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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL SIEGBERT ALBER apresentadas em 20 de Setembro de

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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL SIEGBERT ALBER

apresentadas em 20 de Setembro de 2001 1

I — Introdução

1. Na presente acção por incumprimento, a Comissão acusa a República Italiana de não ter transposto integralmente a Direc- tiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (a seguir «Directiva 93/13») 2. Na sequên- cia da desistência parcial da Comissão, das quatro acusações iniciais apenas resta uma.

Esta diz respeito à transposição do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13. A questão que se coloca é a de saber até que ponto o direito italiano prevê a possibili- dade de acção colectiva não só contra a aplicação, mas também contra a recomen- dação de utilização de cláusulas abusivas.

I I — Enquadramento jurídico

1) Directiva 93/13

2. O artigo 7.° da Directiva 93/13 dispõe:

«1. Os Estados-Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

2. Os meios a que se refere o n.° 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contra- tuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caracter

1 — Língua original: alemão.

2 — JO L 95, p. 29.

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abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.

3. Respeitando a legislação nacional, os recursos previstos no n.° 2 podem ser interpostos, individualmente ou em con- junto, contra vários profissionais do mesmo sector económico ou respectivas associações que utilizem ou recomendem a utilização das mesmas cláusulas contratuais gerais ou de cláusulas semelhantes.»

3. Nos termos do seu artigo 10.°, a direc- tiva deveria estar transposta o mais tardar em 31 de Dezembro de 1994.

2) A regulamentação italiana

4. A Directiva 93/13 foi transposta para direito italiano pela Legge n.° 52, de c de Fevereiro de 1996 (a seguir «Lei n.° 52/96») 3. Esta lei introduziu no código civil italiano (a seguir «código civil») os artigos 1469.° bis a 1469.° sexies. O artigo 7.° da Directiva 93/13 foi transposto

pelo artigo 1469° sexies do código civil 4.

Nos termos desta disposição, as associações representativas dos consumidores e dos profissionais, as câmaras de comércio, de indústria, de artesanato e de agricultura podem demandar em juízo os profissionais e as associações de profissionais que utili- zem condições contratuais gerais e requerer ao juiz competente que proíba a utilização de cláusulas abusivas.

5. No âmbito da presente instância, a República Italiana refere, além disso, que o artigo 7.° também foi transposto pelo artigo 3.° da Legge n.° 281, de 30 de J a n e i r o de 1 9 9 8 (a s e g u i r «Lei n.° 281/98») 5. Esta disposição estabelece que as associações de consumidores e de utentes inscritas na lista referida no artigo 5.° têm legitimidade processual em sede de defesa dos interesses colectivos.

Podem, em especial, requerer a proibição pelo tribunal de actos e comportamentos que lesem os interesses dos consumidores

6

.

6. O artigo 5.° da Lei n.° 281/98 fixa as condições que as associações de consumi- dores devem preencher para poder estar inscritas na lista prevista no seu artigo 3.°

3 — «Disposizioni per l'adempimento di obblighi derivanti dall'appartenenza dell'Italia alle Comunità europee — legge comunitaria 1994», Gazzetta Ufficiale della Repub- blica italiana (a seguir «GURI») n.° 34, de 10 de Fevereiro de 1996, supplemento ordinario n.° 24.

4 — Artigo 1469.° sexies: «Le associazioni rappresentative dei consumatori e dei professionisti e le camere di commercio, industria, artigianato e agricoltura, possono convenire in judizio il professionista ou associazioni di professionisti che utilizzano condizioni generali e richiedere al giudice com- petente che inibisca l'uso delle condizioni di ciu sia accertata l'abusività ai sensi del presente capo.»

5 — «Disciplina dei diritti dei consumatori e degli utenti», GURI n.° 189, de 14 de Agosto de 1998.

6 — Artigo 3.°: «Le associazioni dei consumatori e degli utenti inserite nell'elenco di cui all'articolo 5 sono legitimate ad agire a tutela degli interessi collettivi, richiedendo al giudice competente:

a) di inibire gli atti e i comportamenti lesivi degli interessi dei consumatori e degli utenti; [...]»

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Esta lista é elaborada pelo Ministro da Indústria, do Comércio e do Artesanato.

I I I — Tramitação processual e pedidos das partes

7. No respeito de uma fase pré-contenciosa regular, a Comissão dirigiu à República Italiana, em 18 de Dezembro de 1998, um parecer fundamentado. Como considerou insuficiente a resposta do Governo italiano . de 15 de Março de 1999, a Comissão

propôs, em 6 de Outubro de 1999, uma acção contra a República Italiana. Três das acusações iniciais foram retiradas por arti- culado de 19 de Maio de 2000. A Comissão conclui, agora, pedindo que o Tribunal se digne:

1) declarar que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incum- bem por força da Directiva 93/13/CEE, ao não adoptar tempestivamente as medidas necessárias para transpor inte- gralmente o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13;

2) condenar a República Italiana nas despesas da instância.

8. A República Italiana conclui pedindo que o Tribunal se digne:

1) julgar a acção improcedente;

2) condenar a República Italiana nas despesas da instância.

IV — Fundamentos e argumentos das par- tes

1) A Comissão

9. A Comissão censura a transposição incompleta do artigo 7.°, n.° 3, da Direc- tiva 93/13. O n.° 1 deste artigo tem por - objectivo pôr termo à utilização de cláusu- las abusivas. Assim, foi prevista uma pro- tecção jurídica preventiva, que possibilita que se actue desde logo contra a simples recomendação de utilização de uma cláu- sula abusiva. O controlo preventivo é particularmente útil para o consumidor, porque através dele pode ser impedida de uma vez por todas a utilização de cláusulas abusivas. Em apoio da sua tese, a Comissão refere a fórmula contida no n.° 2 do artigo,

«cláusulas contratuais, redigidas com vista

a uma utilização generalizada». Daí resulta

que não é necessário que a cláusula per-

tinente tenha já sido utilizada. A Comissão

refere ainda o n.° 3 do artigo, o qual prevê

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expressamente recursos que podem ser interpostos contra a recomendação de uti- lização de cláusulas abusivas. Além disso, o caracter preventivo do artigo 7.° resulta da sua relação sistemática com o artigo 6.° da directiva. Esta norma regulamenta as con- sequências jurídicas da utilização de uma cláusula abusiva, ou seja, a sua inaplicabi- lidade. Nessa medida, só existem meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas se forem previstas, em particular, medidas preventi- vas dirigidas desde logo à simples recomen- dação de tais cláusulas. Finalmente, a Comissão refere-se ainda aos trabalhos preparatórios da Directiva 93/13 e cita a exposição de motivos do seu projecto alterado, nos termos da qual apenas seriam admitidos mecanismos puramente preven- tivos. O Conselho aprovou aquela exposi- ção de motivos, ao adoptar quanto a este ponto a proposta da Comissão sem altera- ções.

10. Na opinião da Comissão, este controlo preventivo não está assegurado no direito italiano. Nos termos do artigo 1469.°

sexies do código civil, pode-se agir contra a utilização de cláusulas abusivas, mas não contra a recomendação das mesmas. O mesmo vale para o artigo 3.° da Lei n.° 281/98, que, do mesmo modo, só permite agir contra a utilização de cláusu- las abusivas.

11. À objecção de que devido ao seu carácter não vinculativo uma recomenda- ção não pode lesar os direitos de ninguém e

por conseguinte não pode fundamentar um direito de acção, a Comissão responde que, na prática, as recomendações são seguidas e que, por conseguinte, o legislador comuni- tário criou conscientemente este meca- nismo preventivo. Em especial, é jurispru- dência constante que um Estado-Membro não pode invocar exigências da sua ordem jurídica interna para se subtrair à obrigação de transposição das directivas.

12. A Comissão considera de todo inapli- cável o artigo 3.° da Lei n.° 281/98, por razões de sistemática jurídica. Trata-se de uma regra geral, que por força do princípio lex specialis derogat legi generali, é afas- tada pela norma especial do artigo 1469.°

sexies do código civil.

13. No caso de se poder deduzir do

artigo 3.° uma protecção jurídica preven-

tiva, a Comissão invoca a violação do

princípio da segurança jurídica e das exi-

gências de clareza. Um direito de acção

contra as recomendações fundado no

artigo 3.° está em flagrante contradição

com a norma do artigo 1469.° sexies do

código civil, que o não prevê, e com o

artigo 100.° do código de processo civil que

relaciona a admissibilidade da acção com a

existência da legitimidade processual, que,

segundo alega a República Italiana, não se

encontra nas acções contra recomendações

precisamente por falta de obrigatoriedade

destas.

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14. O artigo 3.° da Lei n.° 291/98 levaria, em particular, a uma limitação inadmissível do número de pessoas com legitimidade processual. A República Italiana utilizou a competência atribuída pelo artigo 7.°, n.° 3, para definir as pessoas com legitimidade processual, ao adoptar o artigo 1469.°

sexies do código civil. O círculo de pessoas com legitimidade processual definido por esta norma é mais amplo que aquele estabelecido no artigo 3.° da Lei n.° 281/98. A determinação de um grupo diferente de pessoas com legitimidade pro- cessual consoante a acção seja contra a utilização de uma cláusula — neste caso, o g r u p o m a i s a m p l o c o n s t a n t e do artigo 1469.° sexies do código civil — ou contra a recomendação da utilização de uma cláusula — neste caso, o grupo mais reduzido fixado no artigo 3.° da Lei n.° 281/98 — contraria o sentido do artigo 7.° da Directiva 93/13.

2) República Italiana

15. O Governo italiano nega o incumpri- mento. Em seu entender, os direitos consa- grados no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13 foram plenamente transpostos para o direito italiano.

16. Em primeiro lugar, verifica-se que o artigo 7.°, n.° 1, da Directiva 93/13 exige que o direito nacional preveja meios ade- quados e eficazes que ponham termo à utilização de cláusulas abusivas. Na opi- nião do Governo italiano, tal implica que

as cláusulas sejam efectivamente utilizadas em contratos. A utilização efectiva, e não apenas potencial, das cláusulas é uma condição importante para a possibilidade de propor uma acção.

17. Em princípio, não pode haver uma acção contra uma recomendação. Uma recomendação não é vinculativa e não pode, consequentemente, lesar os direitos de ninguém. Ninguém pode ter, nesta medida, interesse em agir contra uma recomendação, interesse que, nos termos do artigo 100.° do código de processo civil, é, em princípio, necessário para a admissi- bilidade de uma acção.

18. No entanto, desde que se prove que actos «a montante» da utilização de uma cláusula lesam os interesses dos consumi- dores, o juiz pode proibir tais actos, com fundamento no artigo 3.° da Lei n.° 281/98.

Aqui podem caber as recomendações. A protecção jurídica oferecida pelo artigo 3.°

da Lei n.° 281/98 dirige-se contra os responsáveis pelos comportamentos lesivos dos interesses dos consumidores. Também pode ser responsável aquele que recomenda a utilização de uma cláusula abusiva.

19. No que respeita à determinação das

pessoas com legitimidade processual, o

Governo italiano remete para o artigo 7.°,

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n.° 2, da Directiva 93/13. Esta disposição atribui aos Estados-Membros a competên- cia para definir as pessoas com legitimidade processual. O facto de a República Italiana as ter definido no artigo 1469.° sexies do código civil e no artigo 3.° da Lei n.° 281/98 corresponde unicamente ao exercício da competência atribuída pelo artigo 7.° da directiva, não podendo contrariar os objec- tivos dessa disposição.

20. Uma aplicação paralela das duas dis- posições não está excluída pelo princípio da lex specialis. Trata-se de normas adjectivas e não de normas substantivas.

V — Apreciação jurídica

1) Determinação do alcance da obrigação de transposição decorrente do artigo 7°, n.° 3, da Directiva 93/13

21. Em primeiro lugar, há que determinar o alcance da obrigação de transposição que a República Italiana deve respeitar por força do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13. As partes discutem, designadamente, até onde vai a finalidade de protecção preventiva do artigo 7°, n.° 3, da Directiva 93/13. Com base na fórmula do artigo 7.°, n.° 1, da directiva, nos termos do qual se deve pôr termo à «aplicação» de cláusulas abusivas, a República Italiana exige que as cláusulas

abusivas contra as quais se procede judi- cialmente sejam efectivamente utilizadas e que não sejam apenas potencialmente uti- lizáveis. Só então os interesses dos consu- midores são lesados e há direito de acção.

Isto está de acordo com o artigo 100.° do código de processo civil que faz depender a admissibilidade da acção da existência de legitimidade processual, que em princípio só existe na presença da lesão dos interesses dos consumidores pela efectiva utilização de uma cláusula abusiva.

22. A Comissão sustenta, pelo contrário, com base na letra do artigo 7.°, na sua relação sistemática com o artigo 6.° e nos trabalhos preparatórios da Directiva 93/13, que a mesma tem carácter preventivo. Este não seria devidamente considerado se não existisse qualquer via de recurso contra a simples recomendação de utilização de cláusulas abusivas, ainda que estas não cheguem a ser efectivamente utilizadas.

Uma acção contra uma recomendação é um meio de protecção dos consumidores muito eficaz, dado que já neste estádio precoce o carácter abusivo de uma deter- minada cláusula fica estabelecido de uma vez por todas e, como tal, excluída de antemão a sua utilização em inúmeros casos.

23. A determinação do âmbito da aplica-

ção e da protecção oferecida pelo artigo 7.°,

n.° 3, da Directiva 93/13 tem de se basear

na letra deste. O artigo distingue entre, por

um lado, a utilização, e, por outro, a

recomendação da utilização de cláusulas

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abusivas. Daqui se conclui que a disposição pretende regular duas situações distintas. A tese defendida pela República Italiana não dá a devida consideração a este aspecto. Se só a utilização efectiva fosse relevante, porque só assim seriam lesados os interes- ses dos consumidores, esbater-se-ia a dis- tinção entre as duas categorias. Se tivesse sido esse o propósito do legislador comu- nitário, podia ter precisado que deve haver uma via de recurso quando seja utilizada ou haja ameaça de utilização de cláusulas abusivas. Todavia, tal não corresponde à letra da Directiva 93/13

7

.

24. A referência aos requisitos do código de processo civil italiano deixa claro que o artigo 7.°, n.° 3, da directiva exige a introdução, no direito interno dos Estados- -Membros, de uma protecção jurídica atí- pica. Trata-se de prever uma acção colec- tiva de caracter preventivo. Tanto a pro- tecção jurídica preventiva como a protec- ção jurídica sob a forma de acção colectiva se caracterizam por não exigirem a lesão dos direitos próprios dos demandantes.

Não correspondem às acções clássicas, cuja admissibilidade pressupõe, em regra, a ofensa dos interesses jurídicos próprios dos demandantes. Nessa medida, são for-

mas de protecção jurídicas atípicas e a sua recepção nas ordens jurídicas dos Estados- -Membros — que exigem, em princípio, como a ordem jurídica italiana, que o demandante possa invocar um interesse em agir — é muito difícil. Este aspecto deve ser levado em conta na determinação dos requisitos a observar pelos actos nacio- nais de transposição, sem se restringir o âmbito dos direitos consagrados no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13.

25. A objecção formulada pelo Governo italiano com base no artigo 100.° do código de processo civil não é convincente.

Segundo jurisprudência constante, um Estado-Membro não pode invocar a sua ordem jurídica para justificar a não obser- vância de obrigações de direito comunitá- rio

8

. Mesmo se o artigo 100.° do código de processo civil exige, em princípio, a exis- tência de um interesse em agir para a admissibilidade de uma acção, tal não dispensa o legislador italiano do seu dever de, no contexto da transposição da Direc- tiva 93/13, prever a possibilidade de pro- tecção jurídica contra a recomendação da utilização de cláusulas contratuais abusi- vas, mesmo que, nestes casos, não devam ser preenchidos os requisitos do artigo 100.°

do código de processo civil.

26. A referência do Governo italiano ao n.° 1 do artigo 7.° afigura-se tão-pouco

7 — Espanhol: «[...] utilicen o recomienden que se utilicen [...]»

Dinamarquês: «[...] anvender eller opfordrer til anvendelse Alemão: «[...] verwenden oder deren Verwendung empfeh- len [...]»

Inglês: «[...] use or recommend the use [...]»

Francês: «[...] utilisent ou recommander l'utilisation [...]»

Grego: «[...] που χρησιμοποιουν η συνιοτουν τη χρησιμοποίηοη των αυτων [...]»

Italiano: «[...] utilizzano o raccomandano l'inserzione [...]»

Neerlandês: «[...] gebruik maken dan wel het gebruik aanbevelen [...]»

Português: «[...] utilizem ou recomendem a utilização [...]»

Finlandês: «[...] käyttävät... samanlaisia ehtoja tai suositta- vat niiden käyttöä.»

Sueco: «[...] använder eller rekommendarar användandet

8 — Acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/Itália (C-423/99, Colect., p. I-11167, n.° 10), e a jurisprudência aí citada.

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conclusiva como a referência da Comissão ao n.° 2 daquela disposição. De facto, o n.° 1 fala da «utilização», ao passo que o n.° 2 fala de cláusulas contratuais «redigi- das com vista a uma utilização generali- zada». A sistemática interna do artigo 7.°

da directiva afigura-se, por isso, de escasso relevo para a questão aqui em apreço.

27. A comparação com o artigo 6.° da directiva, efectuada pela Comissão, tam- bém oferece poucos préstimos. Esta dispo- sição regulamenta as consequências legais da utilização de uma cláusula abusiva, designadamente a sua inoponibilidade. Esta norma substantiva não permite tirar quais- quer conclusões quanto à questão de direito adjectivo de saber se as acções contra recomendações são ou não admissíveis.

28. Deve-se, todavia, referir o penúltimo considerando da directiva. Tem o seguinte teor: «Considerando que as pessoas ou organizações que, segundo a legislação de um Estado-Membro, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, devem dispor da possibilidade de recorrer, quer a uma autoridade judicial quer a um órgão administrativo competentes para decidir em matéria de queixas ou para intentar acções judiciais adequadas contra cláusulas contratuais, em particular cláusulas abusi- vas, redigidas com vista a uma utilização generalizada, em contratos celebrados pelos consumidores; que essa faculdade não implica, contudo, um controlo prévio

das condições gerais utilizadas nos diversos sectores económicos». Na verdade, este considerando, que se refere à norma consa- grada no artigo 7.

a

, opõe-se, no último período, ao controlo das recomendações que não levem à utilização, pois está expressamente excluído um «controlo pré- vio».

29. Porém, esta exclusão só se refere às

«condições gerais» utilizadas nos diversos sectores económicos. Este conceito não é explicitado no texto da directiva, nem nos seus considerandos ou noutras disposições.

Nesta medida, o seu significado não pode ser esclarecido com uma certeza absoluta.

Parece certo, contudo, que não se refere a cláusulas contratuais detalhadas, pois desse modo teria sido óbvio utilizar esta última expressão, que aparece também noutros pontos do preâmbulo — v. por exemplo os segundo, oitavo e décimo segundo consi- derandos — e no dispositivo da direc- tiva — v. o artigo 1.°, n.° 2, e o artigo 2.°, alínea a) — no penúltimo con- siderando. Além disso, um «controlo pré- vio» não equivale necessariamente à admis- sibilidade de uma acção preventiva contra a utilização de cláusulas determinadas. Um controlo prévio poderia também assumir a forma de um sistema de autorização prévia.

Portanto, deve-se partir do princípio que o

penúltimo considerando da directiva não

impede a interpretação de que o artigo 7.°,

n.° 3, da directiva exige a instituição de

uma via de recurso preventiva. Esta con-

clusão corresponde ao obiter dictum do

acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de

(9)

Junho de 2000, Oceano Grupo Editorial e Salvat Editores

9

. E irrelevante que as cláusulas abusivas tenham ou não sido utilizadas.

2) Relação do artigo 1469° sexies do código civil com o artigo 3.° da Lei n.° 281/98

30. Tendo ficado assim demonstrado que a República Italiana está obrigada, por força do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13, a instituir uma via de recurso contra a recomendação da utilização de cláusulas abusivas, há, então, que verificar se esta obrigação foi cumprida. A letra do artigo 1469.° sexies do código civil apenas oferece uma via de recurso contra a utili- zação de cláusulas contratuais. A jurispru- dência italiana

10

e também a doutrina italiana dominante

11

interpretam, porém,

o conceito de «utilização» de modo tão amplo que o mesmo abrange a recomenda- ção de cláusulas abusivas. Resta verificar se esta interpretação da disposição pela juris- prudência e pela doutrina italianas respeita o princípio da segurança jurídica e as exigências de clareza.

31. Todavia, o Governo italiano não subs- creve esta interpretação. Segundo alega, uma protecção jurídica preventiva pode apoiar-se sobretudo no artigo 3.° da Lei n.° 281/98. Para determinar em que medida o artigo 3.° da Lei n.° 281/98 possibilita uma via de recurso contra a recomendação da utilização de cláusulas abusivas, levanta-se antes de mais a questão de saber se esta disposição pode ser aplicada para- lelamente ao artigo 1469.° sexies do código civil. A Comissão contesta-o com base no carácter geral da Lei n.° 281/98. Por força da regra da lex specialis, o artigo 1469.°

sexies do código civil prevalece enquanto norma especial.

32. Como já ficou demonstrado, a letra do artigo 1469.° sexies do código civil não admite qualquer recurso contra a recomen- dação da utilização de uma cláusula abu- siva. Em contrapartida, a letra do artigo 3.°

da Lei n.° 291/98, que fala de medidas e comportamentos, garante também uma via de recurso contra a recomendação da utilização de uma cláusula abusiva. Nesta medida, tal disposição tem um âmbito de aplicação mais amplo que o artigo 1469.°

sexies do código civil.

9 — C-240/98 a 244/98, Colect., I-4941, n.° 27. Neste processo tratava-se da questão de saber se uma cláusula abusiva de eleição de jurisdição podia ser examinada ex officio.

10 — Decisões do Tribunale di Torino de 4 de Outubro de 1996, Giurisprudenza italiana 1996, p. 788, em especial p. 795;

decisões do Tribunale di Torino de 7 de Junho de 1999 e de 16 de Abril de 1999, Foro italiano 2000, pp. 297 e segs.;

decisões do Tribunale di Roma de 8 de Maio de 1998 e de 18 de Junho de 1998, Foro italiano 1998,1, coluna 33J6, e decisão do Tribunale di Roma de 21 de Janeiro de 2000, Il Corriere Giuridico, p. 496.

11 — Carbone, P., «Clausole abusive», Danno e responsabilità 8-9/1999, p. 920 e segs:; Maniaci, A., «Tutela inibitoria e clausole abosive», I contratti 1999, pp. 16 e segs., em especial, p. 21; Minervini, E., Tutela del consumatore clausole vessatorie, Nápoles 1999, p. 211; Stella Richter, G., «Il tramonto di um mito: la legge eguali per tutti (dal diritto comune dei contratti al contratto dei consuma- tori)», Giustizia civile 1997, p. 206; e Danovi, F.,

«L'azione inibitoria in materia di clausole vessatorie», Rivista di diritto processuale 1996, p. 1056.

Em sentido contrário, sustentando que a disposição apenas assegura protecção jurídica contra a efectiva utilização: v.

decisão do Tribunale de Roma de 14 Outubro de 1998, I Contratti 1998, p. 580; decisão do Tribunale di Palermo de 23 de Fevereiro de 1997, Vita notarile 1997, p. 704;

Bellelli, A., «La tutela inibitoria, Commentario al Capo XIV bis del Codice Civile: dei contratti del consumatore», Le Nuove Leggi civili Commentate 1997, p. 1264, e Calvi, G-, «Commento sub art. 1469-sexies», in: Cesaro (editor), Clausole vessatorie e contratto del consumatore, Pádua, p. 675.

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33. A questão de se saber se uma norma é afastada por outra por força da regra da lex specialis não deve ser resolvida apenas pela qualificação de a m b a s as n o r m a s , devendo-o ser também pelas suas conse- quências jurídicas. Só se as suas consequên- cias jurídicas se excluírem mutuamente é que a relação lógica do princípio da especialidade leva ao afastamento da n o r m a geral

12

. As disposições do artigo 1469.° sexies do código civil e do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 regulam as condições em que é permitida uma via de recurso. De acordo com a sua letra, o âmbito de aplicação do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 é mais amplo que o do artigo 1469.° sexies do código civil. Este último apenas se refere expressamente à utilização de cláusulas abusivas, ao passo que o primeiro se aplica a todos os actos e comportamentos que lesam os interesses dos consumidores e dos utentes. Tais normas atribuem legitimidade processual a grupos distintos de pessoas. O grupo de pessoas fixado no artigo 3.° é mais redu- zido e inclui apenas as associações inscritas na lista elaborada por força do artigo 5.° da Lei n . ° 2 8 1 / 9 8 . Ao c o n t r á r i o , o artigo 1469.° sexies do código civil contém uma definição abstracta a aplicar caso a caso pelo juiz. Do ponto de vista da qualificação levantam-se logo dúvidas sobre se ambas as normas podem estar numa relação de especialidade, visto que só parcialmente se sobrepõem. Em todo o caso, estão incluídos no artigo 1469.°

sexies do código civil (acções de associa- ções não inscritas na lista prevista no artigo 5.° da Lei n.° 281/98), alguns dos casos previstos no artigo 3.° da Lei n.° 281/98 (acções contra recomendações) e alguns previstos em ambas as normas (acções contra a utilização de cláusulas abusivas propostas por associações inscri-

tas na lista). As normas também se não se excluem do ponto de vista das consequên- cias jurídicas nelas reguladas, nomeada- mente a admissibilidade das respectivas vias de recurso aí previstas. Nem o Governo italiano nem a Comissão alega- ram, porventura, que daqui resulta que, por exemplo, uma acção inadmissível nos ter- mos do artigo 1469.° sexies do código civil possa ser julgada admissível nos termos do artigo 3.° da Lei n.° 281/98, se cumprir as condições neste previstas, e vice-versa.

Nessa medida, afigura-se muito duvidoso que a regra da lex specialis possa ser aplicada.

34. Outra conclusão se não pode extrair do objecto das normas e da vontade do legislador, enquanto esteja expressa no texto legal. Na verdade, a Directiva 93/13 foi transposta para o direito italiano pela Lei n.° 52/96 que introduziu o artigo 1469.°

sexies do código civil, como alegam unani- memente as partes. No entanto, a posterior Lei n.° 281/98 refere expressamente, no artigo 1.°, n.° 1, o direito comunitário e no artigo 1.°, n.° 2, alínea e), a correcção, transparência e honestidade dos termos dos contratos. Nada disto indica que com esta lei os direitos dos consumidores não devam ser a m p l i a d o s em relação aos do artigo 1469.° sexies do código civil.

35. Então, a regra da lex specialis seria aplicável, quando muito, a favor do

12 — Larenz, K., Methodenlehre der Rechtwissenschaft, 6.a ed.

(Berlim 1991), p. 268.

(11)

artigo 1469.° sexies do código civil se se admitir que o legislador italiano ao adoptar esta disposição quis deliberadamente excluir a possibilidade de propositura de uma acção judicial contra a recomendação da utilização de urna cláusula. Poder-se-ia assim entender a alegação inicial do Governo italiano de que uma acção contra uma recomendação não é, em princípio, autorizada, uma vez que a recomendação não é vinculativa e portanto não pode lesar os direitos do consumidor. Não existe assim um interesse em agir que por força do artigo 100.° do código de processo civil é, em princípio, necessário para a admissi- bilidade de uma acção.

36. Todavia, a alegação do Governo ita- liano não pode ser entendida desta forma, dado que ele sustenta que o direito italiano assegura uma via de recurso, nomeada- mente a do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 contra as recomendações. Por seu lado, a Comissão, que contesta a transposição do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13, nada alega no sentido de demonstrar que o legislador italiano no artigo 1469.° sexies do código civil excluiu, deliberadamente, a possibilidade de acção contra uma reco- mendação.

37. Resta, assim, demonstrar que as duas disposições têm âmbitos de aplicação dis- tintos. A aplicação do artigo 3.° da Lei 281/98 não é afastada pelo artigo 1469.°

sexies do código civil.

3) Existência da possibilidade de protecção jurídica contra as recomendações

38. Estando assim demonstrado que o artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13 exige a instituição de uma via de recurso preven- tiva contra a recomendação da utilização de uma cláusula abusiva e que a aplicação do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 não é afastada pelo artigo 1469.° sexies do código civil, pelo que resta, agora, verificar se a Itália cumpriu o dever de transposição com a adopção do artigo 1469.° sexies do código civil e do artigo 3.° da Lei n.° 281/98.

39. Como já se demonstrou, a letra do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 oferece uma via de recurso contra os actos e comportamen- tos que lesam os interesses dos consumido- res e dos utentes

13

. Nesses conceitos pode incluir-se uma cláusula abusiva determi- nada constante das condições gerais de um contrato. Portanto, pelo seu conteúdo, o artigo 3.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 281/98 transpõe a obrigação prevista no artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13.

40. A análise da jurisprudência italiana confirma que, em Itália, as acções contra a recomendação da utilização de cláusulas

13 — «|...l gli atti e i comportamenti lesivi degli interessi dei consumatori e degli utenti [...]».

(12)

abusivas propostas nos termos do artigo 3.°

da Lei n.° 281/98 são consideradas admis- síveis

14

.

4 1 . A Comissão é de opinião que o artigo 3.° da iei não satisfaz os requisitos para uma transposição regular, por dois motivos. Por um lado, o artigo 3.° da Lei n.° 281/98 limita, de forma ilegal, o número de pessoas com legitimidade para a acção. Por outro, entende que a norma não satisfaz o princípio da segurança jurídica e as exigências de clareza e de precisão.

a) Restrição do número de pessoas com legitimidade para a acção ex artigo 3.° da Lei n.° 281/98

42. A primeira crítica avançada pela Comissão é a de que, com a adopção do artigo 1469° sexies do código civil, o legislador italiano tinha já feito uso do direito de determinar o número de pessoas com legitimidade para a acção. A Repú- blica Italiana defende-se contra isto com uma única referência à letra do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13 que, no que respeita ao número de pessoas com legiti- midade para a acção, institui uma reserva em favor do direito nacional.

43. O artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13 subordina expressamente o reconheci- mento de legitimidade para a acção contra a recomendação da utilização de cláusulas abusivas ao respeito da «legislação nacio- nal». Da mesma forma, o n.° 2, para o qual o n.° 3 remete, deixa para as ordens jurídicas dos Estados-Membros a determi- nação das pessoas e organizações que têm um interesse legítimo na defesa do consu- midor e que têm por isso legitimidade processual. A directiva não contém nenhuma disposição sobre a extensão do círculo das pessoas com legitimidade para a acção. Assim, a República Italiana tem, em princípio, toda a liberdade para definir essas pessoas.

44. O argumento da Comissão consiste em dizer que a República Italiana, ao adoptar o artigo 1469.° sexies do código civil, já em 1996 fez uso da sua competência para fixar o número de pessoas com legitimidade processual. Este número não pode ser restringido posteriormente, em especial com a adopção do artigo 3.° da Lei n.° 281/98. Todavia, tal interpretação não encontra qualquer apoio no texto da direc- tiva. Os Estados-Membros não estão impe- didos de alterar o número de pessoas com legitimidade processual já estabelecido.

Mesmo que a República Italiana tivesse ja exercido a sua competência para fixar o número de pessoas com legitimidade pro- cessual, com a adopção do artigo 1469°

sexies do código civil, não estaria, então, impedida de alterar este número através da adopção da Lei n.° 281/98.

45. Uma vez que as disposições do artigo 1469° sexies do código civil e do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 têm âmbitos de aplicação distintos, como se mostrou

14 — Decisões do Tribunale di Torino de 7 de Junho de 1999 e de 16 de Abril de 1999, Foro italiano 2000, p. 297; decisão do Tribunale di Torino de 3 de Outubro de 2000, Corriere giuridico 2001, pp. 389 e segs.

(13)

acima, nada se pode objectar, em princípio, contra o facto de terem sido fixadas amplitudes distintas para os respectivos grupos de pessoas com legitimidade pro- cessual. A directiva não contém qualquer referência no sentido de que o número daqueles que podem defender-se da utiliza- ção de uma cláusula abusiva seja diferente do daqueles que podem defender-se da recomendação de utilização. Em certas circunstâncias, tal distinção pode mesmo ser conveniente. Como o demonstra a alegação da República Italiana, a utilização de cláusulas abusivas lesa sempre os inte- resses dos consumidores protegidos. Este conjunto de elementos corresponde, por- tanto, à situação clássica em que as vias de recurso são julgadas admissíveis. Em con- trapartida, numa mera recomendação não existe ainda a lesão, mas sim a ameaça de lesão dos interesses legítimos dos consumi- dores. Na ponderação dos interesses em conflito, dos utilizadores de tais cláusulas e dos consumidores, poder-se-ia pensar que a protecção jurídica oferecida deve ser dis- ponibilizada apenas a um número determi- nado e particularmente qualificado de pessoas e organizações, por forma a evitar abusos de direito. Esta objecção da Comis- são deve, portanto, ser rejeitada.

b) Violação do princípio da segurança jurídica e das exigências de clareza e de precisão

46. Quanto à segunda crítica, relativa à segurança jurídica e às exigências de cla-

reza e de precisão, a Comissão sustenta que uma interpretação do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 no sentido de que permite uma via de recurso contra as recomendações está em flagrante contradição com o artigo 1469.° sexies do código civil e com o artigo 100.° do código de processo civil.

Por isso, tal interpretação é pouco clara para as pessoas e organizações com legiti- midade processual, quanto aos direitos que possuem e à eventual possibilidade de os invocar em juízo.

47. Nos termos do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.° CE), a directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a com- petência quanto à forma e aos meios. Da mesma forma, não é necessário, de acordo com a jurisprudência, que as disposições de uma directiva sejam formal e textualmente reproduzidas por uma lei nacional. Con- soante o conteúdo da directiva, a criação de um regime jurídico geral pode ser sufi- ciente. Em particular, os princípios gerais de direito constitucional e de direito admi- nistrativo podem tornar supérflua a trans- posição da directiva através de normas legislativas ou regulamentares específicas.

Porém, o regime jurídico resultante desses

princípios deve ser suficientemente claro e

preciso, sobretudo se a directiva conferir

direitos aos particulares. Esse regime deve

colocar o interessado em posição de conhe-

cer todos os seus direitos e invocá-los, se

for caso disso, nos tribunais nacionais. Esta

última condição é especialmente impor-

tante se a directiva tiver por objectivo

facilitar o exercício de direitos pelos nacio-

(14)

nais de outros Estados-Membros, pois estes normalmente não estão informados daque- les

15

.

48. De acordo com esta jurisprudência, é, portanto, em princípio, irrelevante que a letra do artigo 3.° da Lei n.° 281/98 não fale expressamente de acções contra «reco- mendações». Além do mais, deve-se ter em atenção que o grupo de beneficiários cons- tante do artigo 7.°, n.

°s

2 e 3, da Directiva 93/13 se compõe de destinatários qualifi- cados. As pessoas e organizações a que esta disposição atribui legitimidade processual são associações representativas, que têm por objectivo a protecção dos interesses dos consumidores. Conforme jurisprudência constante, as necessidades de clareza e segurança jurídica são definidas pela situa- ção jurídica tal como a mesma se apresenta do ponto de vista dos interessados

1

6. A advogada-geral C. Stix-Hackl sublinhou, nas conclusões apresentadas no processo Comissão/Itália (C-145/99), que perante um grupo de destinatários qualificado há certamente lugar à fixação de requisitos mais apertados do que o normal

17

. Da mesma forma, para se determinar, no caso em apreço, o grau necessário de clareza e segurança jurídicas, também se deve ter em consideração que se está a lidar com destinatários especializados e não com os

consumidores finais protegidos em especial pela Directiva 93/13. Portanto, por razões de proporcionalidade, não se devem fazer exigências excessivas em matéria de clareza e de segurança jurídica da legislação de transposição.

49. Por estas razões, não é indicado reto- mar, no presente processo, a fundamenta- ção do acórdão proferido no processo Comissão/Países Baixos (acórdão de 10 de Maio de 2 0 0 1 , C-144/99, Colect., p. I-3541). O mesmo dizia respeito à transposição dos artigos 4.° e 5° da directiva, destinado aos consumidores finais. O presente caso tem que ver com destinatários qualificados. Destes é de esperar que conheçam a jurisprudência relativa à admissibilidade de acções contra recomendações, bem como à interpretação do artigo 1469.° sexies do código civil e do artigo 3.° da Lei n.° 281/98.

50. De acordo com o relatório de 27 de Abril de 2000 relativo à aplicação da Directiva 93/13, a Comissão intentou acções por incumprimento contra todos os Estados-Membros por transposição defi- ciente da Directiva 93/13

18

. A este res- peito, parece digno de menção o facto de existir numa série de Estados-Membros uma situação jurídica que parece asseme- lhar-se à da República Italiana. No entanto, até agora, parece que a Comissão em nenhum caso levou a acção por incum- primento tão longe como no caso da República Italiana

19

.

15 — Acórdãos de 3 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha (29/84, Recueil, p. 1661, n.° 23); de 9 de Abril de 1987, Comissão/Itália (363/85, Colect., p. 1733, n.° 7), e de 19 de Setembro de 1996, Comissão/Grécia (C-236/95, Colect., p. I-4459, n.° 13).

16 — Acórdãos de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha (C-131/88, Colect., p. I-825, n.° 6), e de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha (C-59/89, Colect., p. I-2607, n.° 18).

17 — Conclusões apresentadas em 3 de Maio de 2001 no processo C-145/99 (acórdão de 7 de Março de 2002 p. I-2235 e p. I-2238, n.°s 46 e 47).

18 — COM(2000) 248 final, p. 7.

19 — V. apresentação constante das pp. 23 a 26 do relatório.

(15)

51. A este respeito, é interessante notar que a Comissão, no seu relatório, se debruça sobre outro problema relativo à transposi- ção do artigo 7.° da Directiva 93/13 em Itália, nomeadamente, o de saber em que medida o conceito de «bons motivos de emergência» proporciona uma protecção adequada nos processos urgentes

20

, mas não sobre a questão aqui relevante de saber se são admissíveis as acções contra as recomendações. Além disso, a Comissão evoca a acção por incumprimento contra o Reino dos Países Baixos no processo C-144/99, que dizia respeito à transposição dos artigos 4.° e 5.° da directiva

21

.

52. A Comissão entregou o seu parecer fundamentado, formulado nos termos do artigo 169.° do Tratado CE (actual artigo 226.° CE), em Dezembro de 1998.

Nessa altura, os órgãos jurisdicionais ita- lianos garantiam protecção jurídica contra a recomendação de utilização de cláusulas abusivas. Baseavam-se, para o efeito, quer no artigo 1469.° sexies do código civil quer no artigo 3.° da Lei n.° 281/98. Nesse sentido ia a doutrina dominante. Poder- -se-ia assim argumentar que era alcançado o objectivo, pretendido pela directiva, de garantia de protecção jurídica contra a recomendação de utilização de cláusulas abusivas. A escolha do legislador italiano, de assegurar a protecção jurídica através da adopção de duas normas cujos âmbitos de aplicação se sobrepõem parcialmente, faz parte da liberdade de escolha dos meios de transposição da directiva consagrada no

artigo 189.° do Tratado. Tendo em conta estes factos, afigura-se duvidoso que se possa concluir, no caso em apreço, haver uma situação de incumprimento.

53. Por outro lado, deve-se ter todavia em atenção que uma jurisprudência nacional, que faz uma interpretação das normas internas conforme ao direito comunitário, não é suficiente, em princípio, para quali- ficar essas normas de medidas de trans- posição de uma directiva

22

. No acórdão proferido no processo Comissão/Países Bai- xos, o Tribunal de Justiça decidiu, a propósito da Directiva 93/13, que a inter- pretação conforme à directiva das normas nacionais não bastava para se concluir pela transposição exaustiva de uma directiva.

Com efeito, essa jurisprudência não tem a clareza e precisão necessárias para satisfa- zer a exigência de segurança jurídica. Tal é particularmente verdade no domínio da protecção do consumidor

23

. Subscrevo, no presente processo, os argumentos avan- çados pelo advogado-geral A. Tizzano nas conclusões apresentadas nesse processo, ou seja, que a aplicação do princípio da interpretação conforme ao direito comuni- tário pelos órgãos jurisdicionais de um Estado-Membro não pode substituir a obrigação do legislador desse Estado-Mem-

20 — P. 9 do relatório.

21 — P. 8 do relatório. V. acórdão de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, já referido no n.° 49.

22 — Conclusões do advogado-geral P. Léger apresentadas em 20 de Junho de 1996 no processo Comissão/Grécia (já referido na nota 15, Colect., p. I-4467, n.° 261, e conclusões do advogado-geral A. Tizzano no processo Comissão/Países Baixos, já referido no n.° 49, n. 36.

23 — Acórdão Comissão/Países Baixos (já referido na nota 21, n.°21).

(16)

bro proceder a uma transposição precisa e inequívoca

24

. O dever de alcançar os objectivos estabelecidos numa directiva incumbe a todas as autoridades dos Esta- dos-Membros

25

. No âmbito do dever de transposição, os Estados-Membros estão obrigados a prever um regime jurídico inequívoco que articule a ordem jurídica nacional com as disposições da directiva

26

. Portanto, a exigência de segurança jurídica e de clareza vincula — porventura em primeira linha — o legislador. A norma de transposição deve ser em si mesma suficientemente clara e precisa, por forma a poder constituir uma adequada trans- posição da directiva.

54. Neste ponto, a discussão entre a Comissão e a República Italiana prova, de forma clara, que a relação entre o artigo 1469.° sexies do código civil e o artigo 3.° da Lei n.° 281/98 é tudo menos clara e inequívoca. Os órgãos jurisdicionais italianos consideram mesmo que o artigo 1469.° sexies do código civil é, em parte, lex specialis relativamente ao artigo 3.° da Lei n.° 281/98 e asseguram protecção jurídica contra as recomendações com fundamento no primeiro, interpre- tando assim essa norma em conformidade com o direito comunitário

27

. Nessa medida, não se pode esperar que para as

pessoas e organizações a que o artigo 7.°

n.° 3, da directiva atribui legitimidade processual o regime jurídico seja suficien- temente claro e preciso e que elas estejam em posição de conhecer os seus direitos e invocá-los, se for caso disso, nos órgãos jurisdicionais italianos.

55. Consequentemente, deve-se concluir que, no que respeita à transposição do artigo 7.°, n.° 3, da Directiva 93/13 para direito italiano, mediante a adopção do artigo 1469.° sexies do código civil e do artigo 3.° da Lei n.° 281/98, não é dada a devida consideração ao princípio da segu- rança jurídica e das exigências de clareza.

Portanto, a República Italiana não respei- tou a sua obrigação de transpor esta disposição.

VI — Despesas

56. Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vence- dora o tiver requerido. Tendo a República Italiana sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação há que con- dená-la nas despesas.

24 — Conclusões do advogado-geral A. Tizzano, já referidas na nota 22, n.° 35.

25 — Acórdãos de 10 de Abril de 1984, Von Colson e Kamann (14/83, Recueil, p. 1891, n.° 26), e de 13 de Novembro de 1990, Marleasing (C-106/89, Colect., p. I-4135, n.° 8).

26 — Acórdãos de 15 de Março de 1990, Comissão/Países Baixos (C-339/87, Colect., p. I-851, n.° 25); de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha (já referido na nota 16, n.° 28), e de 22 de Abril de 1999, Comissão/Reino Unido (C-340/96, Colect., p. I-2023, n.° 27).

27 — Decisão do Tribunale di Roma de 21 de Janeiro de 2000, Il Corriere Giuridico 2000, p. 496.

(17)

V I I — Conclusão

57. Pelos motivos que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que decida da seguinte forma:

«1) A República Italiana violou a Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, na medida em que não adoptou tempestivamente as medidas necessárias para transpor integralmente o artigo 7.°, n.° 3, da mesma.

2) A República Italiana é condenada nas despesas.»

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