casos, os mecanismos de especiação gradual não pode explicar o fenômeno que,

sem dúvida, deve ser entendido como uma forma de especiação direta.

(45)

Convém salientar que este mecanismo de especiação não exige qualquer alteração morfológica prévia à especiação. No entanto, uma espécie incipiente, formada da maneira descrita acima, compete ecologicamente, em todos os níveis, com a espécie ancestral. Por esta razão, há um prêmio seletivo para os indivíduos da espécie incipiente que encontram nichos distintos aos da espécie ancestral. Isto faz com que a nova espécie, distancie-se ecologicamente da espécie ancestral adquirindo a condição de espécie ecológica. Uma vez encontrado um novo nicho ecológico, os indivíduos da espécie incipiente sofrem fortes pressões seletivas no sentido de adaptarem-se morfologicamente às novas condições ecológicas. Deste modo, as alterações ecológicas acarretam forte evolução filética logo após a especiação biológica, o que acarreta a especiação tipológica. Portanto, de acordo com este mecanismo de especiação, ao contrário dos outros, a evolução filética é uma conseqüência da especiação e não a sua causa.

Gostaria de enfatizar que os mecanismos de especiação direta e são simpátricos e não-graduais.

2.8.1 Comparação Entre os Modelos

O mecanismo acima descrito pode, à primeira vista, parecer demasiadamente complexo para ser viável. No entanto, um olhar mais atento sobre os modelos anteriores mostra que ambos exigem a ocorrência de situações mais complexas que a aqui proposta.

Em geral, as apresentações dos mecanismos de especiação geográfica não explicitam o fato de que a especiação pressupõe uma alteração no mecanismo de isolamento reprodutivo.

Assim, no modelo de Mayr, a população isolada deve possuir inicialmente um sistema de

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