UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO CIÊNCIAS ANIMAIS CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA
FERNANDO HENRIQUE DOMINGUES
POLITRAUMA TORÁCICO E ÓBITO TARDIO ASSOCIADO A Corynebacterium sp.
MULTIRRESISTENTE, EM CÃO: Relato de Caso
MOSSORÓ
2019
FERNANDO HENRIQUE DOMINGUES
POLITRAUMA TORÁCICO E ÓBITO TARDIO ASSOCIADO A Corynebacterium sp.
MULTIRRESISTENTE, EM CÃO: Relato de caso
Trabalho de conclusão de curso, modalidade Monografia, apresentado a Universidade Federal Rural do Semi-Árido como requisito para obtenção do título de Bacharel em Medicina Veterinária.
Orientador: Prof. Dr. Eraldo Barbosa Calado
MOSSORÓ
2019
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D671p Domingues, Fernando Henrique.
Politrauma torácico e óbito tardio associado a Corynebacterium sp. multirresistente, em cão:
relato de caso / Fernando Henrique Domingues. - 2019.
28 f. : il.
Orientador: Eraldo Barbosa Calado.
Monografia (graduação) - Universidade Federal Rural do Semi-árido, Curso de Medicina
Veterinária, 2019.
1. Piperacilina. 2. Tazobactam. 3. Sepse. 4.
Pneumonectomia. I. Calado, Eraldo Barbosa, orient. II. Título.
FERNANDO HENRIQUE DOMINGUES
POLITRAUMA TORÁCICO E ÓBITO TARDIO ASSOCIADO À Corynebacterium sp MULTIRRESISTENTE, EM CÃO: Relato de caso.
Trabalho de conclusão de curso, Monografia, apresentado à Universidade Federal Rural do Semi-Árido como requisito para obtenção do título de Bacharel em Medicina Veterinária.
Defendida em: 19/12/2019.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Prof. Dr. Eraldo Barbosa Calado - UFERSA
____________________________________________________
Med. Vet. Especializada Darla Whaianny Fernandes de Lima.
_____________________________________________________
Médica Oftalmologista Michelle Gomes Barros - Autônoma
AGRADECIMENTOS
Deus na sua mais generosa misericórdia, que me confortou nos momentos mais difíceis dessa jornada, mesmo sob o obscurantismo e as dúvidas que por vezes insistia em pairar sobre mim, ele em sua mais divina bondade e luz, sempre me guiou e mostrou o caminho e quando por vezes eu não suportava mais a jornada, sempre era me lembrado o conforto da vida e o amanhecer do dia seguinte e de um novo começo. Momentos de dúvidas e incertezas ficaram para traz, hoje tenho sede por conquistas e desafios sempre ao olhar atento e guiado pelo do pai divino.
A minha família! Agradeço eternamente aos meus pais JUVENAL DOMINGUES e SUELI APARECIDA BUENO DOMINGUES, porque se pude chegar mais longe é porque vocês acreditaram em mim para que tudo isso acontecesse, esta vida não será suficiente para agradecer ao que vocês me proporcionaram. Agradeço também ao meu irmão FÁBIO ROGÉRIO DOMINGUES que mesmo acompanhando distantemente sempre estive presente em seus pensamentos, também agradeço a ROSA MARIA MORAES DOS SANTOS que se preocupou e deu forças para a minha vinda a UNIVERSIDADE a todos vocês meu eterno agradecimento.
Aos meus amigos, que foram pouquíssimos e que me ajudaram a chegar até aqui só tenho a agradecer por esta conquista, não citarei nenhum nome, mas os poucos que me ajudaram sabem o quanto difícil foi para mim, portanto, nada mais justo de que vocês façam parte da minha glória em meio a tantas batalhas e desafios. Gratidão a todos.
Aos que de forma direta ou indiretamente puderam tornar este sonho realidade.
Professores! Ah professores... Ser professor é levar luz onde há escuridão, levar conhecimento onde existem dúvidas e sabedoria onde há ignorância, se a minha vida se fosse uma escada, cada degrau seria composto pelos braços dos professores que estiveram presentes na minha vida, trazendo conhecimento e sabedoria. A todos vocês meu eterno agradecimento principalmente aqueles lá do início da minha alfabetização pré-escola que por vezes pegavam em minhas mãos pra ensinar a escrita nos cadernos ou numa folha qualquer. Obrigado.
Aos meus pacientes que insisto em não os chamar de “animais”, porque vocês merecem o
mais eterno e respeitoso tratamento. As minhas paixões de quatro patas Nina e Dora obrigado
por trazer tanta alegria a mim e a minha casa e que vocês se sintam muito amadas por mim e
por todos. Também quero agradecer aos animais que aqui não se encontram mais e que serviram de base para os meus estudos, a todos vocês que um dia foi amado por seus donos e também pelos seus pais agradeço por tudo.
Por fim, a todos que pelo meu caminho estiveram e me mostraram o quanto vale a pena sonhar e ir atrás de um sonho. E como dizia o mago Paulo Coelho “O mundo está nas mãos daqueles que têm a coragem de sonhar e correr o risco de viver seus sonhos”
Fernando Domingues
“Se eu fui capaz de ver mais longe é porque estava de pé nos ombros de gigantes”
Sir Isaac Newton
RESUMO
Relata-se trauma torácico e pulmonar com exposição de lobos pulmonares que após conduta de suporte à vida foi encaminhado para cirurgia emergencial de toracotomia exploratória e reparadora, resultando em pneumonectomia esquerda de paciente canino doméstico.
Associado ao trauma, o que pode ter levado a complicações septicêmica fatal ocorrida por bactérias Corynebacterium sp. multirresistentes. O paciente, um cão adulto, de rua, que havia sido resgatado há três dias após provável acidente automobilístico ocorrido há mais de 72 horas, com trauma torácico. Apresentava múltiplas fraturas de costelas e exposição de lobos pulmonares esquerdos. No exame físico foi observada apatia, desidratação estimada em mais de 6%, mucosas hipocoradas, taquipneia, dispneia mista, sibilos à ausculta pulmonar, prurido nos ouvidos e com temperatura corpórea de 39,5°C; apresentava sinais de dor ao defecar ou urinar, dor abdominal à palpação. Foi realizada medicação para controle da dor, com metadona (0,4mg.kg
-1,
q.i.d.), dipirona (25mg.kg-1,
t.i.d.), meloxicam a 2% (0,1mg.kg-1,
s.i.d.); antibioticoterapia pela associação de amoxicilina com ácido clavulânico (20mg.kg-1,
s.i.d.) e enrofloxacina (5mg.kg-1, b.i.d.) e realizada fluidoterapia com ringer lactato de sódio e encaminhado para realização de exames complementares. Foram realizadas duas cirurgias para reparação da parede torácica. Ocorreu deiscência de suturas da parede torácica aos sete dias após a primeira intervenção. A segunda cirurgia foi efetiva; entretanto, o paciente veio a óbito 11 dias da segunda intervenção cirúrgica com falência orgânica sistêmica o que poderia ter sido associada ao trauma e à sepse ocorrida pela presença de bactérias multirresistentes diagnosticadas pelos isolados obtidos a partir do cultivo microbiológico de fluidos presentes na cavidade torácica e que infelizmente não foi possível fazer a necropsia, apresentando sensibilidade à associação de Piperacilina e Tazobactam.
Palavras-chave: Piperacilina. Tazobactam. Sepse. Pneumonectomia.
ABSTRACT
Thoracic and pulmonary trauma with pulmonary lobe exposure are reported. After life- supportive conduct, the patient was referred for emergency exploratory and reparative thoracotomy surgery, resulting in left pneumonectomy of a domestic canine patient.
Associated with trauma, which may have led to fatal septicemic complications from Corynebacterium sp. multiresistant. The patient, an adult stray dog, who had been rescued three days ago after a probable car accident more than 72 hours ago with chest trauma. She had multiple rib fractures and left lung lobe exposure. Physical examination revealed apathy, dehydration estimated at more than 6%, hypocolored mucosa, tachypnea, mixed dyspnea, wheezing, pulmonary itching in the ears and body temperature of 39.5 ° C; presented signs of pain when defecating or urinating, abdominal pain on palpation. Pain control medication was performed with methadone (0.4mg.kg-1, q.i.d.), dipyrone (25mg.kg-1, t.i.d.), 2% meloxicam (0.1mg.kg-1, s.i.d.); antibiotic therapy by the combination of amoxicillin with clavulanic acid (20mg.kg-1, s.i.d.) and enrofloxacin (5mg.kg-1, b.i.d.) and performed sodium lactate ringer fluid therapy and referred for additional tests. Two surgeries were performed to repair the chest wall. There was dehiscence of chest wall sutures at seven days after the first intervention. The second surgery was effective; however, the patient died 11 days after the second surgical intervention with systemic organ failure, which could have been associated with trauma and sepsis due to the presence of multiresistant bacteria diagnosed by isolates obtained from the microbiological culture of fluids present in the thoracic cavity.
Unfortunately, it was not possible to perform the autopsy, showing sensitivity to the association of Piperacillin and Tazobactam.
Keywords: Piperacillin. Tazobactam. Sepsis. Pneumonectomy
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 9
1.1 TRAUMA TORÁCICO ... 10
2 RELATO DE CASO ... 13
2.1 PACIENTE ... 13
2.2 IMAGÍSTICA DIAGNÓSTICA ... 13
2.3 PATOLOGIA CLÍNICA E PARÂMETROS FÍSICOS ... 15
2.4 CULTURA BACTERIANA ... 15
2.5 ANTIBIOGRAMA ... 15
2.6 CONDUTA ANESTÉSICA E CIRÚRGICA ... 16
3 DISCUSSÃO ... 22
4 CONCLUSÕES ... 26
5 REFERÊNCIAS ... 27
9
1 INTRODUÇÃO
Traumas torácicos são cada vez mais frequente na clínica de cães e gatos, tais afecções necessitam de abordagem cirúrgica emergencial (RAPPETI, 2007). Elas podem ser decorrentes de acidentes por veículos automotivos, brigas, armas de fogo e objetos penetrantes e no primeiro momento cursam com sérias consequências na redução da capacidade ventilatória dos pacientes (CUNHA et al., 2009; VILLANOVA JUNIOR, 2017).
Contusões pulmonares além de emergenciais levam a sinais clínicos característicos de falhas na oxigenação com hipoxemia, dispneia, ortopneia, taquipneia, alteração na cor das mucosas podendo estar pálidas ou cianóticas, e devido ao trauma poderá ocorrer rompimento de alvéolos e vasos sanguíneos que resultará em estertores pulmonares e epistaxe (RAISER et al., 2015).
O diagnóstico baseia-se no histórico, exame físico, exames por imagem e se necessário toracocentese. O tratamento com esses pacientes precisa primeiramente ser de suporte com oxigenioterapia, controle da dor e fluidoterapia para controle do choque. Dependendo do grau de contusão pulmonar o tratamento cirúrgico deverá ser a opção mais relevante nestes pacientes. (RAISER et al., 2015).
Bactérias da espécie
Corynebacterium sp. fazem parte da microbiota normal da pele de cães,podendo ser responsáveis por diversas infecções oportunistas. A espécie é frequentemente isolada, nestes indivíduos, em infecções de pele, em tratos respiratórios, conjuntival ocular, periodontal, ótico externo e urogenital (BORNAND, 1992; PRESCOTT et al.,1997; DE WINTER et al., 1999).
Propõe-se relatar caso clínico cirúrgico de paciente canino resgatado de rua, que apresentava
trauma de parede torácica com múltiplas fraturas de costelas, exposição e traumas de lobos
pulmonares do lado esquerdo que se divide em o apical (cranial) e o diafragmático (caudal) e
uma possível infecção oportunista por bactérias multirresistentes a antibióticos e que foi
submetido à pneumonectomia unilateral esquerda.
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1.1. TRAUMA TORÁCICO
A origem da palavra trauma provém da palavra grega “traûma”, a qual pode ser utilizada para designar simultaneamente “desastre” e “ferida”. Considerada uma das principais causas de óbito em humanos e em animais, o trauma define-se por lesão súbita, infligida aos tecidos orgânicos por meio de violência ou acidente, e que está geralmente associado a algum grau de dano físico (FELIX, 2008; MOORE; MATTOX; FELICIANO, 2003; MUIR, 2006).
De fato, em Medicina Veterinária tem se observado um crescente número de animais atendidos em hospitais veterinários, vítimas de atropelamentos, queda de alturas, de lutas com outros animais e em muitos casos de lesões induzidas intencionalmente (FELIX, 2008;
ROCHLITZ, 2004).
Embora as causas etiológicas do trauma sejam variadas, o atropelamento por veículo automotivo é a mais frequente, contribuindo com 53% da totalidade dos traumatismos atendidos nos hospitais veterinários norte-americanos (BENTUBO; TOMAS; BONDAN;
LALLO, 2007).
No entanto, a resposta do organismo no trauma torácico está dependente de vários fatores, a exemplo de extensão da hemorragia, da lesão dos tecidos orgânicos, da dor e do estresse do animal. As situações em que o trauma infligido é bastante tênue resultam apenas em dor, medo e estresse, que culminam com um conjunto de mecanismos que visam apenas compensar a lesão consequente e garantir a homeocinese. Por outro lado, quando o processo traumático é mais contundente, inicia-se uma sequência de modificações fisiológicas, imunológicas e metabólicas que predispõem à falência orgânica, às infecções e às coagulopatias, desencadeando um processo anti-inflamatório autodestrutivo (MUIR, 2006).
A cavidade pleural, segundo Monnet (2003), contém o líquido pleural, que compreende um volume médio de 2,4 mL em um cão de 10kg. Devido à continuidade entre o espaço pleural, pleura parietal e visceral, ocorre permeabilidade entre estas duas membranas, cuja dinâmica é controlada por forças de Starling, ocorrendo movimento de fluidos da pleura parietal para o espaço pleural. Tudo regido pela pressão coloidosmótica que estimula a absorção de líquidos no espaço pleural, finalizando por distensão pleural para ocorrer distensão elástica da pleura, resultando em maior queda da pressão hidrostática do espaço pleural promovendo novo equilíbrio das forças de Starling, o que impede a completa absorção de líquido pleural.
As lesões no tórax podem ser do tipo contundente ou penetrante, aberta ou fechada. As lesões
do tipo contundente são caracterizadas por uma dissipação extensa de energia cinética
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mediante concussão ou por desaceleração súbita, e tem como consequência lesões contusas diretas, rupturas vasculares ou lacerações de órgãos internos secundárias a fraturas ósseas. Por sua vez, o trauma penetrante consiste numa dissipação mais focal da energia cinética (FELIX, 2008).
Entretanto vale lembrar que segundo Fossum (2015) um tórax quando lesionado gera uma instabilidade quando varias costelas de ambos os lados são fraturadas o que não ocorreu com o paciente em questão, este só teve lesão traumática de costelas apenas do lado esquerdo, entretanto a dor associada à laceração muscular pode alterar a respiração, pois o paciente não esta propenso a respirar profundamente. A não ser que esteja associada à lesão do parênquima pulmonar, raramente ocorre hipóxia causada por alterações respiratórias decorrentes do trauma da parede torácica.
Pulmões de cães possuem fissuras profundas que formam lobos distintos, permitindo que o formato dos pulmões mude em resposta a alterações no formato da cavidade torácica (ou seja, causada pelo movimento do diafragma ou extensão da coluna) essas fissuras também permitem que lobos individuais sejam isolados e removidos sem comprometer a integridade dos lobos adjacentes. O pulmão esquerdo esta dividido em lobo cranial que possui uma parte cranial e uma caudal, o pulmão direito é maior do que o esquerdo, sendo dividido em lobos cranial, médio caudal e acessório. A incisura cardíaca é uma pequena área em que não existe tecido pulmonar entre o coração e a parede torácica. Ela geralmente esta localizada na porção ventral do quarto espaço intercostal, sendo maior a direta.
O trauma quando torácico pode originar lesões, quer na parede torácica ou nas vísceras em seu interior. Qualquer fator que interfira na fisiologia parietal ou de órgãos torácicos, suficientemente capaz de promover e alterar a homeocinese, poderá desequilibrar a função cardiorrespiratória e consequentemente levar o paciente traumatizado a óbito.
Independentemente da etiologia do trauma é fundamental que Médicos Veterinários devem reconhecer que se trata, em sua maioria, de politraumas multissistémico, com a devida necessidade de uma avaliação extensiva de todo o paciente (NUNES, 2009; ETTINGER;
FELDMAN, 2005).
Ocasionalmente, as fraturas de costela produzem fragmentos pontiagudos que podem lesionar um vaso sanguíneo importante ou causar a laceração do pulmão. As fraturas de costela podem interferir na ventilação se o paciente imobilizar o tórax em uma tentativa de diminuir a dor, reduzindo a movimentação dos fragmentos.
O óbito por traumatismo pode ocorrer em três períodos distintos (FELIX, 2008). O primeiro
caracteriza-se pela morte imediata do paciente ou na primeira hora após o trauma. As lesões
12
que representam esta fase são, geralmente, a ruptura de grandes vasos como os intratorácicos os abdominais e também vasos sanguíneos axiais como braquial e femoral assim como os traumas cranianos, os quais são de tal forma graves que nenhuma manobra de ressuscitação será bem sucedida. O segundo período corresponde à morte do paciente nas 2 ou 12 horas após o trauma, e que surge em consequência de hemorragias internas, de perturbação respiratória ou de alterações cardiovasculares (ALEXANDER; FAWCETT; RUNCIMAN, 2006). O terceiro período caracteriza-se por um óbito tardio, dias a semanas após o incidente traumático, fruto do desenvolvimento de desequilíbrio ácido-base, perturbações gastrointestinais, alterações cardiorrespiratórias, hipotermia, coagulopatias e da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e consequente falência de múltiplos órgãos (MOF) (ALEXANDER; FAWCETT; RUNCIMAN, 2006; FELIX, 2008; MOORE; MATTOX;
FELICIANO, 2003; MUIR, 2006).
O cirurgião norte-americano Cowley (1917-1991), considerado pioneiro na medicina de
emergência e no tratamento de choque traumático, chamado de pai da Medicina do trauma,
foi o primeiro a propor o conceito de Golden Hour, afirmando que se um paciente traumático
não tivesse a hemorragia controlada e a oxigenação tecidual restaurada na primeira hora após
o trauma, a sua possibilidade de sobrevivência diminuiria drasticamente. Face ao exposto, a
maioria dos óbitos poderiam ser antecipados e evitados se este conceito for considerado
durante a fase de ressuscitação do paciente (FELIX, 2008).
13
2 RELATO DE CASO
2.1 PACIENTE
Foi atendido, em 24 de abril de 2019, no Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural do Semiárido (HOVET/UFERSA) um cão adulto, sem raça definida, que havia sido resgatado há três dias, apresentando trauma torácico e pulmonar ocorrido devido a acidente automobilístico ocorrido. O paciente apresentava exposição de lobos pulmonar apical (cranial) e diafragmático (caudal) no tórax esquerdo (Figura 01) e durante o exame físico foi observada apatia, desidratação estimada em 6%, mucosas hipocoradas, taquipneia, dispneia mista, sibilos à ausculta pulmonar, e com temperatura retal de 39,5°C. Foi aplicado, para controle da dor, tramadol (4mg.kg
-1), dipirona (25mg.kg
-1) e meloxicam 2% (0,2 mg.kg
-1);
feita fluidoterapia com ringer lactato de sódio e foi encaminhado para realização de exames complementares.
2.2 IMAGÍSTICA DIAGNÓSTICA
Atendido no serviço de diagnóstico por imagens, na avaliação radiográfica (Figura 01) foi evidenciado aumento da radiopacidade de campos pulmonares e além de presença de fraturas entre 4
ae 10
acostelas esquerdas. Havia lacerações na parede torácica, hepatização e atelectasia em lobos pulmonares com apical (cranial) e diafragmático (caudal) exposição de extremidades de lobos pulmonares (Figura 02) através da parede torácica. A imagística radiográfica não evidenciou indícios de pneumotórax, havia pequena quantidade de efusão pleural difusa e ausência de sinais radiográficos sugestivos de edema pulmonar cardiogênico.
Mediastino sem alterações. Cúpula diafragmática dentro da normalidade e traqueia torácica normoaerada e com diâmetro dorsoventral preservado.
A avaliação ultrassonográfica focada para trauma (FAST,
Focused Assesment with Sonography for Trauma) não registrou alterações e nem liquido livre na cavidade abdominal.14
Figura 01 – Ilustração de radiografia digitalizada de tórax de cão em decúbito lateral direito, que apresentava politraumas torácico.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Figura 02 – Ilustração de radiografia digitalizada de tórax de cão, em decúbito dorsal, com politrauma torácico, apresentando exposição de lobos pulmonares esquerdos (setas).
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
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2.3 PATOLOGIA CLÍNICA E PARÂMETROS FÍSICOS
A hemo leucometria sanguínea evidenciou anemia com leucocitose por neutrofilia e bastonetes; os resultados da bioquímica sérica não revelaram alterações dos valores inerentes à espécie e faixa etária para ALT, AST, FA, creatinina e uréia. Após estabilização de parâmetros físicos e fisiológicos, o paciente foi encaminhado para correção cirúrgica das alterações pós-traumáticas ocorridas. No exame físico, foi observada apatia, desidratação em torno de (<6%), mucosas hipocoradas, taquipneia, dispneia mista, sibilos à ausculta pulmonar, e com temperatura corpórea de 39,5°C. Importante registrar que a gasometria arterial possa demonstrar hipoxemia e acidose (resultante da hipoventilação) ou alcalose (resultante da hiperventilação) respiratória (Fossum, 2015), não foi realizado devido às limitações institucionais.
2.4 CULTURA BACTERIANA
A amostra de fluido coletado na cavidade torácica foi encaminhada para o Laboratório de Microbiologia Veterinária da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, cultivada em ágar sangue enriquecido com 5% de sangue desfibrinado de carneiro e incubadas em aerobiose, a 37ºC, por 48 horas. As características macroscópicas da colônia, morfotintoriais e perfil bioquímico do agente isolado na amostra foram sugestivos para
Corynebacterium sp.,de acordo com a metodologia de McFaddin (2000).
2.5 ANTIBIOGRAMA
As amostras com os isolados de
Corynebacterium sp. foram testadas (Tabela 01) frente afármacos antimicrobianos sintéticos. Apresentando sensibilidade à associação de piperacilina
mais tazobactam; resistências múltiplas, à amicacina, ciprofloxacina, gentamicina, cefepime,
tetraciclina, ampicilina, ceftriaxona, amoxicilina, sulfazotrim, cefalotina, aztreonam,
ceftazidima, cefoxitina; e sensibilidade intermediária ao cloranfenicol.
16
Tabela 01 _ Susceptibilidade aos antimicrobianos testados no antibiograma, evidenciando agente antimicrobiano resistente (R), de ação intermediária (I) e sensível (S) isolados de Corynebacterium sp.
em fluido pulmonar de cão com trauma torácico.
Antimicrobiano Resistente Intermediário Sensível
piperacilina mais tazobactam - - S
amicacina, ciprofloxacina, gentamicina, cefepime, tetraciclina, ampicilina, ceftriaxona, amoxicilina, sulfazotrim, cefalotina, aztreonam, ceftazidima, cefoxitina
R - -
cloranfenicol* - I -
* Parcialmente sensível.
Fonte: Laboratório de Microbiologia Veterinária da UFERSA, 2019.
2.6 CONDUTA ANESTÉSICA E CIRÚRGICA
Pré-operatoriamente, o paciente foi estabilizado, principalmente na estabilização e monitoramento de parâmetros físicos respiratórios, déficit de oxigenação, cardiovasculares e ácido-básico.
Apesar de o paciente apresentar alterações mínimas relacionadas à sintomatologia de sepse (conjunto de manifestações graves produzidas em todo o organismo através de uma infecção), foi iniciado uso de fluidos e antibióticos, não associados à corticóides o que poderia ocasionar na dificuldade de cicatrização e também na redução do seu quadro imunológico. A administração de oxigênio e o uso de antibióticos foi iniciado, conforme apontado por Fossum (2015), para casos de contusões ou hemorragia pulmonar. Considerando as condições gerais do paciente, optou-se pela realização de anestesia intravenosa total (TIVA), pelo fato do paciente ter parte dos lobos esquerdo apical (cranial) e diafragmático (caudal) afetados o que poderia comprometer o processo anestésico por via inalatório, porém a (TIVA) apresenta as seguintes vantagens em relação aos anestésicos gasosos como a incidência reduzida de náuseas e vómitos no período pós-operatório, diminuição da contaminação atmosférica, recuperação mais rápida e previsível, maior estabilidade hemodinâmica, a preservação da vasoconstrição pulmonar hipóxia, redução da pressão intracerebral e uma redução no risco de toxicidade orgânica.
O paciente foi submetido triagem anestésica, com aferição dos parâmetros físicos basais
antecedendo todo e qualquer tipo de intervenção. Foi submetido à pré-oxigenação com
máscara e oxigênio a 100%, por 10 minutos. Após, a medicação pré-anestésica foi realizada
com cloridrato de tramadol (3mg. kg
-1). Após 15 minutos, foi realizada cateterização por
venopunção para estabelecimento de via intravenosa e, preparo do paciente para o
procedimento cirúrgico. Quinze minutos antes do procedimento cirúrgico, foi aplicado
enrofloxacina (30 mg.kg
-1) intravenosa. A indução anestésica foi realizada com propofol
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(4mg. kg
-1), associado in bolus de cetamina e lidocaína (1mg. kg
-1). Após, realizada intubação orotraqueal, foi feito um
bolus de fentanil (3mg. kg-1) e iniciada infusão contínua de FLK (fentanil + lidocaína + cetamina) na taxa de 5 mL.kg
-1.h
-1, para promoção da anestesia e analgesia.
Após antissepsia do campo cirúrgico, foi feita coleta de amostras de fluido pleural através de uma seringa estéril de 20 ml intratorácico para realização do antibiograma. Teve início a exploração e avaliação da cavidade torácica e lobos pulmonares, com evidenciação de presença de tecidos peritraumatizados já friáveis, desvitalizados e com sujidades. Realizou-se debridamentos com limpeza e avivamento de bordas da ferida torácica utilizando solução salina isotônica a 0,9% e gazes, objetivando reduzir o grau de contaminação. Após assepsia intratorácica, à exploração dos lobos pulmonares, foram evidenciados politraumas em todos os lobos pulmonares esquerdos com perfurações e tecidos friáveis. Optou-se pela realização de pneumonectomia esquerda (Figura 03). A cavidade torácica de cães é estreita lateralmente e consequentemente, sua maior dimensão é a dorsoventral. As costelas, o esterno e a coluna vertebral formam o esqueleto torácico. O esterno é composto de oito ossos não pareados e forma a base do tórax. A primeira e a ultima esternébra são chamadas de manúbrio e apêndice xifoide, respectivamente. Geralmente existem 13 pares de costelas. A decima, decima primeira e a decima segunda costela não se articulam com o esterno, mas formam o arco costal bilateralmente. A porção cartilaginosa da decima terceira costela termina livre na musculatura. Os cães podem sobreviver a uma perda agua de ate 50% do seu volume pulmonar; entretanto, eles podem desenvolver acidose respiratória e intolerância ao exercício.
Em cães normais, a pneumectomia leva a alterações compensatórias no pulmão contralateral e miocárdio. Apesar de o volume residual, a capacidade vital e a capacidade pulmonar total apresentarem uma redução acentuada inicialmente, o volume residual aumenta progressivamente após três meses. A lobectomia total deve ser feita através de uma toracotomia lateral. Identificar o lobo ou lobos afetados e isolá-los dos outros lobos com compressas úmidas (o tamanho das compressas vai depender do tamanho do animal).
Identificar os vasos sanguíneos e o brônquio do lobo em questão. Com uma pinça, dissecar e isolar a artéria pulmonar que irriga o lobo acometido e fazer uma ligadura com fio de sutura absorvível ou não absorvível (2-0 ou 3-0) em torno da porção proximal do vaso. Não comprometer a luz do vaso do qual essa artéria se origina. Fazer outra ligadura, usando a mesma técnica, distalmente ao local em que o vaso será seccionado. Pode-se fazer outra linha de sutura entre essas duas para evitar que a primeira sutura seja deslocada acidentalmente.
Seccionar a artéria entre as duas suturas distais. Usar a mesma técnica para ligar a veia
18
pulmonar. Identificar o brônquio principal do lobo em questão e prendê-lo com um par de pinças Satinsky proximal e distalmente ao local em que será seccionado. Seccionar o brônquio entre as pinças e remover o pulmão. Suturar o brônquio proximal à pinça usando um padrão horizontal contínuo em cães pequenos pode-se usar uma ligadura de transfixação.
Antes de remover a pinça, suturar o brônquio distalmente à pinça. Após remover a pinça, suturar o coto do brônquio com uma sutura contínua. Encher a cavidade com solução fisiológica morna. Insuflar os pulmões e verificar se há vazamento de ar. Antes de fechar, verificar os lobos remanescentes para se certificar de que eles estão inflados e de que não apresentam torção. Remover o líquido e fechar o tórax conforme foi descrito anteriormente.
Realizada conforme preconizado por Fossum (2015). Poucos fragmentos de costelas
fraturadas estavam presentes, o que dificultou o fechamento da ferida cirúrgica, Fossum
(2015) descreveu, fraturas múltiplas de costelas podem causar um defeito na continuidade da
parede torácica, o que demandou considerável atenção ao reparo cirúrgico costal. Antes do
término da reparação cirúrgica da parede torácica ter sido fechada conforme rotineiramente,
foi fixado, entre o subcutâneo e a parede torácica, um dreno de Penrose e realizada drenagem
pneumática para restabelecimento da pressão negativa intratorácica com auxílio de torneira de
três vias, seringa de 20 mL e cateter intravenoso 16 Gauge. A toracorafia (Figuras 03 A, B e
C) foi realizada com fios de sutura monofilamentares inabsorvíveis tamanho 0, em padrão
simples separados sem envolver as costelas adjacentes à incisão devido às suas fraturas ou
ausências, uma vez que outros tipos de drenos não eram possíveis de se aplicar devido às
limitações de materiais do HOSPITAL. Antecedendo a síntese dérmica, realizou-se
debridamentos, para limpeza e avivamento de bordas do plano muscular torácico mais
externo, com solução salina isotônica a 0,9% e gaze (Figura 04). A síntese subcutânea e
dérmica (Figura 05) foi feita conforme rotina. 72 horas do pós-cirúrgico, o paciente
apresentou grande efusões pleurais drenante da cavidade torácica (Figura 06), com ocorrência
de ruptura de suturas de pele e deiscência de ferida cirúrgica (Figura 07), tendo sido resolvido
por realização de uma segunda intervenção cirúrgica.
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Figura 03 – Ilustrações de aspectos anatômicos e condutas cirúrgicas em cão com politrauma torácico. A, B, C) Ilustração de trauma torácico com exposição de lobos pulmonares em cão com politrauma torácico; D) Ilustração de tempo cirúrgico, imediatamente após pneumonectomia esquerda; E) Ilustração de pulmão esquerdo pneumectomizado, de paciente canino.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
A D
B
C D
E A
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Figura 04 – A) Redução de pneumotórax e restabelecimento da pressão negativa.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Figura 05 – Ilustrações de sínteses em cão com politraumas torácico. A) Exposição vísceras torácicas; B) Reconstrução da parede torácica; C) Conclusão da síntese de planos musculares de parede torácica; D) Síntese de pele concluída.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
A B
C D
A
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Figura 06 – Ilustração de paciente canino com trauma de parede torácica, no período pós- cirúrgico, apresentando ataduras molhadas por efusões pleurais drenantes da cavidade torácica.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Figura 07 – Ilustração de deiscência de ferida cirúrgica da parede torácica, com suturas de pele rompidas, em cão com politrauma torácico.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
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3 DISCUSSÃO
A literatura consultada mostra que o tema ainda carece de maiores relatos de condutas em traumas torácicos associados aos traumas pulmonares em associação à presença de bactérias oportunistas multirresistentes, nesta espécie.
A manutenção anestésica de eleição foi realizada através da anestesia intravenosa total (TIVA), devido ao quadro comprometedor do pulmão esquerdo do paciente e também pela vantagem do processo anestésico como incidência reduzida de náuseas e vómitos no período pós-operatório, diminuição da contaminação atmosférica, recuperação mais rápida e previsível, maior estabilidade hemodinâmica, a preservação da vasoconstrição pulmonar hipóxia, redução da pressão intracerebral e uma redução no risco de toxicidade orgânica.
Visto que, a inalatória não era recomendada para o paciente em questão uma vez que seu pulmão como dito anteriormente havia todo um comprometimento da capacidade absortiva de qualquer anestésico gasoso, devido às condições gerais do processo politraumático ocasionado pelo acidente e do quadro pulmonar. O paciente apresentou hipotensão durante o ato trans-anestésico, sendo corrigido através de infusão com noradrenalina (0,1mL.kg
-1.h
-1), não sendo mais observada nenhuma intercorrência.
A grande quantidade de efusões pleurais apresentada durante o período pós-operatório pode ser considerada através do que descreveu Monnet (2003), quando a cavidade pleural, deveria conter pequena quantidade de líquido pleural (volume médio de 2,4 mL) em paciente canino de 10 kg, o do presente estudo tinha 11 kg, semelhante ao descrito pelo autor. Considerando a continuidade entre o espaço pleural, pleura parietal e visceral, ocorreria permeabilidade entre estas duas membranas, com dinâmica controlada por forças de Starling, com movimento de fluidos da pleura parietal para o espaço pleural. Esses eventos não ocorreram, dentro do esperado fisiologicamente devido aos traumas de pleuras parietal e viscerais, e consequentemente prováveis alterações da pressão coloidosmótica não foi suficiente capaz de estimular a absorção de líquidos naquele espaço pleural, o que finalizaria por promover distensão pleural e elástica da pleura, resultando em maior queda da pressão hidrostática do espaço pleural promovendo novo equilíbrio das forças de Starling, resultando em falha, não permitindo que houvesse uma completa absorção de líquidos pleurais.
Quanto ao isolamento de
Corynebacterium sp., os resultados permitem-nos inferir que oóbito, ocorrido tardiamente, após 11 dias da segunda conduta cirúrgica, pode ter sido devido à
bacteremia por colônias multirresistentes a antimicrobianos rotineiros na Medicina
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Veterinária, o que pode ter ocorrido em resposta aos antibióticos preconizados para este paciente. Resultados semelhantes foram apontados por Pedersen et al., (2007). E ainda de acordo com Martins (2013)
Corynebacterium sp. tem sido citado frequentemente comopatógeno em infecções nosocomiais associadas à sepse, endocardite infecciosa, supuração de ferida cirúrgica, contaminação de próteses e infecções pelo cateter venoso central. Têm sido descritas variações geográficas na frequência e por consequência, variações na resistência aos antimicrobianos tanto na resistência intrínseca quanto na adquirida. Essa resistência múltipla a antimicrobianos reforça a necessidade de mudanças nas condutas terapêuticas e alerta para a crescente problemática e suas consequências frente à resistência de bactérias a antimicrobianos utilizados na rotina clínica Médica Veterinária.
Outra possibilidade relevante, é que o óbito tardio ocorrido, pôde estar relacionado às inferências de Felix (2008) quando relatou óbito tardio ocorrido em pacientes que apresentavam a mesma semelhança de caso quando, após trauma torácico, pode correr descompensação ácido-básico com consequentes alterações gastrointestinais, cardiorrespiratórias, hipotérmicas, coagulopáticas, síndrome da resposta inflamatória sistêmica e possível falência de múltiplos órgãos (ALEXANDER et al., 2006; MUIR, 2006;
FELIX, 2008; MOORE; MATTOX; FELICIANO, 2003).
Complicações pós-operatórias são relatadas para ocorrer em 39% dos casos de cirurgia torácica, em sua maioria composta de complicações da ferida e problemas com o dreno torácico (Tattersall et al., 2006). Ocasionalmente ocorre acumulo de liquido no tecido subcutâneo do aspecto ventral da incisão de toracotomia, mas isso pode ser evitado fechando- se a musculatura distal cuidadosamente (ou seja, músculos serrátil ventral e peitoral).
Vazamentos de ar ou hemorragia (ou ambos) representam a principal complicação da lobectomia ou parcial. Pequenos vazamentos de ar geralmente involuem, mas um vazamento grande ou hemorragia grave requer nova cirurgia. Na esternotomia mediana, o fechamento adequando e a manutenção de varias esternébras intactas evitam a demora na cicatrização ou a ausência de união das esternébras; no entanto, complicações de feridas ainda são comuns. No pós-operatório, é comum a claudicação secundaria a dor e a secção do musculo grande dorsal, mas isso geralmente desaparece em um a dois dias.
A respiração deve ser monitorada cuidadosamente a partir do momento em que o paciente
começa a respirar espontaneamente. Se as excursões respiratórias forem inadequadas, o tórax
deve ser avaliado para verificar se o ar residual foi removido após ser fechado. Se houver
qualquer duvida, devem ser feitas radiografias para determinar a presença de pneumotórax. A
gasometria arterial pode auxiliar na avaliação da ventilação; pacientes hipóxicos devem ser
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tratados com a administração de oxigênio por insuflação nasal ou gaiola de oxigênio.
Pacientes com hipoxemia severa ou progressiva devem ser avaliados para detectar a presença de edema pulmonar. Em alguns animais a ventilação inadequada pode ser uma consequência da dor. A esternotomia mediana pode causar uma redução na ventilação comparável à toracotomia intercostal. Analgésicos são necessários em todos os pacientes submetidos à toracotomia. A hipotermia é uma ocorrência comum após a cirurgia torácica; frascos com água morna ou cobertores de água circulante ou ar quente devem ser usados para aquecer esses pacientes.
A segunda intervenção cirúrgica realizada para resolução de deiscência de ferida cirúrgica foi tecnicamente efetiva; entretanto, o paciente veio a óbito 11 dias de sua realização, 6 horas após retirada de dreno de Penrose, somado a mais sete dias da primeira cirurgia, este óbito tardio pode ser explicado pela falência orgânica sistêmica progressiva associada ao trauma e à possível sepse ocorrida devido à presença de bactérias multirresistentes somente diagnosticadas pelos isolados obtidos a partir do cultivo microbiológico de fluidos presentes na cavidade torácica, cujo resultado não é de imediato, e que só chegou ao conhecimento do clínico nove dias após a coleta da amostra dos fluidos, apresentando sensibilidade à associação de Piperacilina e Tazobactam.
Foi preconizada conduta antimicrobiana à base de amoxicilina e ácido clavulânico
(clavulanato de potássio), que apresentam princípios ativos bactericidas tempos dependente, e
atuam na inibição da síntese de parede celular bacteriana quando associado ao clavulanato de
potássio, um inibidor não competitivo da enzima beta-lactamase. Aventando, assim, a
possibilidade de que seria mantido controle bacteriano até que o resultado do antibiograma
fosse conhecido. O antibiograma tipificou presença de bactérias multirresistentes, e
particularmente à associação antibiótica (beta-lactâmico e clavulanato) preconizada
inicialmente para este paciente. Esses dados estão de acordo com Ishii et al. (2011) que
relataram resistência de bactérias à amoxicilina associada ao ácido clavulânico em cães
atendidos em hospital veterinário de Londrina-PR
.Portanto, a combinação dos dois fármacos
que, em tese, deveria favorecer a atuação dos fármacos como um potente agente bactericida
sistêmico, não foi suficientemente eficaz diante da presença das bactérias multirresistentes,
um comportamento inesperado para o presente caso. Outro fato a ser considerado, é que a
tutora reside em cidade distante do local de atendimento e não houve tempo suficiente entre
os resultados do antibiograma e a readequação da conduta antibiótica preconizada pela
equipe. Estes importantes detalhes também podem ter contribuído, em parte, para o óbito do
paciente.
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Longe de constituir um desafio somente na Medicina Humana, verifica-se a importância das
decisões do Médico Veterinário diante da crescente resistência de nossos pacientes e as
respostas esperadas dos efeitos antimicrobianos utilizados em nossa rotina. Pode-se aventar
que esse crescente equívoco relacionado ao uso indiscriminado e repetitivo de
antimicrobianos devem estar contribuindo com a crescente problemática de resistência das
bactérias aos antimicrobianos empregados na rotina clínica Médica Veterinária, conforme
apontado por diversos colegas da Medicina Veterinária. E tais achados reforçam a
necessidade de estarmos atentos às improváveis culturas de bactérias que possam colonizar a
cavidade torácica em cães com traumas deste porte e nas condições ocorridas com este
paciente.
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4 CONCLUSÕES
Pacientes que apresentam politraumas torácicos sempre será um grande desafio para o Médico Veterinário de cães e gatos, necessitando para eficiência do atendimento não só do conhecimento e das técnicas de abordagens intensivistas, mas da aquisição e aplicação de equipamentos e condutas céleres que possam contribuir para a sobrevivência e o bem-estar destes pacientes.
No atendimento de pacientes caninos que apresentam politraumas torácicos, o profissional Médico Veterinário deve considerar a presença oportunista de
Corynebacterium sp. e emcasos que requeiram condutas de pneumonectomia, devem ser consideradas possíveis descompensações ácido-básico que podem conduzir ao óbito destes pacientes, deve se salientar também que pacientes que sofreram politrauma torácico deve receber atenção redobrada para possíveis complicações devido a costelas fraturadas que venham a perfurar órgãos importantes como pulmões e o coração. A rapidez em diagnosticar e tratar essas alterações com as prováveis consequências irão contribuir para evitar o óbito tardio destes pacientes.
O diagnóstico de
Corynebacterium sp., no paciente canino do presente relato, compolitraumas torácico e pulmonar, submetido à pneumonectomia apresentou sensibilidade à
associação de Piperacilina com Tazobactam. Todavia o paciente em questão recebeu
tratamento com Amoxicilina com Clavulanato o que foi totalmente ineficaz.
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